O céu de Abril (Expresso: 28-03-1998) Para observar os planetas vai ser preciso madrugar. Mas as constelações da Primavera começam a ser visíveis ao princípio da noite. Todas as estrelas parecem relativamente próximas umas das outras, embora se trate de uma evidente ilusão de óptica. E atenção, que amanhã muda a hora. Passou uma semana sobre o equinócio vernal, o momento em que o Sol transita do hemisfério sul para o hemisfério norte celeste e que marca o fim do Inverno. Amanhã muda a hora e tudo se prepara para a Primavera. Com os céus primaveris, novas constelações aparecem e as constelações de Inverno são engolidas pelo horizonte do crepúsculo. Orion, talvez a constelação mais típica das noites frias do princípio do ano, deita-se agora cedo, e o céu do sul dá lugar ao Leão e à Virgem, aparecendo o Boieiro e Hércules já ao princípio da noite. Diz-se que Março sai que nem um leão, pois é esse grupo de estrelas que sobressai agora no céu. A Leão é fácil de identificar e de associar com a figura mitológica que representa. Começando a meio da noite e olhando para cima do horizonte sul, repara-se primeiro na estrela Régulo, a mais brilhante desta constelação. Não há outra estrela nesta área do céu que rivalize com o seu brilho. Acima de Régulo encontra-se um semicírculo de estrelas que representa a cabeça do animal - um conjunto que lembra um ponto de interrogação virado ao contrário. A leste aparece o triângulo de estrelas que indica a cauda da Leão, aonde se destaca Denébola, um nome que vem do termo árabe para cauda. Há outras «caudas» no céu: há a Deneb estrela do Cisne e há a Deneb da Capricórnio. Todas essas estrelas parecem relativamente próximas umas das outras, mas tratase de uma ilusão de óptica, como é evidente. Os antigos construíram as constelações agrupando estrelas que projectam padrões contra a esfera celeste. Régulo encontra-se a cerca de 85 anos-luz de distância, o que é considerável, atendendo a que o nosso Sol se encontra a oito minutos-luz da Terra. A estrela que se encontra acima de Régulo, a Eta da Leão, está a uma distância 25 vezes maior. Régulo é muito maior que o nosso Sol, mas Eta é incomparavelmente maior e mais brilhante. Se estivesse a nove anos-luz de distância, tão perto de nós como o está Sírio, a estrela com maior brilho aparente nos nossos céus, Eta apareceria 50 vezes mais brilhante do que Vénus e seria visível à luz do dia. Imagine-se como seriam os nossos céus se estivéssemos perto de meia dúzia de estrelas supergigantes, como a Eta do Leão… Teriam os antigos construído constelações no céu? Falaríamos hoje do Leão? Diz a mitologia grega que o Leão é a besta de Nemeia, a cidade do Peloponeso aonde Hércules haveria de cumprir o primeiro dos seus doze trabalhos, por ordem de seu primo Euristeu. O leão aterrorizava a população das redondezas, vivia numa caverna e era considerado invulnerável - a sua pele não podia ser perfurada nem pela pedra, nem pelo bronze, nem pelo ferro. Mas Hércules não o receou. Entrou na caverna do leão e tapou as saídas. Ameaçando-o com a sua clava, conseguiu encurralá-lo e estrangulou-o com a força imensa dos seus próprios braços. A pele do animal era tão resistente que Hércules teve de usar as garras do leão para a perfurar e para o esfolar. Regressado com os despojos, foi Euristeu que ficou aterrorizado com o poder do herói. De tal forma que o proibiu de entrar em Micenas e ordenou que deixasse o fruto do seu primeiro trabalho às portas da cidade. Diz-se que Júpiter, também ele impressionado, colocou o leão nos céus para comemorar o feito de Hércules. O próprio herói haveria de ter a sua constelação. Não está longe da do leão e nasce já a leste. É uma das constelações típicas do céu de Verão. O Leão é uma das 12 constelações do zodíaco, por onde o Sol passa no seu movimento anual aparente. Há cinco mil anos o Sol estava no Leão por altura do solstício de Junho. Talvez os caldeus tenham sido os primeiros a notar esse facto. Repararam que o Sol passava por Régulo quando atingia a sua declinação norte máxima e quando os dias eram mais longos e começavam a ser mais quentes. Pensaram ser essa a causa do maior calor e associaram Régulo e a sua constelação ao calor e ao fogo. Devido à precessão dos equinócios, o lento movimento de deslocação do eixo da Terra, o solstício do estio já não ocorre no Leão mas as suas estrelas continuam a lembrar a figura do monstro de Nemeia. Texto de UO CRATO