referência bibliográfica.

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Doutrina
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Revista de Artigos - 2010
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A nova ação penal nos crimes contra a dignidade sexual:
uma análise da Lei n. 12.015/2009
Thiago André Pierobom de Ávila
Promotor de Justiça do MPDFT, titular da 1ª Promotoria de Justiça Especial
Criminal e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Ceilândia, bem
como Promotor-Coordenador de Ceilândia. É Mestre em Direito pela Universidade
de Brasília, Doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa e Professor de
Direito Processual Penal da pós-graduação lato sensu da FESMPDFT.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Síntese das alterações relevantes. 2 Regramento da
ação penal nos crimes contra os costumes antes do advento da Lei n. 12.015/2009.
3 Novas regras da Lei n. 12.015/2009 relativas à ação penal. 4 Regras de transição.
Referências.
Introdução
A questão relativa à ação penal nos crimes contra a dignidade sexual (antigos
crimes contra os costumes) sempre foi controvertida.
O tema era antes tratado de forma fragmentária em diversos artigos do Código
Penal. Com o advento da Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009, houve uma
tentativa de simplificação do tema. Todavia, considerando que ainda haverá várias
dúvidas relativas às regras de transição, ainda é relevante compreender como o
tema era tratado antes da referida alteração, como é o novo tratamento e como será
a regra de transição.
1 Síntese das alterações relevantes
Em síntese, a reforma da Lei n. 12.015/2009 introduziu três alterações
relevantes (para a análise do problema da espécie de ação penal no caso). Primeiro,
a reforma revogou o dispositivo relativo ao crime de atentado violento ao pudor
(antigo art. 214 do CP) e passou a disciplinar essa conduta de forma conjunta no
mesmo dispositivo do estupro. Não houve abolitio criminis, pois as condutas antes
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tipificadas no antigo 214 do CP como atentado violento ao pudor (v.g., coito anal,
felação, beijo lascivo e outros atos libidinosos semelhantes) continuam tipificados
como estupro no novo art. 213 do CP. A diferença é que agora um homem poderá
ser formalmente vítima de estupro, nas modalidades antes indicadas. Em segundo
lugar, também há alteração na regra do concurso material, pois, como anteriormente
as condutas estavam disciplinadas em dois dispositivos separados, a jurisprudência
admitia, no caso de conjunção carnal e coito anal na mesma circunstância de fato,
o concurso material das condutas, com o somatório das penas; todavia, como
atualmente ambas as condutas estão previstas no mesmo dispositivo legal, não
mais será possível o concurso material de crimes, mas haverá um crime único,
devendo a circunstância da realização de várias condutas correspondentes a
vários núcleos verbais típicos ser avaliada na fixação da pena, exasperando-a.
Finalmente, a reforma revogou a regra da presunção de violência do antigo 224
do CP, nas hipóteses de prática de relação sexual com menor de 14 anos, incapaz
ou com quem não poderia oferecer resistência. Agora, ao invés de se realizar a
combinação de dois dispositivos para se realizar a adequação típica (o art. 213
previa como crime a prática de relação sexual mediante violência e o antigo 224
presumia a violência nas hipóteses mencionadas), a nova legislação estabeleceu
diretamente uma figura típica que incrimina a prática de relação sexual com menor
de 14 anos, incapaz ou quem não pode oferecer resistência, sob o nomen juris de
estupro de vulnerável (novo art. 217-A do CP), inclusive com pena mais elevada
que a do estupro comum. Considerando que houve revogação do art. 224 do CP
e a nova pena do crime de estupro de vulnerável já é mais elevada em relação ao
tipo simples, fica tacitamente revogado o art. 9º da Lei nº 8.072/1990, que previa
uma causa de aumento da pena de metade para as hipóteses de estupro cometido
nas hipóteses do art. 224 do CP. Também houve a alteração das regras relativas à
ação penal, que será vista adiante.
2 Regramento da ação penal nos crimes contra os costumes antes do
advento da Lei n. 12.015/20091
Os atuais crimes contra a dignidade sexual correspondem aos crimes de estupro
(que abrange o antigo atentado violento ao pudor), violação sexual mediante
fraude, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação
da lascívia mediante presença de criança ou adolescente e favorecimento da
prostituição, previstos nos art. 213 a 218-B do CP.
Antes da alteração legislativa, havia uma regra geral de que a ação penal em
relação a tais delitos proceder-se-ia mediante queixa (art. 225, caput, CP). Entendiase que a justificativa de o legislador entregar o jus persequendi in judicio nas mãos
da vítima era uma questão de política criminal decorrente do constrangimento que
o processo poderia gerar na vida da vítima (streptus judicii).
Todavia, o próprio legislador que estabelecia essa regra geral em relação
aos crimes contra os costumes passou a estabelecer várias exceções, às quais a
jurisprudência se encarregou de acrescentar outras, de sorte que o estudo dogmático
da ação penal nos crimes contra os costumes se tornou verdadeira celeuma.
Dispunha o revogado art. 225, § 1º, I, c/c o § 2º, CP, que, tratando-se de vítima
pobre, a ação penal seria pública condicionada à representação.
Dispunha o revogado art. 225, § 1º, II, CP, que, tratando-se de crime cometido
com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, a ação
penal seria pública incondicionada.
Da mesma forma, em se tratando de crime contra os costumes, qualificado pelo
resultado de lesão corporal grave ou morte (anteriormente previsto no art. 223,
CP), a ação penal era pública incondicionada. Tratava-se de uma interpretação
sistemática do antigo 225, eis que tal artigo dispunha que “nos crimes definidos nos
capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa”, e o delito capitulado
no art. 223 estava dentro do mesmo capítulo, de sorte que não era alcançado pela
norma de exceção, portanto, era alcançado pela regra geral estabelecida no art. 100
do CP, que é a da ação penal pública incondicionada.
Além dessas hipóteses de ação penal pública incondicionada, o Egrégio STF
editou a Súmula nº 608, nos seguintes termos: “No crime de estupro, praticado
mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
Por violência real entendia-se lesão corporal (ainda que simples). E, segundo
tal entendimento, mesmo o advento da Lei nº 9.099/1995 não teria alterado a ação
_________________________________________
1
A presente análise já constava de nossa obra: ÁVILA, Thiago André Pierobom de.
Direito processual penal. 15. ed. Brasília: Vestcon, 2009, item 6.6.
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tipificadas no antigo 214 do CP como atentado violento ao pudor (v.g., coito anal,
felação, beijo lascivo e outros atos libidinosos semelhantes) continuam tipificados
como estupro no novo art. 213 do CP. A diferença é que agora um homem poderá
ser formalmente vítima de estupro, nas modalidades antes indicadas. Em segundo
lugar, também há alteração na regra do concurso material, pois, como anteriormente
as condutas estavam disciplinadas em dois dispositivos separados, a jurisprudência
admitia, no caso de conjunção carnal e coito anal na mesma circunstância de fato,
o concurso material das condutas, com o somatório das penas; todavia, como
atualmente ambas as condutas estão previstas no mesmo dispositivo legal, não
mais será possível o concurso material de crimes, mas haverá um crime único,
devendo a circunstância da realização de várias condutas correspondentes a
vários núcleos verbais típicos ser avaliada na fixação da pena, exasperando-a.
Finalmente, a reforma revogou a regra da presunção de violência do antigo 224
do CP, nas hipóteses de prática de relação sexual com menor de 14 anos, incapaz
ou com quem não poderia oferecer resistência. Agora, ao invés de se realizar a
combinação de dois dispositivos para se realizar a adequação típica (o art. 213
previa como crime a prática de relação sexual mediante violência e o antigo 224
presumia a violência nas hipóteses mencionadas), a nova legislação estabeleceu
diretamente uma figura típica que incrimina a prática de relação sexual com menor
de 14 anos, incapaz ou quem não pode oferecer resistência, sob o nomen juris de
estupro de vulnerável (novo art. 217-A do CP), inclusive com pena mais elevada
que a do estupro comum. Considerando que houve revogação do art. 224 do CP
e a nova pena do crime de estupro de vulnerável já é mais elevada em relação ao
tipo simples, fica tacitamente revogado o art. 9º da Lei nº 8.072/1990, que previa
uma causa de aumento da pena de metade para as hipóteses de estupro cometido
nas hipóteses do art. 224 do CP. Também houve a alteração das regras relativas à
ação penal, que será vista adiante.
2 Regramento da ação penal nos crimes contra os costumes antes do
advento da Lei n. 12.015/20091
Os atuais crimes contra a dignidade sexual correspondem aos crimes de estupro
(que abrange o antigo atentado violento ao pudor), violação sexual mediante
fraude, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação
da lascívia mediante presença de criança ou adolescente e favorecimento da
prostituição, previstos nos art. 213 a 218-B do CP.
Antes da alteração legislativa, havia uma regra geral de que a ação penal em
relação a tais delitos proceder-se-ia mediante queixa (art. 225, caput, CP). Entendiase que a justificativa de o legislador entregar o jus persequendi in judicio nas mãos
da vítima era uma questão de política criminal decorrente do constrangimento que
o processo poderia gerar na vida da vítima (streptus judicii).
Todavia, o próprio legislador que estabelecia essa regra geral em relação
aos crimes contra os costumes passou a estabelecer várias exceções, às quais a
jurisprudência se encarregou de acrescentar outras, de sorte que o estudo dogmático
da ação penal nos crimes contra os costumes se tornou verdadeira celeuma.
Dispunha o revogado art. 225, § 1º, I, c/c o § 2º, CP, que, tratando-se de vítima
pobre, a ação penal seria pública condicionada à representação.
Dispunha o revogado art. 225, § 1º, II, CP, que, tratando-se de crime cometido
com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, a ação
penal seria pública incondicionada.
Da mesma forma, em se tratando de crime contra os costumes, qualificado pelo
resultado de lesão corporal grave ou morte (anteriormente previsto no art. 223,
CP), a ação penal era pública incondicionada. Tratava-se de uma interpretação
sistemática do antigo 225, eis que tal artigo dispunha que “nos crimes definidos nos
capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa”, e o delito capitulado
no art. 223 estava dentro do mesmo capítulo, de sorte que não era alcançado pela
norma de exceção, portanto, era alcançado pela regra geral estabelecida no art. 100
do CP, que é a da ação penal pública incondicionada.
Além dessas hipóteses de ação penal pública incondicionada, o Egrégio STF
editou a Súmula nº 608, nos seguintes termos: “No crime de estupro, praticado
mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
Por violência real entendia-se lesão corporal (ainda que simples). E, segundo
tal entendimento, mesmo o advento da Lei nº 9.099/1995 não teria alterado a ação
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1
A presente análise já constava de nossa obra: ÁVILA, Thiago André Pierobom de.
Direito processual penal. 15. ed. Brasília: Vestcon, 2009, item 6.6.
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penal pública incondicionada nessas hipóteses. Nesse sentido, ver decisão do STJ:
a regra especial afastaria a aplicação da regra geral5 . Todavia, considerando que se
tratava de uma decisão do STF, cúpula do Judiciário brasileiro, tal entendimento
sempre foi respeitado pelos demais órgãos judiciais.
Ementa
Habeas corpus. Penal. Estupro com lesões corporais leves. Ação Penal Pública
Incondicionada. Súmula nº 608/STF. Delito considerado hediondo. Impossibilidade
de progressão de regime.
“O estupro absorve as lesões corporais leves decorrentes do constrangimento, ou da
conjunção carnal, não havendo, pois, como separar estas daquele, para se exigir a
representação prevista no art. 88, da Lei nº 9.099/1995.”2
Vigência da Súmula nº 608, do STF.
Consoante entendimento recentemente adotado pelo Col. STF, secundado por julgados
desta Corte, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos
em sua forma simples ou com violência presumida, enquadram-se na definição legal
Por violência real entendia-se não somente a lesão corporal leve, mas também a
grave ameaça. Desde 1991, o STJ diferenciava a grave ameaça da violência física,
entendendo que o estupro mediante grave ameaça seria de ação penal privada6 .
Todavia, após 2000, houve alteração no entendimento do Tribunal, passando-se
a entender que tanto a violência física quanto a grave ameaça (v.g., emprego de arma
de fogo) justificava que a ação penal fosse considerada pública incondicionada.
Conferir:
de crimes hediondos (art. 1º da Lei nº 8.072/1990), recebendo essa qualificação
ainda quando deles não resulte lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima.
Hipótese dos autos em que incide a regra proibitiva da progressão de regime inserta
no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990.
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL.
SÚMULA Nº 608-STF.
I – Na linha de precedentes desta Corte, a expressão violência real alcança a
denominada violência moral (no caso, grave ameaça com emprego de arma), estando,
aí, tão só excluída a violência presumida. Além do mais, o art. 101 do CP, na dicção
Ordem denegada3.
O entendimento justificava-se no disposto no art. 101 do CP, segundo o qual,
no crime complexo, se uma das elementares ou circunstâncias constituírem crime
que por si só seja de ação penal pública, todo o delito complexo será de ação penal
pública. Destarte, considerando que o delito de lesões corporais é de ação penal
pública, caso o estupro seja praticado com violência física, deveria ser procedido
por denúncia do Ministério Público.
Tal entendimento sofria críticas doutrinárias, porquanto o estupro não é
tecnicamente um delito complexo, segundo o entendimento clássico de Antolisei,
para o qual delito complexo é a reunião de dois outros delitos em uma nova figura.
Haja vista tratar-se de uma lesão corporal ou ameaça mais a conjunção carnal,
como essa última não é um crime, o estupro não seria um crime complexo4 .
Também se criticava o entendimento pelo fato de o art. 101 ser uma norma geral e
o art. 225, uma norma especial, de modo que, pelo princípio geral de hermenêutica,
_________________________________________
2
HC nº 7.910/PB. Relator Ministro Anselmo Santiago. DJ de 23/11/1998.
3
HC nº 21.423/SP. Reg. nº 2002/0036067-0. 5ª Turma. Relator Ministro José Arnaldo
da Fonseca. DJ 26/8/2002, p. 279.
4
JESUS, Damásio E. Código Penal anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, art. 101.
56
R. Art. Minist. Públ. Dist. Fed. Terit., Brasília, n.4, p. 53-68, 2010
predominante, alcança o estupro como crime complexo em sentido amplo.
II – Legitimidade do Parquet para a propositura da ação penal.
Recurso provido. (STJ, 5. T., REsp 479.679/PR, rel. Ministro Felix Fischer, j.
19/8/2003. DJ 15/9/2003, p. 353)
Recurso provido. (STJ, 5. T., REsp 479.679/PR, rel. Ministro Felix Fischer, j.
19/8/2003. DJ 15/9/2003, p. 353)7
Assim, segundo esse entendimento mais atual do STJ, o estupro cometido
apenas com grave ameaça era considerado de ação penal pública incondicionada.
Esse entendimento acabara reduzindo as hipóteses de crimes sujeitos à mera
ação penal privada apenas ao estupro praticado mediante violência presumida.
E isso se a vítima não fosse pobre, pois nessa situação a ação penal seria pública
condicionada à representação.
_________________________________________
BITENCOURT, Cezar R. Código Penal anotado e legislação complementar. 2. ed.
São Paulo: RT,
6 STJ, 6. T., REsp 1.195/PR, rel. Ministro Carlos Thibau, relator para acórdão Ministro
Costa Leite, j. 12/3/1991. DJ 1/04/1991, p. 3429.
7
No mesmo sentido: STJ, 5. T., HC 31.063/PE, relator Ministro Jorge Scartezzini, j.
23/3/2004. DJ 24/5/2004, p. 308.
5
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penal pública incondicionada nessas hipóteses. Nesse sentido, ver decisão do STJ:
a regra especial afastaria a aplicação da regra geral5 . Todavia, considerando que se
tratava de uma decisão do STF, cúpula do Judiciário brasileiro, tal entendimento
sempre foi respeitado pelos demais órgãos judiciais.
Ementa
Habeas corpus. Penal. Estupro com lesões corporais leves. Ação Penal Pública
Incondicionada. Súmula nº 608/STF. Delito considerado hediondo. Impossibilidade
de progressão de regime.
“O estupro absorve as lesões corporais leves decorrentes do constrangimento, ou da
conjunção carnal, não havendo, pois, como separar estas daquele, para se exigir a
representação prevista no art. 88, da Lei nº 9.099/1995.”2
Vigência da Súmula nº 608, do STF.
Consoante entendimento recentemente adotado pelo Col. STF, secundado por julgados
desta Corte, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos
em sua forma simples ou com violência presumida, enquadram-se na definição legal
Por violência real entendia-se não somente a lesão corporal leve, mas também a
grave ameaça. Desde 1991, o STJ diferenciava a grave ameaça da violência física,
entendendo que o estupro mediante grave ameaça seria de ação penal privada6 .
Todavia, após 2000, houve alteração no entendimento do Tribunal, passando-se
a entender que tanto a violência física quanto a grave ameaça (v.g., emprego de arma
de fogo) justificava que a ação penal fosse considerada pública incondicionada.
Conferir:
de crimes hediondos (art. 1º da Lei nº 8.072/1990), recebendo essa qualificação
ainda quando deles não resulte lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima.
Hipótese dos autos em que incide a regra proibitiva da progressão de regime inserta
no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990.
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL.
SÚMULA Nº 608-STF.
I – Na linha de precedentes desta Corte, a expressão violência real alcança a
denominada violência moral (no caso, grave ameaça com emprego de arma), estando,
aí, tão só excluída a violência presumida. Além do mais, o art. 101 do CP, na dicção
Ordem denegada3.
O entendimento justificava-se no disposto no art. 101 do CP, segundo o qual,
no crime complexo, se uma das elementares ou circunstâncias constituírem crime
que por si só seja de ação penal pública, todo o delito complexo será de ação penal
pública. Destarte, considerando que o delito de lesões corporais é de ação penal
pública, caso o estupro seja praticado com violência física, deveria ser procedido
por denúncia do Ministério Público.
Tal entendimento sofria críticas doutrinárias, porquanto o estupro não é
tecnicamente um delito complexo, segundo o entendimento clássico de Antolisei,
para o qual delito complexo é a reunião de dois outros delitos em uma nova figura.
Haja vista tratar-se de uma lesão corporal ou ameaça mais a conjunção carnal,
como essa última não é um crime, o estupro não seria um crime complexo4 .
Também se criticava o entendimento pelo fato de o art. 101 ser uma norma geral e
o art. 225, uma norma especial, de modo que, pelo princípio geral de hermenêutica,
_________________________________________
2
HC nº 7.910/PB. Relator Ministro Anselmo Santiago. DJ de 23/11/1998.
3
HC nº 21.423/SP. Reg. nº 2002/0036067-0. 5ª Turma. Relator Ministro José Arnaldo
da Fonseca. DJ 26/8/2002, p. 279.
4
JESUS, Damásio E. Código Penal anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, art. 101.
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predominante, alcança o estupro como crime complexo em sentido amplo.
II – Legitimidade do Parquet para a propositura da ação penal.
Recurso provido. (STJ, 5. T., REsp 479.679/PR, rel. Ministro Felix Fischer, j.
19/8/2003. DJ 15/9/2003, p. 353)
Recurso provido. (STJ, 5. T., REsp 479.679/PR, rel. Ministro Felix Fischer, j.
19/8/2003. DJ 15/9/2003, p. 353)7
Assim, segundo esse entendimento mais atual do STJ, o estupro cometido
apenas com grave ameaça era considerado de ação penal pública incondicionada.
Esse entendimento acabara reduzindo as hipóteses de crimes sujeitos à mera
ação penal privada apenas ao estupro praticado mediante violência presumida.
E isso se a vítima não fosse pobre, pois nessa situação a ação penal seria pública
condicionada à representação.
_________________________________________
BITENCOURT, Cezar R. Código Penal anotado e legislação complementar. 2. ed.
São Paulo: RT,
6 STJ, 6. T., REsp 1.195/PR, rel. Ministro Carlos Thibau, relator para acórdão Ministro
Costa Leite, j. 12/3/1991. DJ 1/04/1991, p. 3429.
7
No mesmo sentido: STJ, 5. T., HC 31.063/PE, relator Ministro Jorge Scartezzini, j.
23/3/2004. DJ 24/5/2004, p. 308.
5
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Todavia, deve-se registrar que esse entendimento dos Tribunais Superiores
inclusive era objeto de alargamento por outros Tribunais. Registre-se decisão do
TJDFT, que considerou que todo estupro contra menor de 18 anos deveria ser
processado mediante ação penal pública incondicionada, pois haveria na hipótese
um interesse público indisponível para a persecução penal, de sorte que o antigo
225 do CP, ao permitir ação penal privada para crimes praticados contra menores
de 18 anos e incapazes, não teria sido recepcionado pela CF/19888 . Idêntico
entendimento era sustentado por Rogério Schietti desde 20039 .
de vulnerável no art. 217-A do CP).
Finalmente, segundo o STF, no caso da violência presumida, o eventual
consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a conjunção carnal, e mesmo
sua experiência anterior, não elidem a presunção de violência, para a caracterização
do estupro10. Todavia, se o agente acredita que a vítima possui mais de 14 anos,
a situação configura erro de tipo, que exclui o dolo e, portanto, a tipicidade11.
Esse entendimento continuará ainda válido para o novo tipo penal do estupro de
vulnerável (art. 217-A, CP), apenas não se utilizará mais a expressão violência
presumida, pois agora incrimina-se diretamente a prática de ato sexual com menor
de 14 anos.
3 Novas regras da Lei n. 12.015/2009 relativas à ação penal
A Lei n. 12.015/2009 deu nova redação ao art. 225 do CP, para estabelecer a
seguinte regra geral nos crimes contra a dignidade sexual:
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se
mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública
incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
Pela nova redação, a regra seria a ação penal pública condicionada à
representação, havendo ação penal pública incondicionada apenas nas hipóteses
de vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável (hoje tipificadas como estupro
_________________________________________
8 TJDFT, 1. T. Crim., HC 2009.00.2.009572-9, rel. Des. Mario Machado, j. 20/8/2009.
CRUZ, Rogério Schietti Machado. Processo penal pensado e aplicado. Brasília:
Brasília Jurídica, 2005, p. 167-180.
10 STF. HC nº 94.818-9/MG. Relatora Ministra Ellen Gracie. DJe 152/2008, de
14/8/2008, p. 85.
11 STF. RHC nº 79.788/MG. 2ª T. Relator Ministro Nelson Jobim. J. 2/5/2000. DJ
17/8/2001, p. 52.
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Assim, algumas questões permanecem não resolvidas, em especial, esclarecerse qual será a ação penal quando o estupro for cometido com: ameaça, lesão
corporal simples, lesão corporal grave, morte, ou lesão corporal em situação de
violência doméstica. Em nossa visão, a solução para esse problema consistirá em
se verificar qual é a ação penal para o crime abrangido pelo estupro, devendo o
estupro ter a mesma forma de ação penal que o crime menor que ele abrange.
Nas hipóteses de estupro seguido de lesão corporal grave e morte, entendemos
que, apesar da omissão legal, obviamente a ação penal deve ser considerada
incondicionada. Não haveria sentido imaginar uma situação na qual a vítima do
estupro é morta e ainda assim necessite-se de sua autorização para processar o autor
do fato: obviamente, pela própria gravidade do delito, a ação penal deverá ser pública
incondicionada. Qualquer outra interpretação seria inconstitucional por violação
ao dever fundamental de proteção penal eficiente12 . Registre-se que o ProcuradorGeral da República ajuizou a ADIN n. 4301 perante o STF, argumentando que fere
o princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade condicionar
à representação da vítima o delito de estupro seguido de lesão corporal grave
ou morte, pois todos os demais delitos do Código Penal, quando qualificados
por esses resultados, se procedem mediante ação penal pública incondicionada.
Nessa situação, é necessário se utilizar da técnica da interpretação conforme a
Constituição, para que se interprete que o novo art. 225, caput, do CP apenas será
constitucional se for interpretado que o mesmo não se aplica às hipóteses de crime
qualificado pela lesão grave ou morte (ou declarar inconstitucional sua aplicação
a essas hipóteses, como defendem alguns).
Nas hipóteses de estupro praticado apenas com ameaça ou lesão corporal
simples, de acordo com a nova regra do art. 225, caput, do CP, a ação penal
será pública condicionada à representação. A reforma legislativa poderia ter
incorporado o teor da Súmula n. 608 do STF, que prevê que o estupro quando
praticado com violência real (antes entendida como lesão corporal simples ou
_________________________________________
Para uma visão do princípio da proteção penal eficiente e sua relação com o sistema
de direitos fundamentais, em especial com a chamada proibição fundamental de insuficiência
de proteção, ver: ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, item 1.4.
12
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Doutrina
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Todavia, deve-se registrar que esse entendimento dos Tribunais Superiores
inclusive era objeto de alargamento por outros Tribunais. Registre-se decisão do
TJDFT, que considerou que todo estupro contra menor de 18 anos deveria ser
processado mediante ação penal pública incondicionada, pois haveria na hipótese
um interesse público indisponível para a persecução penal, de sorte que o antigo
225 do CP, ao permitir ação penal privada para crimes praticados contra menores
de 18 anos e incapazes, não teria sido recepcionado pela CF/19888 . Idêntico
entendimento era sustentado por Rogério Schietti desde 20039 .
de vulnerável no art. 217-A do CP).
Finalmente, segundo o STF, no caso da violência presumida, o eventual
consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a conjunção carnal, e mesmo
sua experiência anterior, não elidem a presunção de violência, para a caracterização
do estupro10. Todavia, se o agente acredita que a vítima possui mais de 14 anos,
a situação configura erro de tipo, que exclui o dolo e, portanto, a tipicidade11.
Esse entendimento continuará ainda válido para o novo tipo penal do estupro de
vulnerável (art. 217-A, CP), apenas não se utilizará mais a expressão violência
presumida, pois agora incrimina-se diretamente a prática de ato sexual com menor
de 14 anos.
3 Novas regras da Lei n. 12.015/2009 relativas à ação penal
A Lei n. 12.015/2009 deu nova redação ao art. 225 do CP, para estabelecer a
seguinte regra geral nos crimes contra a dignidade sexual:
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se
mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública
incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
Pela nova redação, a regra seria a ação penal pública condicionada à
representação, havendo ação penal pública incondicionada apenas nas hipóteses
de vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável (hoje tipificadas como estupro
_________________________________________
8 TJDFT, 1. T. Crim., HC 2009.00.2.009572-9, rel. Des. Mario Machado, j. 20/8/2009.
CRUZ, Rogério Schietti Machado. Processo penal pensado e aplicado. Brasília:
Brasília Jurídica, 2005, p. 167-180.
10 STF. HC nº 94.818-9/MG. Relatora Ministra Ellen Gracie. DJe 152/2008, de
14/8/2008, p. 85.
11 STF. RHC nº 79.788/MG. 2ª T. Relator Ministro Nelson Jobim. J. 2/5/2000. DJ
17/8/2001, p. 52.
9
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Assim, algumas questões permanecem não resolvidas, em especial, esclarecerse qual será a ação penal quando o estupro for cometido com: ameaça, lesão
corporal simples, lesão corporal grave, morte, ou lesão corporal em situação de
violência doméstica. Em nossa visão, a solução para esse problema consistirá em
se verificar qual é a ação penal para o crime abrangido pelo estupro, devendo o
estupro ter a mesma forma de ação penal que o crime menor que ele abrange.
Nas hipóteses de estupro seguido de lesão corporal grave e morte, entendemos
que, apesar da omissão legal, obviamente a ação penal deve ser considerada
incondicionada. Não haveria sentido imaginar uma situação na qual a vítima do
estupro é morta e ainda assim necessite-se de sua autorização para processar o autor
do fato: obviamente, pela própria gravidade do delito, a ação penal deverá ser pública
incondicionada. Qualquer outra interpretação seria inconstitucional por violação
ao dever fundamental de proteção penal eficiente12 . Registre-se que o ProcuradorGeral da República ajuizou a ADIN n. 4301 perante o STF, argumentando que fere
o princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade condicionar
à representação da vítima o delito de estupro seguido de lesão corporal grave
ou morte, pois todos os demais delitos do Código Penal, quando qualificados
por esses resultados, se procedem mediante ação penal pública incondicionada.
Nessa situação, é necessário se utilizar da técnica da interpretação conforme a
Constituição, para que se interprete que o novo art. 225, caput, do CP apenas será
constitucional se for interpretado que o mesmo não se aplica às hipóteses de crime
qualificado pela lesão grave ou morte (ou declarar inconstitucional sua aplicação
a essas hipóteses, como defendem alguns).
Nas hipóteses de estupro praticado apenas com ameaça ou lesão corporal
simples, de acordo com a nova regra do art. 225, caput, do CP, a ação penal
será pública condicionada à representação. A reforma legislativa poderia ter
incorporado o teor da Súmula n. 608 do STF, que prevê que o estupro quando
praticado com violência real (antes entendida como lesão corporal simples ou
_________________________________________
Para uma visão do princípio da proteção penal eficiente e sua relação com o sistema
de direitos fundamentais, em especial com a chamada proibição fundamental de insuficiência
de proteção, ver: ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007, item 1.4.
12
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ameaça) submeter-se-ia à ação penal pública incondicionada. Todavia, não o fez,
ao contrário, previu uma regra geral de que o estupro será de ação penal pública
condicionada à representação. Imaginar que ainda está em vigor a Súmula n.
608 do STF seria incorrer em um duplo erro. Primeiro, porque se a ação penal
do estupro se condiciona à representação e, da mesma forma, os crimes meios
(ameaça e lesão corporal simples) também são condicionados à representação,
então não haveria sentido tornar incondicionada a ação penal do estupro apenas
porque foram cometidos através desses crimes menores; na verdade, a referida
Súmula foi editada na época em que o crime de lesão corporal simples era sujeito
à ação penal pública incondicionada (antes da Lei nº 9.099/1995) e destinava-se a
corrigir uma distorção da época, que era considerar o estupro com lesão corporal
(que era incondicionada) sujeito à ação penal privada (que então era a regra para
o estupro). Portanto, a interpretação original da Súmula n. 608 do STF foi guiada
por razões de política criminal. Em segundo lugar, caso se entenda que o estupro
praticado mediante ameaça ou lesão corporal simples é de ação penal pública
incondicionada, então não haveria nenhuma situação em que o estupro seria de
ação penal pública condicionada à representação, interpretação que tornaria letra
morta a nova disposição do art. 225, caput, do CP. Todavia, é princípio assente
de hermenêutica jurídica que não pode haver uma interpretação que conduza à
existência de letra morta na lei, se uma outra interpretação permite que haja sentido
na disposição. Essas duas considerações permitem a conclusão certa de que,
doravante, o estupro praticado mediante ameaça ou lesão corporal, tão somente,
desde que não se esteja diante de vítima menor de 18 anos ou incapaz, sujeitar-se-á
à representação da vítima. Nesse sentido é o entendimento de Nucci13 .
penal pública condicionada à representação14 . Certamente esse tema merecerá
uma uniformização pelos Tribunais Superiores.
Todavia, em sentido diverso, Greco ainda advoga que se mantém em vigor a
Súmula n. 608 do STF para os delitos cometidos mediante lesão corporal simples,
que deverão ser processados mediante ação penal pública incondicionada,
restando a aplicação do novo dispositivo do art. 225, caput, do CP, apenas para
os delitos praticados mediante grave ameaça, que se processarão mediante ação
_________________________________________
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: RT, 2009, p. 68-69.
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R. Art. Minist. Públ. Dist. Fed. Terit., Brasília, n.4, p. 53-68, 2010
A lei atual não mais prevê a hipótese de abuso do poder familiar, mas prevê
diretamente que sendo a vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável a ação penal
será pública incondicionada (mesmo que o crime seja praticado fora da relação
familiar). Também há previsão de causa de aumento de pena de metade (art. 226,
II, do CP) caso haja relação de parentesco com a vítima. Pessoa vulnerável deve
ser entendida como aquela que é incapaz ou não pode pelas circunstâncias oferecer
resistência (as hipóteses que anteriormente o art. 224 do CPP previa a violência
presumida). Entendemos que todas as hipóteses antes previstas como abuso do
poder familiar já estão englobadas com a nova regra de vítima menor de 18 anos.
Quanto à prática de estupro com lesão corporal em situação de violência
doméstica, fora das hipóteses acima referidas (vítima menor de 18 anos, quando
a ação penal será indiscutivelmente pública incondicionada), entendemos que a
solução deverá ser a mesma dada ao crime previsto no art. 129, § 9º, do CP, com as
alterações processuais introduzidas pela Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006)
que estabelece em seu art. 41 que não se aplica a Lei n. 9.099/1995 aos crimes
praticados em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher. Há muita
divergência quanto à interpretação do dispositivo, mas, em nosso entendimento,
a ação penal do delito de lesão corporal doméstica contra a mulher deve ser
pública incondicionada15, seja porque não se aplica o art. 88 da Lei n. 9.099/1995
(que estabelece que o crime de lesões corporais somente se procede mediante
representação), seja porque o tipo do art. 129, § 9º, não é de lesão corporal
simples, mas sim uma lesão corporal qualificada, seja, especialmente, porque há
razões de política criminal que justificam se prescindir da vontade da vítima – em
regra viciada pela pressão sociológica de uma sociedade machista que reluta em
responsabilizar os homens que praticam atos de violência doméstica, acobertados
pelo mito de que a responsabilização implica em retirar a “paz familiar”, o que
_________________________________________
14 GRECO, Rogério. Adendo. Lei nº 12.015/2009: dos crimes contra a dignidade sexual.
Niterói: Impetus, 2009, p. 23.
15 STJ, 6. T., HC 108.098/PE, rel. p/ ac. Min. Paulo Gallotti, j. 23/9/2008, DJU
3/8/2009. STJ, 6. T., REsp 1000222/DF, rel. Min. Jane Silva, (Des. convocada), j. 23/9/2008,
Dje 24/11/2008. STJ, 6. T., HC 108.098/PE, rel. p/ ac. Min. Paulo Gallotti, j. 23/9/2008, DJe
3/8/2009. STJ, 6. T., HC 96.992/DF, rel. Min. Jane Silva (Des. convocada), j. 12/8/2008, DJe
23/3/2009.
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ameaça) submeter-se-ia à ação penal pública incondicionada. Todavia, não o fez,
ao contrário, previu uma regra geral de que o estupro será de ação penal pública
condicionada à representação. Imaginar que ainda está em vigor a Súmula n.
608 do STF seria incorrer em um duplo erro. Primeiro, porque se a ação penal
do estupro se condiciona à representação e, da mesma forma, os crimes meios
(ameaça e lesão corporal simples) também são condicionados à representação,
então não haveria sentido tornar incondicionada a ação penal do estupro apenas
porque foram cometidos através desses crimes menores; na verdade, a referida
Súmula foi editada na época em que o crime de lesão corporal simples era sujeito
à ação penal pública incondicionada (antes da Lei nº 9.099/1995) e destinava-se a
corrigir uma distorção da época, que era considerar o estupro com lesão corporal
(que era incondicionada) sujeito à ação penal privada (que então era a regra para
o estupro). Portanto, a interpretação original da Súmula n. 608 do STF foi guiada
por razões de política criminal. Em segundo lugar, caso se entenda que o estupro
praticado mediante ameaça ou lesão corporal simples é de ação penal pública
incondicionada, então não haveria nenhuma situação em que o estupro seria de
ação penal pública condicionada à representação, interpretação que tornaria letra
morta a nova disposição do art. 225, caput, do CP. Todavia, é princípio assente
de hermenêutica jurídica que não pode haver uma interpretação que conduza à
existência de letra morta na lei, se uma outra interpretação permite que haja sentido
na disposição. Essas duas considerações permitem a conclusão certa de que,
doravante, o estupro praticado mediante ameaça ou lesão corporal, tão somente,
desde que não se esteja diante de vítima menor de 18 anos ou incapaz, sujeitar-se-á
à representação da vítima. Nesse sentido é o entendimento de Nucci13 .
penal pública condicionada à representação14 . Certamente esse tema merecerá
uma uniformização pelos Tribunais Superiores.
Todavia, em sentido diverso, Greco ainda advoga que se mantém em vigor a
Súmula n. 608 do STF para os delitos cometidos mediante lesão corporal simples,
que deverão ser processados mediante ação penal pública incondicionada,
restando a aplicação do novo dispositivo do art. 225, caput, do CP, apenas para
os delitos praticados mediante grave ameaça, que se processarão mediante ação
_________________________________________
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei
12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: RT, 2009, p. 68-69.
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A lei atual não mais prevê a hipótese de abuso do poder familiar, mas prevê
diretamente que sendo a vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável a ação penal
será pública incondicionada (mesmo que o crime seja praticado fora da relação
familiar). Também há previsão de causa de aumento de pena de metade (art. 226,
II, do CP) caso haja relação de parentesco com a vítima. Pessoa vulnerável deve
ser entendida como aquela que é incapaz ou não pode pelas circunstâncias oferecer
resistência (as hipóteses que anteriormente o art. 224 do CPP previa a violência
presumida). Entendemos que todas as hipóteses antes previstas como abuso do
poder familiar já estão englobadas com a nova regra de vítima menor de 18 anos.
Quanto à prática de estupro com lesão corporal em situação de violência
doméstica, fora das hipóteses acima referidas (vítima menor de 18 anos, quando
a ação penal será indiscutivelmente pública incondicionada), entendemos que a
solução deverá ser a mesma dada ao crime previsto no art. 129, § 9º, do CP, com as
alterações processuais introduzidas pela Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006)
que estabelece em seu art. 41 que não se aplica a Lei n. 9.099/1995 aos crimes
praticados em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher. Há muita
divergência quanto à interpretação do dispositivo, mas, em nosso entendimento,
a ação penal do delito de lesão corporal doméstica contra a mulher deve ser
pública incondicionada15, seja porque não se aplica o art. 88 da Lei n. 9.099/1995
(que estabelece que o crime de lesões corporais somente se procede mediante
representação), seja porque o tipo do art. 129, § 9º, não é de lesão corporal
simples, mas sim uma lesão corporal qualificada, seja, especialmente, porque há
razões de política criminal que justificam se prescindir da vontade da vítima – em
regra viciada pela pressão sociológica de uma sociedade machista que reluta em
responsabilizar os homens que praticam atos de violência doméstica, acobertados
pelo mito de que a responsabilização implica em retirar a “paz familiar”, o que
_________________________________________
14 GRECO, Rogério. Adendo. Lei nº 12.015/2009: dos crimes contra a dignidade sexual.
Niterói: Impetus, 2009, p. 23.
15 STJ, 6. T., HC 108.098/PE, rel. p/ ac. Min. Paulo Gallotti, j. 23/9/2008, DJU
3/8/2009. STJ, 6. T., REsp 1000222/DF, rel. Min. Jane Silva, (Des. convocada), j. 23/9/2008,
Dje 24/11/2008. STJ, 6. T., HC 108.098/PE, rel. p/ ac. Min. Paulo Gallotti, j. 23/9/2008, DJe
3/8/2009. STJ, 6. T., HC 96.992/DF, rel. Min. Jane Silva (Des. convocada), j. 12/8/2008, DJe
23/3/2009.
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jamais permite a mudança de paradigmas.
com violência física ou apenas
Sobre o tema da lesão corporal doméstica contra a mulher, inicialmente a 6ª
Turma do STJ tinha precedente por maioria entendendo ser uma lesão qualificada,
sujeita à ação incondicionada . Todavia, após o afastamento da Ministra convocada
Jane Silva, o entendimento seu alterou novamente, com um precedente dessa
turma passando a entender que se trata de ação penal sujeita à representação16 .
Contudo, o entendimento da 5ª Turma do STJ é de que o delito em comento não
necessita de representação, pois o art. 41 da Lei n. 11.340/2006 afastou a aplicação
da Lei n. 9.099/1995, inclusive de seu art. 88, que condicionava a lesão corporal
à representação17.
com grave ameaça
A questão certamente deve ser uniformizada pela 3ª Seção do STJ.
Portanto, caso se conclua que a lesão corporal doméstica contra a mulher é
delito de ação penal pública incondicionada (o que entendemos o mais correto),
idêntica solução há de ser dada ao delito de estupro praticado com lesão corporal
em situação de violência doméstica (v.g., estupro de companheiro, namorado etc).
Essa situação é tão mais grave que o estupro comum que, inclusive, há uma causa
de aumento da pena específica para a hipótese, prevista no art. 226, II, do CP.
A regra atual não mais prevê qualquer tipo de diferenciação se a vítima for
pobre ou não.
Em síntese, o panorama da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual
antes e após a Lei n. 12.015/2009 é a seguinte:
Regra antes da Lei n.
Hipótese
Regra após a Lei n. 12.015/2009
12.015/2009
com lesão corporal grave ou
morte
APPI
(art. 223, CP)
APPI
(art. 213, §§ 1º e 2º, CP interpretação à luz dos princípios
fundamentais)
com abuso do pátrio poder
APPI
(art. 225, § 1º, II, CP)
APPI
(art. 225, parágrafo único, CP vítima menor de 18 anos)
_________________________________________
STJ, 6. T., HC 113.608/MG, rel. p/ ac. Min. Celso Limongi (Des. convocado), j.
5/3/2009, DJU, 3/8/2009.
17
STJ, 5. T., HC 91.540/MS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 19/2/2009, DJe
13/4/2009. STJ, 5. T., HC 130.000/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 13/8/2009, DJe 8/9/2009.
violência presumida e vítima
APPC
APPI
(art. 225, caput, CP – é a regra
(Súmula nº 608, STF e STJ após
geral, exceto se contra vítima
2000)
vulnerável; interpretação sujeita à
confirmação pelos Tribunais)
APPC
(art. 225, § 1º, I, c/c o § 2º, CP)
pobre
violência presumida e vítima
não-pobre
APPr
(art. 225, caput, CP)
APPI
(art. 225, parágrafo único, CP pessoa vulnerável)
APPI
(art. 225, parágrafo único, CP pessoa vulnerável)
Legenda:
APPI – ação penal pública incondicionada
APPC – ação penal pública condicionada à representação
APPr – ação penal privada
4 Regras de transição
Cumpre agora analisar qual deverá ser a solução para os crimes praticados antes
da vigência da Lei n. 12.015/2009, mas cujo processamento se dê já na vigência
da nova legislação.
A alteração da espécie de ação penal é inegavelmente uma questão de direito
penal material, pois se transformar um delito de ação penal privada em ação
penal pública significa extinguir vários benefícios (como a decadência, renúncia,
perempção e perdão aceito) que podem levar à extinção da punibilidade. Assim,
apesar de terem feição processual (titularidade do direito de ação), possuem
indissociáveis repercussões materiais e, por esse motivo, as normas que alteram a
titularidade da ação penal devem ser consideradas normas híbridas, que se guiam
em sua aplicação temporal segundo os critérios das normas penas materiais, ou
seja, as normas penais materiais mais benéficas devem retroagir para beneficiar
os fatos anteriores, e as normas penais mais gravosas apenas se aplicam aos fatos
praticados após sua vigência.
Para os delitos de estupro, devem ser diferenciadas três situações:
16
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jamais permite a mudança de paradigmas.
com violência física ou apenas
Sobre o tema da lesão corporal doméstica contra a mulher, inicialmente a 6ª
Turma do STJ tinha precedente por maioria entendendo ser uma lesão qualificada,
sujeita à ação incondicionada . Todavia, após o afastamento da Ministra convocada
Jane Silva, o entendimento seu alterou novamente, com um precedente dessa
turma passando a entender que se trata de ação penal sujeita à representação16 .
Contudo, o entendimento da 5ª Turma do STJ é de que o delito em comento não
necessita de representação, pois o art. 41 da Lei n. 11.340/2006 afastou a aplicação
da Lei n. 9.099/1995, inclusive de seu art. 88, que condicionava a lesão corporal
à representação17.
com grave ameaça
A questão certamente deve ser uniformizada pela 3ª Seção do STJ.
Portanto, caso se conclua que a lesão corporal doméstica contra a mulher é
delito de ação penal pública incondicionada (o que entendemos o mais correto),
idêntica solução há de ser dada ao delito de estupro praticado com lesão corporal
em situação de violência doméstica (v.g., estupro de companheiro, namorado etc).
Essa situação é tão mais grave que o estupro comum que, inclusive, há uma causa
de aumento da pena específica para a hipótese, prevista no art. 226, II, do CP.
A regra atual não mais prevê qualquer tipo de diferenciação se a vítima for
pobre ou não.
Em síntese, o panorama da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual
antes e após a Lei n. 12.015/2009 é a seguinte:
Regra antes da Lei n.
Hipótese
Regra após a Lei n. 12.015/2009
12.015/2009
com lesão corporal grave ou
morte
APPI
(art. 223, CP)
APPI
(art. 213, §§ 1º e 2º, CP interpretação à luz dos princípios
fundamentais)
com abuso do pátrio poder
APPI
(art. 225, § 1º, II, CP)
APPI
(art. 225, parágrafo único, CP vítima menor de 18 anos)
_________________________________________
STJ, 6. T., HC 113.608/MG, rel. p/ ac. Min. Celso Limongi (Des. convocado), j.
5/3/2009, DJU, 3/8/2009.
17
STJ, 5. T., HC 91.540/MS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 19/2/2009, DJe
13/4/2009. STJ, 5. T., HC 130.000/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 13/8/2009, DJe 8/9/2009.
violência presumida e vítima
APPC
APPI
(art. 225, caput, CP – é a regra
(Súmula nº 608, STF e STJ após
geral, exceto se contra vítima
2000)
vulnerável; interpretação sujeita à
confirmação pelos Tribunais)
APPC
(art. 225, § 1º, I, c/c o § 2º, CP)
pobre
violência presumida e vítima
não-pobre
APPr
(art. 225, caput, CP)
APPI
(art. 225, parágrafo único, CP pessoa vulnerável)
APPI
(art. 225, parágrafo único, CP pessoa vulnerável)
Legenda:
APPI – ação penal pública incondicionada
APPC – ação penal pública condicionada à representação
APPr – ação penal privada
4 Regras de transição
Cumpre agora analisar qual deverá ser a solução para os crimes praticados antes
da vigência da Lei n. 12.015/2009, mas cujo processamento se dê já na vigência
da nova legislação.
A alteração da espécie de ação penal é inegavelmente uma questão de direito
penal material, pois se transformar um delito de ação penal privada em ação
penal pública significa extinguir vários benefícios (como a decadência, renúncia,
perempção e perdão aceito) que podem levar à extinção da punibilidade. Assim,
apesar de terem feição processual (titularidade do direito de ação), possuem
indissociáveis repercussões materiais e, por esse motivo, as normas que alteram a
titularidade da ação penal devem ser consideradas normas híbridas, que se guiam
em sua aplicação temporal segundo os critérios das normas penas materiais, ou
seja, as normas penais materiais mais benéficas devem retroagir para beneficiar
os fatos anteriores, e as normas penais mais gravosas apenas se aplicam aos fatos
praticados após sua vigência.
Para os delitos de estupro, devem ser diferenciadas três situações:
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HIPÓTESE A: em relação às hipóteses de estupro (ou o antigo atentado
violento ao pudor) praticados antes da vigência na nova lei, mas com processo
ainda em curso, que tenham sido praticados com lesão corporal grave, seguidos de
morte, ou com abuso do pátrio poder, não houve qualquer alteração em relação à
ação penal, de sorte que o critério de intertemporalidade deverá ser exclusivamente
o do quantum da pena.
HIPÓTESE B: em relação aos delitos praticados com lesão corporal simples
ou grave ameaça, caso se entenda que a nova legislação revogou o entendimento
da Súmula n. 608 do STF (conforme fundamentação acima), percebe-se que, na
verdade, a nova lei é mais benéfica no que tange à ação penal, pois antes os delitos
eram considerados de ação penal pública incondicionada e agora passarão a ser
considerados de ação penal pública condicionada à representação.
HIPÓTESE C: finalmente, em relação aos delitos praticados com violência
presumida, a nova lei é mais gravosa no que tange à ação penal, pois os transforma
de delitos sujeitos à ação penal pública condicionada à representação (quando a
vítima fosse pobre) ou à ação penal privada (quando a vítima não fosse pobre),
todos em crimes de ação penal pública incondicionada.
Todavia, a questão da intertemporalidade não é tão simples, pois também deve
levar em consideração o quantum da pena.
Segue um quadro comparativo das penas:
Situação
64
Delito
1
Estupro simples
Pena anterior e
Ação penal
6-10 anos APPI
Pena atual e
Ação penal
6-10anos APPC
8-12anos APPC
2
Estupro com lesão grave
8-12 anos APPI
3
Estupro com morte
12-25 anos APPI
4
Estupro
simples
em
concurso material com
atentado violento ao
pudor simples
12-20 anos APPI
Lei nova
Lei antiga
12-30 anos APPC Lei antiga
6-10 anos APPC Lei nova
5
Estupro de menor de 14
anos com grave ameaça
ou violência real
(aplicava-se
a
causa
de aumento de metade
prevista na Lei n.
8.072/1990, art. 9º)
9-15 anos APPI
8-15 anos APPI
R. Art. Minist. Públ. Dist. Fed. Terit., Brasília, n.4, p. 53-68, 2010
Solução
Lei nova
Revista de Artigos - 2010
_________________________________________________________________
6
Estupro de menor de 14
anos sem grave ameaça ou
violência real
6-10 anos
APPC ou APPr
8-15 anos APPI
Lei antiga
7
Estupro de pessoa com
deficiência mental ou
que não pode oferecer
resistência
6-10 anos
APPC ou APPr
8-15 anos APPI
Lei antiga
Nas situações 1, 4 (estupro simples, ou em concurso material com o antigo
atentado violento ao pudor), sendo o crime praticado com violência real ou grave
ameaça (hipótese B), a nova pena é idêntica (na hipótese do estupro simples) ou
mesmo mais benéfica (na hipótese do concurso material) e a nova lei é mais benéfica
quanto à ação penal (pública condicionada à representação). Nessa situação, deve
ser aplicado por analogia o disposto no art. 91 da Lei n. 9.099/95 (uma regra
de transição para situação idêntica de alteração da ação penal de incondicionada
para condicionada), intimando-se a vítima para esclarecer se deseja representar, no
prazo de 30 dias, sob pena de decadência. Caso o processo já esteja transitado em
julgado, ficará obviamente prejudicada a referida diligência, devendo tão somente
o juiz da execução penal, na hipótese de concurso material, proceder à redução da
pena, atento à inexistência atual de concurso material (devendo o outro delito de
atentado violento ao pudor ser utilizado como circunstância judicial para elevação
da pena-base do estupro).
Todavia, na situação 1, há uma questão a se diferenciar: caso se esteja diante da
causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do CP (“se o agente é ascendente,
padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor
ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”).
É que nessa situação, antes o acréscimo de pena era de um quarto e agora passa
a ser de metade. Portanto, a nova lei prevê uma pena mais grave que a lei antiga,
sendo mais gravosa. Não pode o juiz aplicar uma parte da lei antiga (pena mais
branda) e uma parte da lei nova (ação penal pública condicionada), pois nessa
situação estar-se-ia criando uma terceira lei (tercius legis), que em nenhum
momento foi a intenção do legislador. Ou se aplica a lei antiga na integralidade,
ou a lei nova na integralidade. Considerando que a fixação da pena afeta de forma
mais direta e gravosa o jus libertatis, entendemos que esse deve ser o critério
preponderante para se avaliar qual lei é mais benéfica. Imagine-se a situação: o
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Doutrina
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HIPÓTESE A: em relação às hipóteses de estupro (ou o antigo atentado
violento ao pudor) praticados antes da vigência na nova lei, mas com processo
ainda em curso, que tenham sido praticados com lesão corporal grave, seguidos de
morte, ou com abuso do pátrio poder, não houve qualquer alteração em relação à
ação penal, de sorte que o critério de intertemporalidade deverá ser exclusivamente
o do quantum da pena.
HIPÓTESE B: em relação aos delitos praticados com lesão corporal simples
ou grave ameaça, caso se entenda que a nova legislação revogou o entendimento
da Súmula n. 608 do STF (conforme fundamentação acima), percebe-se que, na
verdade, a nova lei é mais benéfica no que tange à ação penal, pois antes os delitos
eram considerados de ação penal pública incondicionada e agora passarão a ser
considerados de ação penal pública condicionada à representação.
HIPÓTESE C: finalmente, em relação aos delitos praticados com violência
presumida, a nova lei é mais gravosa no que tange à ação penal, pois os transforma
de delitos sujeitos à ação penal pública condicionada à representação (quando a
vítima fosse pobre) ou à ação penal privada (quando a vítima não fosse pobre),
todos em crimes de ação penal pública incondicionada.
Todavia, a questão da intertemporalidade não é tão simples, pois também deve
levar em consideração o quantum da pena.
Segue um quadro comparativo das penas:
Situação
64
Delito
1
Estupro simples
Pena anterior e
Ação penal
6-10 anos APPI
Pena atual e
Ação penal
6-10anos APPC
8-12anos APPC
Solução
2
Estupro com lesão grave
8-12 anos APPI
3
Estupro com morte
12-25 anos APPI
4
Estupro
simples
em
concurso material com
atentado violento ao
pudor simples
12-20 anos APPI
Lei nova
Lei antiga
12-30 anos APPC Lei antiga
6-10 anos APPC Lei nova
5
Estupro de menor de 14
anos com grave ameaça
ou violência real
(aplicava-se
a
causa
de aumento de metade
prevista na Lei n.
8.072/1990, art. 9º)
9-15 anos APPI
8-15 anos APPI
Lei nova
Revista de Artigos - 2010
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6
Estupro de menor de 14
anos sem grave ameaça ou
violência real
6-10 anos
APPC ou APPr
8-15 anos APPI
Lei antiga
7
Estupro de pessoa com
deficiência mental ou
que não pode oferecer
resistência
6-10 anos
APPC ou APPr
8-15 anos APPI
Lei antiga
Nas situações 1, 4 (estupro simples, ou em concurso material com o antigo
atentado violento ao pudor), sendo o crime praticado com violência real ou grave
ameaça (hipótese B), a nova pena é idêntica (na hipótese do estupro simples) ou
mesmo mais benéfica (na hipótese do concurso material) e a nova lei é mais benéfica
quanto à ação penal (pública condicionada à representação). Nessa situação, deve
ser aplicado por analogia o disposto no art. 91 da Lei n. 9.099/95 (uma regra
de transição para situação idêntica de alteração da ação penal de incondicionada
para condicionada), intimando-se a vítima para esclarecer se deseja representar, no
prazo de 30 dias, sob pena de decadência. Caso o processo já esteja transitado em
julgado, ficará obviamente prejudicada a referida diligência, devendo tão somente
o juiz da execução penal, na hipótese de concurso material, proceder à redução da
pena, atento à inexistência atual de concurso material (devendo o outro delito de
atentado violento ao pudor ser utilizado como circunstância judicial para elevação
da pena-base do estupro).
Todavia, na situação 1, há uma questão a se diferenciar: caso se esteja diante da
causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, do CP (“se o agente é ascendente,
padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor
ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”).
É que nessa situação, antes o acréscimo de pena era de um quarto e agora passa
a ser de metade. Portanto, a nova lei prevê uma pena mais grave que a lei antiga,
sendo mais gravosa. Não pode o juiz aplicar uma parte da lei antiga (pena mais
branda) e uma parte da lei nova (ação penal pública condicionada), pois nessa
situação estar-se-ia criando uma terceira lei (tercius legis), que em nenhum
momento foi a intenção do legislador. Ou se aplica a lei antiga na integralidade,
ou a lei nova na integralidade. Considerando que a fixação da pena afeta de forma
mais direta e gravosa o jus libertatis, entendemos que esse deve ser o critério
preponderante para se avaliar qual lei é mais benéfica. Imagine-se a situação: o
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Doutrina
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juiz intimaria a vítima para esclarecer se ela deseja representar, e se ela representar
então ele entenderá que o crime é de ação penal pública incondicionada (?!). Ou se
a vítima não representar e o juiz arquivar com base na lei nova, se ela se retratar da
retratação à representação ainda dentro do prazo decadencial de seis meses então o
juiz deveria condenar na pena mais elevada da lei nova? De forma alguma. Assim,
entendemos que na hipótese de estupro simples praticado com a causa de aumento
de pena do art. 226, II, do CP, deverá continuar sendo aplicada a lei antiga, ou seja,
a ação penal será pública incondicionada (Súmula n. 608 do STF) e o acréscimo da
pena será de apenas um quarto. Entendemos que essa situação é certamente a mais
polêmica da reforma e certamente demandará estudos doutrinários e uniformização
jurisprudencial.
do STJ entendia que se houvesse prática de violência real ou grave ameaça, seria
admissível a aplicação da causa de aumento de pena, o art. 224 do CP não teria
sido utilizado para a adequação típica19 . Todavia, em sentido contrário, a Sexta
Turma do STJ entendia que apenas seria possível aplicar a causa de aumento
da pena referida se houvesse lesão corporal grave ou morte20 . Pessoalmente,
entendemos muito mais lógica a posição da Quinta Turma, pois no caso de estupro
em desfavor de menor de 14 anos praticado com violência real ou grave ameaça,
não era necessário utilizar o art. 224 do CP para se completar a adequação típica,
com a finalidade de se presumir a violência, pois a violência já estava efetivamente
comprovada, de sorte que a utilização desse dispositivo para se aplicar a causa de
aumento da pena não configurava bis in idem. Obviamente, a conclusão constante
do quadro supra (de que a lei antiga era mais severa) apenas será válida caso
se considere como acertado o antigo posicionamento da Quinta Turma do STJ
(que aplicava a causa de aumento de pena na hipótese de violência real ou grave
ameaça).
Nas situações 2, 3, 6 e 7, deve continuar sendo aplicada a lei antiga para os
crimes praticados antes da vigência da nova lei, pois a lei antiga ou previa penas
menos severas, ou penas idênticas e ação penal mais benéfica.
Registre-se que nas situações em que a lei nova não alterou nada (como
na situação 2), deve-se aplicar a lei antiga pois o CP, art. 2º, parágrafo único,
estabelece que a lei penal nova, se for mais benéfica, retroagirá para beneficiar o
réu; assim, como a lei nova não é mais benéfica (é idêntica), não retroagirá, ainda
se aplicando a lei anterior.
Finalmente, na hipótese 5 (estupro de menor de 14 anos praticado com
violência real ou grave ameaça), deverá ser aplicada a lei nova mesmo aos crimes
praticados antes de sua vigência, pois a nova pena mínima é mais benéfica ao
réu. Quanto à essa situação, deve-se registrar que a questão sempre foi polêmica,
com interpretações divergentes no âmbito do STJ. No entendimento unânime do
STJ, se o estupro contra menor de 14 anos fora praticado sem violência real, não
deveria ser aplicada a causa de aumento da pena, tendo em vista que o antigo art.
224 do CP já era usado para a adequação típica da conduta, e usá-lo novamente
para exasperação da pena configuraria bis in idem18 . Todavia, a Quinta Turma
_________________________________________
18 STJ, 5. T., EDcl no HC 114.828/CE, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 5/2/2009,
DJe 16/3/2009.
66
R. Art. Minist. Públ. Dist. Fed. Terit., Brasília, n.4, p. 53-68, 2010
Como dito no início, a questão da ação penal nos crimes contra a dignidade
sexual ainda renderá muitas discussões. Espera-se que seja em breve objeto de
uniformização por parte dos Tribunais Superiores.
_________________________________________
STJ, 5. T., HC 111.647/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 6/11/2008, DJe 1/12/2008. STJ,
5. T., REsp 667.450/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17/8/2006, DJ 25/9/2006, p.
301.
20
STJ, 6. T., HC 49.264/RJ, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/4/2006, DJ 5/6/2006, p. 322.
STJ, HC 49.274/MS, rel. Min. Paulo Medina, j. 30/11/2006, DJ 26/2/2007, p. 645.
19
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Doutrina
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juiz intimaria a vítima para esclarecer se ela deseja representar, e se ela representar
então ele entenderá que o crime é de ação penal pública incondicionada (?!). Ou se
a vítima não representar e o juiz arquivar com base na lei nova, se ela se retratar da
retratação à representação ainda dentro do prazo decadencial de seis meses então o
juiz deveria condenar na pena mais elevada da lei nova? De forma alguma. Assim,
entendemos que na hipótese de estupro simples praticado com a causa de aumento
de pena do art. 226, II, do CP, deverá continuar sendo aplicada a lei antiga, ou seja,
a ação penal será pública incondicionada (Súmula n. 608 do STF) e o acréscimo da
pena será de apenas um quarto. Entendemos que essa situação é certamente a mais
polêmica da reforma e certamente demandará estudos doutrinários e uniformização
jurisprudencial.
do STJ entendia que se houvesse prática de violência real ou grave ameaça, seria
admissível a aplicação da causa de aumento de pena, o art. 224 do CP não teria
sido utilizado para a adequação típica19 . Todavia, em sentido contrário, a Sexta
Turma do STJ entendia que apenas seria possível aplicar a causa de aumento
da pena referida se houvesse lesão corporal grave ou morte20 . Pessoalmente,
entendemos muito mais lógica a posição da Quinta Turma, pois no caso de estupro
em desfavor de menor de 14 anos praticado com violência real ou grave ameaça,
não era necessário utilizar o art. 224 do CP para se completar a adequação típica,
com a finalidade de se presumir a violência, pois a violência já estava efetivamente
comprovada, de sorte que a utilização desse dispositivo para se aplicar a causa de
aumento da pena não configurava bis in idem. Obviamente, a conclusão constante
do quadro supra (de que a lei antiga era mais severa) apenas será válida caso
se considere como acertado o antigo posicionamento da Quinta Turma do STJ
(que aplicava a causa de aumento de pena na hipótese de violência real ou grave
ameaça).
Nas situações 2, 3, 6 e 7, deve continuar sendo aplicada a lei antiga para os
crimes praticados antes da vigência da nova lei, pois a lei antiga ou previa penas
menos severas, ou penas idênticas e ação penal mais benéfica.
Registre-se que nas situações em que a lei nova não alterou nada (como
na situação 2), deve-se aplicar a lei antiga pois o CP, art. 2º, parágrafo único,
estabelece que a lei penal nova, se for mais benéfica, retroagirá para beneficiar o
réu; assim, como a lei nova não é mais benéfica (é idêntica), não retroagirá, ainda
se aplicando a lei anterior.
Finalmente, na hipótese 5 (estupro de menor de 14 anos praticado com
violência real ou grave ameaça), deverá ser aplicada a lei nova mesmo aos crimes
praticados antes de sua vigência, pois a nova pena mínima é mais benéfica ao
réu. Quanto à essa situação, deve-se registrar que a questão sempre foi polêmica,
com interpretações divergentes no âmbito do STJ. No entendimento unânime do
STJ, se o estupro contra menor de 14 anos fora praticado sem violência real, não
deveria ser aplicada a causa de aumento da pena, tendo em vista que o antigo art.
224 do CP já era usado para a adequação típica da conduta, e usá-lo novamente
para exasperação da pena configuraria bis in idem18 . Todavia, a Quinta Turma
_________________________________________
18 STJ, 5. T., EDcl no HC 114.828/CE, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 5/2/2009,
DJe 16/3/2009.
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Como dito no início, a questão da ação penal nos crimes contra a dignidade
sexual ainda renderá muitas discussões. Espera-se que seja em breve objeto de
uniformização por parte dos Tribunais Superiores.
_________________________________________
STJ, 5. T., HC 111.647/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, j. 6/11/2008, DJe 1/12/2008. STJ,
5. T., REsp 667.450/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17/8/2006, DJ 25/9/2006, p.
301.
20
STJ, 6. T., HC 49.264/RJ, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 18/4/2006, DJ 5/6/2006, p. 322.
STJ, HC 49.274/MS, rel. Min. Paulo Medina, j. 30/11/2006, DJ 26/2/2007, p. 645.
19
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Direito processual penal. 15. ed. Brasília:
Vestcon, 2009.
______. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007.
Revista de Artigos - 2010
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Controle Abstrato de Constitucionalidade de
Leis Orçamentárias – A anunciada revisão de
jurisprudência do STF e a consagração de um novo
instrumento de atuação do Ministério Público (ADI)
no controle de constitucionalidade dos orçamentos
públicos
Luciano Coelho Ávila
BITENCOURT, Cezar R. Código Penal anotado e legislação complementar. 2.
ed. São Paulo: RT, 1999.
Promotor de Justiça do MPDFT. Especialista em Direito Processual Civil pela
UFSC. Professor de Direito Constitucional da Fundação Escola Superior do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e da Escola da Magistratura
do DF.
CRUZ, Rogério Schietti Machado. Processo penal pensado e aplicado. Brasília:
Brasília Jurídica, 2005.
GRECO, Rogério. Adendo. Lei nº 12.015/2009: dos crimes contra a dignidade
sexual. Niterói: Impetus, 2009.
JESUS, Damásio E. Código Penal anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários
à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: RT, 2009.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Posicionamento clássico do STF a respeito do tema:
a inadmissibilidade, em regra, do cabimento de ADI cujo objeto seja norma
orçamentária. 2 A recente revisão jurisprudencial do STF sobre a matéria (MCADI n. 4.048-DF). 3 Considerações Finais – um novo campo de atuação do
Ministério Público brasileiro no controle da constitucionalidade dos orçamentos
públicos. Referências.
Introdução
A discussão que envolve a possibilidade de controle abstrato de
constitucionalidade de normas orçamentárias no Brasil sempre foi um dos temas
mais polêmicos e palpitantes no âmbito do direito constitucional doméstico.
Em recente decisão proferida em sede de medida cautelar em ação direta
de inconstitucionalidade (MC-ADI 4048/DF), o plenário da Suprema Corte
brasileira começou a anunciar a importantíssima mudança de um paradigma
clássico que vinha sendo adotado ao longo das últimas duas décadas de vigência
da Constituição Federal de 1988, segundo o qual as leis orçamentárias em geral,
a exemplo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual
(LOA), não poderiam constituir objeto de ação direta de inconstitucionalidade
(ADI) por não preencherem determinados requisitos de admissibilidade exigidos
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