Os doze trabalhos de Hércules (Expresso: 13-06-1998) Descubra o herói mitológico logo ao princípio da noite, acima do horizonte, a leste. E observe alguns dos seus inimigos e segredos. CONTA a lenda que Hércules nasceu dos amores ilegítimos de Júpiter com Alcmena, esposa de Anfitrião, rei de Tirinte. Foi Júpiter, o maior dos deuses e o maior dos pinga-amores, que a escolheu para lhe dar «um filho que se tornasse, um dia, protector poderoso dos imortais e dos humanos», como dizia Hesíodo. «Mas, como ela era honesta», escreve Maria Lamas em O Mundo dos Deuses e dos Heróis, «Júpiter, para a possuir, aproveitou uma ocasião em que o marido estava ausente e, tomando o seu aspecto, apresentou-se-lhe como se fosse o próprio Anfitrião». Quem não gostou da aventura foi Juno, a deusa rainha, que a partir daí passou a perseguir o fruto inocente dos amores de seu esposo. As artimanhas da poderosa e ciumenta Juno levaram Hércules à loucura temporária e ao assassínio dos seus próprios filhos. Foi então que o herói entrou ao serviço do seu primo Euristeu, rei da Nemeia, para expiação do hediondo crime. Nos doze anos que esteve ao serviço de Euristeu, foi obrigado a cumprir os célebres doze trabalhos de Hércules. Algumas dessas proezas viriam a ser escritas nos céus e a gerar outras tantas constelações. A primeira tarefa de Hércules seria enfrentar o Leão de Nemeia, uma besta tremenda que há muito aterrorizava a população das redondezas. O Leão era praticamente invulnerável - a sua pele não podia ser perfurada nem pela pedra, nem pelo bronze, nem pelo ferro. Hércules, contudo, não o receou. Entrou na caverna do leão e tapou as saídas. Ameaçando-o com a sua clava, conseguiu encurralá-lo e estrangulou-o com a força imensa dos seus próprios braços. A pele do animal era tão resistente que Hércules teve de usar as garras do leão para a perfurar e para o esfolar. Regressado com os despojos, foi Euristeu que ficou atemorizado com o poder do herói. De tal forma que não quis que ele se aproximasse e ordenou que deixasse o fruto do seu primeiro trabalho às portas da cidade. Diz-se que Júpiter, também ele impressionado, haveria de colocar o leão nos céus, para comemorar o feito. O segundo trabalho de Hércules consistiria no aniquilamento da Hidra, um monstro em forma de cobra com várias cabeças. Juno escondeu-a junto à nascente de um rio, preparada para enfrentar o herói. Hércules atacou-a e começou a cortar-lhe as cabeças. Mas cada cabeça que cortava uma nova renascia, de forma que Hércules teve de pedir ajuda ao seu sobrinho Iolas. Enfrentando juntos a fera, enquanto Hércules lhe cortava uma cabeça Iolas passava-lhe uma tocha, com que o herói cicatrizava imediatamente os pescoços cortados, impedindo que novas cabeças renascessem. Furibunda com a derrota da Hidra, Juno enviou um gigantesco caranguejo para castigar o seu inimigo. Mas mesmo esse animal haveria de sucumbir à força de Hércules. A Hidra e o Caranguejo seriam também colocados no céu constituindo duas constelações. Mais tarde, seria o próprio Hércules, imortalizado e chamado ao Olimpo no momento do seu funeral, que haveria de ascender ao firmamento. Os três inimigos de Hércules são constelações típicas da Primavera. Deitam-se agora cedo, mas são ainda bem visíveis ao princípio da noite. Olhando para cima do horizonte oeste não é difícil detectar Régulo, a estrela mais brilhante da constelação do Leão. Essa estrela, que se destaca pelo seu maior brilho numa grande área do céu, marca uma das patas do animal. Acima desta e para a sua direita notase uma espécie de foice, é a cabeça do leão. Em O enxame globular de estrelas de céus escuros e com alguma paciência consegue- Hércules fotografado em 1957 pelo comandante Conceição Silva se imaginar a figura da besta de Nemeia. É uma das poucas constelações que relembra a figura que se pretende representar. Abaixo do Leão encontram-se muitas estrelas de menor brilho. O Caranguejo precede o rei dos animais no mergulho para o horizonte oeste. A Hidra é uma fileira de estrelas abaixo do Leão. São constelações mais difíceis de reconhecer. O nosso herói encontra-se muito mais à esquerda. Ao princípio da noite aparece acima do horizonte leste, entre duas estrelas muito brilhantes: a Vega, da Lira, e a Arcturo, do Boieiro. O mais fácil de detectar na constelação de Hércules é um quadrilátero em que se imagina o centro da figura. Nos vértices desse quadrilátero nascem duas pernas e dois braços. Um deles, segundo os gregos, enverga uma clava. O objecto celeste mais interessante nesta constelação é um enxame globular de estrelas situado numa das arestas do quadrilátero, a um terço de um dos seus vértices (a estrela Eta) e dois terços do outro (a estrela Zeta). Esse aglomerado de estrelas recebe a designação M-13, pois constitui a décima terceira entrada do catálogo de Charles Messier (1730–1817). Trata-se de um dos objectos celestes que o astrónomo francês considerou merecerem ser catalogados, por serem passíveis de confusão com cometas. Em céus bem escuros, sem interferência do luar, como acontecerá ao princípio da noite para meados da semana que entra, M-13 aparece como uma espécie de estrela muito pálida, uma mancha de luz muito difusa. Com binóculos, que concentram muito mais luz do que o olho humano, essa mancha pode, de facto, ser confundida com um cometa. Num telescópio, a mancha de luz resolve-se em centenas de estrelas. Na realidade, o enxame globular contém umas trezentas mil estrelas É um dos grandes espectáculos celestes observáveis em telescópios. A fotografia de M-13 que aqui reproduzimos foi tirada em 1957 pelo comandante Conceição Silva, o pai dos astrónomos amadores portugueses. O comandante utilizou o telescópio de 500 mm de abertura, que ele próprio construiu, e necessitou de uma exposição de 180 minutos para obter o rico pormenor que se observa. Imagine-se o que seriam as noites num planeta na órbita de uma das estrelas de M-13. Metade do céu estaria fortemente iluminado pelo aglomerado de estrelas vermelhas brilhantes, outra metade revelaria um dos braços da Via Láctea. Que fotografias seria possível obter! Texto de !U!O CRATO