XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 FORMAÇÃO ESTÉTICO-CULTURAL, CATARSE E EDUCAÇÃO OLIVEIRA, Tamiris Souza de (PPGE/UFES/ FAPES) RESUMO: O pôster expõe o resultado parcial de análises preliminares de uma pesquisa de mestrado que se propõe a realizar o tratamento teórico-filosófico do conceito de catarse e como este se vincula à formação estético-cultural. O objetivo é apontar possíveis desdobramentos da relação desse conceito no âmbito das teorias e práticas educacionais. Apesar de o conceito de catarse não ser desconhecido dos estudiosos da educação e da estética, nossa hipótese é que há poucos trabalhos publicados, no campo educacional, tendo como referencial teórico autores da Escola de Frankfurt, em especial com foco na teoria estética do filósofo alemão Theodor Adorno. A pesquisa opera com três hipóteses básicas: (H1) o conceito de catarse de Adorno pode ser profícuo no estabelecimento de pontos de interseção entre a teoria educacional crítica e a teoria psicanalítica ressignificada a partir da filosofia social desse Filósofo; (H2) esse conceito (catarse) também desafia a escola a se colocar a contrapelo de mecanismos semiformativos da indústria cultural e também pode orientar no tratamento pedagógico crítico de conteúdos culturais transformados em mercadorias; (H3): a partir desse diálogo pode-se pensar a apropriação crítica da cultura e também as relações entre o processo catártico e as investiduras da indústria cultural no âmbito da educação formal. Nesse primeiro momento fazemos uma introdução à temática da pesquisa, com uma reflexão já desenvolvida sobre formação e formação estético-cultural em Adorno. Dessa análise preliminar infere-se que o objetivo desse autor é a formação ominilateral que não isola o indivíduo de si mesmo e nem da sociedade. Palavras-chave: Educação; Formação estético-cultural; Theodor Adorno; Catarse. INTRODUÇÃO O presente trabalho é o resultado parcial de uma pesquisa de mestrado, ainda em andamento no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES) e se insere no campo dos fundamentos teóricos da educação, especificamente, a filosofia da educação. Elege como foco de investigação a relação entre teoria educacional crítica e formação estético- Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003876 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 cultural. Tendo em vista a análise do conceito de catarse, presente na teoria estética do Filósofo alemão Theodor Adorno, para dimensionar a discussão sobre formação estético-cultural no espaço escolar, a pesquisa objetiva contribuir para o desenvolvimento de uma teoria educacional crítica que contemple um projeto de formação estético-cultural amplo e a contrapelo da indústria cultural. Dentre os teóricos frankfurtianos, Adorno é um dos destaques no que se refere às reflexões sobre estética e, juntamente com Max Horkheimer, em Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos formularam a categoria indústria cultural, cuja tese central afirma que a indústria cultural é uma das formas de o sistema capitalista estender a lógica do trabalho à dimensão do lazer, a fim de massificar e tornar mercadoria todos os bens culturais, conservando assim a lógica do fetiche da mercadoria. A Escola de Frankfurt é conhecida por criticar os processos de danificação da subjetividade e a supervalorização, presente na sociedade capitalista, de formas pragmáticas de existência e submissão à razão instrumental. Por isso, também é conhecida por acreditar na potencialidade crítica da razão de pensar a si mesma. O primeiro contato com as obras da Escola de Frankfurt ocorreu dentro do NEPEFIL (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Filosofia) do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo em 2009. A partir dessa aproximação surgiu o desejo de pesquisar sobre a formação estética, em particular a relação entre arte, cultura, indústria cultural e educação. Ou seja, a necessidade de se dialogar acerca de reflexões sobre a influência da indústria cultural no processo educativo e a relação da significação e apropriação dos produtos midiáticos e de promoção da cultura como instrumentos que possibilitam o acesso a um determinado tipo de saber-ser, ser-saber. Mas, por que a preocupação com a formação estético-cultural? A nosso ver, a formação estética e a apropriação crítica da cultura são demandas educacionais. Contudo, talvez, tratar dessa dimensão formativa no âmbito da escola carregue uma dose de desafio, uma vez que essa temática nem sempre é abordada de forma crítica, fora dos cânones estabelecidos e tornados lugar comum. Na medida em que vivemos em uma sociedade fundada na lógica do mercado, com princípios calcados na troca, na velocidade da produção e do consumo, a preocupação com a formação omnilateral tem como objetivo oferecer aos sujeitos o acesso às diversas facetas expressas no acervo cultural da humanidade. Assim, por meio de um processo educativo crítico pode-se produzir, no ambiente escolar, aquelas Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003877 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 condições de possibilidades que visa combater a lógica do mercado. Em outras palavras, a apreensão é por um processo de mediação contínua entre cultura e natureza que tem como objetivo a reconciliação não forçada entre cultura e civilização, pois a [...] formação cultural é um longo processo histórico de mediação e de continuidade que visa à humanização do homem na sua racionalidade, sensibilidade, corporeidade, materialidade; visa humanizar o homem, suas relações e o mundo biológico, material (PUCCI, 1998, p. 111). Teoricamente, a escolha pelo conceito de catarse se faz na medida em que no trato da dimensão sensível e formativa das subjetividades, esta é uma categoria que historicamente tem um potencial de reflexão concentrado para se pensar a formação e a experiência estética. E, no que concerne à apropriação crítica da cultura, na teoria estética de Adorno, esse parece ser um conceito chave. Em linhas gerais, a ideia da pesquisa é prosseguir com a discussão sobre o conceito de catarse na área educacional, já iniciada por pesquisadores vinculados à Teoria Educacional Crítica (TEC). No entanto, esse projeto pretende expor as possíveis contribuições da definição adorniana do conceito de catarse para o âmbito educacional e, dessa forma, intenciona buscar indícios para reflexões sobre a noção de apreciação e de formação estético-cultural no campo da educação. Como dito, o estudo tem como meta prosseguir a discussão sobre o conceito de catarse iniciada no âmbito das Teorias Educacionais Críticas (TECs). Consiste na ideia de pensar quais os desdobramentos/desafios que o conceito adorniano de catarse possui para a teoria educacional crítica, em especial para a formação estética? Quais os elementos teóricos presentes no tratamento desse conceito, tanto para a TEC como para a filosofia estética de Adorno? E a partir das respostas a essas questões, quais os possíveis desdobramentos teóricos para o âmbito da educação escolar? É possível afirmar que na relação com os produtos da indústria cultural o sujeito consiga desenvolver a dimensão catártica? Em que sentido isso é possível? Em síntese, o objetivo principal da pesquisa é contribuir para o desenvolvimento de uma teoria educacional crítica que contemple um projeto de formação estéticocultural ampla e que caminhe a contrapelo da indústria cultural. Para isso, a pesquisa visa aprofundar os estudos sobre a Teoria Crítica da Sociedade (TCS), em particular o conceito de catarse presente filosofia estética de Theodor Adorno, relacionando-o a uma teoria educacional crítica. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003878 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 Trata-se de uma pesquisa de cunho teórico-bibliográfico que pretende realizar um levantamento de literatura e análise sobre os fundamentos teóricos da educação, elegendo como foco a relação entre teoria educacional crítica e formação estéticocultural. Em um primeiro momento nossa intenção é mapear a produção acadêmica em torno dessa temática e do conceito de catarse publicado em três periódicos Qualis A1. Ao eleger a catarse como principal foco de análise, delimita-se o problema de pesquisa e pretende buscar, a partir desse conceito, elementos para pensar a formação estético-cultural. Com isso, a pesquisa opera com três hipóteses básicas: (H1) o conceito de catarse de Adorno pode ser profícuo no estabelecimento de pontos de interseção entre a teoria educacional crítica e a teoria psicanalítica ressignificada a partir da filosofia social desse Filósofo; (H2) esse conceito (catarse) também desafia a escola a se colocar a contrapelo de mecanismos semiformativos da indústria cultural e também pode orientar no tratamento pedagógico crítico de conteúdos culturais transformados em mercadorias; (H3): a partir desse diálogo pode-se pensar a apropriação crítica da cultura e também as relações entre o processo catártico e as investiduras da indústria cultural no âmbito da educação formal. Como reflexão inicial, cabe ao presente trabalho expor algumas considerações sobre a Teoria Crítica da Sociedade (TCS) da Escola de Frankfurt (EF), alguns dados biográficos de Theodor Adorno e apontamentos gerais sobre a EF para, em seguida, relacioná-los com as discussões educacionais e a formação estético-cultural. Nesse sentido, o que se apresenta são breves considerações cujo escopo é introduzir a temática da pesquisa. Assim, o próximo item apresentará uma reflexão já desenvolvida na pesquisa, qual seja: formação e estética em Theodor Adorno. 1 FORMAÇÃO E ESTÉTICA EM THEODOR ADORNO Para esse trabalho limitamo-nos em descrever as primeiras considerações sobre a Escola de Frankfurt e sua importância enquanto Escola filosófica. Em relação a Adorno, detivemo-nos em sua relação com a EF e como a sua filosofia se insere nas discussões sobre educação e formação estético-cultural. A EF é um marco na história da filosofia alemã, por se tratar de um contingente peculiar que muito contribuiu na constituição do marxismo ocidental. Marcada, sobretudo pelo exercício da crítica e pelo movimento de contradição na forma de Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003879 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 pensar, ela é precursora da vertente denominada TCS, termo cunhado pelo Filósofo alemão Max Horkheimer. A Teoria Crítica da Sociedade, em contraposição à Teoria Positivista, ampliou sua já inicial vertente marxiana. Ela leva em consideração a filosofia clássica idealista (Kant e Hegel) alemã, a crítica iconoclasta de Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, Marquês de Sade, a teoria psicanalítica iniciada por Sigmund Freud, a sociologia de Max Weber e as contribuições de Sociólogos e Filósofos que já despertavam para o diálogo crítico com essa tradição. E é esse alargamento teórico que possibilitou a tradição da TCS discernir, nas chamadas ciências humanas (psicologia, sociologia, história, etc.), o potencial crítico da teoria: a razão crítica de si mesma (MAAR, 1995). De acordo com Loureiro (2006), a EF sem dúvida impulsionou uma nova forma de pensar a sociedade moderna dentro da filosofia ocidental contemporânea, principalmente com suas observações sobre as esperanças ingênuas despertadas pelo esclarecimento (Aufklärung) e a desconfiança em relação à racionalidade técnicoinstrumental ampliada pela burguesia. A razão instrumental e a ação pragmática dessa classe social seriam as principais fontes dos problemas contemporâneos. Para a Teoria Crítica, a sociedade administrada mina seu potencial emancipador na medida em que reproduz uma vida danificada por meio de sua racionalidade instrumental, e que “[...] por mais que a racionalidade tivesse empreendido esforços para libertar o homem do pensamento mítico, este permanecera preso ao nexo da própria racionalidade” (JAY, 1988, p. 36). Os frankfurtianos nos alertam da impossibilidade de pensar uma sociedade que não pensa a si mesma, uma vez, que “[...] as relações sociais não afetam somente as condições da produção econômica e material, mas também interagem no plano da ‘subjetividade’, na qual originam relações de dominação” (MAAR, 1995, p. 19). E que o esclarecimento pregado pela sociedade moderna converteu-se em mito, que precisa ser negado por meio do pensamento crítico. Nesse sentido, a dimensão crítica da Escola de Frankfurt manifesta-se na negação/rejeição dos princípios instrumentais e pragmáticos da sociedade burguesa, cujo ideal cientificista (positivismo, neopositivismo), pragmatista e neopragmatista, amplia as forças da sociedade administrada que visa a docilidade e o controle de homens e mulheres para fins de reprodução do sistema. Dentro da discussão sobre a sociedade do capitalismo tardio há, direta ou indiretamente, análises que tratam da questão educacional. De forma mais evidente, Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003880 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 dentre os autores da primeira geração da Escola de Frankfurt, Theodor W. Adorno é aquele que talvez mais se destaca pelo conjunto de reflexões e aproximações entre cultura, formação cultural e filosofia da educação (LOUREIRO, 2006). Theodor Wiesengrund Adorno nasceu em 11 de setembro de 1903 em Frankfurt e faleceu no dia 06 de agosto de 1969. Filho único de um comerciante de vinhos judeu, abastado e instruído, Oskar Wiesengrund, e de sua esposa católica, Maria Calvalli Adorno. Sua infância e adolescência foram marcadas pela música, sob influência da mãe, cantora profissional, e da tia Agathe, irmã de sua mãe e companheira de lar, uma pianista talentosa. Precoce em termos musicais e intelectuais, Adorno foi encorajado a desenvolver seus dotes em ambas as direções. Aos quinze anos, foi introduzido na filosofia clássica alemã por um amigo da família, Siegfried Kracauer, quatorze anos mais velho que ele, com o qual deu início ao habito semanal de ler Critique de Kant. Com Kracauer, que logo iria tornar-se um dos mais notáveis críticos e um grande teórico do cinema, Adorno aprendeu a decifrar os textos filosóficos como documentos da verdade histórica e social. (JAY, 1988, p. 26) Adorno ingressou na Universidade de Frankfurt com apenas 17 anos, para estudar filosofia, musicologia, psicologia e sociologia. Aos 21 anos de idade, em 1924, ele defendeu sua tese de doutorado, intitulada A transcendência do objeto e do noemático da fenomenologia de Husserl, sob orientação do professor Hans Cornelius, que também foi orientador de Max Horkheimer. Também em meados de 1924, iniciou os estudos de crítica e estética musicais que se tornaram seu próprio domínio. Em 1931, então com 28 anos, Adorno obteve sua Habilitation para ministrar aulas na Universidade de Frankfurt, com a tese Kierkegaard: a construção da estética, orientada por Paul Tillich. Aprovado no exame, no mesmo ano Adorno tornou-se professor de filosofia na Universidade de Frankfurt e, concomitantemente, passou a ser um dos principais colaboradores do Instituto para Pesquisa Social, posteriormente denominado Escola de Frankfurt. Após esse breve detour biográfico, a seguir, por meio de alguns comentadores da TCS, situamos a filosofia crítica de Adorno dentro das discussões educacionais, em especial na temática sobre formação estético-cultural. Adorno não se dedicou exclusivamente às questões educacionais. Atualmente, pode-se afirmar que, no meio educacional, suas reflexões filosóficas têm sido de grande relevância, em particular “[...] a defesa intransigente de um modo de pensar que não se Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003881 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 entrega diante das facilidades de um raciocínio condicionado a permanecer na superfície do dado imediato” (PUCCI; RAMOS-DE-OLIVEIRA; ZUIN, 1999, p. 109), típico do pensamento positivista, o que torna sua filosofia carregada pela permanente crítica imanente dos objetos e das relações que estes estabelecem. Dentre as publicações adornianas sobre educação, destacam-se o grande número de conferências e entrevistas sobre diversos temas culturais realizadas entre 1959 e 1969. Parte considerável dessas conferências foi proferida em programas de Rádio, na Alemanha. Dentre elas: A educação após Auschwitz (1965) e a entrevista Educação e emancipação (agosto de 1969) (cf. PUCCI; RAMOS-de-OLIVEIRA; ZUIN, 1999). O livro Educação e Emancipação (1995) de Theodor Adorno trata exatamente de um conjunto de palestras e entrevistas sobre educação traduzidas por Wolfgang Leo Maar, professor da UFSCar. O livro, à primeira vista, se considerarmos apenas o título, tende a ser uma afirmação, no entanto, um ponto de interrogação, a nosso ver, teria também um lugar especial. Porque, segundo Leo Maar (1995), para Adorno a educação não é indispensavelmente um fator de emancipação. O significa dizer, que para Adorno, a crítica é permanente, não possui um ponto final. Ou seja, não existe um tempo ou espaço do ideal imaginário no qual seja possível se privar do movimento crítico do pensamento. Ao associar o pensamento social de Adorno com a educação, que também é um objeto social, encontramos a relação de sua teoria social com as questões educacionais, que segundo seu pensamento deve se pautar no movimento crítico. E, dessa forma, não é precipitado incluí-lo no eixo das tendências educacionais consideradas críticas. Já que é a crítica imanente que marca a produção filosófica de Adorno. A rigor, desde os primórdios, na ideia de cultura estavam presentes, complementar e contraditoriamente, a dimensão emancipatória e repressora, ou seja, a tensão entre a perspectiva autônoma e adaptativa. De acordo com Pucci (1998, p. 90), a “[...] Bildung (cultura) revela a tensão entre as dimensões: autonomia, liberdade do sujeito e sua configuração à vida real, adaptação.” Esse caráter contraditório da Bildung, portanto dialético, diz respeito tanto ao aspecto de autonomia e emancipação dos sujeitos, como também ao caráter de acomodação integrativa ou adaptação. Esses dois elementos, que constituem a formação cultural, ora se aproximam, ora se distanciam. A tensão entre os polos é um processo do qual não há como se desprender. O momento de integração é importante, pois alguma adaptação é necessária. No entanto, o problema aparece quando dessa Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003882 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 tensão o polo positivo (submissão à realidade dada, adaptação) sobrepõe-se ao elemento negativo (liberdade, autonomia do sujeito) e a adaptação torna-se quase que hegemônica, pois, como afirma Adorno, no ensaio Teoria da semiformação (1996, p. 2): “[...] nos casos em que a cultura foi entendida como conformar-se à vida real, ela destacou unilateralmente o momento de adaptação, e impediu que os homens se educassem uns aos outros”. Adorno teceu críticas contundentes à sociedade moderna, pautada na lógica do capital, que na tentativa de dominar a natureza investe no progresso tecnológico e tende a tornar os seres humanos empobrecidos de humanidade. Na busca de uma redenção vinculada ao progresso, o problema da sociedade atual é considerar-se esclarecida sem sê-la. Isso porque o desenvolvimento científico não tem conduzido, necessariamente, à emancipação, precisamente por estar vinculado à uma determinada formação social enrijecida que se reproduz incondicionalmente. O quadro mais avassalador dessa situação é o capitalismo tardio de nossa época, embaralhando os referenciais da razão nos termos de uma racionalidade produtivista pela qual o sentido ético dos processos formativos e educacionais vaga à mercê das marés econômicas. (MAAR, 1995, p. 16) Tendo em consideração que as relações sociais não afetam somente as condições da produção econômica e material, mas também atuam na dimensão subjetiva da sociedade, na qual se configuram como relações de dominação, para Adorno, vivemos uma crise da formação que não seria apenas a consciência de si, ou a conscientização, pois, dessa forma, poder-se-ia cair em um subjetivismo demasiado. Portanto, na concepção adorniana, consciência é a experiência objetiva na interação social e na relação com a natureza, ou seja, trabalho social. Nesse sentido, a formação perpassa pelo trabalho social, no qual se articula objetividade e subjetividade. Adorno não é contra a modernidade ou à racionalidade, em si mesmas. Sua crítica está na incapacidade que, a partir de determinado momento histórico, a racionalidade moderna perdeu sua capacidade autorreflexão crítica e de não proporcionar, de fato, uma experiência formativa dialética que seria, para o filósofo, a própria razão. Na crise da formação, o que prevalece é a semiformação, que é uma vivência restrita ao caráter afirmativo da lógica vigente (MAAR, 1995). A semiformação é a base social de uma estrutura de dominação. No entanto, o processo de manipulação é feito graças aos artifícios da indústria cultural, categoria Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003883 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 cunhada em 1947 no livro Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos de Adorno e Horkheimer. Segundo os autores, é a i.c que, embasada política e esteticamente no modo de produção capitalista, converte toda a cultura em mercadoria. É a indústria cultural que atua no plano da subjetivação social. Ela trava a experiência dialética, que tem como premissa o não-idêntico, em prol da uniformização da sociedade administrada. É nesse contexto, do sempre igual, que Adorno e a Teoria Crítica da Sociedade entram como forma de pensar e combater a realidade social. Porque quando tudo é produzido para a permanente manutenção afirmativa da lógica capitalista e se perde a dialeticidade das relações sociais, é que se pode pensar a partir, e com Adorno, uma dialética negativa: torna-se o que é pela relação com o que não é, ou seja, por meio da não identificação e recusa de determinada verdades produzidas. Enfim, pensar a realidade por meio do pensamento crítico. No âmbito da Teoria Crítica da Sociedade, afirma-se que atualmente a liberdade, uma das condições para a formação, passou a ser a reprodução e a expressão do existente. Por conseguinte, as dimensões emancipatória e autônoma da cultura encontram-se submergidas na lógica da razão instrumental vigente na sociedade capitalista. Nesse sentido, pelo fato de os produtos culturais deixarem de ser valores de uso e se tornarem quase que apenas valores de troca, integrados à lógica do mercado a tendência é que a formação estético-cultural se converta em uma semiformação socializada. A subjetividade passa a ser formada pelas “mercadorias culturais”. Ou seja, a ideologia dominante substitui a consciência pelo conformismo, porque dificilmente esta ordem é confrontada, pois ela cria uma sociedade inteiramente adaptada, onde se premia o mais adaptado, já que a formação se congela em categorias fixas, que promove e favorece uma formação regressiva e individualista (ADORNO, 1996). Em outros termos, o que se observa atualmente é o recrudescimento do caráter adaptativo da cultura. Por isso, de acordo com Pucci (1998), a intenção de Adorno, com o conceito de dialética negativa, é destacar que a formação estético-cultural autêntica tem como fim o sujeito autônomo. A educação, portanto, é um fator importante nesse processo formativo, pois enquanto esclarecimento, ela é o momento subjetivo do processo de conhecimento, é a dimensão criativa e sensível da razão. A educação é a formação que ocorre em processo de contraposição à semiformação, pois é uma “[...] busca que atinge o homem e a sociedade enquanto um todo, em sua capacidade Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003884 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 subjetiva/objetiva, nas condições ideais e materiais de reagir, de se contrapor e de direcionar a perspectiva da emancipação” (PUCCI, 1998, p. 112). Em última análise, em função do forte apelo da racionalidade instrumental hegemônica, esvazia-se o caráter emancipador da cultura. Eis, então, a necessidade de uma crítica dialética que transcenda a cultura/ideologia vigente. Mas, por que formação estético-cultural? O termo estética possui sua origem etimológica em grego (Aisthesis), e significa “sensação”, “percepção sensorial”, "faculdade de sentir", "compreensão pelos sentidos", "percepção totalizante", ou, percepção imediata da realidade por meio dos sentidos. A discussão sobre estética transcende o aspecto do belo em si. Mais do que uma ciência, a estética pode ser considerada um campo da filosofia moderna cuja reflexão intencional relaciona-se à suposta tensão entre razão e sensibilidade, faculdades que fazem parte de uma mesma unidade estrutural e diz respeito ao corpo (EAGLETON, 1993). Ela abrange as diversas facetas da existência, ou seja, estende-se ao mundo subjetivo dos humanos, às formas de ver, sentir e perceber o mundo objetivo e subjetivo. A formação estética seria, então, o processo pelo qual a faceta cultural e artística é tomada como objeto de reflexão e apropriada/sentida de forma subjetiva pelo sujeito produtor e fruidor de cultura. Contudo, a manipulação da arte e a dominação do homem na sociedade contemporânea nos fazem perceber que a formação, aquela apropriação subjetiva da cultura, se perde e a nossa compreensão de mundo tende a ser formatada conforme interesses alheios. Em lugar de uma formação plena de sentidos tem-se a semiformação que “[...] carreia a debilidade em relação ao tempo, o enfraquecimento da memória. Aprisionada nos limites da vivência, a semiformação acomete a relação do sujeito com o mundo e brutaliza a consciência, por ser um incentivo à não reflexão.” (LOUREIRO, 2006, p. 179) No entanto, apenas apreciar é insuficiente, é preciso um movimento de conhecer/apropriar-se, para, enfim, fruir/produzir arte/cultura de forma crítica. Como enfatiza Pucci (citado por LOUREIRO, 2006), a experiência estética oferece aos sentidos humanos uma dimensão de conhecimento e ao entendimento uma dimensão de sensibilidade. O contato com uma cultura que foge dos padrões pragmáticos da sociedade requer uma apreciação mais elaborada. Todavia, a educação, ou o acesso a ela, por si só não gera emancipação, tampouco indivíduos autônomos. Para tanto, um olhar menos Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003885 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 ingênuo, concomitante a uma elaboração do passado (elevar ao nível do consciente os cacos da história individual e coletiva, que foram reprimidos ao longo do tempo) são imprescindíveis (LOUREIRO, 2006). Esse movimento, de pensar de forma históricodialética os elementos que engendram os sentidos humanos a um estado perceptivo que educa o sujeito na construção de sua própria subjetividade e emancipação está na base da filosofia de Adorno. Assim, o objetivo não é apenas educar para a fruição de uma cultura, de uma arte mais sistematizada, contrapondo-se aos preceitos adotados pelos meios de comunicação de massa que requerem o imediatismo, a banalização do critério de entendimento, a superficialidade e o esvaziamento da historicidade da existência individual e coletiva. Trata-se de se esforçar para compreender o movimento histórico e dialético da realidade na qual esses meios, próprios da i.c., se inserem e buscar outra possibilidade, que não a massificada, de produção e fruição cultural e artística. 2 CONSIDERAÇÕES FINAIS PRELIMINARES No que tange a relação da Teoria Crítica da Sociedade de Adorno com a educação, pode-se inferir que o escopo é a formação do ser omnilateral. Em muitos aspectos a Filosofia adorniana faz par com a Paidéia clássica, ou seja, aquele tipo de formação preocupada com a educação total, aberta e que não isolava o indivíduo. Nesse caso, o humano culto é aquele de espírito aberto e livre e a cultura viva e formativa é aquela aberta para o futuro, mas com bases sólidas no passado (ABBAGNANO, 1998). E, ser culto é não se fascinar diante do novo, tampouco dele se afastar, mas saber considerá-lo em seu justo valor. Em tese, o indivíduo culto deveria ser capaz de vincular o “novo” àquilo que supostamente é passado (velho) e poder, nesse diálogo, expressar semelhanças e diferenças. Após essa breve análise sobre o processo formativo da dimensão estéticocultural, a partir da Teoria Crítica da Sociedade de Adorno, nosso intuito é avançar e ao mesmo tempo limitar o foco para o conceito de catarse presente na teoria estética de Adorno. Dentre os muitos conceitos elaborados por esse Filósofo, a escolha da catarse se justifica pela atenção a ela dispensada, na medida em que relaciona a indústria cultural como desveladora e manipuladora do potencial formativo daquele conceito. Principalmente no que se refere à faceta de identificação/empatia (Einfühlung) exacerbada que acaba por prejudicar o distanciamento crítico no processo de semiformação. Acarretando com isso a permanente manutenção do sistema. Nesse Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003886 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 12 sentido, optar estudar esse conceito se torna um artifício para pensar uma formação estético-cultural ao revés dos apelos da indústria cultural. Esse pôster representa apenas o início de uma parte dos estudos, em nível de mestrado, sobre a relação entre educação e formação estética a partir da filosofia de Adorno. O próximo passo é desvendar a importância do conceito de catarse na teoria estética de Adorno e, dessa forma, dar continuidade à pesquisa. 3 REFÊRENCIAS ABBAGNANO, Nicolas. Dicionário de filosofia. [tradução de Alfredo Bossi]. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ADORNO, Theodor Wiesengrund. Teoria da Semiformação. (Traduzido por Newton Ramos-de-Oliveira, Bruno Pucci e Cláudia B. M. de Abreu). Educação e Sociedade. Campinas, n. 56, ano XVII, dezembro de 1996, p. 388-411. EAGLETON, Terry. Ideologia da estética. 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