Serviço Público Federal Universidade Federal do Pará Centro de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento TRATAMENTO PADRONIZADO: CONDICIONANTES HISTÓRICOS, STATUS CONTEMPORÂNEO E (IN)COMPATIBILIDADE COM A TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL Simone Neno Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento como requisito parcial para obtenção do Título de Doutor. Belém, Pará 2005 Serviço Público Federal Universidade Federal do Pará Centro de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento TRATAMENTO PADRONIZADO: CONDICIONANTES HISTÓRICOS, STATUS CONTEMPORÂNEO E (IN)COMPATIBILIDADE COM A TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL Simone Neno Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento como requisito parcial para obtenção do Título de Doutor. Orientador: Prof. Dr. Grauben José Alves de Assis. Belém, Pará 2005 Para Emmanuel, Caio e Breno, amores da minha vida. i AGRADECIMENTOS À Universidade Federal do Pará, ao Departamento de Psicologia Clínica e à Clínica de Psicologia, agradeço a concessão de licença funcional para a realização deste trabalho e o suporte financeiro para a divulgação de produtos parciais desta pesquisa em eventos científicos. Aos professores, aos colegas e à equipe de apoio administrativo do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, sou grata pela acolhida e pelo clima favorável ao desenvolvimento deste projeto. Aos colegas do Grupo de Pesquisa “Análise do Comportamento: História, Conceitos e Aplicações”, agradeço a convivência amiga e a troca de idéias. Agradeço especialmente ao Prof. Dr. Grauben José Alves de Assis, pela orientação, pelo apoio e pela confiança. Também sou grata aos professores da Universidade Federal do Pará que integraram a Banca Examinadora do Exame de Qualificação: Prof. Dr. Marcelo Quintino Galvão Baptista, Prof. Dr. Carlos Barbosa Alves de Souza, Profa. Dra. Eleonora Arnaud Pereira Ferreira, Profa. Dra. Olivia Misae Kato e Profa. Dra. Marilice Fernandes Garotti. Agradeço a solicitude e a colaboração de alguns atores importantes do cenário atual da Psicologia Clínica: Rex Forehand, Aaron T. Beck, Sheila R. Woody, Gayla Margolin e Gail Steketee. Larry E. Beutler concedeu-me o privilégio de ter acesso e de divulgar partes inéditas do produto final da Força Tarefa Conjunta da Divisão 12 da American Psychological Association - APA e da North American Society for Psychotherapy Research – NASPR, voltada à identificação de princípios de mudança ii terapêutica, condensados na Seção 2.5. Agradeço ao empreendedorismo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, que tornou possível a criação e manutenção do Portal de Periódicos CAPES, instrumento indispensável à realização deste trabalho. Livia Sá socorreu-me inúmeras vezes na busca de material de difícil acesso. A ela devo o privilégio de ter consultado a publicação original de Saul Rosenzweig, “Some Implicit Common Factors in Diverse Methods of Psychotherapy”, entre outras preciosidades. Sua colaboração dedicada e eficiente foi de grande importância em várias etapas deste trabalho. Agradeço à Profa. Dra. Sonia Beatriz Meyer pelos comentários valiosos ao Projeto de Qualificação. À Rosângela Darwich, amiga muito querida e interlocutora importante, sou grata pela revisão atenciosa de parte do texto e por muito mais. Também sou grata às amigas Darcy Franca e Evenice Chaves, pelo incentivo e carinho. A meus familiares, inclusive Miryam e Nazareno, agradeço o apoio sempre presente. Agradeço especialmente a Sylvio e Nazaré (in memorian), por tudo. Sou muitíssimo grata aos meus queridos filhos Caio e Breno, pelo carinho, paciência e companhia afetuosa, especialmente nas etapas finais do trabalho. Devo mais do que seria possível traduzir em palavras a meu marido Emmanuel, pelo amor incondicional e zelo constantes. A ele, meu principal interlocutor, também sou grata pela revisão cuidadosa das traduções e pelas inestimáveis contribuições a este projeto. iii Quem se embrenha apenas nas questões do momento, quem nunca olha para além delas, é praticamente cego. Norbert Elias A Condição Humana iv Neno, Simone (2005). Tratamento padronizado: Condicionantes históricos, status contemporâneo e (in)compatibilidade com a terapia analítico-comportamental. Tese de Doutorado. Belém: Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará. RESUMO Faz parte do esforço para a edificação da análise do comportamento como um sistema de saber psicológico a busca de interlocução com variados conjuntos de demandas sociais dirigidas à Psicologia. O presente estudo representa uma iniciativa nessa direção, abordando um tema específico que tem ocupado o centro do debate contemporâneo acerca do exercício clínico na psicologia: a oferta de tratamentos padronizados. O estudo teve por objetivo analisar a proposta de elaboração e uso de tratamentos padronizados, materializados em manuais que descrevem etapas e procedimentos de intervenções dirigidas a problemas clínicos específicos, sob a ótica de (a) seus condicionantes históricos, (b) seu status contemporâneo e (c) sua possível adoção no âmbito da terapia fundamentada em princípios e conceitos da análise do comportamento. O trabalho foi iniciado com o levantamento de uma vasta literatura sobre temas relacionados à padronização, como a validação empírica das psicoterapias, a eficácia e efetividade dos tratamentos, fatores comuns e fatores específicos das psicoterapias, o sistema de atenção gerenciada à saúde e o uso de manuais. Essa literatura foi submetida a uma análise circunscrita pelo objetivo definido, levando à identificação de fatores que imprimem ao uso de manuais diferentes funções, vinculadas a compromissos não coincidentes do ponto de vista das demandas atendidas e dos atores envolvidos na oferta de serviços clínicos. Do uso dos manuais com aquelas funções diversas, resultam intervenções cujas configurações distinguem-se em aspectos substanciais, inclusive com respeito ao que pode aproximá-las ou distanciá-las de uma perspectiva idiográfica de interpretação e intervenção frente a problemas clínicos psicológicos. Alguns fatores enfatizados na análise incluem (a) o advento dos ensaios clínicos randomizados e a disseminação de seu uso como solução metodológica para a pesquisa sobre resultados da psicoterapia, (b) a pressão do sistema de atenção gerenciada e sua interferência na regulação da oferta de serviços de psicoterapia, (c) políticas de financiamento da pesquisa baseadas em um modelo médico de interpretação dos problemas psicológicos e (d) o movimento pela adoção de práticas baseadas em evidências. Considerando as feições diversas que a padronização assume sob determinantes dessa ordem, aponta-se que o uso de manuais em terapia analíticocomportamental não pode ser sustentado de forma indiscriminada, mas é consistente sob um enfoque para além da dicotomia individualização-padronização. Vislumbra-se, assim, uma abordagem que sugere uma apropriação do conhecimento cientificamente estabelecido sobre uma ampla gama de fatores relevantes na psicoterapia e a sensibilidade aos componentes particulares de cada caso clínico. Além disso, são apontadas a importância e a necessidade de se produzir um conhecimento integrado e abrangente acerca da intervenção clínica baseada em princípios e conceitos da análise do comportamento, que represente um refinamento da identidade do terapeuta analíticocomportamental, assim como uma participação expressiva no debate contemporâneo sobre a oferta de serviços clínicos psicológicos. Palavras-chave: tratamentos padronizados, manuais, práticas baseadas em evidências, terapia comportamental, terapia analítico-comportamental. v Neno, Simone (2005). Standardized treatment: Historical constraints, current status and (in)compatibility with behavior-analytic therapy. Doctoral Thesis. Belém: Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará. ABSTRACT As part of an effort to be held as a psychological system, behavior analysis must search for a dialogue with a variety of social demands towards Psychology. The present study represents such a type of an effort, dealing with a specific theme which has been in the center of contemporary debates about the features of clinical psychology: the delivery of standardized treatments. The goal of the study was to analyse the proposal of development and use of standardized treatments (materialized in manuals that describe steps and procedures of interventions directed to specific clinical problems), in the light of its (a) historical constraints, (b) current status, and (c) possible adoption in psychotherapy grounded in behavior-analytic principles and concepts. The investigation started with the survey of a vast literature about themes related to standardization, such as empirical validation of psychotherapies, efficacy and effectiveness of treatments, common and specific factors of psychotherapies, the managed health care system and the use of manuals. The limits within which that literature was examined were determined by the objectives of the study. As a result, several factors were identified, that point to different functions of the use of manuals. These functions represent nonidentical commitments to the needs and actors involved in the delivery of clinical services, leading to interventions whose features are substantially different, including those aspects that can make them compatible or not with an idiographic perspective to interpretation and treatment of clinical psychological problems. Some of the factors emphasized include (a) the advent of randomized clinical trials and the dissemination of its usage as a methodological solution in psychotherapy outcome research, (b) the pressure of the managed care system and the role it started to play in regulating the delivery of psychotherapy services, (c) research funding policy, medically oriented in the interpretation of psychological problems, and (d) the movement towards the adoption of evidence-based practices. In the light of several features that standardization acquires under such types of constraints, it is pointed that the use of manuals in behavior-analytic therapy cannot be indiscriminately supported; on the other hand, it may be consistent within an approach that goes beyond the standardizationindividualization dichotomy. An approach is presented which recommends the adherence to scientifically established knowledge about several factors that are relevant to psychotherapy outcome, and the sensibility to components that are particular in each clinical case. It is also pointed the importance and need to produce broad and integrated knowledge concerning clinical interventions based in behavior-analytic principles and concepts, one that corresponds to a refinement of the behavior-analytic therapist identity, as well as an expressive participation in current debates about the delivery of clinical psychology services. Key-words: standardized treatments, manuals, evidence-based practices, behavior therapy, behavior-analytic therapy. vi SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ii RESUMO v ABSTRACT vi LISTA DE TABELAS ix APRESENTAÇÃO x INTRODUÇÃO 1 MÉTODO 12 CAPÍTULO 1: A PESQUISA SOBRE RESULTADOS DAS PSICOTERAPIAS E A PADRONIZAÇÃO DE TRATAMENTOS. 21 1.1. Fatores Comuns nas Psicoterapias. 22 1.2. O Percurso da Pesquisa sobre Eficácia das Psicoterapias. 34 1.3. Os Manuais na Pesquisa e na Intervenção em Psicoterapia. 47 1.4. Soluções para a Disseminação de Manuais. 60 CAPÍTULO 2: CONDICIONANTES HISTÓRICOS DA PESQUISA SOBRE RESULTADOS DAS PSICOTERAPIAS E A PADRONIZAÇÃO DE TRATAMENTOS. 72 2.1. O Sistema de Atenção Gerenciada e os Estudos de Eficácia da Psicoterapia. 72 2.2. Os Estudos sobre Efetividade das Psicoterapias. 82 2.3. A Força Tarefa da Divisão 12 da APA. 92 2.4. A Força Tarefa da Divisão 29 da APA. 118 2.5. A Força Tarefa Conjunta da Divisão 12 da APA e da North American Society for Psychotherapy Research (NASPR). 125 2.6. O Conceito de Práticas Baseadas em Evidências. 134 2.7. Os Manuais na Era das PBEs. 148 CAPÍTULO 3: TERAPIA (ANALÍTICO-)COMPORTAMENTAL E A PADRONIZAÇÃO DOS TRATAMENTOS. 3.1. Terapia Analítico-Comportamental e a Pesquisa da Psicoterapia. 161 164 vii 3.2. Terapia Comportamental, Modificação do Comportamento e a Elaboração de Protocolos de Intervenção. 172 3.3. Terapia Analítico-Comportamental e a Padronização dos Tratamentos. 184 3.4. Terapia Analítico-Comportamental e a Individualização dos Tratamentos. 192 3.5. A Inserção da Terapia Analítico-Comportamental no Cenário de Pesquisa e Oferta de Serviços de Psicoterapia. 203 CONSIDERAÇÕES FINAIS 215 REFERÊNCIAS 225 GLOSSÁRIO 239 viii LISTA DE TABELAS Tabela 1: Resultados do levantamento bibliográfico em bases de dados eletrônicas e textos selecionados para leitura, a partir do primeiro conjunto de buscas. 14 Tabela 2: Resultados do levantamento bibliográfico em bases de dados eletrônicas e textos selecionados para leitura, a partir do segundo conjunto de buscas. 16 Tabela 3: Resultados do levantamento bibliográfico em periódicos de análise do comportamento e textos selecionados para leitura. 17 Tabela 4: Tratamentos Empiricamente Sustentados – Grupo de Trabalho II. 103 Tabela 5: Tratamentos Provavelmente Eficazes – Grupo de Trabalho II. 104 Tabela 6: Tratamentos Empiricamente Sustentados – Grupo de Trabalho III. 107 Tabela 7: Tratamentos Provavelmente Eficazes – Grupo de Trabalho III. 107 Tabela 8: Síntese dos produtos da Força Tarefa da Divisão 12 da APA. 110 Tabela 9: Elementos das relações terapêuticas empiricamente sustentadas. 120 Tabela 10: Qualidades ou comportamentos dos clientes que servem como indicadores confiáveis para a adequação da relação na terapia. 121 Tabela 11: Princípios de mudança terapêutica. Características dos participantes, observadas. 130 Tabela 12: Princípios de mudança terapêutica. Características dos participantes, inferidas. 131 Tabela 13: Princípios de mudança terapêutica. Características da relação terapêutica. 132 Tabela 14: Princípios de mudança terapêutica. Fatores do tratamento. 132 ix APRESENTAÇÃO Faz parte do esforço para a edificação da análise do comportamento como um sistema de saber psicológico a busca de interlocução com instituições, agências e grupos sociais que regulam a produção de conhecimento e/ou demandam serviços próprios do campo da Psicologia, focalizando os temas que constituem a agenda desses setores. O presente estudo representa uma iniciativa nessa direção, abordando um tema específico que tem ocupado o centro do debate contemporâneo acerca do exercício clínico na psicologia: a oferta de tratamentos padronizados. Os tratamentos padronizados são abordados neste trabalho sob a forma de um exame crítico e sistemático de ampla literatura acerca do assunto, voltando-se para o problema específico da identificação dos condicionantes históricos do movimento que deu origem e sustentação aos projetos de padronização, o status contemporâneo de intervenções desse tipo e sua (in)compatibilidade com a terapia analíticocomportamental. A colocação do problema nesses termos promoveu interfaces com um conjunto amplo de questões debatidas contemporaneamente sobre o exercício clínico da psicologia, como a validação empírica das psicoterapias, a eficácia e efetividade dos tratamentos, fatores comuns e fatores específicos dos tratamentos, o sistema de atenção gerenciada à saúde1 e o uso de manuais. Desse ponto de vista, o problema de pesquisa possibilitou uma incursão ampla na literatura mais recente sobre a prática da 1 Por sistema de atenção gerenciada o que se está designando é o conjunto de entidades (empresas, instituições) que incorporam o paradigma do “managed care” ou da atenção gerenciada (Almeida, 1998) na oferta ou gerenciamento de serviços de saúde, sob o qual opera grande parte do sistema de saúde norteamericano. Esses conceitos serão explicitados nos capítulos seguintes e uma descrição preliminar pode ser consultada no Glossário. x psicoterapia, representando um diálogo com essa literatura, orientado por concepções analítico-comportamentais sobre a natureza dos problemas psicológicos e as possibilidades de intervenção frente a esses problemas. A abordagem definida para os tratamentos padronizados nesta pesquisa não contempla os objetivos de definir, revisar, ou avaliar tratamentos específicos. No lugar disso, o que se buscou foi descrever e avaliar uma gama de fatores relacionados às propostas de elaboração e uso de tratamentos padronizados. Mais exatamente, não se pretendeu apresentar ou discutir características e alcance de tratamentos padronizados particulares, mas examinar criticamente a proposta de orientar ou conformar a prática clínica para tratamentos desse tipo. O debate sobre o alcance dos tratamentos padronizados desenvolve-se em duas direções, a da pesquisa e a da prática da psicoterapia. Embora em diversos momentos essas dimensões apareçam aproximadas, há circunstâncias nas quais são tratadas como dissociadas ou mesmo em conflito. Alguns atores e conceitos que se tornaram referência nesse debate são apresentados em um Glossário, cuja leitura é recomendável ao leitor menos familiarizado com a literatura sobre a validade das psicoterapias. Espera-se que fique evidente, ao longo do texto, a utilidade de uma apresentação dessas informações. Os temas ali mencionados serão desenvolvidos nos capítulos seguintes. A Introdução do trabalho provê uma definição mais precisa do problema deste estudo, assim como uma contextualização do mesmo na pesquisa em psicologia clínica. A seção de Método resume algumas das decisões que circunscrevem os compromissos e o alcance da pesquisa. O produto final do trabalho é apresentado nos três capítulos subseqüentes, que abordam o histórico da pesquisa sobre psicoterapias (Capítulo 1), soluções contemporâneas para o uso de manuais (Capítulo 2) e articulações da proposta xi de padronização com a terapia baseada na análise do comportamento (Capítulo 3). Uma seção de Considerações Finais sintetiza os principais resultados da pesquisa e sugere algumas possibilidades (conceituais e empíricas) de continuidade da investigação do assunto. xii INTRODUÇÃO A prática clínica tem sido identificada como o campo no qual o exercício da função de psicólogo encontra sua expressão mais significativa. A demanda crescente por intervenções deste tipo tem favorecido o surgimento de uma diversidade de formas de tratamento, direcionadas à solução de problemas tão concretos quanto heterogêneos, estimulando o debate em torno da necessidade da fixação de critérios minimamente consensuais para a validação dessas práticas. Contemporaneamente, essas iniciativas têm sido, em geral, uma resposta a um conjunto de fatores sociais, econômicos e políticos de ampla visibilidade, relacionados em grande medida ao papel central desempenhado pelos sistemas de saúde vigentes, com repercussões na formação do terapeuta e na organização da psicologia como profissão. O debate sobre a adoção de tratamentos padronizados (“manualized treatments” ou “standardized therapy”) na intervenção psicológica é um produto desse contexto de reflexão sobre a prática clínica. Tratamentos padronizados são baseados em manuais, que consistem de protocolos de ação delineados para a intervenção clínica psicológica frente a problemas específicos. Na orientação dos tratamentos padronizados, espera-se que os manuais apresentem “diretrizes mais explícitas a serem seguidas pelo terapeuta na condução da terapia e que focalizem as técnicas e estratégias específicas que são aceitáveis e desejáveis na terapia” (Luborsky & DeRubeis, 1984, p. 5). Em geral, os manuais prescrevem o número de sessões requeridas e o conjunto de procedimentos ou conteúdos que devem ser trabalhados em cada uma das sessões, na direção da solução dos problemas correspondentes ao “transtorno” diagnosticado. 1 O desenvolvimento de manuais na padronização de tratamentos clínicos já foi referido por alguns autores (e.g., Luborsky & DeRubeis, 1984; Wilson, 1996) como uma “pequena revolução” na pesquisa da psicoterapia. Em grande parte isso se deve ao status que a adoção de manuais alcançou enquanto solução metodológica para estudos clínicos controlados. Até a metade da década de 1970, segundo Beutler (2002a), a caracterização da intervenção realizada por terapeutas que participavam de estudos sobre os resultados da psicoterapia era amplamente baseada em seus próprios depoimentos, nem sempre consistentes com os procedimentos efetivamente empregados. Como aponta Wilson (1996), dentre outras virtudes, os manuais operacionalizam a variável independente nos estudos sobre resultados de tratamentos. Eles possibilitam uma confirmação independente da implementação do tratamento de modo consistente com suas especificações procedimentais – o que tem sido denominado de demonstração da integridade do tratamento. Portanto, eles permitem aos pesquisadores demonstrar diferenças procedimentais teoricamente requeridas entre tratamentos alternativos, em estudos comparativos de resultados (p. 295). A referência histórica para o amplo uso de manuais (cf. Beutler, 2002a; Moras, 2002) foi o Programa Colaborativo de Pesquisas sobre a Depressão (Treatment of Depression Collaborative Research Program- TDCRP, 1977-1990)2, desenvolvido pelo Instituto Nacional para a Saúde Mental (National Institute for Mental Health – NIMH), 2 De acordo com Parloff e Elkin (1997), “o projeto pode ser visto como resultado de dois conjuntos de forças agindo sobre nós: (a) as pressões institucionais para responder questões pragmáticas do tipoTratamento/Avaliação/Pesquisa, colocadas pelo Congresso, por agências de atenção à saúde, terceiros pagadores, praticantes, o público e assim por diante, e (b) a reiterada expressão, por parte dos pesquisadores da psicoterapia, da necessidade de desenvolver uma base cumulativa de conhecimento com respeito à efetividade de diferentes formas de terapia, a fim de fazer avançar a utilidade da psicoterapia no tratamento de problemas específicos e de pacientes” (pp. 443). 2 nos Estados Unidos, cujas inovações metodológicas “constituiu uma mudança de paradigma para a pesquisa da terapia” (Moras, 2002, p. 425). O projeto desenvolvido pelo NIMH teria iniciado o uso de manuais de tratamento estruturados como maneira de garantir que os métodos de tratamento podiam ser identificados e replicados. Desde aquela época, os métodos de ensaios clínicos randomizados (ECRs) [“randomized clinical trials – RCTs”] e o correspondente uso de manuais de tratamento tornaram-se padrão para determinar se um tratamento funciona (Beutler, 2002a, p. 435, itálico acrescentado). Vale referir que a padronização dos tratamentos (e o uso de manuais que a viabilizam) não entrou na pesquisa sobre os resultados da psicoterapia apenas sob a forma de um desenvolvimento metodológico, mas principalmente como resposta a políticas de financiamento da pesquisa clínica (cf. Wilson, 1996). Em alguns casos, chegou a tornar-se um requisito para a publicação de estudos em periódicos especializados (cf. Luborsky & DeRubeis, 1984). Assim, uma especificação das forças envolvidas na padronização ou “manualização” de tratamentos psicoterápicos, assim como suas motivações (políticas, econômicas e sociais), parece ser requerida para uma compreensão mais ampla da emergência e avanço dessa tendência na pesquisa clínica. Ao longo deste trabalho, algumas indicações nessa direção são fornecidas. O delineamento dos estudos de eficácia como investigações comparativas, controladas e reguladas pelo modelo médico, tem atendido não apenas uma demanda pela confirmação dos efeitos positivos da psicoterapia, que estava na origem daquelas pesquisas, mas também uma necessidade instituída pelo sistema privado de atenção à 3 saúde no mercado norte-americano (o managed care, ou atenção gerenciada3) no processo de custeio dos tratamentos psicoterápicos. De modo geral, esse sistema provê reembolso do custeio do tratamento psicoterápico, desde que desenvolvido segundo critérios e condições fixadas antecipadamente. Dentre esses critérios, instituiu-se a comprovação empírica do tratamento para o transtorno particular diagnosticado, de acordo com as categorias do DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – American Psychiatric Association [APA], 2000/20034). Antecipando-se a uma possível regulamentação mais extensa da prática psicoterápica por agentes e instâncias estranhos à categoria, a American Psychological Association – (APA), por meio de sua Divisão 12 (Psicologia Clínica), organizou, em 1993, uma Força Tarefa que se ocupou do estabelecimento de um conjunto de critérios para avaliar diferentes formas de psicoterapia e informou, ao final de uma avaliação dos estudos relatados na literatura sobre eficácia da psicoterapia, os tratamentos empiricamente validados – TEVs (“Empirically Validated Treatments” - EVTs), isto é, “tratamentos psicológicos claramente especificados que se mostraram eficazes em pesquisa controlada com uma população delineada” (Chambless & Hollon, 1998, p.7). Os estudos baseavam-se nos diagnósticos do DSM-IV e definiam os transtornos específicos para os quais cada tratamento seria eficaz. As mudanças que essa regulação impunha aos estudos e à prática da psicoterapia eram evidentes. Como apontado por Wampold, Mundin, Moody, Stick e cols. (1997), a investigação das psicoterapias assumiu feições de uma pesquisa “cada vez mais pragmática, planejada para detectar vencedores e 3 O termo atenção gerenciada, adotado por Almeida (1998), será utilizado doravante como tradução da expressão em inglês managed care. 4 A primeira data refere-se à publicação original do texto; a segunda, à edição consultada. 4 derrotados” (p.203), que conta com a anuência dos próprios psicoterapeutas. É em resposta às demandas estabelecidas pelo sistema de atenção gerenciada que mesmo as terapias ditas comportamentais serão investigadas com vistas à aferição de sua validade. Uma explicitação das ações e impactos do sistema de atenção gerenciada na pesquisa psicológica pode conferir maior visibilidade a alguns dos problemas mencionados até aqui. Conceitualmente, atenção gerenciada pode ser interpretada como um paradigma aplicado ao campo gerencial do mercado de seguros privados, que privilegia a contenção de custos, restringindo o acesso aos serviços ofertados, e cujas prioridades são definidas pela “disponibilidade de caixa” e não em razão das demandas dos usuários (Almeida, 1998). Implantada com o objetivo de responder a um crescimento elevado de dispêndios na área de saúde, especialmente na década de 19805, a atenção gerenciada passou gradualmente a conformar a oferta de serviços de psicoterapia a suas diretrizes gerenciais. Essa redefinição das práticas incluiu, entre outros, a pressão por adesão a tratamentos padronizados, obedecendo a procedimentos e duração do tratamento, e respostas diversas a tais imposições, desde o cumprimento dos protocolos até a prestação de informações falsas sobre o diagnóstico do cliente atendido, de modo a garantir a confidencialidade do atendimento e o reembolso pela seguradora (cf. Sanchez & Turner, 2003). Os impactos do sistema na oferta de serviços de saúde mental são resumidos por Sanchez e Turner: 5 Segundo Sanchez e Turner (2003) o sistema que antecedeu a atenção gerenciada “tornou-se insustentável na medida em que os custos da atenção à saúde subiram muito e rapidamente nos anos 1980. Entre 1987 e 1992, o custo médio da cobertura para benefícios em saúde mental e abuso de substâncias aumentou quase 100% ... e os custos do sistema nacional de atenção à saúde alcançaram quase 11% do produto interno bruto nos Estados Unidos” (p.116). Ainda, “de 1980 a 1995, os custos da atenção à saúde mental dobraram em relação ao valor para a saúde em geral” (p.117). 5 A economia do sistema atual de atenção à saúde teve grande impacto na prática da atenção comportamental à saúde. O clima de consciência de custos da atenção gerenciada favoreceu serviços de atenção à saúde comportamentais, de tempo limitado, focalizados no sintoma e dirigidos a pacientes não institucionalizados. Esse ambiente produziu mudanças dramáticas na maneira como são oferecidos e consumidos pela população os serviços de psicologia. As mudanças mais freqüentemente citadas na literatura incluem a mudança no poder de tomar decisões sobre o tratamento, do provedor de atenção comportamental à saúde para os formuladores de políticas, a redução nos honorários, preocupações quanto à qualidade da atenção e a confidencialidade do paciente, aumento no número de provedores sem formação em nível de doutorado no mercado, emergência de diretrizes práticas, foco em abordagens de terapia breve, no lugar da terapia de longa duração e a necessidade de evidência empírica dos resultados. Infelizmente, a literatura até esta data focaliza primariamente o impacto da atenção gerenciada na prática independente da psicologia, talvez porque esse seja o campo mais diretamente afetado pelo novo sistema. Seria interessante que no futuro os esforços da pesquisa focalizassem o impacto da atenção gerenciada sobre outros domínios da psicologia, incluindo a academia e a pesquisa (p.126). Se a ação do sistema de atenção gerenciada explica em grande medida certas feições tanto da pesquisa como da oferta da psicoterapia, essas influências tornam-se mais claras no momento em que se elaboram tentativas de estabelecer uma ponte mais firme entre pesquisa e prática psicoterápica. Isso ocorre no contexto de programas de 6 investigação das psicoterapias voltados para a “disseminação” dos “tratamentos empiricamente sustentados”. Na década de 1990, a suficiência dos estudos de eficácia para informar sobre modelos de intervenção que podem funcionar no contexto de oferta real de serviços de psicoterapia é fortemente questionada, elaborando-se uma distinção daqueles estudos em relação ao que passa a ser denominado estudos de efetividade, estes últimos tendo como objeto a oferta real de serviços de psicoterapia (cf. Beutler, 1998; Chambless & Hollon, 1998; Seligman, 1995). No momento em que os estudos de efetividade são propostos, trata-se de considerar que o contexto da oferta de psicoterapia não coincide com aquele dos estudos controlados de eficácia, seja porque os próprios terapeutas estão submetidos a contingências diversas (como acessibilidade diferenciada a treinamentos), seja porque as problemáticas com as quais lidam não se adequam aos critérios restritivos dos estudos de eficácia. Mais recentemente, encontra-se na literatura um tipo de problematização que toma como referência a (in)adequação dos manuais construídos nos estudos de eficácia para a promoção da prática clínica eficiente. Neste caso, a referência é a estudos de “disseminação” (cf. Adis & Waltz, 2002; Beutler, 2002a; Carroll & Nuro, 2002; Chorpita, 2002; Hayes, 2002; Moras, 2002). Carroll e Nuro chegam a propor uma categorização dos manuais (como manuais de estágio 1, estágio 2 e estágio 3) baseada no estágio da pesquisa para os quais foram formulados, “cada estágio sucessivo abordando questões clínicas mais complexas” (p. 397), e sugerem diretrizes para aproximá-los da realidade da prática clínica. Nos debates sobre a disseminação, o ponto de partida consiste de um reconhecimento de que os protocolos para intervenção (isto é, as padronizações e sua materialização em manuais) utilizados nos estudos de eficácia 7 não constituem o suporte que pode conduzir o trabalho de praticantes da psicologia clínica ao sucesso e a uma boa relação custo-benefício. As soluções propostas para o problema são diversas e conflitantes, como se examinará ao longo deste trabalho. O diagnóstico, no entanto, pouco varia em relação ao que sintetizam Carroll e Nuro (2002): (1) aplicabilidade limitada frente à grande variedade de populações e problemas regularmente encontrados na prática clínica ... (2) ênfase excessiva na técnica com foco inadequado sobre o funcionamento da aliança e outros elementos comuns importantes do tratamento ... (3) restrição à inovação clínica e à habilidade clínica do terapeuta ... e (4) viabilidade quando o manual é implementado por clínicos com grande diversidade com respeito à experiência, disciplina e habilidade clínica (p. 396). As referências às limitações das padronizações materializadas nos manuais estariam baseadas em evidências empíricas. Segundo Beutler (2002a), há evidência de que “terapeutas efetivos tendem a se afastar dos manuais de tratamento” (p. 434) e de que “terapeutas inefetivos freqüentemente aderem mais e se tornam mais repetitivos na aplicação desses manuais” (p. 434). Por outro lado, mesmo quando a pesquisa se volta para a disseminação dos procedimentos de intervenção validados empiricamente, isto é, quando ela se ocupa da oferta de psicoterapia nas condições reais de intervenção do profissional, seu financiamento encontra-se condicionado à adoção de manuais. Chorpita (2002) assinala esse problema, lembrando que nos Estados Unidos “a maior parte dos financiamentos federais segue esse mesmo caminho, permitindo-se que a pesquisa de efetividade do estágio III aconteça somente após os manuais de tratamento 8 terem sido empiricamente testados sob condições do estágio I e estágio II” (p. 432)6. A “eficiência” da psicoterapia constitui o núcleo das preocupações que orientam investigações de diversos tipos sobre seus resultados. No entanto, ao mesmo tempo em que um interesse pragmático pode ser tomado como indicador de uma certa homogeneidade na psicologia clínica, o que se encontra na literatura da área é a diversidade do campo como um todo em relação ao paradigma adotado. Ainda assim, é possível falar de uma identidade da terapia analítico-comportamental, uma aplicação clínica fundamentada no behaviorismo radical e na análise do comportamento que é parte de um amplo conjunto de abordagens com fundamentos teórico-filosóficos diversos, identificadas genericamente como "Terapia Comportamental". É sob a ótica analítico-comportamental dos problemas clínicos com os quais o (psico)terapeuta tem que lidar que alguns aspectos dos tratamentos padronizados serão problematizados ao longo deste trabalho, ainda que com o suporte de investigações que não se pautam por aquela referência teórica. No modelo analítico-comportamental, o interesse do clínico está voltado para a identificação de relações indivíduo-ambiente decorrentes da história ambiental dos indivíduos e para uma intervenção proposta com base naquela identificação (Skinner, 1953/1965). Mas o conjunto de elementos que promove a identidade de uma prática clínica analítico-comportamental está distante de ser um "protocolo" de aplicação simples. Tampouco está claro como essa identidade se define no contexto de intervenção dos clínicos comprometidos com esse recorte teórico. A Terapia AnalíticoComportamental vê-se, assim, diante da necessidade de, ao mesmo tempo, sistematizar- 6 Os estágios referidos por Chorpita (2002) são aqueles descritos por Carroll e Nuro (2002). 9 se como modelo de intervenção com uma identidade própria e estabelecer diálogo com demandas sociais e pressões institucionais geralmente articuladas com visões do comportamento humano incompatíveis com uma cultura comportamental. Em outras palavras, trata-se de discutir em que condições a terapia analítico-comportamental pode preservar uma perspectiva externalista de análise do fenômeno comportamental de modo a possibilitar um posicionamento consistente frente às demandas sociais e institucionais que favorecem modelos alternativos de explicação e de intervenção. A aproximação e diálogo com essas questões parecem pertinentes uma vez que a análise do comportamento tem sido apontada como um campo do conhecimento (Dougher & Hackbert, 2000) ou como um sistema cultural (Glenn, 1993) que tem cometido falhas de marketing, refletidas, por exemplo, no diálogo insatisfatório com seus pares, seja na área da psicologia, seja com os demais campos de conhecimento.7 A análise de Glenn (1993) é mais genérica e chama atenção para o fato de que os analistas do comportamento "têm freqüentemente recusado-se a reconhecer, analisar e lidar com as contingências políticas que afetam o seu futuro profissional e o futuro de sua disciplina" (p.140). Isso estaria ocorrendo porque "nem as práticas culturais da ABA [Association for Behavior Analysis] nem os repertórios comportamentais da maioria dos analistas do comportamento têm sido direcionados para a compreensão e relação eficaz 7 Dougher e Hackbert (2000) fazem suas considerações no contexto de uma discussão sobre a importância do estudo de aspectos do comportamento humano complexo - a exemplo da cognição e da emoção - que são valorizados por outros cientistas, mas que estariam sendo negligenciados por alguns analistas do comportamento. Anderson, Hawkins, Freeman e Scotti (2000) avaliam que esse descaso com a análise dos eventos privados pode ser visualizado na literatura da área, especialmente nos textos que se ocupam da apresentação e discussão dos princípios gerais do comportamento. Anderson e cols. (2000) defendem que, com base no legado de B. F. Skinner e a partir das contribuições de outros analistas do comportamento, “parece claro que o papel desempenhado pelos eventos privados deveria ser incluído em uma ciência compreensiva do comportamento, especialmente do comportamento humano” (p.3). 10 com as realidades culturais8" (p.143). Em vista da natureza do problema examinado neste estudo e do tipo de abordagem que se pretende prover para o mesmo, seus resultados podem representar tanto uma contribuição para o estabelecimento do diálogo necessário entre análise do comportamento e os fóruns de discussão da psicologia, como para uma definição do próprio campo de intervenção analítico-comportamental. À luz das questões consideradas até aqui, constituíram objetivos deste estudo: Objetivo Geral: Analisar a literatura psicológica sobre tratamentos psicoterápicos padronizados, explicitando seus condicionantes históricos, status contemporâneo e compatibilidade com a terapia analítico-comportamental. Objetivos específicos: a) Assinalar algumas articulações da proposição de padronização dos tratamentos psicoterápicos com variáveis políticas, econômicas e sociais no campo do financiamento da pesquisa e da oferta de serviços na área da saúde. b) Determinar possíveis relações, ou a (in)compatibilidade da proposição de padronização das intervenções psicoterápicas com uma perspectiva analíticocomportamental de estruturação da atividade clínica. Na seção seguinte deste trabalho, explicitam-se algumas decisões metodológicas que o orientaram. 8 Ainda na avaliação de Glenn, os analistas do comportamento e a ABA têm falhado na tarefa de promover a análise do comportamento na comunidade científica e têm desperdiçado suas energias assumindo uma postura de auto-suficiência. Essa posição equivocada estaria impedindo os analistas do comportamento de identificar interesses comuns e trabalhar de maneira mais produtiva, inclusive em parceria com outras disciplinas científicas. Em forma de recomendação, Glenn (1993) sugere a criação de “pontes” organizacionais e conceituais, com a ressalva de que relações conceituais entre disciplinas não são sempre facilmente identificadas, tampouco formuladas de maneira aceitável. 11 MÉTODO A realização do presente estudo foi orientada por um conjunto de decisões metodológicas que circunscrevem seus compromissos e seu alcance. Face à natureza teórica do trabalho, essas decisões remetem-se à demarcação do problema de pesquisa, identificação e seleção de literatura para análise e ao tipo de recorte adotado para o tratamento do material selecionado. Dentre as diversas possibilidades de abordagem da padronização dos tratamentos, esta pesquisa buscou um exame crítico da proposição de desenvolvimento e uso de “tratamentos padronizados”, a partir da ótica dos compromissos que estão subjacentes a essa proposição e de como tais compromissos vão imprimindo uma conformação particular à discussão sobre sua incorporação na prática clínica de psicólogos. O que justifica esse enfoque é o objetivo de, por meio da referência a esses tratamentos, colocar em discussão temas que definem o debate contemporâneo sobre o exercício clínico da psicologia. À luz do problema de pesquisa e da abordagem acima referida, passou-se à definição dos procedimentos de identificação e seleção das possíveis fontes de informações, que nesse caso consistiam de itens da literatura histórica e contemporânea sobre aspectos do exercício clínico da psicologia. Um levantamento bibliográfico foi realizado, amplamente apoiado em recursos eletrônicos, favorecido pela disponibilidade na Internet dos principais periódicos internacionais da área de psicologia clínica e pelo acesso às suas respectivas bases de dados por meio do Portal da CAPES. Sem essa facilidade, dificilmente a presente pesquisa teria sido viabilizada (pelo menos no prazo em que foi concluída). A seleção da literatura encontrada foi baseada na pertinência do 12 conteúdo de títulos e/ou abstracts a temas que se articulam com o problema de pesquisa. Os artigos analisados foram acessados por meio de pesquisas nas bases de dados PsycInfo e Web of Science, disponibilizadas no Portal da Capes (www.periódicos.capes.gov.br). Na base de dados da Web of Science, foram pesquisadas as ocorrências a partir de 1975 (a base não disponibiliza informações sobre artigos anteriores a 1975). As pesquisas fizeram uso da ferramenta de busca geral (general search) por tópico, com ocorrência em títulos, palavras-chave ou resumos. Na base de dados da PsycInfo, foram pesquisadas as ocorrências a partir de 1872. As pesquisas fizeram uso da ferramenta de busca geral por tópico, com ocorrência em qualquer item de registro. Os resultados das pesquisas na Web of Science informaram as referências dos itens localizados e o número de citações de cada referência. Os resumos correspondentes podiam ser acessados a partir da seleção da referência. A princípio, esses resumos não foram acessados e impressos; apenas no processo de seleção, quando necessário, foi consultado o resumo de um texto. Os resultados das pesquisas na PsycInfo informaram dados de referência e resumos dos textos. Um primeiro conjunto de buscas nas duas bases de dados fez uso das seguintes expressões ou palavras-chave: • manual-based treatments. • treatment manuals. • empirically supported therapies. • dissemination of empirically supported treatments. • psychotherapy efficacy. • psychotherapy effectiveness. 13 • Dodo bird9. • common factors in psychotherapy. • clinical psychology and managed care. O procedimento de busca de referências nas bases de dados foi realizado mais de uma vez ao longo da elaboração do estudo, a fim de se obter informações atualizadas. Os dados apresentados na Tabela 1, a seguir, referem-se à última atualização do levantamento, que alcançou o período 1975-2004 na Web of Science e 1872-2004 na PsycInfo. Tabela 1: Resultados do levantamento bibliográfico em bases de dados eletrônicas e textos selecionados para leitura a partir do primeiro conjunto de buscas. Palavras-Chave Utilizadas PsycInfo Web of Science Localizados Selecionados Localizados Selecionados manual-based treatments 23 15 22 1 empirically supported therapies 49 20 31 0 dissemination of empirically supported treatments 8 6 5 1 psychotherapy efficacy 46 10 15 1 psychotherapy effectiveness 80 32 11 0 Dodo bird 22 16 26 5 Common factors in psychotherapy 0 0 15 10 clinical psychology and managed care 101 57 18 2 Total por Base de Dados 329 156 143 20 Total de Textos Localizados 472 Total de Textos Selecionados 176 Uma vez localizadas as referências, foram selecionados para análise os itens que discutiam criticamente (ainda que não apenas) os temas enumerados acima, excluindo9 A referência ao pássaro Dodo na literatura sobre psicoterapia será explicitada adiante. 14 se os seguintes itens: a) artigos repetidos; b) artigos em outras áreas de atuação profissional (educação, medicina, psiquiatria etc.); e c) artigos que apenas descrevem e/ou avaliam procedimentos específicos, tratamentos psicoterápicos para problemas específicos e/ou com base em abordagens específicas; e d) resenhas. A decisão acerca da exclusão de um item foi baseada inicialmente na leitura do título. Quando a informação do título mostrou-se insuficiente para a tomada de decisão, procedeu-se à leitura do resumo. Como os resultados das pesquisas na PsycInfo continham os resumos dos itens localizados, iniciou-se a seleção dos textos por essas pesquisas. Isso explica parcialmente uma proporção maior de itens selecionados dentre aqueles localizados nas pesquisas na PsycInfo, comparativamente com aqueles localizados na pesquisa da Web of Science. Grande parte dos itens localizados na Web of Science foram excluídos porque repetiam itens anteriormente selecionados a partir da pesquisa na PsycInfo. Dentre os 176 artigos selecionados a partir das buscas nas bases de dados PsycInfo e Web of Science, um total de 30 artigos (aproximadamente 17%) não foi localizado. Assim, o total de textos selecionados e consultados alcançou 146 (aproximadamente 83%). Um segundo conjunto de buscas e seleção de textos foi realizado seguindo os mesmos procedimentos descritos acima, mas cruzando especificamente as expressões “manual-based treatments” e “managed care” com expressões relacionadas à análise do comportamento e suas aplicações clínicas (ver Tabela 2). As expressões ou palavraschave empregadas foram as seguintes: • manual-based treatments and behavior analysis. • managed care and behavior analysis. 15 • manual-based treatments and behavior analytic. • managed care and behavior analytic. • manual-based treatments and clinical behavior analysis. • managed care and clinical behavior analysis. • manual-based treatments and acceptance and commitment therapy. • managed care and acceptance and commitment therapy. • manual-based treatments and functional analytic psychotherapy. • managed care and functional analytic psychotherapy. Tabela 2: Resultados do levantamento bibliográfico em bases de dados eletrônicas e textos selecionados para leitura a partir do segundo conjunto de buscas. Palavras-Chave Utilizadas PsycInfo Web of Science Localizados Selecionados Localizados Selecionados manual-based treatments and behavior analysis 0 0 0 0 managed care and behavior analysis 3 3 1 1 manual-based treatments and behavior analytic 0 0 0 0 managed care and behavior analytic 1 1 0 0 manual-based treatments and clinical behavior analysis 0 0 0 0 managed care and clinical behavior analysis 0 0 0 0 manual-based treatments and acceptance and commitment therapy 0 0 0 0 managed care and acceptance and commitment therapy 0 0 1 1 manual-based treatments and functional analytic psychotherapy 0 0 0 0 0 0 0 0 4 4 2 2 managed care psychotherapy and functional analytic Total por Base de Dados Total de Textos Localizados 6 Total de Textos Selecionados 6 No caso dos poucos artigos localizados a partir do segundo conjunto de buscas, todos foram selecionados para leitura. 16 Em vista do reduzido número de artigos encontrados no segundo conjunto de buscas na PsycInfo e Web of Science, procedeu-se a uma busca direta em três dos principais periódicos de análise do comportamento: The Behavior Analyst (TBA), Journal of Applied Behavior Analysis (JABA) e Journal of the Experimental Analysis of Behavior (JEAB) (embora dedicado à pesquisa básica, o JEAB foi consultado aproveitando o compartilhamento da base de dados da JABA). Os resultados estão apresentados na Tabela 3. Foram pesquisadas as ocorrências dos tópicos em títulos, palavras-chave ou resumos. Neste caso, as expressões ou palavras-chave empregadas foram as seguintes: • treatment manual. • managed care. • empirically validated treatment. • empirically supported treatment. • empirically supported therapies. • evidence-based practices. Tabela 3: Resultados do levantamento bibliográfico em periódicos de análise do comportamento e textos selecionados para leitura. Palavras-Chave Utilizadas JABA / JEAB TBA Localizados Selecionados Localizados Selecionados treatment manual 0 0 0 0 Managed care 1 1 0 0 empirically validated treatment 0 0 0 0 empirically supported treatment 1 1 0 0 empirically supported therapies 0 0 0 0 17 Palavras-Chave Utilizadas JABA / JEAB TBA Localizados Selecionados evidence-based practices 0 0 0 0 Total por Periódico 2 2 0 0 Total de Textos Localizados 2 Total de Textos Selecionados 2 Localizados Selecionados Apenas dois artigos foram localizados com esta última busca, ambos resenhas de livros, que foram selecionados para leitura. Além dos trabalhos localizados a partir dos três levantamentos mencionados (dois nas bases de dados PsycInfo e Web of Science e um em periódicos de análise do comportamento), foram analisados também artigos ou publicações de outra natureza referidos em textos da área e identificados como possivelmente relevantes para o estudo. Ao todo, 62 itens foram selecionados desse modo, sem que tenham sido detectados nos levantamentos naquelas bases de dados. O somatório dos textos localizados e consultados a partir das pesquisas nas bases de dados e em periódicos (146 no primeiro levantamento, 6 no segundo levantamento e dois no terceiro levantamento, totalizando 154) e de textos alcançados de outros modos (62) chegou a 216. Este, portanto, foi o número final de trabalhos examinados na presente pesquisa. Na apresentação das informações levantadas, como será notado, alguns textos, em virtude de sua relevância, alcance e/ou repercussão, mereceram citações mais freqüentes ou foram mais freqüentemente transcritos na ilustração de idéias ou pontos de vista. Para a seleção de informações dos textos reproduzidos, a leitura começou pelos textos com os quais se teve contato inicial e com os textos ali referidos como importantes referências na área. Após essa etapa, que possibilitou certa familiaridade 18 com a literatura de avaliação da psicoterapia, os textos foram agrupados por temas que mais centralmente abordavam (esses temas refletem-se nos capítulos e seções de capítulos). Iniciou-se então uma leitura por cada um desses grupos de textos, embora tenha sido freqüentemente necessário transitar entre um e outro conjunto de trabalhos, dado o entrelaçamento das diferentes questões que discutem. No decorrer da leitura do material, foram transcritos trechos que ilustravam aspectos ou dimensões de cada conjunto de questões. Essas transcrições foram facilitadas pelo acesso às versões eletrônicas da maioria dos artigos10. A tradução das transcrições não foi necessária nessa etapa do trabalho. Uma vez selecionados os conjuntos de informações procedeu-se à análise com o fim de identificar relações entre os temas e de formular conceitos ou proposições com os quais se poderia gerar uma interpretação da literatura examinada levando-se em conta o problema de pesquisa definido para o trabalho. Essas formulações passaram a orientar o tratamento daquelas transcrições e a redação final do texto que compõe os capítulos. Enquanto recursos analíticos, essas formulações foram também sofrendo alterações, à medida que uma maior familiaridade com a literatura era alcançada e, especialmente, à medida que interpretações prévias permitiam, em uma releitura do material, visualizar questões até então ignoradas. Quando o trabalho foi iniciado, uma hipótese geral orientou o primeiro contato com a literatura: os tratamentos padronizados constituem uma adequação da prática psicoterápica a exigências de um mercado de serviços na área de saúde, que se articula em torno de interesses financeiros de empresas de seguro-saúde e interesse políticos do 10 Foi utilizada uma versão do software Acrobat Reader (5.0) que permite copiar trechos de um documento em PDF. 19 Estado. Com o desenvolvimento da pesquisa, foi ficando claro que o movimento pela padronização dos tratamentos apresenta várias dimensões para além daquelas que estavam contempladas na hipótese original do estudo. Novas perspectivas de análise precisaram ser elaboradas a fim de compreender e conferir um lugar a cada uma daquelas dimensões. As primeiras formulações analíticas mais articuladas com as quais se iniciou uma sistematização da literatura, a partir de uma leitura preliminar do material levantado estavam sintetizadas em duas suposições: 1) A pesquisa voltada para o desenvolvimento e adesão a tratamentos padronizados regula-se por interesses econômicos, sob a égide de uma concepção medicalizada dos problemas psicológicos. Desse modo, distancia-se de uma motivação inicial, relacionada ao estabelecimento do valor diferencial de modelos psicoterápicos, em direção a uma preocupação mais estrita com a duração do tratamento. 2) Abandonada essa lógica (e os compromissos e interesses que ela reproduz), é possível abordar o problema com a noção de variabilidade dos graus de padronização/individualização dos tratamentos psicoterápicos. Esse conjunto de formulações mostrou-se efetivo para uma sistematização mais consistente das informações levantadas. À medida que um novo tratamento das informações foi sendo conduzido, porém, foram se mostrando necessários ajustes ou acréscimos àquelas formulações. O resultado final é apresentado nos capítulos seguintes. 20 CAPÍTULO 1 A PESQUISA SOBRE RESULTADOS DA PSICOTERAPIA E A PADRONIZAÇÃO DE TRATAMENTOS. Ilustração de Sir John Tenniel “Ao final o Dodo disse: “todos venceram e todos merecem prêmios”(Carroll,1865/1958 p.17). Um dado citado recorrentemente na literatura da psicologia clínica é o grande número de formas de tratamento (ou psicoterapias) disponíveis contemporaneamente (cf. Garfield, 1994, 1998; Kazdin, 1986; Kendall, 1998). Como sugere Kendall (1998), “levado ao extremo, todo terapeuta poderia descrever o que ele ou ela faz como uma forma particular de terapia” (p.4). Neste caso, seria necessário avaliar, entre outras coisas, “quais variáveis, nesses tratamentos explicam os resultados positivos, se e quando são encontrados” (Kendall, 1998, p.4). Investimentos em direção à avaliação 21 empírica dos tratamentos psicológicos seriam justificados não só em função da grande variedade de terapias, mas como alternativa para prover medidas que pudessem funcionar como critérios de avaliação do resultado do tratamento em si, independentemente do terapeuta. Em qualquer situação, lembra Kendall, a busca de elementos para equacionar as questões identificadas, e outras associadas, deveria ser regulada por critérios científicos. Na atualidade, essa busca é em grande medida regulada pelo debate sobre fatores comuns e fatores específicos dos tratamentos e inexistem perspectivas consensuais de apreciação do problema. A Psicoterapia é inegavelmente complexa e multifacetada, para profissionais e leigos parece haver diferenças dramáticas no modo como ela é praticada. Quanto ao fato dessas diferenças serem consideradas primariamente em termos das diferentes formas de psicoterapia (i.e., as diversas abordagens teóricas ou tratamentos), ou em termos de fatores comuns ou não específicos presentes em todas as formas de psicoterapia, há um longo debate sobre a própria natureza da psicoterapia (Tracey, Lichtenberg, Goodyear, Claiborn & Wampold, 2003, p. 401). 1.1. FATORES COMUNS NAS PSICOTERAPIAS Quando ainda se começava a refletir sobre as qualidades dos tratamentos psicoterápicos, Rosenzweig (1936) publicou um artigo seminal, - “a primeira articulação que se conhece dos fatores comuns na psicoterapia” (Duncan, 2002b, p. 33), no qual defendeu a tese de que a eficácia de um tratamento psicoterápico não atesta sua superioridade, mas talvez fatores comuns (por exemplo, o “recondicionamento social”, a “personalidade do terapeuta”, a reintegração – organização - dos elementos da 22 personalidade do cliente) às diversas psicoterapias (ou aos seus respectivos métodos) as tornariam todas bem sucedidas. A tese dos fatores comuns é interpretada por alguns como a suposição de que “abordagens teoricamente diferentes são comparavelmente efetivas” (Tracey, Lichtenberg, Goodyear, Claiborn & Wampold, 2003, p. 401). Na apreciação de Rosenzweig, “ao lado dos métodos intencionalmente usados em seus fundamentos teóricos conscientemente sustentados, há inevitavelmente certos fatores não reconhecidos em qualquer situação terapêutica – fatores que podem ser até mais importantes do que aqueles empregados propositalmente” (p. 412). Estes são os tipos de fatores que passaram a ser referidos na literatura como “fatores comuns das psicoterapias”. Saul Rosenzweig11 nasceu em 1907, em Boston. Em 1929, recebeu o grau de Bacharel em Artes pela Universidade de Harvard, onde também concluiu o Mestrado em Artes (1930) e o Doutorado em Psicologia Clínica12 (1932). Entre 1929 e 1934, trabalhou como pesquisador associado na Harvard Psychological Clinic, com o interesse voltado à investigação de conceitos clínicos derivados da psicanálise. Sua primeira publicação (The Experimental Situation as a Psychological Problem) é datada de 1933. De 1934 a 1943, integrou a equipe do Research Service of the Worcester State Hospital, em Worcester, Massachusetts. Durante esse período, participou de uma investigação multidisciplinar sobre esquizofrenia. É nesse contexto que Rosenzweig escreve, aos 29 anos de idade, o texto clássico “Some implicit common factors in diverse 11 Informações sobre a vida e a obra de Saul Rosenzweig (incluindo uma entrevista com o autor) podem ser encontradas em Duncan (2002a). 12 Em Harvard, Rosenzweig foi contemporâneo e colega de sala de Skinner: “Em A Matter of Consequences, o último volume de sua autobiografia, Skinner assinalou que seu interesse pelo comportamento psicótico tinha iniciado com seu desenvolvimento do somador verbal (ver Skinner, 1936), que resultou em um curta colaboração com Saul Rosenzweig no Worcester State Hospital nos anos 1930” (Rutherford, 2003, p. 268). 23 methods of psychotherapy” (“Alguns fatores comuns implícitos em diversos métodos de psicoterapia”), originalmente publicado no American Jounal of Orthopsychiatry. Saul Rosenzweig, o “fundador dos fatores comuns” (Duncan, 2002a), faleceu no dia 9 de agosto de 2004, em St. Louis, aos 97 anos. O texto de 1936 foi seguido por outro, em 1937, sobre aspectos comuns a diferentes abordagens psicológicas e por uma apresentação, em 194013, também sobre os fatores comuns (cf. Duncan, 2002a). Até a década de 50, porém, as proposições de Rosenzweig receberam pouca atenção na literatura psicológica. Segundo Duncan (2002a), “após o artigo de 1936, parece ter havido um grande vácuo – nada de Rosenzweig em continuação ao seu artigo incrivelmente profético, e não muito de qualquer outra coisa sobre fatores comuns até a metade dos anos 1950” (Duncan, 2002a, p. 10). Mesmo após a década de 50, a questão dos fatores comuns permaneceu um tópico pouco explorado. Apenas nos anos 1980 uma maior atenção é dirigida ao assunto, no contexto de uma crescente polêmica sobre a importância diferencial de fatores comuns e fatores específicos da psicoterapia. Duncan (2002a) sintetiza esse percurso: Um artigo de 1938 e uma apresentação oral em 1940 desenvolveram e disseminaram seu argumento acerca dos fatores comuns; um artigo relacionado, de 1937, que discorria sobre a base comum entre abordagens, abordou convincentemente sua complementaridade inerente. Daí em diante, a idéia de complementaridade evoluiu no seu trabalho de uma vida e paixão 13 Trata-se de uma apresentação em uma mesa sobre “áreas de concordância na psicoterapia”, na conferência de 1940 da American Orthopsychiatric Society. Segundo Duncan (2002a), “os participantes da mesa concordaram que existem mais similaridades entre as abordagens do que diferenças e articularam quatro áreas de concordância (os objetivos são similares, a relação tem papel central, o cliente responsabiliza-se pela escolha, e aumento da compreensão do self pelo cliente)” (p. 12). 24 maior, a teoria da idiodinâmica, criatividade e personalidade. A carreira fecunda e significativa de Rosenzweig, cerca de 223 publicações, abordou também muitas outras áreas: psicodinâmica empírica, avaliação projetiva, frustração e agressão, e psicologia histórica, só para mencionar umas poucas. ... Rosenzweig é conhecido de muita gente, em contextos surpreendentemente variados na psicologia: por sua correspondência com Freud, por suas contribuições à avaliação projetiva (o estudo FiguraFrustração), por sua resposta freqüentemente citada à crítica de Hans Eysenck (1952) à psicoterapia (Rosenzweig, 1954) e por sua análise da visita de Freud aos Estados Unidos (Rosenzweig, 1992), aclamada no New York Times. Mas há muito mais. Embora o artigo de 1936 tenha sido honrado com uma republicação em Goldfried (1982) 14, parece que só recentemente a perspectiva inovadora de Rosenzweig começou a ser apreciada (ver Weinberger, 1993). Luborsky (1995) reverenciou Rosenzweig afirmando que o artigo de 1936 “merece uma láurea em reconhecimento ao fato de ter sido a primeira apresentação sistemática da idéia de que fatores comuns a diversas formas de psicoterapia são tão onipresentes que estudos comparativos de tratamentos deveriam demonstrar diferenças não significativas de resultados” (p. 106). No entanto, olhando mais de perto, a influência de Rosenzweig com respeito aos fatores comuns pode ser encontrada em muitos lugares, especialmente naqueles que têm merecido crédito por teóricos posteriores dos fatores comuns (p.11). 14 O artigo também foi republicado em 2002, no volume 12 (1) do Journal of Psychotherapy Integration. 25 Dentre os fatores comuns que Rosenzweig (1936) menciona, merecem nota as “interpretações psicológicas fornecidas por terapeutas de diferentes crenças” (p. 413), as quais poderiam conferir uma certa inteligibilidade para o que, ao indivíduo, parece caótico, isto é, elas promoveriam uma “organização da personalidade” por si só relevante para o indivíduo. O fato de que isso pode ser efetivo quando orientado por diferentes perspectivas teórico-metodológicas deriva do fato de que a complexidade dos fenômenos psicológicos comportaria diferentes aproximações. Segundo Rosenzweig, os eventos psicológicos são tão complexos e têm tantos lados por sua natureza que podem ser alternativamente formulados com considerável justificação para cada alternativa. Sob essas circunstâncias, qualquer interpretação está em condições de ser um tanto verdadeira, aplicando-se pelo menos de um ponto de vista ou a determinado aspecto do fenômeno complexo sob exame. Assim, é usualmente difícil decidir entre várias interpretações para o mesmo evento psicológico; elas são todas relevantes, embora talvez em maior ou menor grau, e todas merecem então alguma consideração (p. 414)15. A proposição de que fatores comuns à psicoterapia podem ser responsáveis por seus resultados tem a importância não apenas de sugerir variáveis relevantes para o sucesso da terapia, mas principalmente de indicar que a investigação nesse terreno deve seguir uma lógica própria da prática psicoterápica. Por exemplo, ela sugere que talvez 15 É curioso notar que essa postulação de Rosenzweig (1936) em muito se assemelha à tese de Hawkins (1986), para quem, dada a complexidade dos processos de determinação do comportamento, inúmeras análises funcionais são possíveis: “O número de análises funcionais alternativas para casos clínicos é infinita e mesmo o número de análises funcionais precisas (efetivas) para um caso particular é provavelmente muito grande” (p.373). 26 se devam investigar “processos inconscientes por meio dos quais o efeito terapêutico é de fato alcançado” (Rosenzweig, 1936, p.6). Rosenzweig e mais tarde Wampold, Mundin, Moody, Stick e cols. (1997) não estão com isso supondo que certos tratamentos não possam ser especialmente eficazes para certas problemáticas. Rosenzweig, por exemplo, admite que “certas formas de tratamento muito provavelmente são mais adequadas do que outras a certos tipos de casos” (p. 413)16. No entanto, essa possibilidade não constitui o núcleo da eficácia das psicoterapias, como parecem supor delineamentos voltados para a identificação dessa eficácia diferencial. Wampold, Mundi, Moody e Ahn (1997) abordam a mesma questão fazendo referência à metáfora da terra como um planeta plano, “uma noção que persiste a despeito da evidência em contrário” (p. 226). Insistir em aspectos diferenciais das terapias como aquilo que explica seu sucesso corresponderia a um erro do mesmo tipo: Medidas precisas da terra documentaram que a terra não é perfeitamente esférica, mas está mais próxima da forma esférica do que da plana. Pode ser que a continuação da pesquisa na psicoterapia vá mostrar que alguns tratamentos são levemente mais efetivos do que outros, embora o modelo de efetividade uniforme acomode esses dados melhor do que um modelo que indica que tratamentos variam em sua efetividade. Nós comemoraríamos o dia em que um tratamento fosse desenvolvido, que fosse dramaticamente mais efetivo do que aqueles que usamos hoje. Mas até que esse dia chegue, os dados existentes sugerem que quaisquer diferenças em eficácia de tratamento que existam, elas parecem ser extremamente pequenas, na 16 Mas Rosenzweig (1936) também não deixa de notar que “há um outro problema muito mais urgente que estas notas não consideram: como é que em tantos casos todos os métodos de terapia mostram-se igualmente mal sucedidos” (p. 413). 27 melhor das hipóteses. Embora a eficácia uniforme possa não ser um achado popular para alguns, esse resultado empírico deveria guiar, no lugar de obstruir, a pesquisa e a prática (Wampold, Mundi, Moody & Ahn, 1997, p. 230). Mas na medida em que a noção de fatores comuns vai se tornando mais central na pesquisa e na literatura sobre resultados da psicoterapia, a polêmica vai sendo alimentada por uma perspectiva de confronto entre posições. Quase 40 anos depois, a tese de Rosenzweig (1936) foi endossada por Luborsky, Singer e Luborsky (1975), a partir de um exame de uma centena de estudos comparativos. Luborsky e cols. encontraram apenas diferenças “não significativas” entre as diversas modalidades de tratamentos consideradas e chegam a afirmar que “tomada em seu valor de face, nossa conclusão parece recomendar que de agora em diante nós deveríamos parar de dar atenção à forma do tratamento ao indicar pacientes para a psicoterapia” (p. 1005). Desde então “a equivalência de resultados em psicoterapia tem sido chamada o efeito do pássaro Dodo” (Wampold, Mundin, Moody, Stick & cols., 1997), numa referência à passagem do livro Alice no País das Maravilhas, reproduzida como epígrafe no artigo de Rosenzweig: “ao final, o Dodo disse: todos venceram e todos merecem prêmios” (p. 412). Para Bohart (2000), “uma das conclusões mais controversas provavelmente em toda a história da psicologia, é o ‘veredito do pássaro dodo’, de que todas as terapias funcionam igualmente bem” (p.127). Para este autor, o cliente deve ser visto como o fator comum mais importante na terapia, uma posição que conflitaria com a maioria dos modelos de terapia, para as quais o terapeuta é quem desfruta de um status privilegiado na relação. 28 O herói é o terapeuta. Os clientes freqüentemente são retratados como tão patológicos e disfuncionais (Duncan & Miller, 2000; Wile, 1981) que se não fosse pelos esforços heróicos do terapeuta, o cliente nunca deixaria seu pensamento defensivo, auto-enganador e disfuncional, e seu estado mal condicionado. Uma leitura atenta dos livros de terapia revela virtualmente nenhuma referência a clientes como pensadores produtivos. No lugar disso, o único pensar dos clientes, de acordo com esses livros, é um pensar disfuncional (Bohart, 2000, p. 129). Bohart (2000) lança mão do conceito de “resiliência” para argumentar que os clientes, e não os terapeutas, são os curadores. Masten, Best, e Garmazy (1990) concluíram que “estudos de resiliência psicossocial sustentam a posição de que o desenvolvimento psicológico humano é altamente polido e autocorretivo” (p. 438). Há evidência de que muitos alcoólicos se recuperam sem tratamento (W. R. Miller & Rollnick, 1991), e muitos indivíduos que se engajam em comportamento anti-social superam isso com o tempo (Pulkinnen, in press).... Os estudos de Prochaska e colaboradores (Prochaska, Norcross, & Di Clemente, 1994) mostraram que muitos indivíduos são capazes de superar problemas, como fumar, por si mesmos. Eles também mostram que os clientes usam o mesmo processo de cura que os terapeutas usam. Isso sugere, compatível com nossa tese, que os tipos de assistência que os terapeutas provêem consistem de processos humanos de autocura que ocorrem naturalmente, talvez de uma forma mais refinada e sistemática (p.133-134). 29 Uma vez acatada a tese de Bohart (2000), a terapia devia voltar-se para os clientes, no sentido de potencializar suas capacidades. Isso contrastaria com uma tendência contemporânea de formalizar os tratamentos em termos de um uso de técnicas especificamente adequadas para cada tipo de “transtorno”. [A terapia] funciona até onde o cliente aceita as condições de aprendizagem e participa. Assim, o nosso campo deveria estar trabalhando para desenvolver modelos colaborativos, baseados na relação, que enfatizem a mobilização da esperança e do otimismo, o envolvimento ativo do cliente, a ajuda ao cliente para aprender como permanecer focado em uma tarefa, e a ajuda para que os clientes mobilizem suas próprias inteligências intrínsecas para encontrar soluções, em vez de modelos que se baseiam em listas de livros de receitas de intervenções padronizadas para desordens específicas (e.g., Task Force, 1995) (Bohart, 2000, p.145). As conclusões de Luborsky e cols. (1975), que enfatizavam a importância dos fatores comuns aos tratamentos psicoterápicos, foram atualizadas em um trabalho mais recente. Luborsky e cols. (2002), a partir do exame de 17 meta-análises de estudos comparativos de tratamentos psicoterápicos, encontraram diferenças pequenas (e “não significativas”) de resultados. Os autores reconhecem que “resultados pequenos não significativos não indicam que os tratamentos comparados têm os mesmos efeitos para todos os pacientes. Medidas específicas de resultados tais como a depressão e a ansiedade podem nos induzir a esquecer que podem haver outras diferenças entre tratamentos” (p. 9). Todavia, suas conclusões foram suficientes para dar origem a uma nova temporada de embates em torno do assunto. Algumas reações ao artigo dão uma boa medida de como a hipótese do pássaro Dodo (a equivalência entre terapias – “todos 30 venceram”) passa a representar centralmente a valorização dos fatores comuns nas psicoterapias. Beutler (2002b) reconhece que “há ingredientes que são comuns a todos os tratamentos que explicam grande parte da mudança observada ao longo do tratamento” (p. 30). No entanto, para ele, isso não significa que todos os tratamentos são equivalentes, nem que todos merecem prêmios. As conclusões nessa direção são discutíveis, inclusive do ponto de vista metodológico, o que para ele torna injustificada tanta insistência na referência à hipótese do pássaro Dodo. Nem Freud, Reich, Adler, ou Luborsky é mais amplamente citado do que o modesto pássaro dodo na literatura da pesquisa da psicoterapia. Nós, psicoterapeutas e pesquisadores da psicoterapia, admiramos tanto esse pássaro que freqüentemente esquecemos que ele não existe de fato. Apesar dos melhores esforços de muitas pessoas nas profissões da psicoterapia, para torná-lo uma fênix que renasce das cinzas da extinção, o pássaro dodo permanece extinto. Sua ressureição na pesquisa contemporânea não garante que se torne nem um mascote da psicoterapia, nem o carregador da bandeira da pesquisa da psicoterapia. Nem os rumores de sua redescoberta por meio de meta-análises fazem justiça ao que é conhecido sobre o valor de intervenções psicoterápicas específicas (Beutler, 2002b, p. 30). Já no trabalho anterior de Lubosky e cols. (1975), algumas restrições metodológicas haviam sido levantadas. Beutler (2002b) salienta que algumas análises diferentes dos mesmos dados examinados por Lubosky e cols. “revelaram vários efeitos diferenciais moderadamente fortes dos tratamentos” (p. 30). No entanto, segundo Beutler, “esses achados foram ignorados ... porque na busca pelo dodo, há regras de 31 engajamento que fazem com que a ave extinta pareça estar viva e bem” (p. 30). Uma posição semelhante àquela de Beutler (2002b) é sustentada por Chambless (2002). Também baseada em considerações de ordem metodológica e “substantivas”, a autora discorda da conclusão de que não há diferenças nos resultados das diversas abordagens na psicoterapia17. Para Chambless, “há diversos problemas com as metaanálises de efeitos de estudos comparativos de psicoterapias que Luborsky e cols. [2002] apresentam” (p. 14). Schneider (2002) do mesmo modo questiona metodologicamente a apreciação de Luborsky e cols. sobre a equivalência entre tratamentos. Para o autor, apenas análises qualitativas cuidadosas poderiam elucidar o que significam exatamente as similaridades de resultados entre diferentes tratamentos e o que está sendo deixado de fora: “delineamentos qualitativos rigorosos nos ajudariam a clarificar se (a) todos realmente ‘ganharam prêmios’ ... ou (b) ninguém olhou suficientemente de perto para realmente dizer” (Schneider, p. 26). Na mesma direção, Rounsaville e Carroll (2002) afirmam que a conclusão de que as diferenças entre tratamentos não são significativas mereceria ser ponderada: “pequenas diferenças não são a mesma coisa que nenhuma diferença, e um tratamento que produz melhores resultados para 4 de 100 pacientes é definitivamente melhor se acontece de você ser uma dessas 4 pessoas” (Rounsaville & Carrol, p. 20). A conclusão de Rounsaville e Carroll não poderia ser mais provocativa: enquanto não se realizam as pesquisas sugeridas por Luborsky e cols. (2002), que podem possibilitar uma melhor apreciação da hipótese do pássaro Dodo, “os prêmios devem ser dados a todos aqueles terapeutas que praticam uma técnica comum essencial: o preenchimento de uma pilha de 17 Chambless foi coordenadora da Força Tarefa da Divisão 12 da APA, que investigou a eficácia diferencial de tratamentos específicos (discutida adiante) e, como tal, tornou-se “uma das pessoas que os adeptos do pássaro Dodo mais gostam de criticar” (Chambless, 2002, p. 14). 32 formulários requeridos para obtenção do pagamento de terceiros” (Rounsaville & Carrol, p. 20). É notável que o debate sobre fatores comuns vai dando origem a posições que parecem estar além das questões para as quais Rosenzweig desejava chamar a atenção. Em particular, pode ser um equívoco derivar da proposição de Rosenzweig uma interpretação dicotômica para fatores comuns e fatores específicos na psicoterapia. Como observado acima, Rosenzweig e, seguindo sua argumentação, também Wampold, Mundin, Moody, Stick e cols. (1997), não ignoram a possibilidade de que tratamentos específicos sejam mais efetivos em certas condições. Samstag (2002) questiona a adequação de se abordar o problema por essa ótica: A dicotomia fatores comuns versus fatores específicos não é uma maneira significativa de conceitualizar o processo terapêutico se todas as variáveis e processos que Rosenzweig (1936) identificou forem considerados conjuntamente. Em outras palavras, pode ser uma representação equivocada de suas idéias identificar um elemento discreto (e.g., a personalidade do terapeuta) e avaliar seu efeito sobre o resultado independentemente do contexto interpessoal e temporal do tratamento (p. 60). Curiosamente, porém, novamente associando o debate sobre fatores comuns à afirmação da hipótese do pássaro Dodo, e interpretando esta como um princípio de equivalência das psicoterapias, Samstag (2002) fala da antevisão de Rosenzweig em termos que alimentam visões polêmicas: É desconcertante considerar que o evidente paradoxo da equivalência na pesquisa sobre resultados da psicoterapia – o achado geral de pouca ou nenhuma diferença entre as principais escolas da psicoterapia em termos de 33 uma efetividade global – foi previsto neste artigo publicado há mais de 65 anos (p. 58). As formulações acima têm conexões com diversas questões que estão no centro do debate contemporâneo sobre a pesquisa e a prática da psicoterapia. As seções seguintes deste capítulo ocupam-se de algumas dessas questões, enfatizando suas repercussões no debate sobre a padronização da intervenção psicoterápica. 1.2. O PERCURSO DA PESQUISA SOBRE EFICÁCIA DAS PSICOTERAPIAS O interesse no estado da arte da pesquisa em psicoterapia é antigo. Strupp e Howard (1992/1997) apontam como precursores da moderna pesquisa em psicoterapia os estudos que reuniram dados sistemáticos sobre resultados de tratamento, desenvolvidos a partir de 1920, por centros de treinamento em parceria com institutos de formação em Psicanálise, em Berlin, inicialmente, e depois em Londres, Chicago e Topeka. Nessa mesma linha, começam a surgir, na década de 30, estudos de resultados psicoterapêuticos baseados em tratamentos “ecléticos”, ou “não psicanalistas”, nos quais “as amostras de pacientes eram tipicamente pequenas, os diagnósticos eram vagos e os tratamentos não eram descritos com grandes detalhes” (Strupp & Howard, p. 311). Na retrospectiva histórica desenhada por Strupp e Howard (1992/1997), “o ataque amplo de Eysenck (1952) a todas as formas de psicoterapia” (p. 312) é referido como marco da era moderna da pesquisa de resultados em psicoterapia18. Um outro percurso histórico tem sido apresentado por Goldfried e colaboradores 18 O trabalho de Strupp e Howard (1992/1997), intitulado “A Brief History of Psychotherapy Research”, é um dos capítulos do livro History of Psychotherapy. A Century of Change, publicado originalmente em 1992, sob os auspícios da American Psychological Association. É curioso observar a ausência, nesse capítulo, de qualquer referência ao artigo de Rosenzweig (1936). 34 (e.g. Drozz & Goldfried, 1996; Goldfried & Eubanks-Carter, 2004; Goldfried & Wolf, 1996, 1998). Nesses trabalhos, os produtos do esforço dos pesquisadores da área em direção à investigação da validade das psicoterapias têm sido referidos como estudos da Geração I, Geração II e Geração III. O que vai caracterizar cada uma dessas fases é a metodologia utilizada nas pesquisas. Estudos da Geração I, iniciados ao longo dos anos de 1950, “buscavam responder à pergunta: A psicoterapia é efetiva em promover mudança de personalidade?” (Goldfried & Wolfe, 1998, p.144). Nos anos de 1960 (e ao longo dos anos de 1970), com o advento da terapia comportamental, os estudos da Geração II se ocupavam mais de “comparar diferentes métodos para o tratamento de problemas específicos” (Goldfried & Wolfe, p. 144). Pesquisadores da Geração II refinaram o método “para incluir: a seleção de pacientes com alguns ‘problemas-alvo’ específicos (geralmente fobias ou déficits comportamentais), o uso de procedimentos de tratamento específicos baseados em diretrizes escritas e a atribuição randômica dos sujeitos a diferentes condições experimentais” (Drozz & Goldfried, 1996, p. 172). Mas o empenho no refinamento da metodologia não eximiu de críticas os estudos da Geração II: Conduzidos primariamente dentro de universidades de pesquisas, os estudos ... freqüentemente empregaram os alunos de graduação como ‘pacientes’ e esses mesmos alunos em formação como ‘terapeutas’. Observando isso, os críticos questionaram a generalidade desses achados para as populações clínicas reais. Essas críticas, junto com crescentes pressões políticas e econômicas pela validação empírica da efetividade das intervenções psicológicas, motivaram a transição para... [a] terceira geração de pesquisa (Parloff & Elkin, 1992)” (Drozz & Goldfried, 1996, p. 172). 35 A Geração III dos estudos sobre eficácia da psicoterapia teve início nos anos de 1980, quando foi operada “uma mudança definitiva em direção ao modelo médico” (Goldfried & Wolfe, 1998, p. 144), sob influência de políticas de financiamento dirigidas pelo NIMH, especialmente materializadas no Programa Colaborativo de Pesquisas sobre a Depressão (cf. Elkin & cols., 1989). Exemplo do redirecionamento da pesquisa de modo a conformar-se com uma lógica médica na abordagem de problemas psicológicos foi Uma decisão ... tomada pelo NIMH, a principal fonte de recursos para a pesquisa da psicoterapia, de que os mesmos padrões usados na pesquisa da farmacoterapia seriam aplicados na avaliação das psicoterapias. Isso significava que tratamentos psicossociais padronizados precisavam ser avaliados em termos de sua eficácia em reduzir sintomas de um transtorno específico definido pelo DSM. Anteriormente, uma decisão havia sido tomada pelo diretor do Programa Interno de Pesquisa do NIMH, de direcionar-se para a perspectiva biológica da doença mental. Em uma declaração de política oficial publicada por volta de 1970, o diretor argumentou que o futuro da pesquisa sobre doença mental dependia da compreensão e tratamento biológico dessas desordens. Acreditava-se que esse passo era necessário para que o campo da pesquisa sobre tratamento atingisse a respeitabilidade científica e, não menos importante, persuadisse o Congresso de que era necessário continuar destinando fundos para a pesquisa sobre doença mental ... Todos esse fatores influenciaram a medicalização crescente da pesquisa sobre resultados da psicoterapia (Goldfried & Wolfe, 1998, p. 145). 36 Goldfried e Wolfe (1998) ilustram as repercussões do modelo imposto à investigação da eficácia das psicoterapias afirmando que O foco nos transtornos dos diagnósticos do DSM, comparado com os estudos de problemas-alvo nos estudos da Geração II ... limita o modo como pensamos sobre os problemas clínicos e os tipos de perguntas que fazemos ... Com as categorias diagnósticas sendo o foco da nossa pesquisa sobre os resultados [da psicoterapia], pouca atenção é dirigida para singularidade/dinâmicas que podem ser relevantes para nossas intervenções ... Além disso, o modelo baseado na doença nos leva a sobreenfatizar a redução de sintomas como principal medida de resultado (p. 145). Não há um objetivo original a ser perseguido pelos estudos da Geração III. Como nos estudos conduzidos pela Geração II, o interesse continuava sendo a busca de intervenções efetivas para lidar com problemas clínicos específicos (Drozz & Goldfried, 1996). As novidades são de ordem metodológica, tais como: a) uso do DSM na definição dos problemas e das medidas de resultados; b) seleção de pacientes que se adequam estritamente a um diagnóstico; c) distribuição randômica dos participantes entre os grupos; d) refinamento das diretrizes para intervenção (manuais detalhados); e) treinamento dos terapeutas para seguimento dos manuais e f) criação de mecanismos de verificação da correspondência entre desempenho de terapeutas e manuais prescritos. Todas essas medidas têm a função de garantir a validade interna dos estudos. As repercussões dessas inovações serão diversas, em particular no que concerne aos aspectos da intervenção que se tornam importantes (as técnicas que estão sendo avaliadas por meio do seguimento de prescrições dos manuais que garantem a especificidade da intervenção) e ao tipo de medida de resultados adotada (remissão dos 37 sintomas do DSM). A transição para esse novo modelo de pesquisa é resumida por Samstag (2002): Primeiro, importantes revisões e meta-análises nos anos 1970 e no início dos anos 1980 estabeleceram a efetividade geral de um amplo leque de psicoterapias (Bergin, 1971; Bergin & Lambert, 1978; Luborsky, Singer, & Luborsky, 1975; Meltzoff & Kornreich, 1971; Smith, Glass, & Miller, 1980). Em seguida, ensaios clínicos randomizados foram conduzidos refletindo uma aliança com a medicina e a idéia de que o tratamento contém componentes ativos e inertes. Ao aplicar esse modelo à psicoterapia, os delineamentos de pesquisa confrontaram um tipo de terapia a outro, incluindo grupos controle sem tratamento, em um esforço para encontrar uma abordagem técnica superior para tratar um sintoma clínico específico, como a depressão (Elkin & cols., 1989). Os pacientes com sintomas relativamente circunscritos são designados randomicamente a uma ou outra condição de tipo de tratamento ativo (e.g., em um delineamento de comparação de dois tipos de terapia um com o outro, tais como a cognitivocomportamental e a interpessoal), ou a uma condição controle de placebo (e.g., em um delineamento de comparação de um tratamento ativo com o não tratamento, tal como pacientes em uma lista de espera) no que se tornou o padrão da pesquisa de eficácia do tratamento (Beutler, 1998; Parloff, 1986). Os fatores de não tratamento ou “não específicos” nesses delineamentos são considerados variáveis que devem ser controladas. Esse modelo de investigação sustentou a proliferação de manuais de tratamento como maneira de tornar mais bem definida a especificidade técnica por 38 meio da operacionalização e padronização das intervenções clínicas, de medir a adesão do terapeuta a modelos clínicos e de reduzir a variabilidade associada a efeitos do terapeuta (Crits-Christoph & Mintz, 1991; Luborsky & DeRubeis, 1984; Rounsaville, O’Malley, Foley, & Weissman, 1988) (p. 61). Assim, como resultado da influência da psiquiatria no NIMH e do sucesso dos ensaios clínicos controlados na pesquisa sobre drogas, a questão específica da Geração III se tornou: qual intervenção padronizada é mais efetiva no tratamento de pacientes diagnosticados com um transtorno específico do DSM ? A linguagem empregada nos estudos de drogas foi aplicada de modo que a pesquisa de resultados foi renomeada como ensaios clínicos, e os problemas-alvo estudados na pesquisa de resultados da segunda geração foram substituídos por diagnósticos do DSM. Como na pesquisa de drogas, o principal foco passou a ser a redução da sintomatologia e o Programa Colaborativo de Pesquisa sobre Tratamento da Depressão do NIMH (Elkin & cols., 1985) tornou-se o protótipo do ECR (Goldfried & Eubanks-Carter, 2004, p. 670). Estruturalmente, os estudos de eficácia apresentam as seguintes características, sintetizadas por Seligman (1995): 1. Os pacientes são randomicamente designados para condições de tratamento e de controle. 2. Os controles são rigorosos. Não apenas incluem-se pacientes que não recebem nenhum tratamento, como também são usados placebos contendo ingredientes potencialmente terapêuticos, de confiança para o terapeuta e 39 para o paciente, a fim de controlar influências como rapport, expectativa de ganho e atenção simpática (intitulados não específicos). 3. Os tratamentos são padronizados, com um roteiro da terapia altamente detalhado e explicitado. A fidelidade ao manual é avaliada usando-se sessões gravadas em vídeo, e os executores inconstantes são corrigidos. 4. Os pacientes são vistos por um número fixo de sessões. 5. Os resultados alvo são bem operacionalizados (e.g., transtorno do DSMIV diagnosticado pelo clínico, número de orgasmos relatados, auto-relatos de ataques de pânico, percentagem de falas fluentes). 6. Os avaliadores e diagnosticadores são cegos com respeito ao grupo de origem dos pacientes. (Ao contrário do método “duplo cego” dos estudos de drogas, os estudos de eficácia da psicoterapia podem ser no máximo “único cego”, uma vez que o paciente e o terapeuta sabem o que é o tratamento. Quando você ouvir alguém solicitar um estudo duplo cego de psicoterapia segure sua carteira). 7. Os pacientes cumprem critérios para um único transtorno diagnosticado e os pacientes com múltiplos transtornos são tipicamente excluídos. 8. Os pacientes são acompanhados por um período fixo após o término do tratamento com uma completa bateria de avaliação (p. 965). Goldfried (1999) sintetiza alguns problemas que surgem com o uso do DSM como referência na pesquisa da psicoterapia afirmando: Um problema com diagnósticos do DSM é que quando dois ou mais problemas coexistem, eles são tratados como “comorbidos”, uma maneira de pensar sobre problemas clínicos que oferece pouco com respeito a 40 diretrizes para o tratamento ... Um outro problema com os manuais vinculados ao DSM é que algumas categorias diagnósticas são mais heterogêneas do que outras. Por exemplo, alguns pacientes são deprimidos por causa da maneira como pensam sobre si mesmos e sua circunstância de vida, enquanto outros podem ser deprimidos por causa de problemas interpessoais que os impedem de ter suas necessidades atendidas (p. 463). Dois conceitos passam a ser muito importantes na definição dessa tradição de pesquisa. O primeiro é o conceito de validade interna, que significa a consistência metodológica do estudo. A validade interna já se tinha mostrado uma preocupação dos estudos da Geração II, mas passou a receber muito mais atenção nos estudos da Geração III com as medidas descritas acima (Goldfried & Eubanks-Carter, 2004). O segundo conceito é o de ensaios clínicos randomizados – ECRs, que define a nova estrutura metodológica para o estudo da eficácia das intervenções. Nos ECRs os participantes são randomicamente distribuídos em grupos, submetidos a procedimentos cuidadosamente definidos de intervenção (conforme os manuais correspondentes), os terapeutas são treinados para seguir aquelas prescrições e o grau de adesão dos mesmos aos manuais é verificado. Com a ênfase que tem sido dada ao uso de manuais na pesquisa veio um interesse vigoroso na medição dos comportamentos que correspondem aos vários tratamentos. Quando os manuais são empregados e o comportamento do terapeuta é avaliado com respeito a sua concordância com o manual, um conhecimento até mais preciso pode se tornar disponível com relação aos procedimentos realmente empregados em um dado estudo. Como discutido com maiores detalhes acima, as medidas resultantes do comportamento do 41 terapeuta podem servir a muitos usos interessantes e práticos (Luborsky & DeRubeis, 1984, p. 12). A lógica dos ECRs passa a ser incorporada por grupos dedicados à pesquisa sobre os resultados da psicoterapia: Face às aparentes vantagens para o treinamento e monitoração de terapeutas no contexto dos estudos de pesquisa, e as vantagens para a comunicação dos procedimentos usados na pesquisa, recomenda-se que investigações futuras da efetividade ou natureza das psicoterapias incluam, no mínimo, o uso de um manual que descreva os procedimentos terapêuticos pretendidos ... Recomenda-se além disso que, sempre que possível, o tratamento realmente oferecido no contexto de um estudo de pesquisa seja monitorado e avaliado quanto à sua convergência com os procedimentos do manual. O que se recomenda aqui para a pesquisa da psicoterapia é simplesmente uma prática experimental sólida: especificar os procedimentos de tratamento recomendados (as variáveis independentes) e verificar as manipulações de tratamento empregadas (Luborsky & DeRubeis, 1984, pp. 12-13). A medicalização da pesquisa também passou a atender regulações impostas por empresas (seguros e planos de saúde) amplamente envolvidas no custeio de serviços psicológicos na realidade norte-americana. O próprio establishment psicológico foi levado a incorporar alguns princípios em nome de sua autonomia para definir a aceitabilidade de procedimentos de intervenção (um tópico discutido adiante, na seção 1.4. deste Capítulo). Em uma direção mais crítica da adesão aos ECRs, Wampold, Mundin, Moody, Stick e cols. (1997) assinalam que a busca de eficácia diferencial das psicoterapias 42 desenvolve-se sob uma lógica que é própria dos estudos farmacológicos, que visam atender critérios da Food and Drug Aministration (FDA). Nesses estudos, é necessário comprovar que um componente específico de um medicamento pode prover a remissão de sintomas específicos. Adotando esse modelo, as psicoterapias vêem-se obrigadas, para serem reconhecidas como válidas, a comprovar que alguns de seus componentes específicos produzem efeitos particulares em certos tratamentos. Ocorre que não é assim que funcionam. Ainda que não possam prover aquele tipo de comprovação, o fato é que “as psicoterapias não estão fazendo nada específico; em vez disso, elas são benéficas de modos não específicos em direção ao caminho final comum de desmoralização, tanto quanto são efetivas” (Wampold & cols., 1997, p. 211). Portanto, aderir à lógica dos estudos de eficácia não favoreceria o desenvolvimento da prática psicoterápica. “Infelizmente, a estratégia de validação empírica enfraquece a sustentação da psicoterapia como tratamento em saúde mental, em vez de fortalecê-la” (Wampold & cols., p. 211). Ainda questionando os estudos de eficácia, assinalando que do ponto de vista metodológico também não comportam uma comprovação ampla do alcance das psicoterapias, Wampold, Mundin, Moody, Stick e cols. (1997) concluem recomendando a adoção de um enfoque para a pesquisa em psicoterapia compatível com suas dimensões próprias: É irrealista acreditar que ensaios clínicos serão conduzidos de modo a cobrir pelo menos uma parte das possíveis combinações Tratamento x Transtorno ... Conseqüentemente, uma hipótese abrangente sobre todos os tratamentos com todos os transtornos nunca será testada ... Se se desistisse da crença de que os tratamentos psicoterápicos são análogos a medicações e se 43 acreditasse na evidência científica de que a psicoterapia em geral é extremamente eficaz ... enquanto as diferenças relativas são mínimas, a pesquisa em psicoterapia seria consideravelmente diferente do atual foco em ensaios clínicos (p. 211). Westen, Novotny e Thompson-Brenner (2004) argumentam que o uso dos ECRs na pesquisa sobre TESs de fato é problemático por um número de razões (como o uso das categorias diagnósticas do DSM, a seleção de pacientes que apresentam apenas um problema, definido em termos daquelas categorias, a não consideração de variáveis importantes como “disposições de personalidade” do paciente etc.). No entanto, o problema não residiria propriamente no delineamento dos ECRs, mas sim no uso que passa a ser feito dele na avaliação de tratamentos. Os ECRs poderiam, para Westen e cols., ser usados de outros modos: Podemos fazer melhor uso dos delineamentos de ECRs se focalizarmos estratégias de intervenção e processos de mudança, do que pacotes de tratamento, e se focalizarmos sintomas-alvo com probabilidade de ser mudados em intervalos relativamente breves. Onde os delineamentos de ECRs provêem apenas informação limitada, deveríamos tirar vantagem de um dos maiores recursos à nossa disposição, a prática clínica, que pode e deve servir como um laboratório natural para a geração e teste de hipóteses. Delineamentos correlacionais podem estender o alcance do método científico no contexto de descoberta, identificando intervenções promissoras que podem então ser testadas experimentalmente, na comunidade e no laboratório (p. 658). Na visão de Westen e cols. (2004), portanto, os ECRs podem ser úteis como um 44 recurso metodológico que informa sobre a eficácia de certas estratégias de intervenção, mas que precisaria ser complementado com outros tipos de investigação, inclusive conduzidas pelos praticantes da psicoterapia. No lugar de focalizar pacotes de tratamentos construídos no laboratório, planejados para serem transportados para a prática clínica e assumindo que qualquer delineamento único (ECRs) pode responder todas as questões clinicamente significativas, nós poderíamos, como um campo, redefinir nossos objetivos, de tentar prover os clínicos de instruções passo a passo para o tratamento de sintomas ou síndromes descontextualizados, para oferecer-lhes intervenções empiricamente testadas e teorias da mudança empiricamente sustentadas, que podem ser integradas em tratamentos empiricamente informados. Esse realinhamento demandaria uma concepção sobre a natureza do trabalho clínico e a relação entre ciência e prática muito diferente daquela que existe atualmente em nossa disciplina, na qual pesquisadores e clínicos freqüentemente vêem um ao outro com desconfiança e desrespeito (ver Goldfried & Wolfe, 1996). Talvez mais importante, demandaria a aceitação de profissionais clinicamente competentes para tomar decisões (em vez de paraprofissionais treinados para permanecer fiéis a um manual validado) que tenham competência para ler e compreender pesquisa relevante aplicada e básica, assim como a competência para ler pessoas – competências que suspeitamos que estão altamente correlacionadas. Aprender a criar esses clínicos mostrar-se-á, suspeitamos, pelos menos tão desafiador quanto planejar tratamentos para que eles os conduzam (p. 658). 45 Goldfried e Wolfe (1998) também apontavam que não viam “problemas com o uso da designação randômica por si. No entanto, os problemas surgem devido à heterogeneidade de algumas das categorias diagnósticas estudadas em nossa pesquisa de resultados” (p. 145). Isto é, “ao criticar o uso da designação randômica na nossa metodologia de pesquisa atual ... o problema residia primariamente na natureza heterogênea e categorial do sistema de classificação do DSM, que é inerente à nossa geração atual da pesquisa de resultados” (p. 148). Em outros contextos de uso, os ECRs podem ser relevantes: “é possível mudar nossa metodologia de delineamento de grupos de forma que os pacientes sejam designados para intervenções que melhor se adequam a suas necessidades clínicas” (p. 149). É importante notar que as considerações acima foram publicadas do final dos anos 1990 em diante. Elas são parte de um contexto contemporâneo de discussão dos limites dos ECRs e dos TEVs. Em outras palavras, elas representam possivelmente elementos do que poderá vir a ser descrito como a Geração IV dos estudos sobre a validade das psicoterapias. Goldfried e Eubanks-Carter (2004) vêem como movimentos na direção dessa mudança os estudos de efetividade (discutidos na seção 2.2.) e a investigação dos princípios de mudança terapêutica (discutidos na seção 2.5.). Já em 1998, Goldfried e Wolfe (1998) apontavam que “tem havido um reconhecimento crescente da necessidade de buscar a ligação entre o clínico e o pesquisador no delineamento e implementação da pesquisa de resultados” (p. 147). Partindo de uma distinção entre fase de descoberta e fase de confirmação na pesquisa em psicoterapia, Goldfried e Eubanks-Carter sugerem também que o contexto de atuação dos praticantes da psicoterapia constitui o contexto da descoberta de aspectos relevantes para o tratamento, enquanto a investigação controlada seria o contexto de confirmação. Para 46 qualquer empreendimento, entendem que o fundamental será o desenvolvimento de programas colaborativos, no lugar de investimentos pessoais de pesquisadores, praticantes, ou grupos isolados. 1.3. OS MANUAIS NA PESQUISA E NA INTERVENÇÃO EM PSICOTERAPIA Os debates mais recentes sobre a padronização de tratamentos têm como contexto o uso dos manuais nas pesquisas sobre validação empírica das psicoterapias. Antes de assinalar alguns aspectos desse contexto e de sua repercussão é necessário salientar que o uso de manuais, ou protocolos, antecede o movimento pela validação das psicoterapias. A terapia comportamental é freqüentemente referida (e.g., Dobson & Shaw, 1988; Goldfried, 1999; Luborsky & DeRubeis, 1984) como a primeira abordagem que fez uso de manuais de tratamento. De acordo com Goldfried (1999), “um dos primeiros pesquisadores a fazer uso de um manual de terapia no contexto da pesquisa de resultados foi Paul (1966)19, que comparou a dessensibilização sistemática com a terapia de insight no tratamento da ansiedade para falar em público (p. 462)20. Mesmo contemporaneamente, grande parte dos manuais disponíveis são da área da terapia comportamental ou cognitivo-comportamental. Conforme apontam Castonguay, Schut, Constatino e Halperin (1999), “enquanto os manuais de tratamento têm sido 19 Uma outra obra de Paul, de 1967, é referida por Tracey, Lichtenberg, Goodyear, Claiborn e Wampold (2003) na caracterização da posição relativa aos fatores comuns da psicoterapia “a crença no caráter distinto do tratamento é exemplificada com a colocação, por Paul (1967), da questão “Qual tratamento, por quem, é mais efetivo para este indivíduo, com aquele problema específico e sob que conjunto de circunstâncias?” (p. 111)” (p. 401). 20 Dobson e Shaw (1988) e Luborsky e DeRubeis (1984) fazem referência a um livro de Wolpe, The Practice of Behavior Therapy, publicado em 1969, como o primeiro manual, mas a obra de Paul (Insight vs. Desensitization in Psychotherapy), referida por Goldfried (1999), antecede o texto de Wolpe. 47 considerados uma bênção na maioria dos círculos cognitivo-comportamentais ... algumas das críticas mais severas contra eles vêm de tradições humanistas e psicanalíticas” (p. 449). É importante, porém, observar que há manuais formulados sob outras perspectivas teóricas. Castonguay e cols. (1999), por exemplo, salientam que há manuais desenvolvidos na tradição humanista: “figuras respeitáveis da orientação humanista recentemente desenvolveram e investigaram empiricamente manuais de tratamento (Greenberg & Watson, 1998; Pavio & Greenberg, 1995)” (p. 449). Ainda mais interessante, Castonguay e cols. apontam que um dos primeiros manuais foi elaborado sob a égide da abordagem psicodinâmica: Talvez ironicamente, um dos primeiros manuais de tratamento veio da tradição psicodinâmica. No seu clássico Technique and Practice of Psychoanalysis [Técnica e Prática da Psicanálise], Greenson (1967) tomou para si a tarefa de definir as diretrizes e regras específicas que deveriam governar o tratamento psicanalítico (p. 449). O que torna os manuais mais contemporâneos diferentes daquelas primeiras especificações de diretrizes ou procedimentos na psicoterapia é o fato de que, regulados por um interesse em seu uso para a pesquisa, tornaram-se bem mais detalhados com respeito às etapas e atividades da intervenção. Segundo Luborsky e DeRubeis (1984), essa mudança ocorreu na década de 1970: “apenas a partir de 1976 os manuais formais de psicoterapia emergiram como guias importantes para pesquisadores, professores e praticantes” (p. 5). Muitas vezes, no lugar do termo “manual”, encontra-se a referência a “protocolos” na descrição de procedimentos mais gerais para a intervenção terapêutica. Essa distinção entre manuais (mais detalhados) e protocolos (diretrizes mais amplas) 48 não é consistentemente observada na literatura sobre a pesquisa da psicoterapia. Muitas vezes, “manuais” e “protocolos” são empregados como sinônimos. Por exemplo, Castonguay e cols. (1999) afirmam que “novos manuais de tratamento serão investigados e esses protocolos não focalizarão apenas problemas clínicos” (p. 451), enquanto Abrahamson (1999) refere-se ao “desenvolvimento de medidas de resultados da psicoterapia, diretrizes para o tratamento e protocolos clínicos baseados em manuais” (p. 467). Também é relevante notar que mesmo textos que não se apresentam, à primeira vista, como manuais, podem ter origem na pesquisa sobre resultados da psicoterapia. Castonguay e cols. (1999) ilustram, a esse respeito, o uso de textos clássicos da terapia cognitiva e da terapia interpessoal no estudo colaborativo sobre depressão conduzido pelo NIMH. Os praticantes freqüentemente não se dão conta de que alguns dos mais influentes manuais clínicos (e.g., Beck, Rush, Shaw & Emery, 1979; Klerman, Weissman, Rounsaville & Chevron, 1984) são, para todos os propósitos, protocolos de tratamento que têm sido usados em estudos de resultados (e.g., Elkin & cols., 1989). O que geralmente diferencia esses manuais publicados de outros conhecidos manuais clássicos é que são fornecidos mais detalhes nos manuais sobre o papel do terapeuta e do cliente (p. 450). Como apontado anteriormente, as feições e os usos dos manuais, a partir da década de 1970, estão intimamente relacionados com a pesquisa sobre resultados da psicoterapia. Essa é a motivação que responde pela grande atenção dirigida aos manuais. A fim de aferir consistentemente o valor diferencial dos tratamentos psicoterápicos, tornou-se necessário formalizar sistematicamente as características de 49 cada intervenção a ser investigada, inclusive (ou especialmente) para orientar os terapeutas que conduziriam os atendimentos. Assim, o desenvolvimento dos manuais torna-se uma exigência para a pesquisa. Segundo Luborsky e DeRubeis (1984), Um impulso para o desenvolvimento de manuais veio da suposição recente pelos pesquisadores da psicoterapia de que os bons delineamentos de pesquisas precisam deles, especialmente para estudos que comparam a efetividade relativa de diferentes formas de psicoterapia. A preocupação com certas questões metodológicas aumentou e uma das recomendações ouvidas freqüentemente era para o uso de manuais de tratamento mais sistemáticos para guiar a conduta das psicoterapias testadas nos estudos de resultados (p. 6). Assim, os pesquisadores podem agora comunicar com muito mais precisão a natureza do(s) tratamento(s) em um dado estudo (p. 12). O desenvolvimento dos manuais atendeu, portanto, uma necessidade metodológica, conferindo maior clareza às especificidades do tratamento. Os manuais passaram, também, a constituir um recurso indispensável para “minimizar a variabilidade no interior das condições experimentais, para garantir a padronização entre localizações e para permitir aos consumidores das pesquisas saber o que está sendo testado (Westen & cols., 2004, p. 637). Também segundo Addis e Krasnow (2000), “o impulso primário para a evolução de manuais de tratamento foi a necessidade de aumentar a validade interna nos estudos de resultados da psicoterapia” (p. 331). Desse ponto de vista, os manuais cumpririam a função de padronização da conduta dos terapeutas participantes dos estudos. Para isso, seu uso veio acompanhado de treinamentos, que visavam justamente aumentar a probabilidade de adesão dos 50 terapeutas às prescrições (um aspecto que será fortemente problematizado, como se verá adiante, visto que a exata adesão que atende preceitos metodológicos será vista como uma restrição à ação eficaz do terapeuta). É com os manuais, então, que se materializa metodologicamente o estudo das “especificidades” de um tratamento, que se torna possível visualizar com clareza a relação entre o que é específico da intervenção e seus resultados e a relação entre o desempenho do terapeuta e as características do tratamento. Pelo menos, essa é a expectativa, como sugerem Luborsky e DeRubeis (1984), em um artigo que data de um momento inicial do movimento que levou ao desenvolvimento dos manuais: Embora os achados de estudos que não empregaram manuais tenham freqüentemente apontado que as psicoterapias podem ser significativamente diferenciadas, é razoável esperar que as terapias baseadas em manuais produzam resultados desse tipo ainda mais claros. Distinções mais acentuadas seriam antecipadas e a natureza das diferenças poderia ser até mais consistente com o que é esperado da comparação das psicoterapias. Um dos primeiros estudos a examinar o uso de técnicas em terapia baseada em manual foi conduzido por Neu e cols. (1978) (p. 9). Face a essa importância metodológica dos manuais, seu uso chega a tornar-se um requisito para a publicação de estudos sobre resultados da psicoterapia em periódicos científicos especializados. “Essa exigência já está funcionando para a publicação de estudos de resultados em pelo menos um periódico (Cognitive Therapy and Research; ver instruções aos contribuidores, April, 1983)” (Luborsky & DeRubeis, 1984, p. 12). Torna-se também, ou principalmente, uma condição para obtenção de apoio financeiro às pesquisas sobre resultados da psicoterapia: “nos Estados Unidos, a 51 obtenção de financiamento federal para estudos sobre o resultado de tratamento requer que os tratamentos sejam descritos em um manual” (Wilson, 1996, p. 296). Como assinalado nas seções anteriores, a pesquisa voltada para a validação empírica das terapias vai sendo orientada por um conjunto de determinantes que se ligam diretamente à oferta de serviços na psicologia clínica. Essa conexão esperada da pesquisa com a oferta real da psicoterapia confere aos manuais funções importantes na regulação da prática do profissional. Nas descrição de Luborsky e DeRubeis (1984), os manuais visam “1) auxiliar em comparações objetivas das psicoterapias em estudos de pesquisas ... 2) auxiliar na medição do grau com que um terapeuta ofereceu o que se pretendia em uma dada abordagem ... 3) auxiliar no treinamento de terapeutas (pp. 5-6). Também para Castonguay e cols. (1999) “a função última, se não a raison d’être dos manuais de tratamento desenvolvidos no contexto dos estudos de resultados, é prover diretrizes úteis para a condução e aprendizagem de métodos de intervenção (p. 450). Uma questão crucial, então, na discussão dos manuais e dos tratamentos padronizados passa a ser sua apropriação (ou não) pelos prestadores de serviço de psicoterapia e as conseqüências desse movimento. À primeira vista, pode-se supor que uma sistematização da intervenção clínica em termos da especificação de etapas, técnicas e procedimentos possibilita a profissionais com menor qualificação ou familiaridade com a pesquisa a condução de tratamentos eficazes, que incorporam o conhecimento acumulado. Isso pode ser visto, inclusive, como uma porta para a contratação de profissionais com menor qualificação e por uma remuneração também inferior pelas empresas provedoras de serviços na área de saúde mental. Essa expectativa de interesse e acolhimento dos manuais pelos profissionais, no entanto, mostra-se em certa medida ingênua, pois a adesão ao manual 52 por um profissional já estabelecido na atividade clínica pode entrar em conflito com suas rotinas, convicções teórico-metodológicas e processos de tomada de decisão. De outro lado, mesmo o profissional interessado na condução do processo com base em um manual não dependerá apenas de uma leitura ou participação em um treinamento de curta duração para ser bem sucedido. Como apontam Castonguay e cols. (1999), “manuais de tratamento são mais complexos do que parecem” (p. 450); como conseqüência, “tornar-se competente na aplicação de qualquer manual de tratamento requer uma supervisão próxima e uma considerável quantidade de prática” (p. 450). Em resumo, há uma suposição implícita e freqüentemente não questionada no campo, no sentido de que se pode aprender um manual de tratamento ... simplesmente lendo um livro e frequentando um workshop. Como qualquer tentativa notável de aliviar o sofrimento humano, não conhecemos nenhum protocolo gerado em pesquisa que seja simples de ser usado com competência (Castonguay, Schut, Constatino & Halperin, 1999, p. 450). As dificuldades encontradas na adesão aos manuais por profissionais que oferecem serviços de psicoterapia podem ser melhor visualizadas considerando-se duas características dos manuais contemporâneos. A primeira diz respeito à lógica incorporada nos manuais, a segunda ao uso que passa a ser feito dos manuais por agências ou empresas responsáveis pela remuneração do trabalho do psicólogo clínico. No que diz respeito à lógica dos manuais contemporâneos, deve-se considerar que são formulados no contexto de desenvolvimento da pesquisa sobre eficácia da psicoterapia, principalmente a partir dos anos 1980, quando o modelo médico, consolidado nos estudos farmacológicos, passa a ser prescrito pelo NIMH para a 53 pesquisa na área de saúde mental. Em parte, isso explica a preocupação com a “especificidade” de um tratamento e um quase absoluto desprezo pelos fatores comuns relevantes para a obtenção de resultados positivos da psicoterapia (um aspecto que será fortemente problematizado pelos pesquisadores e praticantes da psicoterapia, vindo a merecer atenção da própria APA, como se verá adiante). Explica também a ênfase em sintomas para definir o diagnóstico e na eliminação destes sintomas como critério para atribuir-se um valor positivo aos resultados. Em especial, a adoção do modelo médico vem acompanhada de uma influência do pensamento psiquiátrico, resultando na exigência de utilização das categorias diagnósticas do DSM-IV (APA, 2000/2003). Na medida em que o NIMH tornou-se dominado pela psiquiatria nos anos 1980, a pesquisa da terapia começou a adotar uma epistemologia de maior orientação médica (Goldfried & Wolfe, 1998). O que antes se conhecia como “pesquisa de resultados” para “problemas-alvo” – como ansidedade para falar em público – tornou-se “ensaios clínicos” para transtornos do DSM, como fobia social. Os manuais para o tratamento desses transtornos, agora uma parte essencial da metodologia de pesquisa, foram publicados e anunciados para uso por clínicos praticantes (Goldfried, 1999, p. 463)21. Incorporando preceitos do modelo médico de investigação, utilizado em particular pelo Food and Drug Administration – FDA para aferir a eficácia de drogas e medicamentos, os manuais deveriam corresponder à natureza e extensão do tratamento administrado, do qual se espera determinado resultado em termos de “remissão de sintomas”. Sobre as conseqüências da adoção dessa lógica, Westen e cols. (2004) 21 Goldfried (1999) acrescenta que, sob aquelas influências, “alguns desses manuais … incluíam o que poderiam ser considerados procedimentos um tanto arbitrários (e.g., o estabelecimento de uma clara agenda ao final de cada sessão) que poderiam não ser essenciais para o processo de mudança” (p. 463). 54 assinalam que Do ponto de vista da metodologia experimental, o melhor manual é aquele que pode padronizar a “dose”, o tempo da dose e os ingredientes específicos a serem oferecidos em cada dose. Esse é o único modo de minimizar variações intragrupos e assim certificar-se de que todos os pacientes em uma dada condição de tratamento estão realmente recebendo o mesmo tratamento. O manual ideal de um ponto de vista experimental especificaria, portanto, não apenas o número de sessões, mas o que deve precisamente acontecer em cada sessão ou pelo menos em uma pequena parcela das sessões. Quanto mais o manual se desvia desse ideal, menos se pode derivar conclusões sobre o que precisamente causou os efeitos experimentais (pp. 637-638). Quanto ao lugar que os manuais passam a ter no processo de remuneração do trabalho do psicoterapeuta, tem-se um movimento do sistema de atenção gerenciada na direção de utilizar como critério para credenciar serviços de psicoterapia o atendimento baseado no uso dos manuais empregados nos estudos de validação empírica. Isso criará uma pressão sobre os profissionais, que necessitarão concordar e qualificar-se para prover aqueles tratamentos padronizados, a fim de garantir sua inserção ou permanência no mercado de trabalho. Os compromissos dos manuais estendem-se, portanto, à pesquisa, aos prestadores de serviço e às empresas que provêem cobertura para o atendimento psicoterápico. Nessa direção, Castonguay e cols. (1999) mencionam três funções dos manuais: os manuais servem (1) como diretrizes para a prática e o treinamento clínicos, (2) como passos cruciais em programas de pesquisa 55 constantemente em evolução e (3) como uma lista de opções que podem rapidamente estar subordinando políticas de prescrição e reembolso de agências governamentais, da atenção gerenciada e de companhias de seguros (p. 450). Acontece, porém, que essas são funções inconsistentes umas com as outras. Em particular, “embora consideremos que os manuais servem três funções um tanto conflitantes, do nosso ponto de vista os problemas mais litigiosos com os manuais de tratamento estão relacionados à sua terceira função” (Castonguay & cols., p. 450). Isto é, o que cria a principal (mas não única) área de atrito, ou conduz a maiores controvérsias, possivelmente resultando em um julgamento parcial acerca do alcance e valor dos manuais, é o fato de passarem a regular a contrapartida financeira ao trabalho do psicólogo clínico. Como salienta Abrahamson (1999), a “desconfiança dos praticantes em relação à industria da atenção gerenciada é profunda” (p. 469). Nos parágrafos seguintes, são mencionadas brevemente algumas interpretações para as dificuldades de aceitação dos manuais pelos praticantes da psicoterapia. Uma das sistematizações mais abrangentes das “preocupações” dos clínicos com os manuais é apresentada por Addis, Wade e Hatgis (1999). Para os autores, há seis conjuntos de preocupações que merecem atenção e para as quais se deve buscar respostas. Essas preocupações relacionam-se com: a) a interação terapêutica: “não é possível desenvolver uma relação terapêutica efetiva usando um manual para tratamento” (p. 431). Desse ponto de vista, seguir um manual é visto como impeditivo de atentar para aspectos da relação terapêutica que são fundamentais para o sucesso da terapia. b) as necessidades dos clientes: “os tratamentos padronizados ignoram as diferenças 56 individuais dos clientes”, “não atendem as necessidades de clientes com vários problemas” e “ignoram as emoções dos clientes” (pp. 433-434). Tratamentos padronizados interditariam, nessa perspectiva, análises idiográficas e a abordagem das relações entre problemas diversos trazidos pelo cliente. c) a competência e satisfação com o trabalho: psicoterapeutas individuais podem sentir-se inseguros quanto à sua capacidade para prover o tratamento previsto no manual e “tratamentos baseados em manuais podem ser vistos como não criativos, constrangedores, enfadonhos e insatisfatórios” (p. 434). Cumprindo apenas o previsto no manual, o terapeuta cercearia sua capacidade de formular e tomar decisões relativas ao caso, chegando a resultados discutíveis. d) a credibilidade dos TESs: “alguns praticantes ... não estão motivados para aprender os tratamentos padronizados” (p. 435). A “cientificidade” dos TESs não constitui condição suficiente para que um praticante se convença sobre sua prescrição. e) a restrição à inovação clínica: “a prática ampla de tratamentos baseados em manuais retardará o desenvolvimento de novas teorias e intervenções alternativas” (p. 436). Seguir manuais não favorece o desenvolvimento de novos (e talvez mais eficazes) tratamentos. f) viabilidade: “tratamentos baseados em manuais requerem instrução e supervisão caras, que demandam muito tempo e não estão prontamente acessíveis” (p. 437). Como proposta para uma ampla rede de praticantes de psicoterapia, os manuais não se mostram claramente viáveis, considerando todas as medidas de treinamento e supervisão necessárias para sua promoção. Para todos os conjuntos de preocupações, Addis e cols. (1999) reconhecem possíveis limitações dos manuais, da divulgação do conhecimento em que se apóiam ou 57 do treinamento para seu uso e apresentam argumentos na direção de aperfeiçoar cada um, a fim de melhor atender as expectativas e necessidades dos praticantes. Afirmam, por exemplo, que “os próprios manuais de tratamento precisam dar mais espaço à relação terapêutica e a outros fatores não específicos” (p. 432), “poderiam incluir uma lista de situações ... que podem adquirir precedência sobre a adesão a um protocolo” (p. 433), devem articular-se à “pesquisa mais extensiva sobre a satisfação e conforto do praticante” (p. 435) durante seu uso. Aqueles que estão envolvidos na disseminação dos manuais precisam “gerar diálogo que focalize as preocupações do praticante” (p. 436), “enfatizar o papel do clínico individual como aquele que equilibra uma dialética entre aderir a um tratamento empiricamente sustentável e dar vida àquele tratamento” (p. 437) e tratar “variações nos modelos de treinamento e supervisão [como] tópicos importantes de pesquisa” (p. 438). Em suma, para Addis e cols., há necessidade de a agenda da pesquisa sobre tratamentos padronizados voltar-se para as preocupações práticas e os obstáculos relacionados à disseminação, no lugar de continuar focalizando centralmente apenas questões relacionadas à superioridade dos tratamentos. Dentre diversas outras formulações das dificuldades dos praticantes frente aos manuais, Abrahamson (1999) adiciona à lista de Addis e cols. (1999) a restrição dos praticantes à terminologia empregada por pesquisadores e pela atenção gerenciada. Goldfried (1999) também alerta para o fato de que a linguagem dos manuais e das pesquisas que fazem uso de manuais não é a mesma dos praticantes: Tem havido uma longa contenda entre clínicos e pesquisadores da terapia (Goldfried & Padawer, 1982) ... Como pesquisadores da terapia, publicamos os nossos achados a fim de que sejam lidos e avaliados por outros pesquisadores, não por clínicos ... Não se pode supor que o terapeuta 58 praticante terá familiaridade com a linguagem técnica da pesquisa [encontrada] no relatório [da Força Tarefa da Divisão 12] (Goldfried, 1999, p. 464). Davidson (1998) também chama a atenção para duas conseqüências indesejáveis que poderiam surgir em decorrência de uma intervenção guiada por manuais, mencionadas na lista de Addis e cols. (1999): “a relativa não consideração do estudo idiográfico do paciente ... e a eliminação da ênfase nos aspectos heurísticos e criativos da ... inovação clínica” (p. 164). Quanto ao primeiro aspecto, Davidson (1998) acredita que, embora os manuais de tratamento possam prover um quadro conceitual e procedual útil para a intervenção, espera-se que não se tornem fórmulas rígidas a serem aplicadas sem a devida consideração de aspectos idiográficos da pessoa ou grupo com o qual se está trabalhando (p. 165). Quanto à interdição da inovação clínica, o argumento apresentado por Davidson (1998) está baseado na idéia de que tratamentos empiricamente validados “requerem uma medida do talento na sua criação e implementação. A sua própria existência, tanto quanto sua evolução, está baseada em mais do que descobertas ou princípios psicológicos” (p.165). Uma outra lista de restrições aos manuais é apresentada por Wilson (1996), em grande medida coincidente com a lista de preocupações de Addis e cols. (1999). Segundo Wilson, (1) [os manuais] são conceitualmente estranhos ante os princípios fundamentais da terapia cognitivo-comportamental; (2) interditam a formulação de caso idiográfica; (3) subestimam a destreza clínica do 59 terapeuta; (4) se aplicam primariamente a amostras de pesquisas que diferem dos pacientes que os praticantes tratam; e (5) promovem “escolas” particulares de terapia psicológica em uma época em que o campo está se voltando amplamente para a integração (p. 297). Para Castonguay e cols. (1999), é verdade que os manuais podem ser vistos pelos clínicos como “irrelevantes e produtos potencialmente assustadores de trivialidades acadêmicas” (p. 450), mas no lugar disso deveriam ser vistos como “fontes potenciais de ajuda voltados para a especificação de regras e procedimentos de uma abordagem particular” (p. 450). Em todo caso, para Castonguay e cols., em parte, é o conflito entre as diferentes funções dos manuais (em particular os conflitos introduzidos pela função de fundamentar a cobertura financeira dos tratamentos psicoterápicos) que dá origem às dificuldades apontadas: Desenvolvidos por terapeutas com liderança, os manuais são identificados por alguns praticantes da mesma abordagem como fonte de ansiedade e frustração, quando não de ameaça potencial à prática aceitável. Essa ambivalência ... deve-se em parte à confusão que às vezes prevalece no campo com respeito a três diferentes funções que os manuais estão servindo ou em breve podem servir (p. 450). Nas seções seguintes deste trabalho serão examinadas mais detidamente as variáveis que definem o contexto de elaboração e disseminação dos manuais, assim como as perspectivas contemporâneas de seu uso. 1.4. SOLUÇÕES PARA A DISSEMINAÇÃO DE MANUAIS As limitações dos tratamentos padronizados e seus respectivos manuais 60 constituem o ponto de partida de estudos contemporâneos que têm se ocupado da disseminação do conhecimento sobre a eficácia da psicoterapia (e.g., Addis & Waltz, 2002; Beutler, 2002a; Carroll & Nuro, 2002; Chorpita, 2002; Hayes, 2002; Moras, 2002). O conceito mais empregado nessas análises vem a ser o da “flexibilização”, implicando a necessidade de adequar os manuais à diversidade de realidades encontradas no cotidiano pelo terapeuta profissional. Os parágrafos seguintes apresentam três perspectivas de desdobramento para o esforço pela padronização dos tratamentos. Como poderá ser observado, essas alternativas diferem na extensão com que se mantêm vinculadas à lógica que estava na origem da pesquisa sobre padronização dos tratamentos psicoterápicos. a) alternativa 1: mantendo manuais e tornando-os flexíveis A idéia de que o desenvolvimento de manuais para a intervenção deve continuar sendo uma meta da pesquisa de disseminação, porém buscando-se incorporar itens que os tornem compatíveis com a demanda por flexibilidade é desenvolvida por Carroll e Nuro (2002). Para as autoras, a pesquisa sobre modelos de intervenção é realizada em várias etapas, cada uma abrangendo um nível diferenciado de detalhamento de procedimentos e variáveis relevantes. Os manuais deveriam acompanhar esse grau de detalhamento até o ponto em que incorporem a referência a variáveis que caracterizam a situação de intervenção real do profissional psicoterapeuta. Uma estratégia para abordar algumas dessas críticas e encorajar um uso mais amplo dos manuais de tratamento na prática clínica poderia ser olhar para o desenvolvimento de manuais não como um evento único, mas como uma série de estágios progressivos, cada estágio sucessivo abordando 61 questões clínicas mais complexas (Carroll & Nuro, 2002, pp. 396-397). Na especificação que oferecem do que seriam os manuais correspondentes a cada estágio de desenvolvimento22, Carroll e Nuro (2002) sugerem que manuais correspondentes ao estágio III da pesquisa sobre disseminação comportariam “questões relacionadas à diversidade de pacientes”, a “diversidade de programas” e “a implementação por terapeutas com uma formação e experiência diversas” (p. 402). Para cada uma dessas seções, os manuais ofereceriam a apreciação de uma variedade de questões de difícil visualização em uma descrição de procedimentos clínicos. A título de exemplo, no que diz respeito à formação e experiência do terapeuta, os manuais abordariam: “problemas comuns envolvidos no treinamento de terapeutas novatos para usar esta abordagem”, “problemas comuns encontrado no treinamento de terapeutas experientes para usar esta abordagem”, “problemas comuns encontrados no treinamento de terapeutas comprometidos com uma orientação particular para o tratamento, ou, ao contrário, com uma abordagem mais eclética” (p. 402), entre outros. Carroll e Nuro (2002) acrescentam a suas recomendações algumas características que deveriam estar contempladas em manuais “amigáveis”, com maior probabilidade de serem seguidos por terapeutas profissionais. Essas características incluem a “antecipação de problemas do mundo real” (p. 402), “não ignorar questões 22 Sobre as funções ou o alcance dos manuais em cada estágio, Carroll e Nuro (2002) afirmam: “os manuais servem a diferentes funções na medida em que o desenvolvimento de um tratamento avança do estágio I (onde o papel crítico do manual é definir o tratamento em traços amplos para uma avaliação preliminar de viabilidade e eficácia) para o estágio II (onde o manual pode ser usado como base para o treinamento de terapeutas, reduzindo a magnitude dos efeitos do terapeuta nos ensaios de eficácia clínica, acentuando a distinção entre terapias, desdobrando os elementos do tratamento, ou ligando o processo ao resultado) para o estágio III (onde o manual pode ser usado para avaliar o tratamento que os clínicos aplicaram a diversas populações de pacientes, assim como para fomentar replicações de ensaios clínicos em outros ambientes) e finalmente para a disseminação ampla à comunidade clínica (servindo como um componente de padrões de cuidado clínico ou diretrizes para a prática, assim como uma ferramenta usada no treinamento de clínicos)” (p. 397). 62 básicas” (p. 403) como o “estabelecimento do rapport” (p. 403), “incluir sumários e diretrizes” (p. 404) etc. Carroll e Nuro (2002) não chegam a formular uma reflexão crítica sobre as variáveis responsáveis por todo o esforço na direção da padronização dos tratamentos. Trata-se de uma tentativa de superar as limitações no interior da lógica que impulsiona para o desenvolvimento dos manuais. b) alternativa 2: tentando fugir da lógica da padronização de procedimentos e restaurando a busca por fatores comuns das psicoterapias Beutler (2002a) concorda com a tese das limitações dos manuais. Para ele, “a própria estrutura e controle que foram as razões para o desenvolvimento de manuais de tratamento tornaram-se suas características mais freqüentemente criticadas” (p. 434), isto é, atualmente os manuais “são criticados por proverem demasiadamente a estrutura para a qual foram planejados” (p. 434). Para Beutler (2002a), porém, a solução não virá de uma incorporação da preocupação com a flexibilidade na pesquisa para o desenvolvimento dos manuais. É necessário pensar a flexibilidade na seleção e aplicação de procedimentos clínicos. A fim de incorporar à pesquisa sobre disseminação um reconhecimento da necessidade de flexibilidade na seleção pelo terapeuta dos procedimentos de intervenção, mostra-se necessário, na visão de Beutler (2002a), mudar o enfoque, de teorias e técnicas ou procedimentos, para o que denomina de “princípios da mudança terapêutica”. Isso mesmo, a pesquisa se voltaria para algo como fatores comuns das psicoterapias (cf. Rosenzweig, 1936) que, não importa o sistema teórico-metodológico em que a intervenção se fundamente, garante que objetivos práticos sejam alcançados. Embora existam muitas diferenças conceituais entre teorias da psicoterapia, há também alguns aspectos comuns de sua aplicação. Acredito que agora é 63 possível começar a identificar princípios de mudança comuns, que podem guiar a seleção e aplicação de procedimentos no interior de muitos modelos teóricos diferentes. Esses princípios podem definir a combinação de certas qualidades definíveis dos pacientes e características correspondentes das próprias intervenções, estabelecendo o limite de quando diferentes classes de procedimentos funcionam para diferentes pacientes com diferentes tipos de problemas e circunstâncias. Para serem aplicáveis em uma disciplina multiteórica, esses princípios devem ser compatíveis com e compreensíveis para aqueles que funcionam em diferentes modelos teóricos, assim como traduzíveis para as práticas dos clínicos que variam amplamente em habilidades, proficiência e preferências por diferentes técnicas e teorias. Os princípios devem também adicionar-se às habilidades desenvolvidas previamente, técnicas e conhecimento de cada terapeuta particular, permitindo uma aplicação flexível e criativa (Beutler, 2002a, p. 437). Beutler (2002a) relata que uma nova Força Tarefa foi constituída, desta vez para ocupar-se de uma sistematização daqueles princípios de mudança terapêutica. A medida é uma iniciativa conjunta da Divisão 12 (Psicologia Clínica) da APA, presidida pelo próprio Beutler, e da Sociedade Norte-Americana para a Pesquisa em Psicoterapia (presidida por Louis G. Castonguay). Segundo Beutler, o esforço desta Força Tarefa possibilitaria integrar, como ponto de partida, um trabalho anterior da Força Tarefa da Divisão 12 (identificação dos tratamentos empiricamente sustentados. Ver Seção 2.3), com um trabalho de muito menor visibilidade (Ver seção 2.4), realizado pela Divisão 29 (Psicoterapia) da APA, em reação ao trabalho da Divisão 12, e que se voltou para 64 “processos de tratamento e qualidades dos pacientes que têm sido identificados como efetivos para produzir ou evocar mudança” (Beutler, 2002a, p. 436). As propostas e resultados das três forças tarefas referidas por Beutler são discutidos no capítulo seguinte. c) alternativa 3: tentando fugir da lógica da padronização e restaurando a centralidade dos resultados A terceira proposta a considerar consiste da alternativa apresentada por Hayes (2002) aos problemas da flexibilização levantados por Carroll e Nuro (2002). Trata-se, neste caso, de uma alternativa que é apresentada por um autor da análise do comportamento, cujo trabalho de pesquisa atual está fortemente voltado para os problemas relacionados à oferta de serviços psicológicos clínicos, o que confere especial relevância ao seu exame. Hayes (2002) parte do princípio de que a adesão de terapeutas a certas prescrições não constitui a variável independente dos estudos de disseminação, mas a variável dependente, tornando-se necessário saber o que pode favorecer intervenções que garantam resultados. Assim, para Hayes a proposta de desenvolver manuais mais refinados, que incorporem novas fontes de variabilidade dos atendimentos na investigação da efetividade da psicoterapia está comprometida na sua origem: Diz-se que à medida em que os manuais evoluirem, eles se tornarão “a versão clínica sofisticada altamente detalhada, elaborada”, mas ao mesmo tempo serão “amigáveis ao terapeuta”. Nenhum exemplo é dado dessa combinação de aspectos e eu não creio que ela seja possível. Manuais amigáveis ao terapeuta são modestos, simples e curtos ... Eles focalizam os poucos passos mais importantes que explicam a maior parte dos ganhos 65 clínicos, idealmente de uma maneira que se adequa funcionalmente à abordagem atual do terapeuta. Os manuais que são “detalhados” e “elaborados” vão na direção exatamente oposta, tornando a terapia um conjunto complexo de regras topográficas (p. 412). A alternativa que Hayes (2002) apresenta está baseada na tentativa de disseminar princípios e técnicas da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT – Acceptance and Commitment Therapy), apresentada em algumas ocasiões como um modelo de intervenção compatível com princípios analítico-comportamentais (cf. Dougher, 2000; Kohlemberg, Hayes & Tsai, 1993). Terapias comportamentais avessas a sistemas de classificação e diagnóstico topograficamente orientados (cf. Cavalcante & Tourinho, 1998), ao buscarem evidências empíricas de sua efetividade, experimentam um conflito com modelos de investigação típicos dos estudos de eficácia. Há uma distância entre intervenções que desde o princípio se orientam por uma leitura dos problemas psicológicos como relações idiossincráticas e um interesse organizacional e econômico na direção de tratamentos padronizados e rápidos. Como apontado por Forsyth, Kollins, Palav, Duff e Maher (1999), a realização de delineamentos de sujeito único e da análise funcional consome tempo e muitas companhias de seguro-saúde não reembolsarão pelo esforço adicional quando os mesmos efeitos podem ser alcançados por meio de tratamentos bem estabelecidos para transtornos do DSM, do tipo “um serve para todos”, baseados em manuais (p. 217). Mas terapeutas analítico-comportamentais também estão interessados em vender seu trabalho no mercado de serviços de psicoterapia. No caso da ACT, um modelo de terapia ainda não estabelecido como empiricamente sustentado, esforços iniciais para 66 um reconhecimento e admissão pelo sistema de atenção gerenciada são encontrados. Strosahl, Hayes, Bergan e Romano (1998) propõem um tipo de investigação designado “método de treinamento manipulado”, baseado no treinamento de terapeutas e na aferição do impacto desse treinamento no seu desempenho como praticantes de psicoterapia. O método de treinamento manipulado, apesar de voltado para o terapeuta, afere mais propriamente a relação entre o treinamento e seu impacto no cliente. Avaliando os desdobramentos dos casos clínicos (em termos de duração do atendimento, recorrência do problema etc.) realizados por terapeutas que foram submetidos a um treinamento que focalizou princípios da ACT, Strosahl e cols. (1998) indicam que a essência da abordagem é que seu foco muda do que os clínicos estão fazendo para seus clientes e o impacto disso no funcionamento do cliente, para o que o treinador ou disseminador está fazendo com o clínico e seu impacto no funcionamento do cliente (p. 41). No método de treinamento manipulado, “é o treinamento, não a técnica específica, que está sendo avaliado” (Strosahl & cols., 1998, p. 43). O treinamento, por seu turno, é oferecido a uma população de terapeutas com formações diversas, envolvidos no atendimento de casos com diagnósticos diferenciados. A influência do DSM como referência para o estudo fica, portanto, reduzida. Não se trata de avaliar o efeito de uma intervenção particular para síndromes específicas, nem de medir o resultado em termos de reversão de sintomas daquelas síndromes. Uma observação importante sobre o estudo de Strosahl e cols. (1998) é sua capacidade de prover uma alternativa para a aferição de validade das psicoterapias. O delineamento proposto por Strosahl e cols., baseado no treinamento dos terapeutas 67 circunscreve o que seria uma limitação dos estudos de efetividade, o precário ou inexistente controle experimental (ver seção 2.2. no capítulo seguinte). De um ponto de vista crítico da regulação da atividade clínica por categorias diagnósticas psiquiátricas, o método de treinamento teria uma vantagem adicional de contrariar a lógica imposta pelo DSM, uma vez que o estudo demonstra ser possível avaliar uma efetividade genérica da intervenção clínica, independentemente do diagnóstico dos clientes para quem se dirige. Segundo Strosahl e cols. (1998), “esta é a primeira demonstração de que o treino em uma abordagem da terapia comportamental se mostra associado com melhores resultados para clientes que não são pré-selecionados com base no diagnóstico” (p. 59). Segundo ainda os autores, outros métodos da terapia comportamental (por exemplo, a análise funcional) deveriam passar pela mesma avaliação. Pode-se acrescentar que o estudo demonstraria a possibilidade de chegar-se a tratamentos de menor extensão sem a necessidade de aderir a protocolos rígidos, típicos dos tratamentos padronizados. Os mesmos fatores que favorecem uma avaliação positiva do procedimento empregado no estudo podem ser vistos como o ponto de partida para um conjunto de críticas. Como o estudo deixa evidente, a atuação dos terapeutas, seja seguindo princípios da ACT, seja fazendo qualquer outra coisa, em nenhum momento foi avaliada. A única variável independente testada foi o treinamento. Eventuais diferenças encontradas, porém, poderiam ser atribuídas a inúmeras dimensões da manipulação representada pelo treinamento, independentemente de seu conteúdo em termos de preceitos da ACT. Alguns aspectos importantes da preocupação com a disseminação dos tratamentos padronizados (como a ação do sistema de atenção gerenciada e as forças tarefas da APA 68 que se ocuparam das evidências empíricas sobre tratamentos psicoterápicos) serão discutidos no próximo capítulo. Mas os aspectos considerados até aqui já permitem assinalar algumas questões importantes no debate sobre o desenvolvimento e uso dos manuais: 1) Originalmente, as sistematizações de procedimentos da intervenção psicoterápica são reguladas por características dos próprios sistemas explicativos sob os quais são formuladas. Ainda que em abordagens humanistas ou psicodinâmicas se encontrem sistematizações daquele tipo, grande parte dos primeiros protocolos e manuais, assim como a maior parte dos atualmente existentes (especialmente dentre os tratamentos reconhecidos como empiricamente fundamentados) são de orientação comportamental ou cognitivo-comportamental. Isso ocorre porque faz sentido definir, frente à lógica desses sistemas, resultados comportamentais do processo psicoterápico, bem como etapas, procedimentos e técnicas relevantes para sua produção. 2) No momento em que passam a ser usados mais sistematicamente como recurso para a pesquisa, com o advento da Geração III das pesquisas sobre resultados da psicoterapia, os manuais passam por uma transformação na direção de maior detalhamento da estrutura da intervenção, de modo a explicitar a “especificidade” cuja eficácia está sendo avaliada. Como também se tornam um recurso para reduzir ou eliminar a variabilidade entre participantes da pesquisa, o uso dos manuais passa a ser acompanhado de medidas adicionais de treinamento e aferição da concordância das ações do terapeuta. Tais aspectos não são inerentes à natureza ou conteúdo dos manuais, mas ditados pelas funções que seu uso passa a ter. 3) Se em uma etapa mais recente do desenvolvimento dos manuais vai sendo forjada 69 uma incompatibilidade entre seu uso e sistemas explicativos interessados em uma abordagem idiográfica dos problemas psicológicos, isso decorre não apenas da natureza dos manuais, mas das funções que passam a servir e das transformações por que passam a fim de atender essas funções. 4) As pesquisas de eficácia, no interior das quais os manuais são elaborados e utilizados, são reguladas por uma lógica inspirada em delineamentos pensados originalmente para a pesquisa sobre os efeitos de fármacos. Os ECRs atendem requisitos dessa lógica, assim como a abordagem dos problemas psicológicos em termos de sintomas descritos no DSM-IV. A atenção estrita ao sintoma será compatível com uma expectativa de seguimento mais estrito do manual pelo psicoterapeuta. 5) A associação dos manuais a fatores específicos da psicoterapia, assim como a exclusão em seu escopo de variáveis de outra ordem, relacionadas aos fatores comuns da psicoterapia, pode ser interpretada como produto da conformação dos manuais à pesquisa da Geração III dos estudos sobre resultados da psicoterapia. A atenção a fatores comuns, de outro lado, não é em si incompatível com a adoção de manuais, seja porque os manuais poderiam contemplar estes fatores, seja porque seu uso poderia vir associado a uma flexibilidade para que os fatores comuns fossem contemplados na intervenção psicoterápica. 6) Em resposta ao problema de não adesão aos manuais pelos profissionais da psicoterapia, elabora-se o conceito de flexibilidade, que ora significa um detalhamento maior dos manuais para incorporar a sensibilidade a fatores individuais dos tratamentos, ora significa reformar os manuais para tratar não de técnicas e procedimentos de intervenção, mas de princípios de mudança terapêutica. 70 7) Uma alternativa para conferir validade aos tratamentos, sem submetê-los formalmente ao uso de manuais, consiste de avaliar o impacto de treinamentos de terapeutas (no uso de técnicas ou princípios) nos indicadores de melhora de seus pacientes - o método de treinamento manipulado. No entanto, o distanciamento que essa perspectiva representa em relação à lógica que orienta a promoção da padronização dos tratamentos dependerá do que se admite como bons indicadores de resultados da intervenção (considere-se, por exemplo, a diferença entre os indicadores “duração do tratamento” e “funcionamento geral”). Além disso, o método requer aperfeiçoamento, antes que se possa atribuir ao conteúdo do treinamento os resultados encontrados. 71 CAPÍTULO 2 CONDICIONANTES HISTÓRICOS DA PESQUISA SOBRE RESULTADOS DAS PSICOTERAPIAS E A PADRONIZAÇÃO DE TRATAMENTOS Os diferentes enfoques para a pesquisa dos resultados da psicoterapia expressam diferentes conjuntos de interesses ou preocupações de grupos sociais determinados, que a cada momento tornaram-se dominantes na regulação da investigação e do exercício da psicoterapia. É no contexto desses determinantes que se torna necessário compreender os rumos que foram tomando a padronização dos procedimentos de intervenção e o desenvolvimento de manuais. As seções anteriores provêem parcialmente esse contexto, sendo ainda necessário uma especificação mais precisa de seus impactos no debate sobre padronização. Nesse percurso, será necessário levar em conta que a operação desses determinantes colocando o debate sobre a padronização em um determinado enquadre, interdita outros rumos de reflexão que poderiam apontar para o lugar devido dos protocolos de intervenção no conjunto das práticas psicoterápicas. A exemplo do que se pretende com essa afirmação, são aqueles determinantes que instituem uma oposição entre o uso de protocolos de intervenção e a realização de análises idiográficas e intervenções individualizadas. No interior da lógica das próprias psicoterapias, uma relação dessa ordem pode não ser necessária. 2.1. O SISTEMA PSICOTERAPIAS DE ATENÇÃO GERENCIADA E OS ESTUDOS DE EFICÁCIA DAS Na presente seção alguns determinantes relacionados ao sistema de atenção gerenciada serão discutidos. Como referido anteriormente, a “atenção gerenciada”, com 72 “muitos significados na literatura” (Cushman & Gilford, 2000, p. 985), será entendida como um paradigma que passa a orientar o gerenciamento de serviços na área de saúde. Concebido nos Estados Unidos (onde o sistema de atenção à saúde é predominantemente privado) e adaptado a diversos países, “a atenção gerenciada consiste numa reatualização dos planos de saúde de pré-pagamento que se propõem a fornecer assistência médica a grupos específicos por meio da negociação prévia de pagamentos e de pacotes assistenciais" (Almeida, 1998, p.57). Almeida fala em reatualização porque está se referindo a um processo de mudança na legislação sobre a cobertura de serviços de saúde nos Estados Unidos, a partir de 1973, com o HMO [Health Management Organizations – Organizações de Gerenciamento da Saúde] Act, de 1973. Sanchez e Turner (2003) esclarecem que o HMO Act destinava recursos federais para empresas de atenção à saúde com ou sem fins lucrativos, desde que incluíssem em seus serviços os tratamentos na área de saúde mental fora de ambientes institucionais, assim como tratamentos para o abuso de substâncias. A concorrência com os planos de seguro-saúde, que não garantiam aquelas coberturas, retardou o crescimento das empresas que incorporaram o paradigma da atenção gerenciada. A partir dos anos 1980, os tratamentos na área de saúde mental e abuso de substâncias passaram a ser contratados como um pacote adicional às coberturas usuais. Segundo Sanchez e Turner, contemporaneamente, o sistema de atenção gerenciada alcança 75% da população norteamericana que dispõe de um plano de saúde e, dentre esses, 88% contam com um pacote adicional para saúde mental. Sobre as medidas do sistema de atenção gerenciada com vistas a um controle estrito ou redução de custos, Sanchez e Turner afirmam: O termo atenção gerenciada refere-se ao gerenciamento de um sistema pré- 73 pago de oferta de atenção à saúde para o controle de entrada e saída (Docherty, 1999). Em outras palavras, trata-se de um sistema para racionalizar os serviços de atenção à saúde à população (Cummings, Budman, & Thomas, 1998; Miller, 1996). Os métodos empregados para reduzir custos incluem a revisão da utilização (após um número prédeterminado de sessões o revisor de utilização avalia o perfil do paciente e o plano de tratamento, devendo autorizar a continuação do tratamento), o perfil de prática (a monitoração do custo e efetividade do clínico), limites de sessões, redução nas permanências de pacientes institucionais, compartilhamento do risco do paciente (co-pagamentos e/ou deduções), “manutenção da porta de entrada” [“gatekeeping”] (e.g., um médico de atenção primária deve autorizar o encaminhamento a um especialista de saúde mental), uso de provedores menos treinados e o compartilhamento de risco do provedor (capitação). Em um arranjo de capitação, o provedor prevê a demanda por serviços e negocia antecipadamente (Kiesler, 2000). Como exemplo, uma empresa de atenção gerenciada pode concordar em pagar a um provedor um dado valor pelo tratamento de 100 pacientes em um ano (i.e., as reivindicações-alvo). Se o provedor falha em cumprir as reivindicações alvo, ou se os custos reais forem maiores do que as reivindicações alvo, o provedor arrisca-se a ter uma perda financeira (p. 117). A preocupação com o controle de custos levará o sistema de atenção gerenciada a interessar-se por determinados tipos de intervenção, com isso exercendo uma ingerência direta sobre a prática dos profissionais e a pesquisa que pretende dar 74 sustentação a essas práticas. Segundo Cushman e Gilford (2000), Embora cada corporação conduza o negócio de maneira ligeiramente diferente, as suas regulamentações e práticas, assim como os argumentos que usam para explicá-las e justificá-las são freqüentemente muito similares (ver Gilford, 2000). As empresas de atenção gerenciada geralmente favorecem descrições comportamentais de sintomas dos pacientes, formulações de tratamento focalizadas no alívio dos sintomas, medicação psicotrópica e intervenções concretas, oportunistas, diretivas no interior de um formato radicalmente breve. Tudo isso é feito com a adesão a diretrizes burocráticas específicas – e inacessíveis (Miller, 1994, 1996), que as MCOs alegam ser determinadas pelo uso de tabelas atuariais, análises de custobenefício, estudos de resultados e regulações para cortar custos planejadas para gerar lucros (p. 986). Cushman e Gilford (2000) apresentam um ponto de vista mais crítico dos componentes “positivistas” da tradição de pesquisa da eficácia da psicoterapia23. Para os autores, em um cenário de perspectivas diversas de interpretação para os problemas e os tratamentos psicológicos, prevalece aquela perspectiva coerente com os objetivos das empresas. Os estudos de resultados têm campeões e críticos, mas uma preocupação permanece: a pesquisa de resultados é tomada pelo que os críticos do cientificismo chamam de “problema de circularidade” (e.g., ver Smedslund, 23 Alternativamente ao “instrumentalismo predominante”, Cushman e Gilford (2000) propõem uma perspectiva hermenêutica, que “encorajaria um exame histórico, crítico das práticas na terapia. Isso incluiria especialmente um questionamento mais extenso da suposição assumida como válida de que a atenção à saúde, em geral, e a atenção psicológica, em particular, deve ser responsabilidade dos empregadores” (p. 993). 75 1985; Stancombe & White, 1998). Isto é, a maneira como os pesquisadores concebem a pesquisa rigorosa necessariamente afeta como eles definem sintoma, doença, tratamento, objetivos e efetividade (Strupp, 1996, p. 1023). Assim, o processo de determinar o que conta como um resultado positivo na terapia abarca numerosos fatores que envolvem a expressão de preocupações diversas e incomensuráveis – do paciente, do terapeuta, do pesquisador e agora da base da empresa. Sob a atenção gerenciada é a última que prevalece. Por meio da ideologia da responsabilidade [accountability]24, subjacente à atenção gerenciada, dá-se preferência a uma definição de evidência clínica que se baseia na objetivação das emoções, de modo que um valor de troca pode ser colocado nos estados mentais (see Kovel, 1980). Isso é consistente com o capitalismo e com a burocracia moderna, enquanto a responsabilidade está ligada a uma crença na objetividade, na medição e no valor da eficiência como fins em si mesmos. Abordagens de base positivista que pretenderam verificar a eficácia de tratamentos para a saúde mental estão fundamentadas nesse ethos de eficiência e devem portanto ser proclamadas em uma configuração do self mecanicista, simplificada e eficiente. Outras formas de pesquisa baseadas em métodos dialógicos e interpretativos tornam-se marginalizadas devido à sua alegada complexidade ineficiente (p. 992). Os componentes epistemológicos das críticas de Cushman e Gilford (2000) são 24 Adiante, esse conceito será examinado com maior atenção. 76 discutíveis, no mínimo porque são atribuídos os mesmos compromissos a sistemas de crenças muito diversos. Mas isso não invalida o fato de que a lógica da atenção gerenciada penetra na pesquisa e na prática da psicoterapia de modos questionáveis. Esses modos podem ser alterados para modelos de pesquisa muito diferentes dos padrões atualmente vigentes, sem que isso implique um afastamento em relação aos objetivos do sistema de atenção gerenciada. Sanchez e Turner (2003), por exemplo, sugerem que modelos de pesquisa que integrem pesquisadores e praticantes da psicoterapia poderão estar regulados por preocupações como aquela da relação custobenefício. A necessidade crescente de pesquisa pragmática, utilitária, provavelmente resultará em um uso de metodologia científica não tradicional. Práticas grupais de multi-especialidades onde a ciência é integrada à prática têm sido descritas com detalhes em outros lugares (e.g., Hayes & cols., 1999; Steenbarger, Smith, & Budman, 1996). Nesse modelo, a pesquisa é importante para verificar o nível e o tipo de atenção, avaliação de resultados e avaliações de programas. Ao alcançar esses objetivos, a arena principal da pesquisa psicológica pode mudar dos ambientes acadêmicos para os sistemas formais de oferta de [serviços de] saúde. A natureza da pesquisa aplicada (menos controle interno, foco no nível individual, delineamentos quase experimentais) e o objetivo da pesquisa aplicada (efetividade clínica, custo-efetividade) tornarão necessário usar metodologia científica não tradicional (p. 126). Sanchez e Turner (2003) e Cushman e Gilford (2000) comentam ainda importantes repercussões, na prática cotidiana do clínico, das regulações do sistema de 77 atenção gerenciada. Para os últimos, essencialmente os terapeutas estão sendo transformados em meros aplicadores de técnicas, cuja decisão de aplicação vem de terceiros. O terapeuta na atenção gerenciada tende a aparecer como um trabalhador técnico, cujas opiniões pessoais enviesadas e conclusões têm menor valor do que os procedimentos padronizados determinados pelo gerenciamento. Considera-se que as práticas terapêuticas em larga escala consistem de determinar qual técnica cientificamente derivada deve ser usada, com qual compasso prescrito, para produzir resultados pré-determinados relacionados ao alívio de sintomas concretos, de maneira replicável e consistente. Os terapeutas tornam-se algo como psicotécnicos, monitorados e algumas vezes corrigidos ou sobrecontrolados por superiores durante sessões de revisão, e então extraído seu perfil com o tempo por meio de várias técnicas de levantamento para determinar sua eficiência e assim seu custo-efetividade (Cushman & Guilford, 2000, p. 990). Sanchez e Turner (2003) apontam que a ação da atenção gerenciada invade a confidencialidade do atendimento psicoterápico ao exigir o acesso a informações dos casos clínicos “para autorizar tratamento e pagamento” (p. 122). Essa medida já estaria funcionando para intimidar pacientes e inibir seus relatos, na medida em que poderia colocar em risco, além da própria confidencialidade, oportunidades de emprego e seguros médicos futuros. Os autores relatam dados que também comprovariam que os terapeutas começam a adulterar seus relatos do que se passa nos atendimentos aos financiadores, de modo a garantir a “confidencialidade e o reembolso” (p. 123) do tratamento. Sanchez e Turner lembram que “em acréscimo às implicações éticas e legais 78 do relato incorreto, esse comportamento pode resultar no levantamento de informações imprecisas sobre a epidemiologia dos transtornos tratados e resultados do tratamento” (p. 123). Strosahl (1998) destaca um outro tipo de repercussão das medidas do sistema de atenção gerenciada que tem sido a contratação, para serviços psicoterápicos, de profissionais menos qualificados que os psicólogos portadores do título de doutor, como terapeutas familiares, terapeutas conjugais, ou “assistentes sociais psiquiátricos” (cf. Garfield, 1994), a um custo também menor, o que estaria representando uma pressão sobre os psicólogos. Os psicólogos profissionais estão enfrentando intensas pressões competitivas, que incluem o rebaixamento por uma leva de provedores com treinamento em nível de mestrado, sem uma identidade no mercado particularmente forte para contra-atacar essa usurpação. Esse problema é ainda composto pela percepção geral, na atenção comportamental à saúde, de que todas as formas de psicoterapia funcionam igualmente bem e podem ser administradas por qualquer provedor. Em suma, nossas alegações de que os psicólogos geram resultados de tratamento superiores têm caído em ouvidos surdos (p. 252). A absorção desses profissionais pelo sistema de atenção gerenciada tem sido apontada por alguns autores (e.g. Hayes & Blackledge, 1998) como a maior força influenciando o movimento, que está em curso nos Estados Unidos, pela concessão aos psicólogos da prerrogativa para prescrever drogas psicoativas. Alguns psicólogos vêem nessa prerrogativa a possibilidade de diferenciar-se do contingente de profissionais que provêem serviços na área de saúde, garantindo, assim, um lugar nesse mercado de 79 trabalho (cf., Cavalcante & Tourinho, 2001; Hayes & Blackledge, 1998; Strosahl, 1998), além de outras vantagens como aquelas que podem vir de uma aproximação com a industria farmacêutica. Strosahl (1998) resume essa perspectiva comentando que da perspectiva do mercado, tenho poucas dúvidas de que o privilégio para prescrever daria à psicologia uma grande vantagem na indústria da atenção comportamental à saúde. Primeiro, ele daria à psicologia uma tremenda vantagem competitiva sobre a psiquiatria. Os psicólogos teriam a identidade singular de serem os únicos provedores não médicos que trazem competências para a psicoterapia e a psicofarmacologia ... Segundo, o privilégio para prescrever separaria a psicologia das disciplinas usurpadoras de atenção comportamental em nível de mestrado, como assistência social, psicologia em nível de mestrado, aconselhamento e assim por diante ... Finalmente, não devemos esquecer de que ao obter o privilégio para prescrever, a psicologia entraria em uma parceria de fato com a indústria farmacêutica. Essa parceria, até agora, tem sido largamente dominada pela psiquiatria, com resultados políticos e financeiros extremamente potentes (pp. 253-254). Para Strosahl (1998), porém, o sistema da atenção gerenciada estaria a caminho de uma mudança expressiva. Strosahl menciona que o sistema pode ser visto como percorrendo duas etapas, referidas como Geração Um e Geração Dois. A Geração Um estaria em um momento final, no qual se tornam visíveis e preocupantes as conseqüências da oferta de serviços de qualidade duvidosa na área de saúde mental. 80 A Geração Um focalizou a contenção de custos por meio de estratégias de gerenciamento de suprimento [supply side]. Isso envolveu o uso do supersuprimento de provedores para cortar os custos das sessões a níveis irrealisticamente baixos, ao mesmo tempo em que o serviço era agressivamente gerenciado e cortado. No entanto, conseguir os terapeutas mais baratos possíveis e depois solicitar ao grupo durações mais breves que o usual para a atenção, no final cria problemas de qualidade. Neste ponto, o negócio, a indústria e o governo tornam-se cientes das limitações de todas as estratégias de contenção de custos. Em algum ponto, eles começam a pagar pelas conseqüências da baixa qualidade que emanam de práticas exageradamente zelosas de contenção de custos (Strosahl, 1998, p. 250). A Geração Dois da atenção gerenciada focalizaria mais centralmente a qualidade do atendimento. Curiosamente, para Strosahl (1998), não serão os psicólogos clínicos que ampliarão sua participação no sistema. Para estes estarão reservados apenas aqueles casos clínicos mais difíceis, que não podem ser atendidos pelos profissionais menos qualificados. Como essa ênfase na qualidade será compatibilizada com as exigências contábeis da atenção gerenciada e com uma menor participação de profissionais mais qualificados constituem aspectos discutíveis da apreciação de Strosahl. Atualmente, a minha avaliação é de que estamos em uma transição para a Geração Dois da atenção gerenciada. Esse movimento será caracterizado por uma ênfase na qualidade clínica, na satisfação do consumidor e na oferta de serviços da maneira mais eficiente possível. O gerenciamento baseado em resultados tornar-se-á o método dominante. Os clínicos que produzem bons resultados, satisfazem seus clientes e que fazem isso eficientemente serão os 81 grandes vencedores. No entanto, o clínico médio da linha de frente não será um psicólogo. Em vez disso, os psicólogos serão usados para tratar casos complexos, difíceis, casos que claramente requerem treinamento em um procedimento clínico especial (Strosahl, 1998, p. 250). Ainda que as previsões de Strosahl (1998) não se realizem com precisão, é inegável que mudanças estarão em curso no sistema de atenção gerenciada. Afinal, já há um tempo, “esta é a era da indústria de atenção à saúde com fins lucrativos” (Zimet, 1989). Nesse contexto, o uso de profissionais com apenas nível de mestrado para prover serviços de saúde mental é consistente com a lógica da relação custo/benefício e deve prevalecer enquanto “os pagadores ... decidirem que administram a psicoterapia” (Humphreys, 1996, p. 194). 2.2. OS ESTUDOS SOBRE EFETIVIDADE DAS PSICOTERAPIAS Os investimentos em direção à validação das formas de tratamento psicológico não se esgotam nos estudos controlados de eficácia. Medidas outras têm sido sugeridas na tentativa de avaliar a performance dessas propostas no que diz respeito à utilidade clínica. Iniciativas nessa linha são justificadas sob o argumento de que estudos de eficácia deixam de considerar aspectos importantes presentes no contexto clínico. Em novembro de 1995, a revista Consumer Reports (CR) publicou o resultado de um levantamento de opinião, sob o título “Mental Health: Does Therapy Help?” (Consumer Reports, 1995), descrito por Seligman (1995) como ilustrativo de um modelo de investigação alternativo aos estudos controlados de eficácia. Esse levantamento alcançou grande repercussão, na literatura da psicologia, em particular na literatura sobre a psicoterapia, em grande medida devido aos comentários de Seligman 82 (1995). Em 1994, a revista CR25 encaminhou a seus leitores assinantes um questionário anual sobre mercadorias e serviços, no qual incluiu um suplemento sobre saúde mental, com a solicitação de que fosse respondido pelo assinante que em algum momento nos três anos anteriores tivesse experimentado estresse ou outros problemas emocionais e tivesse procurado ajuda. Ao todo, 180 mil assinantes receberam o questionário - “o maior levantamento que já indagou as pessoas sobre cuidados em saúde mental” (Consumer Reports, 1995, p. 734). Aproximadamente sete mil assinantes responderam o suplemento. Destes, cerca de 3000 haviam procurado amigos, parentes, ou párocos. Outros cerca de 4000 haviam procurado profissionais de saúde mental, médicos ou grupos de apoio. O levantamento, que contou com a consultoria de Seligman, incluía 26 perguntas sobre a natureza do problema, o tipo de ajuda procurada e os resultados alcançados. Os resultados do levantamento da Consumer Reports (1995) são sintetizados na revista com as seguintes observações: As pessoas estavam tão satisfeitas e relataram progresso similar tendo visto um assistente social, um psicólogo, ou um psiquiatra. Aqueles que consultaram um conselheiro conjugal, porém, estavam menos inclinados a sentir que tinham sido ajudados. Os leitores que procuraram ajuda do médico da família tenderam a sair-se bem. Mas as pessoas que procuraram um especialista em saúde mental por mais de seis meses ficaram muito melhores. 25 A Consumer Reports é publicada por uma organização independente, sem fins lucrativos, dirigida ao público em geral, abordando assuntos de interesse do consumidor. Não publica anúncios externos, nem aceita amostras para testes. 83 A psicoterapia sozinha funcionou tão bem quanto a psicoterapia combinada com medicação, como Prozac ou Xanax. A maioria das pessoas que tomaram drogas como essas sentiram que as drogas ajudaram, mas muitas pessoas relataram efeitos colaterais. Quanto maior o tempo em que as pessoas permaneceram na terapia, mais elas melhoraram. Isso sugere que a cobertura limitada em saúde mental por seguros e a nova tendência nos planos de saúde – enfatizando a terapia breve – podem estar equivocadas. A maioria das pessoas que foram para grupos de auto-ajuda ficou muito satisfeita com a experiência e disse que melhorou. As pessoas estavam especialmente gratas aos Alcoólicos Anônimos e muito leais àquela organização (p. 734). Seligman (1995), que teve acesso aos dados detalhados do estudo, acrescenta alguns que não foram publicados na revista “devido a limitações de espaço” (p. 969). Em particular, Seligman aponta que nenhuma modalidade de terapia se mostrou melhor do que outra para qualquer problema particular, o que “confirma a hipótese do ‘pássaro dodo’” (p. 969) e, ainda, que os resultados foram inferiores para os informantes cujo tratamento teve alguma interferência da empresa seguradora (na definição do terapeuta, freqüência do atendimento, ou duração do tratamento). Além desses dados, dois outros resultados encontrados pelo CR são notáveis. Primeiro, o fato de que terapias mais longas foram melhor avaliadas do que terapias mais breves26. Segundo, que os 26 A propósito dessa conclusão, ver Nilsen e cols. (2004). Em uma replicação parcial do procedimento do Consumer Reports, esses autores encontraram que as taxas de satisfação, mas não os escores de resolução de problema ou de percepção de mudança, covariaram com “a extensão ou intensidade do tratamento” (p. 36). 84 tratamentos combinados terapia/drogas não foram considerados mais eficientes do que a terapia sozinha27. Ao comentar os resultados do CR, Seligman (1995) chama atenção para o fato de que se trata de um novo tipo de estudo do impacto dos tratamentos na área de saúde mental. A esse novo tipo ele designa de estudos de efetividade, que produzem informações sobre “como os pacientes se saem sob as condições reais de tratamento no campo” (p. 966). Estudos desse tipo podem, segundo Seligman, “prover uma ‘validação empírica’ útil e com credibilidade da psicoterapia e da medicação” (p. 966). A informação que os estudos de efetividade podem prover não seriam encontradas, segundo Seligman (1995), nos estudos de eficácia, pois os últimos não avaliam a terapia no modo como ela é realizada regularmente. Isto é, “o estudo de eficácia é o método errado para validar empiricamente a psicoterapia no modo como ela é atualmente praticada, pois omite muitos elementos cruciais do que é feito no campo” (p. 966). Nos estudos controlados de eficácia estariam ausentes o que Seligman aponta como propriedades características da psicoterapia da maneira como é praticada em seu campo: a) “ela não tem duração fixa”; b) “é autocorretiva”; c) “os pacientes ... chegam a ela através de uma busca ativa, iniciando um tipo de tratamento que procuraram ativamente com um terapeuta que selecionaram e escolheram”28; d) “os pacientes ... geralmente têm problemas múltiplos” e e) “a psicoterapia no campo está quase sempre voltada para a melhora no funcionamento geral dos pacientes” (p. 967). 27 Esse resultado da superioridade da psicoterapia sozinha frente ao tratamento combinado coincide com os resultados de uma meta-análise de estudos de depressão conduzida por Antonuccio, Danton e DeNelsky (1995). 28 Seligman (1995) lembra que “isto é especialmente verdade para pacientes que trabalham com profissionais independentes e um pouco menos para pacientes que procuram clínicas de atendimento a pacientes externos ou que têm seguro-saúde” (p. 967). 85 As características dos estudos de efetividade, que os tornam mais informativos acerca da oferta real de serviços de psicoterapia, incluem, segundo Seligman (1995): a) a amostra: “o estudo mais extenso da efetividade da psicoterapia registrado”, pelo menos “representativo da classe média e da população instruída, que constituem a massa dos pacientes de psicoterapia”; b) a duração do tratamento: o estudo abarcou “todas as durações de tratamento, de um mês ou menos a dois anos ou mais”; c) a autocorreção: o caráter naturalístico do estudo permite informar sobre “como o tratamento funciona no modo como é realmente realizado – sem manuais e com autocorreção quando a técnica falha”; d) os problemas múltiplos: grande parte dos informantes apresentava mais de um problema, e não apenas um transtorno diagnosticado no DSM; e) o funcionamento geral: o estudo coletou informações sobre mudanças em várias áreas além do problema apresentado, como nas relações interpessoais, produtividade no trabalho e bem-estar geral; f) a significância clínica: o estudo evidencia “significância humana de seus resultados, uma vez que os informantes responderam diretamente sobre o quanto a terapia os ajudou para o problema que os levou ao tratamento”; g) imparcialidade: o estudo é tão imparcial quanto é possível “no domínio público”, visto que o CR não trabalha com financiamentos públicos ou “favores de companhias de medicamentos”, não aceita anúncios e orienta-se apenas pela “lealdade aos consumidores” (pp. 969-970). Seligman (1995) reconhece que, como estudo naturalístico, a pesquisa do CR teria limitações de ordem metodológica, inclusive com respeito a aspectos enumerados como algumas de suas vantagens (como a amostra, ou as medidas de resultados)29. 29 A falha mais importante consistiria do significado limitado da resposta que a pesquisa fornece para a questão "Pode a psicologia ajudar?" “Esta questão tem três possíveis tipos de resposta. O primeiro é que a 86 Ainda assim, Seligman considera que se trata de uma inovação metodológica que merece ser “levada a sério” (p. 974), que contribui para o que se conhece sobre efetividade e que pode ser aperfeiçoada30. O estudo da Consumer Reports (1995) e o artigo de Seligman (1995) provocaram um debate intenso entre psicólogos, pela Internet, contribuindo para a decisão da APA de publicar um número da revista American Psychologist dedicado ao tema da avaliação da psicoterapia (cf. VandenBos, 1996)31. Os aspectos metodológicos do levantamento da CR foram especialmente objeto de controvérsia (e.g. Brock, Green, Reich & Evans, 1996; Hollon, 1996; Hunt, 1996; Kriegman, 1996; Mintz, Drake & Crits-Cristoph, 1996; Seligman, 1996), assim como algumas de suas conclusões32. Nilsen e cols. (2004) resumem as restrições metodológicas assinalando os seguintes pontos: psicoterapia é melhor do que alguma outra coisa ... Em razão de não contar com grupos de comparação, o estudo do CR só responde esta questão indiretamente. A segunda resposta possível é que a psicoterapia devolve as pessoas à normalidade, ou de modo mais liberal, aos desvios padrões da média. O estudo do CR, não contando com um grupo sem problemas e com medidas de como as pessoas estavam antes de ter problemas, não responde esta questão. A terceira resposta é 'As pessoas têm menos sintomas e uma vida melhor do que antes, após a terapia?' Esta é a questão que o estudo do CR respondeu com um claro 'sim'” (Seligman, 1995, p. 974). 30 “O estudo do CR pode ser melhorado, permitindo falar sobre os três sentidos de 'a psicoterapia funciona'. Esses aperfeiçoamentos deveriam combinar diversos dos melhores aspectos dos estudos de efícácia com o realismo do método de levantamento de opinião” (Seligman, 1995, p. 974). 31 Sobre a atualidade daquele debate, em 2004, Nielsen e cols. (2004) assinalaram que os artigos do Consumer Reports (1995) e de Seligman (1995) ainda “não parecem ser notícias esquecidas” (p. 25). 32 As observações de Kriegman (1996) sobre a ausência de diferenças entre o tratamento com psicoterapia e o tratamento combinado ilustram o questionamento dos resultados do estudo. Segundo Kriegman, há três possíveis razões para aquela ausência de diferença: “a) a medicação não é, na verdade, efetiva; b) a medicação pode ser efetiva em alguns casos, mas então deve produzir a mesma proporção de danos em outros casos, de modo que a média do grupo de medicação é a mesma do grupo de psicoterapia apenas; ou c) pacientes que consumiram medicação são de algum modo influenciados para subestimar subjetivamente o valor do tratamento que receberam” (p. 1086). Kriegman entende que não há argumentos consistentes a favor da terceira hipótese. Considerando também que a medicação é positiva para alguns pacientes, o autor conclui que “a medicação causa tanta interferência e dano a alguns indivíduos quanto ajuda e auxilia outros” (p. 1086). Neste caso, o estudo da CR teria levado a uma conclusão discutível sobre os efeitos de psicoterapia e medicação. 87 Os críticos descrevem pelo menos seis falhas que ameaçam a validade das conclusões do CR sobre o tratamento em saúde mental: (a) a ausência de uma amostra controle impede ou obstrui inferências causais válidas sobre efeitos gerais do tratamento (Mintz et al., 1996); (b) a designação não randômica dos clientes para as condições impede inferências causais válidas sobre os efeitos de tratamentos específicos (Kriegman, 1996; Mintz et al., 1996); (c) uma vez que o levantamento foi derivado exclusivamente de leitores do CR , um grupo não representativo da população em geral, os resultados podem ser não representativos do tratamento cotidiano (Brock et al., 1996); (d) o instrumento de levantamento do CR, e portanto suas conclusões, juntam a informação sobre resolução de problemas, a satisfação do cliente e a mudança de sintoma, criando uma imagem confusa do resultado (Mintz et al., 1996); (e) o uso pelo CR de um questionário não padronizado interfere na generalização dos achados do CR para a pesquisa de efetividade conduzida com instrumentos validados (Seligman, 1996b); e (f) a abordagem retrospectiva do CR é vulnerável a viéses de lembrança (p. 26) Prevalece no debate sobre o alcance dos estudos de eficácia e efetividade a idéia de que os dois tipos de investigação produzem informações complementares sobre a psicoterapia, embora apenas os estudos de eficácia possam estabelecer com segurança os efeitos de intervenções específicas. Essa perspectiva está presente no comentário de Hollon (199): Os estudos de eficácia podem claramente ser aperfeiçoados dando-se atenção a questões de realismo clínico e os estudos de efetividade podem 88 claramente suplementar o que aprendemos com aqueles ensaios, mas não há substituto para o ensaio clínico controlado randomizado no que concerne à derivação de inferências causais sobre se de fato a psicoterapia (ou qualquer outro tratamento) funciona (pp. 1029-1030). Os conceitos de eficácia e efetividade formam a díade que tem sido tomada como referência em boa parte dos estudos que se ocupam do tema da psicoterapia (e.g. Baucom, Shoham, Mueser, Daiuto & Stickle, 1998; Goldfried & Wolfe, 1998). De acordo com Beutler (1998), a distinção eficácia versus efetividade foi popularizada por Seligman (1995). Mais contemporaneamente, eficácia e efetividade têm sido utilizados em substituição aos conceitos de validade interna e validade externa (cf. Chambless & Hollon, 1998). Como assinalado anteriormente, o conceito de validade interna está relacionado à consistência metodológica da pesquisa na direção de responder sobre os efeitos específicos de determinadas variáveis. Kazdin (1992) faz referência a quatro tipos de validade: validade interna, validade externa, validade de construto e validade de conclusão estatística. A validade interna resume-se pela pergunta “até onde a intervenção, e não influências estranhas, pode ser considerada explicativa dos resultados, mudanças, ou diferenças entre grupos?” (p. 15). A validade externa resumese pela indagação acerca da extensão dos resultados a contextos diversos daquele nos quais foram produzidos: “Até onde os resultados podem ser generalizados ou estendidos a pessoas, ambientes, tempos, medidas e características diversos daqueles deste arranjo experimental particular?” (p. 15)33. Para Kazdin, é “a natureza do interesse do 33 Para a validade de construto a pergunta-síntese seria: “Dado que a intervenção foi responsável pela mudança, que aspectos específicos da intervenção ou arranjo foi o agente causal, isto é, qual a base 89 pesquisador que dita a prioridade de um tipo [de validade] sobre outro” (p. 15). Chambless e Hollon (1998) mencionam que nos estudos de eficácia de um tratamento se trata de avaliar “se a mudança clínica observada pode ser atribuída à intervenção do tratamento” (p. 14), enquanto nos estudos de efetividade o que se avalia é “se se pode demonstrar que o tratamento funciona na prática clínica real” (p. 14). No lugar dos conceitos de eficácia e efetividade, porém, Chambless e Hollon preferem falar de validade interna e validade externa. Para esses autores, eficácia e efetividade não se opõem necessariamente, pois qualquer estudo “pode ser avaliado com respeito à extensão com que se mostra informativo em cada dimensão” (p. 14). Nessa perspectiva, “a confiança com que se pode atribuir as mudanças observadas às manipulações do tratamento” (p. 14) constitui a medida de validade interna; a evidência do quanto um tratamento funciona na prática clínica real consituiria uma medida de validade externa. Estudos que de um ponto de vista metodológico têm sido especificados como estudos de eficácia ou efetividade podem apresentar tanto medidas de validade interna como medidas de validade externa. Assim, “a tendência crescente de assumir que todos os estudos de eficácia carecem de validade externa, ou que a pesquisa de efetividade deve necessariamente sacrificar controles internos é infeliz” (p. 14). O procedimento empregado no estudo do CR foi integral ou parcialmente replicado em outras pesquisas mais recentes (cf. Nielsen & cols., 2004)34. Uma dessas replicações, realizada na Alemanha com o apoio de uma entidade também ligada aos conceitual (construto) subjacente ao efeito?” (Kazdin, 1992, p. 15). Quanto à validade da conclusão estatística, Kazdin sugere a pergunta: “Até onde uma relação é apresentada, demonstrada ou evidente e até onde a investigação detecta efeitos, se eles existem?” 34 Estudos de efetividade não baseados no trabalho do Consumer Reports também têm sido realizados (cf. Chambless e Ollendick, 2001). 90 interesses de consumidores, é relatada por Hartmann e Zepf (2003). Empregando o mesmo questionário (traduzido e adaptado) e os mesmos procedimentos, Hartmann e Zepf analisaram cerca de 2000 formulários respondidos. Na replicação relatada por Hartmann e Zepf (2003), foram encontrados resultados que, em geral, não diferem substancialmente daqueles do Consumer Reports (1995). Por exemplo, a “psicoterapia profissional provou ser efetiva” (p. 236) e foi observada “uma relação próxima entre duração do tratamento e taxa de melhora” (p. 236), isto é, “a terapia de longa duração ... produziu significativamente mais melhoras do que a terapia breve (p. 236). Também não foi encontrada “nenhuma diferença entre pacientes que receberam psicoterapia e pacientes que receberam uma combinação de psicoterapia e medicação” (p. 237). Sobre as restrições das empresas seguradoras, o levantamento alemão também demonstrou a influência negativa na terapia das restrições e intervenções no tratamento pelas companhias de seguros. Os pacientes cuja duração do tratamento ou escolha do terapeuta foram limitados ... saíram-se significativamente pior ... do que pacientes sem restrições ... Entretanto, a relevância clínica dessa diferença parece ser baixa (Hartmann & Zepf, 2003, p. 238). Algumas variações em relação aos resultados encontrados nos Estados Unidos incluíram uma avaliação mais negativa dos médicos de família e uma percepção mais negativa dos tratamentos pelos participantes do sexo masculino. Como essas são diferenças pouco expressivas, Hartmann e Zepf (2003) concluem que “os resultados do CR não são específicos para a população dos Estados Unidos, podem ser aplicados a outras culturas com uma infra-estrutura médica comparável e um background sociocultural e socioeconômico similar, como a Alemanha” (p. 240). 91 Para finalizar esta seção, é importante destacar que um conceito que passa a merecer maior atenção com a discussão da efetividade é o de utilidade clínica. Chambless e Hollon (1998) esclarecem, porém, que “a dimensão de utilidade clínica não apenas incorpora o conceito de validade externa (possibilidade de generalização), mas também incorpora aspectos de viabilidade e custo-utilidade [ou custo-efetividade]” (p.15). Mas há argumentos que sugerem que a importância atribuída ao fator custoefetividade no contexto dessa discussão não se circunscreve à utilidade clínica (ou efetividade), mas extrapola essa dimensão, sendo artéria importante daquilo que talvez seja a razão primária que justifica, contemporaneamente, o investimento em medidas de validação dos tratamentos psicológicos: a atenção gerenciada. A relação pode ser reconhecida quando se considera que o conceito de custo-efetividade é, em primeira instância, uma referência ao sistema de seguro-saúde. 2.3. A FORÇA TAREFA DA DIVISÃO 12 DA APA Um exame do contexto histórico da instalação da Força Tarefa da Divisão 12 da APA, em 1993, revela a presença de fatores sociais, políticos e econômicos que motivaram e impulsionaram o movimento pela validação empírica das psicoterapias. Hayes e Blackledge (1998) fornecem um panorama do espaço que a psicologia clínica passou a desfrutar no mercado de serviços de saúde em decorrência da expansão do campo, ocorrida durante o pós-guerra: Nos anos 1970 e 1980, os pagamentos por terceiras partes começou a fluir para a clínica ou aconselhamento psicológicos em uma base de honorário por serviços. Por um tempo, somente a psiquiatria e a psicologia podiam ser reembolsadas. Isso produziu um tremendo sucesso econômico para os 92 praticantes de psicologia dedicados e a psicologia tornou-se crescentemente dedicada ao treinamento em psicoterapia (p.261). A despeito da inserção privilegiada, a partir de meados de 197035, a psicoterapia tornou-se o foco de uma literatura que colocava em xeque os seus propósitos e resultados. A mensagem crítica dirigida à área está expressa nos títulos de algumas publicações, como aponta Garfield (1994): O livro de Tennov (1975) intitulado Psychotherapy: The Hazardous Cure [Psicoterapia: a Cura Arriscada], enquanto o livro de Masson (1988) tinha o título simples Against Therapy: Emotional Tyranny and the myth of Psychological Healing [Contra a Terapia: A Tirania Emocional e o Mito da Cura Psicológica]. Há também um livro recentemente publicado com o título engajado de Psychotherapy and its Discontents [A Psicoterapia e seus Descontentes], editado por Dryden e Felthan (1992) em Londres (p. 64). Já estava em curso, naquela ocasião, a “era da accountability” (cf. Garfield, 1994). Na língua inglesa36, o termo accountability designa a necessidade de um agente responsabilizar-se e prestar contas de suas ações: por exemplo, uma autoridade pública responsabilizar-se e justificar seus atos perante a sociedade, ou, no contexto do sistema de atenção gerenciada, um profissional prestar contas do serviço executado sob custeio das empresas seguradoras. Garfield (1994) ilustra essa demanda por accountability (doravante traduzido como “responsabilidade”, com a ressalva de que se trata de um conceito particular àquele contexto) com um trecho de um artigo publicado, em 1980, 35 Em um trabalho bastante heurístico, Benjamin (2005) traça um percurso histórico da emergência, nos Estados Unidos, da Psicologia Clínica como profissão. 36 Accountability é um conceito que não encontra uma tradução exata no português (e.g. Diniz, 2001; Santos e Patricio, 2002) 93 na revista Science: A situação era descrita do seguinte modo: “O crítico mais insistente no campo no momento é o Congresso, que começou a demandar sólidas provas clínicas das realizações da psicoterapia, antes de concordar em financiá-la no âmbito do Medicare37 (Science, January). Essa e outras demandas no campo da pesquisa de padronização acentuaram as tentativas de demonstrar que a psicoterapia de fato funciona (Marshal, 1980, p. 506)”(p. 64). A instalação da Força Tarefa da APA também coincide com o início de um amplo debate, nos Estados Unidos, sobre a implementação de uma política nacional de saúde. Estava incerta a inclusão da psicoterapia nos planos propostos. Como explica Beutler (1998), o primeiro dos três estágios do MHC [o sistema de seguro-saúde] (Aaron, 1996) estava chegando ao fim. Este estágio tinha introduzido o MHC desde o início dos anos 1980 e enfatizava a contenção de custos por meio de restrições ao acesso dos pacientes e do estabelecimento de um quadro fechado de provedores de serviço. Assim, a Força Tarefa foi concebida em um ambiente no qual a efetividade do tratamento era avaliada por uma fórmula que incluía o custo imediato e acesso geral, mas que abordava com pouca ou nenhuma atenção se o tratamento realmente produzia algum benefício clínico. Nos sistemas de seguro-saúde do início dos anos 90, as psicoterapias eram consideradas intercambiáveis (p.114). Com a intensa participação no mercado de serviços na área de saúde, 37 Medicare é o programa federal que provê cobertura da saúde para pessoas a partir de 65 anos de idade. Também beneficia certas pessoas mais jovens com incapacidades e doentes renais em estágio terminal. 94 especialmente no sistema de atenção gerenciada, os praticantes da psicoterapia - e também os terceiros pagadores – tornam-se suscetíveis a demandas judiciais, inclusive aquelas patrocinadas por usuários, onde são discutidas a qualidade e as condições de oferta desses serviços. Chamado a intermediar essas causas, o Estado, na ausência de critérios outros, cria alternativas para subsidiar suas decisões. Diante da falta de consenso em questões nas quais se faz necessário aferir a efetividade dos tratamentos, a partir do final dos anos 1970, as cortes adotaram duas referências para determinar se um tratamento era efetivo ... (a) o princípio da referência comunitária e (b) a doutrina da minoria respeitável. O primeiro dos princípios reduzia a tarefa de selecionar tratamentos efetivos a uma questão de popularidade e uso comum. Considera-se que os tratamentos que são praticados com freqüencia em uma dada comunidade são, por esse princípio, válidos e verdadeiros, independentemente de sua efetividade clínica ou seu possível dano. A doutrina da minoria respeitável sustenta que onde há disputas baseadas em diferenças teóricas e de métodos de prática, o clínico deve ser julgado de acordo com a escola que ele declara seguir. Essa escola deve ter princípios definidos e deve ser uma linha de pensamento de uma minoria respeitável na profissão. No entanto, a jurisprundência estabeleceu a regra de que pelo menos seis indivíduos constituem uma minoria respeitável. A prática da psicoterapia enfrentou a possibilidade de que as cortes e as casas legislativas definissem, não empiricamente, que tipos de psicoterapia poderiam ou não ser praticados e reembolsados em um sistema de competição gerenciada (Beutler, 1998, p. 114). 95 Beutler (1998) sumariza o contexto histórico da iniciativa da APA, deixando à mostra que o esforço foi primariamente uma resposta a uma demanda não acadêmica38. Em resposta, a Divisão 12 resolveu formar um grupo de cientistaspraticantes com a incumbência de usar dados de pesquisas para formular respostas para as questões sobre quais tratamentos têm valor. Embora a pressão da atenção nacional à saúde tenha diminuído desde o início da Força Tarefa, forças persuasivas sociopolíticas continuam existindo, demandando uma resposta da profissão. E, novamente, o preço mais provável e óbvio de uma não resposta é a transferência para a lei e outras instâncias não psicoterápicas da decisão sobre quais tratamentos deveriam ou não ser cobertos em um ambiente de competição gerenciada (p. 114). É nesse ambiente que a Força Tarefa da Divisão 12 da APA, inicialmente intitulada Força Tarefa sobre Promoção e Disseminação de Procedimentos Psicológicos (Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures) é concebida, sob os auspícios da Seção III (Society for a Science of Clinical Psychology), naquela ocasião presidida por David Barlow. A instalação da Força Tarefa, em 1993, deu início a um longo trabalho de aferição da eficácia de alguns tratamentos psicológicos, identificados, ao final do processo, como “empiricamente fundamentados”. Ao todo, três relatórios foram publicados com o resultado do trabalho de três equipes39, que funcionaram em momentos distintos, constituídas de representantes de diversos segmentos da área e de diferentes correntes teóricas, sob a 38 Beutler (1998) entende ser importante esclarecer as razões que motivaram o trabalho da APA, uma vez que “isso pode ajudar a acalmar a preocupação daqueles que podem ver o relatório como um esforço malicioso e premeditado para desprivilegiar os praticantes de certos métodos” (p. 114). 39 Os grupos de trabalho serão identificados doravante como I, II e III. 96 coordenação de Dianne Chambless. Optou-se por apresentar, separadamente, nos parágrafos seguintes, o produto final dos grupos de trabalho, em respeito à dinâmica e evolução de cada um em particular. A Força Tarefa sobre Promoção e Disseminação de Procedimentos Psicológicos (Grupo de Trabalho I) foi constituída com o propósito de abordar duas questões: “o treinamento para praticantes e para estudantes em nível pré-doutoral e de residência, e a promoção de intervenções psicológicas para terceiros pagadores e o púbico em geral” (Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures, 1995, p. 1). A justificativa para o investimento é explicitada na parte introdutória do Relatório da Força Tarefa. Nas razões expostas, está a preocupação em agregar elementos para fazer frente à expansão da psiquiatria biológica, garantindo à psicologia clínica um espaço no sistema de oferta de serviços na área de saúde. Na falta dos enormes orçamentos promocionais e profissionais de venda das companhias farmacêuticas, os psicólogos clínicos trabalham em desvantagem para disseminar achados importantes sobre inovações em procedimentos psicológicos. Apesar do grande avanço no desenvolvimento e validação de tratamentos efetivos, não está claro que os benefícios de nossas abordagens sejam amplamente apreciados, mesmo por outros psicólogos clínicos. Acreditamos que se é para o público se beneficiar da disponibilidade de psicoterapias efetivas, e se é para a psicologia clínica sobreviver nesse apogeu da psiquiatria biológica, a APA deve agir para enfatizar a força do que temos a oferecer – uma variedade de psicoterapias de eficácia comprovada. Sugerimos que os psicólogos têm a vantagem de ser os 97 primeiros cientistas no campo da psicoterapia. Face aos recursos limitados à disposição da APA, deveríamos propagar com nossa força e publicidade nossas realizações em intervenções psicológicas baseadas em dados (p. 1). Depois de receber o aval do Conselho Diretor da Divisão 12 da APA, uma versão preliminar do Relatório da Força Tarefa foi amplamente divulgada e submetida à análise de diversos grupos de discussão. A estratégia de divulgação foi cuidadosa: “Os indivíduos foram informados do relatório e do seu conteúdo por meio de um simpósio na convenção da APA, resumos publicados no The Clinical Psychologist e no APA Monitor com cópias disponibilizadas por solicitação ... e correspondências eletrônicas para malas diretas em psicologia clínica” (Chambless & Ollendick, 2001, p. 686). Além disso, cópias da versão preliminar do Relatório foram endereçadas ao Conselho Diretor da APA, a associações nacionais de psicologia, e a núcleos de pós-graduação credenciados pela APA, entre outros. A versão final do Relatório do Grupo de Trabalho I, publicada em 1995 (Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures, 1995), no Boletim da Divisão 12 da APA, The Clinical Psychologist, incluiu respostas a questões levantadas durante a fase de apreciação do documento pela base e o resultado da avaliação levada a efeito pelo Grupo de Trabalho I40. Para cada tratamento empiricamente validado, foram indicadas as referências dos trabalhos cujas evidências sustentaram a classificação. No total, foram identificados 25 tratamentos, sendo 18 “empiricamente validados” e 7 “provavelmente eficazes”. Tratamentos não enquadrados nessas duas categorias foram considerados “experimentais”. As listas são as seguintes: 40 Fizeram parte da Força Tarefa ( Grupo de Trabalho I), Dianne Chambless, Mark Gilson, Karen Babich, Robert Monttgomery, Paul Crits-Christoph, Robert Rich, Ellen Frank, Jane Steinberg e Joel Weinberger (cf. Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures, 1995). 98 I - Exemplos41 de Tratamentos Empiricamente Validados – Grupo de Trabalho I 1. Terapia cognitiva para depressão de Beck. 2. Modificação de comportamento para indivíduos com comprometimento no desenvolvimento. 3. Modificação do comportamento para enurese e encoprese. 4. Terapia comportamental para dor de cabeça e para síndrome do cólon irritável. 5. Terapia comportamental para disfunção orgásmica feminina e disfunção erétil masculina. 6. Terapia conjugal comportamental. 7. Terapia cognitivo-comportamental para dor crônica. 8. Terapia cognitivo-comportamental para transtorno do pânico com e sem agorafobia. 9. Terapia cognitivo-comportamental para transtorno de ansiedade generalizada. 10. Tratamento de exposição para fobias (agorafobia, fobia social, fobia simples) e transtorno de estresse pós-traumático. 11. Exposição e prevenção de resposta para transtorno obsessivo-compulsivo. 12. Programas de educação familiar para esquizofrenia. 13. Terapia cognitivo-comportamental de grupo para fobia social. 14. Terapia interpessoal para bulimia. 15. Terapia interpessoal de Klerman e Weissman para depressão. 16. Programas de treinamento de pais para crianças com comportamento de oposição. 17. Dessensibilização sistemática para fobia simples. 41 A lista é intitulada, no original, desse modo. 99 18. Programas de economia de fichas. Fonte: Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures (1995). II - Tratamentos Provavelmente Eficazes – Grupo de Trabalho I 1. Relaxamento aplicado para transtorno do pânico. 2. Terapias psicodinâmicas breves. 3. Modificação de comportamento para ofensores sexuais. 4. Terapia comportamental dialética para transtorno de personalidade limítrofe. 5. Terapia de casal emocionalmente focada. 6. Reversão de hábito e técnicas de controle. 7. Tratamento psicoeducacional de Lewinsohn para depressão. Fonte: Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures (1995). Grande parte do esforço da Força Tarefa (Grupo de Trabalho I) esteve voltada para a sensibilização dos psicólogos, usuários e provedores do sistema de saúde quanto à importância dos tratamentos empiricamente validados e à necessidade de disseminálos. Não havia, naquele momento, dados precisos para avaliar em que medida as instituições responsáveis pela formação de psicólogos clínicos estavam contemplando, em seus programas, o treinamento em tratamentos validados. Para responder a essa questão, um levantamento foi endereçado aos 167 coordenadores de programas de Pós- 100 graduação em Psicologia Clínica credenciados pela APA42, nos Estados Unidos e no Canadá. Os resultados foram os seguintes: Estávamos especialmente preocupados em saber quantos programas poderiam estar fazendo um trabalho inadequado de apresentar aos alunos tratamentos empiricamente documentados. Para examinar essa questão, definimos grosseiramente a cobertura mínima de tratamentos validados para o ensino de 25% dos tratamentos em cursos didáticos e pelo menos dois na prática. Nós definimos uma referência baixa porque a evidência empírica para alguns tratamentos era relativamente recente (dos últimos anos) e nós, sem dúvida, falhamos em incluir alguns deles na nossa lista. De acordo com o relato dos coordenadores clínicos, 22% dos programas ofereciam cobertura didática de menos de 25% dos tratamentos validados, enquanto 4 programas não ofereciam treinamento clínico em nenhum dos tratamentos empíricos e 1 programa oferecia treinamento em apenas um tratamento. Esses achados são preocupantes, na medida em que sugerem que em um de cada cinco programas aprovados pela APA os tratamentos empiricamente validados podem ser sub-enfatizados (Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures, 1995, p. 3 ). Em razão desses achados, o relatório final do Grupo de Trabalho I incluiu uma série de recomendações com a finalidade de difundir o conhecimento e o treinamento dos psicólogos em tratamentos empiricamente validados. Em 1995, a Força tarefa foi renomeada (Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas - Task Force on 42 Dos 167 coordenadores consultados, 138 (83%) responderam a pesquisa. 101 Psychological Interventions)43. Como parte da estratégia para intensificar o treinamento em tratamentos validados cientificamente, ainda em 1995, foi publicado o documento Manuais de Tratamentos Empiricamente Validados (Manuals for Empirically Validated Treatments - Sanderson & Woody, 199544), onde foram listados os manuais existentes para cada tipo de tratamento validado pela Força Tarefa, bem como a indicação (com endereços para contato) de centros de formação voltados a esses tipos de intervenção. Do mesmo modo que a Força Tarefa sobre Promoção e Disseminação de Procedimentos Psicológicos (Grupo de Trabalho I), a Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas (Grupo de Trabalho II), enfatizou a intensificação do treinamento do psicólogo em intervenções empiricamente validadas, mas também introduziu algumas mudanças. Uma delas foi a adoção do termo “tratamentos empiricamente sustentados” TESs, no lugar de “tratamentos empiricamente validados”- TEVs, para designar as intervenções que atenderam aos critérios de eficácia estabelecidos pela Força Tarefa. No Relatório final do Grupo de Trabalho II (Chambless & cols., 1996), a mudança do termo foi assim justificada: Nas discussões sobre o relatório, o termo “tratamentos empiricamente sustentados” foi sugerido como um termo mais feliz e concordamos que este é um termo preferível. O termo “validação” poderia sugerir que acreditamos que a pesquisa de um tratamento está completa ... embora a força tarefa (1995) tenha padecido para evitar essa implicação em seu relatório. Nós 43 Os membros da Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas (Grupo de Trabalho II) foram Dianne Chambless, Larry Beutler, Karen Calhoun, Michael Goldstein, Suzanne Bennett Johnson, Gerald Koocher, Susan McCurry, Kenneth S. Pope, William C. Sanderson, Stanley Sue, Sheila R. Woody, Paul Crits-Christoph, Varda Shoham e David A. Williams (cf.Chambless e cols., 1996). 44 Uma atualização dessa lista pode ser encontrada em Woody e Sanderson (1998). 102 mantivemos a sigla TEVs [EVTS] para evitar confusão neste ponto, mas sugerimos cuidado ao leitor para ter em mente que a validação é um processo contínuo (p. 7)45. Outra novidade foi a forma de apresentação da lista dos tratamentos selecionados, organizada por áreas, identificando os tratamentos considerados efetivos para problemas específicos. Note-se que “estes não se restringiam ao diagnóstico, mas podiam incluir qualquer problema confiavelmente especificado para o qual um cliente poderia procurar assistência” (Chambless & cols., 1996, p. 1). Novos tratamentos foram inseridos, além daqueles listados pela Força Tarefa anterior (Grupo de Trabalho I), com mudanças e correções em alguns casos. Na Tabela 4, tratamentos incluídos pela primeira vez ou modificados em relação à lista anterior aparecem identificadas por um asterisco. Os programas de economia de fichas não foram considerados restritos a problemas específicos em razão da diversidade de problemas comportamentais com os quais vinham sendo empregados. Tabela 4: Tratamentos Empiricamente Sustentados – Grupo de Trabalho II Transtorno Tratamentos Ansiedade e Estresse Terapia cognitivo-comportamental para transtorno do pânico com e sem agorafobia Terapia cognitivo-comportamental para transtorno de ansiedade generalizada Terapia cognitivo-comportamental de grupo para fobia social. *Tratamento de exposição para agorafobia *Tratamento de exposição para fobia social Exposição e prevenção de resposta para transtorno obsessivo-compulsivo 45 Além disso, acrescenta Kendall (1998), “a frase significa e acentua a noção de que o processo de avaliação empírica, mais do que os talentos polêmicos ou características carismáticas de um provedor individual, serve melhor como fundamento para o endosso e disseminação dos procedimentos de tratamentos psicológicos” (p. 3). 103 Transtorno Tratamentos *Treinamento de Inoculação de Estresse para Lidar com Estressores Dessensibilização sistemática para fobia simples Depressão Terapia cognitiva para depressão Terapia interpessoal para depressão *Terapia comportamental para dor de cabeça Problemas de Saúde * Terapia cognitivo-comportamental para síndrome do cólon irritável * Terapia cognitivo-comportamental para dor crônica * Terapia cognitivo-comportamental para bulimia Terapia interpessoal para bulimia Problemas da Infância *Modificação do comportamento para enurese Programas de treinamento de pais para crianças com comportamento opositor Problemas Conjugais Terapia conjugal comportamental Disfunções Sexuais Terapia comportamental para disfunção orgásmica feminina e disfunção erétil masculina Programas de educação familiar para esquizofrenia Outros Modificação do comportamento para indivíduos com comprometimento no desenvolvimento Programas de economia de fichas Fonte: Chambless e cols. (1996). Tabela 5: Tratamentos Provavelmente Eficazes – Grupo de Trabalho II Transtorno Tratamentos Relaxamento aplicado para transtorno do pânico *Relaxamento aplicado para transtorno de ansiedade generalizada *Tratamento de exposição para transtorno de estresse pós-traumático *Tratamento de exposição para fobia simples Ansiedade *Treinamento de Inoculação de Estresse para transtorno de estresse póstraumático *Exposição e prevenção de resposta em grupo para transtorno obsessivocompulsivo *Programa de prevenção de recaída para transtorno obsessivo-compulsivo *Terapia comportamental para abuso de cocaína Abuso e Dependência Química *Terapia dinâmica breve para dependência de ópio *Terapia cognitiva para dependência de ópio * Terapia cognitivo-comportamental para retirada da benzodiazepina no pânico Depressão *Terapia dinâmica breve 104 Transtorno Tratamentos *Terapia cognitiva para pacientes geriátricos *Tratamento psicoeducacional *Terapia da reminiscência para pacientes geriátricos *Terapia de autocontrole Problemas de Saúde Problemas Conjugais *Terapia comportamental para obsesidade infantil * Terapia cognitivo-comportamental em grupo para bulimia Terapia de casal emocionalmente focada. Terapia conjugal orientada para o insight *Modificação do comportamento para encopere Problemas da Infância *Treinamento familiar para o gerenciamento da ansiedade para transtornos de ansiedade Modificação do comportamento para ofensores sexuais Outros Terapia comportamental dialética para transtorno de personalidade limítrofe Reversão de hábitos e técnicas de controle Fonte: Chambless e cols. (1996). Na maioria dos casos, para a inclusão de um tratamento na lista atualizada pela Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas (Chambless & cols., 1996), era exigido que a pesquisa que o fundamentava tivesse sido conduzida com base em manuais de tratamento. Há duas razões para isso. Primeiro, contribui para um melhor delineamento da pesquisa e interpretação dos resultados. Segundo, permite ao leitor saber o que o tratamento realmente incluiu e, assim, o que foi sustentado. Por exemplo, há muitos tipos de terapia dinâmica. Quando indicamos que a terapia dinâmica breve é provavelmente eficaz como tratamento coadjuvante na dependência de ópio (Woody, Luborsky, McLellan, & O'Brien, 1990), queremos dizer especificamente o tratamento descrito no manual empregado naquela pesquisa, que era Psicoterapia de Apoio Expressiva [SupportiveExpressive Psychotherapy], adaptada para abuso de substância (Luborsky, Woody, Hole, & Vellecho, 1995). Quanto a saber se um tipo muito diferente de terapia dinâmica, como a de Davanloo (1980), seria efetiva, isso 105 permanecerá por ser estudado e não deve ser assumido. O mesmo vale para terapias comportamentais e cognitivas. Por exemplo, o treino de relaxamento e a exposição e prevenção de resposta são ambas terapias comportamentais, mas a última é significativamente mais eficaz do que a primeira no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo (Rachman, Hodgson, & Marks, 1971). Portanto, há muitas intervenções que correspondem aos títulos nas tabelas e aqueles títulos não são os identificadores críticos. Os manuais são (Chambless & cols., 1996, p. 2). A segunda atualização da lista foi publicada dois anos depois46 (Chambless & cols., 1998). De um total de 71, 16 tratamentos foram identificados como empiricamente sustentados e 55 como provavelmente eficazes. Na Tabela abaixo, o asterisco “indica um tratamento acrescentado ou uma recomendação alterada desde a publicação de Chambless e cols. (1996). Dois tratamentos foram excluídos, não por causa de evidência negativa, mas porque, diferentemente dos outros tratamentos, nós ainda não temos problemas-alvo específicos identificados para essas abordagens: a economia de fichas (problema-alvo não identificado) e modificação de comportamento para pessoas com comprometimento no desenvolvimento (Referências não especificadas do alvo)” (Chambless & cols., 1998, p. 23). 46 O Grupo de Trabalho III foi integrado por Dianne Chambless, Larry Beutler, Karen Calhoun, Suzanne Bennett Johnson, Susan McCurryy, Kim Mueser, Nathan Perry, Kenneth Pope, William Sanderson, Varda Shoham, Sheila Woody, Paul Crits-Christoph e David Williams (cf. Chambless e cols., 1998). 106 Tabela 6: Tratamentos Empiricamente Sustentados – Grupo de Trabalho III. Transtorno Tratamentos Terapia cognitivo-comportamental para transtorno de pânico com e sem agorafobia Terapia cognitivo-comportamental para transtorno de ansiedade generalizada Ansiedade e Estresse Tratamento de exposição para agorafobia *Exposição/domínio guiado [guided mastery] para fobia específica Exposição e prevenção de resposta para transtorno obsessivo-compulsivo Treinamento de Inoculação de Estresse para Enfrentamento *Terapia comportamental para depressão Depressão Terapia cognitiva para depressão Terapia interpessoal para depressão Terapia comportamental para dor de cabeça Terapia cognitivo-comportamental para bulimia Problemas de Saúde * Terapia cognitivo-comportamental multi-componentes para dor associada com doença reumática * Terapia cognitivo-comportamental multi-componentes com prevenção de recaída para parar de fumar Problemas da Infância Problemas Conjugais Modificação de comportamento para enurese Programas de treinamento de pais para crianças com comportamento de oposição Terapia conjugal comportamental Fonte: Chambless e cols. (1998). Tabela 7: Tratamentos Provavelmente Eficazes – Grupo de Trabalho III. Transtorno Tratamentos Ansiedade Relaxamento aplicado para transtorno do pânico Relaxamento aplicado para transtorno de ansiedade generalizada *Terapia cognitivo-comportamental para fobia social *Terapia cognitiva para TOC *Treinamento de comunicação de casais coadjuvante à exposição para agorafobia * Dessensibilização e reprocessamento do movimento ocular [EMDR – Eye Movement Desensitization and Reprocessing] para transtorno de estresse pós-traumático de civis Exposição para o transtorno de estresse pós-traumático *Tratamento de exposição para fobia social Treinamento de Inoculação de Estresse para Recaída - programa de prevenção para transtorno obsessivo-compulsivo 107 Transtorno Tratamentos *Dessensibilização sistemática para fobia animal *Dessensibilização sistemática para ansiedade de falar em público *Dessensibilização sistemática para ansiedade social Terapia comportamental para abuso de cocaína Terapia dinâmica breve para dependência de ópio * Terapia cognitivo-comportamental de prevenção de recaída para dependência de cocaína Terapia cognitiva para dependência de ópio Abuso e Dependência Química Terapia cognitivo-comportamental retirada de benzodiazepina em pacientes com transtorno do pânico *Abordagem de reforçamento comunitário para dependência de álcool *Exposição a dicas coadjuvante ao tratamento institucional para dependência de álcool *Projeto CALM para abuso e dependência de álcool misto (terapia conjugal comportamental mais disulfiram). *Treinamento em habilidades sociais coadjuvante ao tratamento institucional para dependência de álcool Terapia dinâmica breve Terapia cognitiva para pacientes geriátricos Depressão Terapia de reminiscências para pacientes geriátricos Terapia de autocontrole *Terapia de solução de problema social Terapia comportamental para obesidade infantil * Terapia cognitivo-comportamental para transtorno de compulsão alimentar periódica [binge eating] * Terapia cognitivo-comportamental coadjuvante à terapia física para dor crônica * Terapia cognitivo-comportamental para dor crônica da lombar [low back] * Biofeedback EMG para dor crônica *Hipnose como coadjuvante à terapia cognitivo-comportamental para obesidade Problemas de Saúde *Terapia interpessoal para para transtorno de compulsão alimentar periódica [binge eating] *Terapia interpessoal para bulimia *Terapia cognitiva multi-componentes para síndrome do cólon irritável * Terapia cognitivo-comportamental multi-componentes para dor de sickle cell disease *Terapia comportamental operante para dor crônica *Fumar programado, reduzido, coadjuvante à terapia comportamental multi-componentes para parar de fumar *Biofeedback térmico para síndrome de Raynaud * Biofeedback térmico mais treinamento de relaxamento autogênico para enxaqueca 108 Transtorno Problemas Conjugais Tratamentos *Terapia de casais emocionalmente focada para casais moderadamente angustiados Terapia conjugal orientada para o insight Modificação do comportamento para encoprese Problemas da Infância * Terapia cognitivo-comportamental para crianças ansiosas (ansiedade em excesso, ansiedade de separação, transtorno de evitação) *Exposição para fobia simples Treinamento familiar para o gerenciamento de ansiedade para transtornos de ansiedade * Abordagem de treinamento combinado de Hurlbert para desejo sexual feminino hipoativo Disfunções Sexuais *Terapia sexual de Masters e Johnson para disfunção orgásmica feminina *Terapia conjugal e sexual conjugada de Zimmer para desejo sexual feminino hipoativo Modificação do comportamento para ofensores sexuais Terapia comportamental dialética para transtorno de personalidade limítrofe Outros *Intervenção familiar para esquizofrenia Reversão de hábito e técnicas de controle *Treinamento em habilidades sociais para melhora do ajustamento social de pacientes esquizofrênicos *Emprego sustentado para clientes doentes mentais severos Fonte: Chambless e cols. (1998). Os produtos dos três Grupos de Trabalho da Força Tarefa da Divisão 12 da APA encontram-se sintetizados na Tabela 8, a seguir: 109 Tabela 8: Síntese dos produtos da Força Tarefa da Divisão 12 da APA. Força Tarefa Força Tarefa sobre Promoção e Disseminação de Procedimentos Psicológicos – 1993 Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas 1995 Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas – 1998 Referência da Publicação Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures (1995). (Relato do Grupo de Trabalho I: descrição do desenvolvimento de critérios para os tratamentos empiricamente sustentados e primeira lista de tratamentos) Chambless e cols. (1996). (Relato do Grupo de Trabalho II: elaborações adicionais da Força Tarefa e segunda lista de tratamentos, expandida e reorganizada) Chambless e cols. (1998). (Relato do Grupo de Trabalho III: relatório final da Força Tarefa e terceira lista de tratamentos, com acréscimos de áreas) Produtos 18 tratamentos empiricamente validados e 07 provavelmente eficazes. Total: 25 22 tratamentos empiricamente sustentados e 25 provavelmente eficazes Total: 47 16 tratamentos empiricamente sustentados e 55 provavelmente eficazes. Total: 71 A segunda (e última) atualização da lista (Chambless & cols., 1998) promovida pela Força Tarefa sobre Promoção e Disseminação de Procedimentos Psicológicos [depois renomeada como Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas] não encerrou o ciclo de projetos patrocinados pela Divisão 12 da APA, voltados à identificação de tratamentos de eficácia comprovada. Com o propósito de preencher uma lacuna deixada pelo trabalho da Força Tarefa inicial - cujo foco incidiu sobre tratamentos empiricamente sustentados destinados à população adulta - uma segunda Força Tarefa (Força Tarefa sobre Intervenções Psicossociais Efetivas: Uma Perspectiva do Curso de Vida - Task Force on Effective Psychosocial Interventions: A Lifespan Perspective) foi instalada, a fim de prover a identificação de tratamentos (preventivos, inclusive) 110 voltados à população infantil47 (cf. Chambless & Ollendick, 2001). Ainda por iniciativa da Divisão 12, foi publicado “um livro intitulado A Guide to Treatments That Work [Um Guia para Tratamentos que Funcionam] lançado por uma outra força tarefa ... [e] editado por Nathan e Gorman (1998)”48 (Chambless & Ollendick, 2001, p. 687)49. Em 1999, a Força Tarefa sobre Intervenções Psicológicas foi transformada em Comitê sobre Ciência e Prática (Committee on Science and Practice - CSP): Na medida em que ficou claro que a APA não tomaria para si o trabalho da lista de TEVs, a Divisão 12 dedicou-se a dar continuidade a esses esforços transformando a Força Tarefa em um Comitê permanente com a incumbência de avaliar a eficácia e efetividade de intervenções psicológicas. Por votação dos membros essa transição foi aprovada e passou a valer em janeiro de 1999 (Chambless & Ollendick, 2001, p. 687-688). No seu conjunto, o trabalho da Força Tarefa da Divisão 12 tem sido amplamente citado e debatido na literatura da área (e.g. Hunsley & Johnston, 2000; Rosen & Davison, 2003; Strauss & Kaechele, 1998. Ver, ainda, a seção especial do Journal of Consulting and Clinical Psychologyr, 1998, 66 (1)). Beutler (1998) reconhece que a iniciativa da APA gerou um clima de descontentamento entre os terapeutas, pois “identificou uma pequena coletânea de tratamentos como eficazes e, pela sua omissão, 47 Ver, por exemplo, Kaslow e Thompson (1998) e Lonigan, Elbert e Johnson (1998). L. E. Beutler (comunicação pessoal, 11 de novembro de 2004) esclarece que “a Força Tarefa da Divisão 12 da APA não produziu um novo relatório desde 1998. Eles desenvolveram um manual com procedimentos e têm acatado a primeira e segunda edições dos livros (Tratamentos que Funcionam) de Nathan e Gorman... como representativos dos achados da Força Tarefa”. 48 49 Chambless e Ollendick (2001) informam que, fora do âmbito da Division 12, iniciativas com o objetivo de identificar tratamentos de comprovada eficácia clínica têm sido patrocinadas por inúmeros autores: “psicólogos no Reino Unido têm sido líderes nessa área ... A Seção de Psicologia Clínica da Associação Canadense de Psicologia designou sua própria força tarefa sobre TEVs ... Strauss e Kaechele (1998) descreveram esforços um pouco diferentes, mas relacionados, na Alemanha” (p. 687). 111 ficou implícito que os outros teriam ostensivamente fracassado no teste de eficácia clínica” (p. 113). Essa compreensão é contestada por Beutler (1998), para quem “[A Força Tarefa] não apresentou nenhuma alegação de que esses eram os únicos tratamentos efetivos, que esses tratamentos deveriam ter precedência sobre outros, ou que a lista é finita e imutável” (p.113). As opiniões são divergentes. As principais objeções ao resultado final do trabalho da Força Tarefa da APA estão sintetizadas nos seguintes itens: (a) Um número pequeno e não representativo de estudos constituiu a base da revisão; (b) o critério restritivo representou de forma distorcida a ampla variedade de descobertas da pesquisa; (c) o crédito excessivo a estudos que usaram terapias baseadas em manuais e designações randômicas levou a conclusões inexatas sobre a natureza da psicoterapia e seus efeitos; (d) as recomendações tenderam a ser usadas inadequadamente tanto pelo sistema de saúde pago quanto pelas instituições de treinamento, limitando a prática, o treino e o reembolso a terapias favorecidas por acadêmicos; e (e) quaisquer conclusões além da conclusão geral de que a psicoterapia genérica é eficaz, são prematuras (Beutler, 1998, p. 113). Com o intuito de responder a críticas dessa ordem, no Relatório Final que apresenta a segunda atualização da lista (Chambless & cols., 1998), a metodologia utilizada para a escolha dos tratamentos candidatos ao processo de avaliação é informada em detalhes: Os tratamentos foram considerados candidatos potenciais à lista de várias maneiras: (a) nós solicitamos indicações da área via APA Monitor, o Clinical Psychologist da Divisão 12, listas de endereços eletrônicos da 112 Society for Psychotherapy Research e da Society for a Science of Clinical Psychology, além de nossos próprios relatórios publicados, dentre outras fontes; (b) nós revisamos mensalmente os periódicos que publicam pesquisas em psicoterapia; (c) nós realizamos revisões de literatura sobre tópicos específicos usando serviços como o PsychLit e o MedLine, e checando as seções de referências dos artigos e revisões que encontramos nesse processo. Uma vez identificado um tratamento potencial, um revisor fica com a responsabilidade de avaliar a literatura sobre sua eficácia e freqüentemente recruta colegas para colaborarem na revisão e consulta outros experts naquele campo. O revisor então apresenta um relatório ao grupo maior com uma recomendação. Pontos de discordância são debatidos e esclarecidos até que um consenso seja alcançado ou, mais raramente, uma votação seja realizada. Tendo citado um tratamento, nós continuamos a revisar evidências adicionais que venhamos a encontrar nos anos seguintes e podemos decidir remover um tratamento da lista ou alterar sua classificação com base em novas informações, ou se descobrimos que erramos. Nós selecionamos estudos representativos para citá-los como evidência de eficácia. Quando a evidência para um tratamento particular está misturada, o revisor tem a incumbência de determinar se a preponderância clara de evidência é positiva. Se não é, nós escolhemos errar por precaução não listando o tratamento. Para alcançar essa decisão, o revisor tipicamente procura informações de outros membros do grupo e pondera a qualidade da metodologia para determinar quais dados do estudo merecem maior crédito. 113 Em suma, nós revisamos muito mais tratamentos do que listamos (pp. 2-3). Havia, ainda, a preocupação com a possível utilização pelo sistema de atenção gerenciada do relatório provido pela APA. Neste caso, a listagem das terapias qualificadas como "empiricamente sustentadas" funcionaria como referência, determinando os tipos de tratamento que teriam o reembolso garantido pelas empresas de seguro. Na avaliação de Beutler (1998), a iniciativa da APA foi plenamente justificada uma vez que "as agências de seguro-saúde estão restringindo as solicitações de serviço por razões muito mais de capricho, sem qualquer benefício da pesquisa empírica. Seria realmente preferível que as decisões fossem tomadas na ausência de qualquer sinal de ciência?” (p. 113). Um último aspecto relevante do conjunto de argumentos sintetizados por Beutler (1998) diz respeito à repercussão do relatório da APA na formação e no treino específico do terapeuta, que seriam dirigidos a determinados tipos de tratamento. Garfield (1998) examina a questão e chama atenção para o fato de que "cada uma das terapias específicas validadas listadas no relatório da Força Tarefa era específica para uso com uma determinada categoria diagnóstica psiquiátrica" (p. 121). Na avaliação de Garfield, seria necessário, entre outras medidas, refletir sobre o perfil do profissional que a academia deveria formar. Após algumas considerações, o autor aponta duas possibilidades: Com a crescente importância das seguradoras [third-party payors50] e a ênfase na eficácia e responsabilidade em prover serviços psicoterápicos, pelo menos dois tipos de programas são possíveis. Um enfatiza as formas de 50 Hayes, Barlow e Nelson-Gray (1999) explicam que “As companhias de seguro ou as entidades governamentais que pagam as contas são conhecidas conjuntamente como terceiras partes (sendo os pacientes e os provedores do serviço a primeira e a segunda parte") (p. 30). 114 psicoterapia empiricamente sustentadas para doenças psiquiátricas específicas. A outra enfatiza o desempenho empiricamente sustentado de terapeutas individuais. Fica por ser visto qual rota virá a ser favorecida no futuro ou quais desenvolvimentos novos e não antecipados ocorrerão. Parece provável, também, que pelo menos alguns psicólogos clínicos orientados para a pesquisa estarão tentando aprender mais sobre quais variáveis realmente contribuem para a mudança positiva do paciente (Garfield, 1998, p. 124). Após quase uma década de constituição da Força Tarefa da APA, no entanto, os resultados resumem-se a cerca de 150 tratamentos empiricamente sustentados, com seus respectivos manuais, que cobrem apenas 51 dos cerca de 400 diagnósticos possíveis com base no DSM-IV. O problema e suas repercussões na prática do profissional da psicologia clínica são resumidos por Beutler (2002a), que parte de uma avaliação otimista do trabalho da APA: A força tarefa ... da Divisão 12 (agora um comitê permanente) sobre ciência e prática tem sido imensamente bem sucedida ao estabelecer um conjunto de critérios que pode ser trabalhado para a definição de modelos de tratamento que funcionam. Esses critérios têm sido adotados por outros grupos de trabalho e têm gerado ou contribuído diretamente para o desenvolvimento de nada menos do que 11 listas diferentes de tratamentos que atendem esses critérios ... Mais de 150 tratamentos diferentes foram identificados, cada um correspondendo a um manual de tratamento. Esses tratamentos, no entanto, focalizam coletivamente apenas 51 dos quase 400 agrupamentos de pacientes do DSM. A obtenção de proficiência em todas as 150 terapias 115 empiricamente sustentadas seria impossível. Mesmo a proficiência em 51 delas, como seria necessário para trabalhar com as populações de pacientes para as quais a efetividade foi estabelecida, estaria além das capacidades da maioria dos clínicos ocupados em uma única vida. Mesmo assumindo que nós pudéssemos superar os problema de educação e tempo suficientemente para treinar um clínico para usar um manual para cada um dos 51 transtornos estudados até esta data, ainda assim faltariam ao clínico diretrizes para tratar a maioria dos transtornos de ansiedade, todos os transtornos de adaptação, todos os transtornos de personalidade, exceto um (transtorno de personalidade limítrofe), transtornos de aprendizagem, transtornos cognitivos, transtornos mentais associados com ou devido a uma condição médica geral, a maioria dos transtornos de abuso de substâncias, transtorno bipolar, transtornos somatoformes, transtornos de identidade sexual e de gênero, a maioria de transtornos do sono e todos os transtornos do eixo V (p. 436). A reação ao resultado do trabalho da APA e os desdobramentos que se seguiram à publicação do relatório final ilustram as dificuldades que estão presentes quando o assunto em pauta é a validação de tratamentos psicológicos. Em um balanço da empreitada da APA, Chambless e Ollendick (2001) chamam a atenção para a necessidade de se compreender a dimensão do conceito de prática psicoterápica baseada em evidência, que não se resumiria apenas a procedimentos descritos em manuais de tratamentos empiricamente sustentados: O impulso para identificar e disseminar TEVs tem menos de uma década de idade ... está claro que há muito para se aprender sobre a aplicação de TEVs 116 e seus benefícios na prática clínica. Qualquer que seja a relutância de alguns para abraçar os TEVs, temos a expectativa de que as pressões econômicas e sociais pela responsabilidade sobre os praticantes encorajarão a atenção contínua a esses tratamentos (cf. Beutler 1998). Ao mesmo tempo, é importante notar que a prática efetiva da psicoterapia baseada em evidência envolve mais do que o domínio de procedimentos específicos delineados nos manuais de TEVs. Quase todos os TEVs dependem do terapeuta ter boas habilidades terapêuticas não específicas. Por exemplo, no Programa de Pesquisa Colaborativo para o Tratamento da Depressão do NIMH, de dois TEVs (terapia interpessoal e terapia cognitiva) para a depressão, nos quais os terapeutas seguiram manuais de tratamento elaborados, os efeitos do tratamento variaram de acordo com a competência do terapeuta (Shaw et al 1999). As características do cliente, como habilidade para formar uma aliança com o terapeuta (Krupnick et al 1996) e funcionamento inicial (e.g. Elkin et al 1995) também se mostraram importantes na predição do resultado do tratamento. A pesquisa sobre a interação de características do cliente (e.g., personalidade) com abordagens de tratamento está em seus estágios inciais (e.g. Beutler et al 1991). Essa pesquisa é difícil de ser realizada por causa das amostras grandes que são necessárias para uma força suficiente. Ainda assim, essa pesquisa tem grande potencial para abordar questões dos praticantes sobre qual TEV, dentre tantos, deve ser o melhor para um cliente particular. Assim, a prática da psicoterapia baseada em evidências é complexa e os TEVs são apenas uma peça do quebra-cabeça (pp.711-712 ). 117 2.4. A FORÇA TAREFA DA DIVISÃO 29 DA APA O trabalho desenvolvido pela Força Tarefa da Divisão 12 da APA conduziu a inúmeras controvérsias e reações face à sua ênfase nos aspectos técnicos da intervenção psicoterápica. Em que pese um discurso de reconhecimento dos méritos do trabalho da Divisão 12 (“esforços louváveis para inserir a pesquisa científica nas aplicações clínicas e para guiar a prática e o treinamento” – Norcross & Hill, 2004, p. 19), uma das reações à lista dos TESs veio da Divisão 29 (Psicoterapia) da APA. Em 1999, a Divisão 29 constituiu uma Força Tarefa sobre “Relações Terapêuticas Empiricamente Sustentadas”, com o intuito de chamar a atenção para aspectos relevantes da psicoterapia, porém negligenciados na avaliação dos TESs. Constituem omissões na avaliação dos TEVs e são enfatizadas pela nova força tarefa a relação terapêutica, características do terapeuta e características não diagnósticas dos pacientes (isto é, aquelas características pessoais não coincidentes com os sintomas utilizados para o diagnóstico). Assim, a Força Tarefa da Divisão 29 “representa, de várias maneiras, uma reação contra regras decisórias anteriores que tendem a representar a psicoterapia como o tratamento manualizado, solto, de transtornos do Eixo I” (Norcross, 2002, p. 8). Na sua formulação oficial, a Força Tarefa da Divisão 29 teve dois objetivos complementares: identificar elementos de relações terapêuticas efetivas e identificar métodos efetivos de adequar a terapia ao paciente individual com base em suas características (não diagnósticas). Em outras palavras, procuramos responder as duas questões prementes de “O que funciona em geral na 118 relação terapêutica?” e “O que funciona melhor para pacientes particulares?” (Norcross & Hill, 2004, p. 19). O trabalho da força tarefa foi realizado sob a forma de uma revisão da “pesquisa empírica ligando o elemento da relação ao resultado da psicoterapia” (Norcross, 2002, p. 4). Isso incluiu “tanto estudos quantitativos quanto rigorosos estudos qualitativos” (p. 4). Embora independentes, as forças tarefas das Divisões 12 e 29 compartilharam dois participantes: Paul Crits-Christoph e Larry Beutler. Norcross observa ainda que as duas forças tarefas compartilharam também um compromisso com a identificação e promoção de PBEs. A relação terapêutica foi interpretada pela Força Tarefa da Divisão 29 como “os sentimentos e atitudes que terapeuta e cliente têm em direção um ao outro e a maneira como são expressos” (Norcross, 2002, p. 4). Segundo Norcross (2002), embora bastante genérica, essa definição era “concisa, consensual, teoricamente neutra e suficientemente precisa para o nosso uso” (p. 4). Os resultados da Força Tarefa da Divisão 29 foram sistematizados em dois conjuntos de informações. O primeiro conjunto destaca elementos da relação terapêutica empiricamente sustentados, isto é, aspectos da relação que tendem a favorecer bons resultados da terapia. O segundo conjunto enumera características do cliente que merecem ser consideradas na direção de uma adequação do tratamento ao cliente individual. Para cada conjunto de informações o estudo indica se os aspectos são “demonstravelmente efetivos”, ou “promissores e provavelmente efetivos”. Para o segundo conjunto de informações (sobre o cliente), o estudo também aponta aspectos com respeito aos quais a “pesquisa é insuficiente”. Segundo Norcross e Hill (2004) a definição com respeito à suficiência das evidências empíricas incluía 119 o número de estudos que sustentam, a consistência dos resultados das pesquisas, a magnitude da relação positiva entre o elemento e o resultado, o quanto é direta a ligação entre o elemento e o resultado, o rigor experimental dos estudos e a validade externa da base de pesquisa (p. 20). Os resultados encontrados pela Força Tarefa incluíram como elementos positivos da relação terapêutica: aliança terapêutica, coesão na terapia de grupo, empatia, consenso com respeito aos objetivos e colaboração, consideração positiva, congruência/autenticidade, feedback, reparo de rupturas na aliança, auto-revelação, manejo de contratransferência e qualidade das interpretações relacionais. Com respeito às características dos clientes, os resultados incluem: resistência, comprometimento funcional, estilo de enfrentamento, estágios de mudança, estilos anaclítico/sociotrópico e introjetivo/autônomo, expectativas e assimilação de experiências problemáticas. Uma sistematização desses resultados com a definição dos aspectos enumerados, respeitando a categorização realizada na pesquisa quanto ao grau de evidência é apresentada nas Tabelas 9 e 10 a seguir. Tabela 9: Elementos das relações terapêuticas empiricamente sustentadas Demonstravelmente Efetivos ELEMENTOS GERAIS DA RELAÇÃO TERAPÊUTICA 1. Aliança terapêutica: “a qualidade e força da relação colaborativa entre cliente e terapeuta” (p. 20) 2. Coesão na terapia de grupo: “as forças que fazem com que os membros permaneçam no grupo” (p. 20). 3. Empatia: “a habilidade sensível do terapeuta e sua prontidão para entender os pensamentos, sentimentos e conflitos do cliente, do ponto de vista deste” (p. 20). 4. Consenso com respeito aos objetivos e colaboração: “a concordância terapeutacliente sobre os objetivos do tratamento e a expectativa; ... o envolvimento mútuo dos participantes na relação de ajuda” (p.20). 120 Promissores e Provavelmente Efetivos ELEMENTOS GERAIS DA RELAÇÃO TERAPÊUTICA 1. Consideração positiva: “aceitação acolhedora da experiência do cliente sem condições” (p. 20). 2. Congruência/autenticidade: “a integração pessoal do terapeuta na relação ... e a capacidade do terapeuta comunicar sua pessoa ao cliente como apropriado” (p. 21). 3. Feedback: “informação descritiva e avaliativa provida pelo terapeuta ao cliente sobre o comportamento do cliente, ou os efeitos desse comportamento” (p.21). 4. Reparo de rupturas na aliança: “o terapeuta responder não defensivamente, atentando diretamente para a aliança e ajustando seu comportamento” (p. 21). 5. Auto-revelação: “afirmações do terapeuta que revelam algo pessoal a seu respeito” (p. 21) 6. Manejo de contratransferência: “Em termos de manejar [efetivamente] a contratransferência ... cinco habilidades centrais dos terapeutas estão implicadas: autoinsight, auto-integração, manejo da ansiedade, empatia e habilidade de conceitualização” (p. 21). 7. Qualidade das interpretações relacionais: “[para] trazer à consciência material que antes era inconsciente ... o terapeuta aborda aspectos centrais da dinâmica interpessoal dos clientes” (p. 21). Fonte: Norcross e Hill (2004, pp. 20-21). Tabela 10: Qualidades ou comportamentos dos clientes que servem como indicadores confiáveis para a adequação da relação na terapia Promissores e Provavelmente Efetivos Demonstravel mente Efetivos QUALIDADES OU COMPORTAMENTOS DOS CLIENTES 1. Resistência: “ser facilmente provocado por demandas externas” (p. 22). 2. Comprometimento funcional: “reflete a severidade da angústia subjetiva do cliente, assim como as áreas de funcionamento comportamental reduzido” (p. 22). 1. Estilo de enfrentamento: “padrão de comportamento habitual e duradouro, que caracteriza o indivíduo quando confrontado com situações novas ou problemáticas” (p. 22). 2. Estágios de mudança: “pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção” (p. 22). 3. Estilos anaclítico/sociotrópico e introjetivo/autônomo: “um estilo anaclítico ou de ligação envolve a capacidade para satisfazer relações interpessoais e um estilo autodefinicional ou introjetivo envolve o desenvolvimento de uma identidade integrada” (p. 22) 4. Expectativas: “expectativas do cliente com respeito a ganhos terapêuticos, a procedimentos psicoterápicos, ao papel do terapeuta e à duração do tratamento” (p. 23). 5. Assimilação de experiências problemáticas: “seqüência regular de desenvolvimento no tratamento de experiências problemáticas” (p. 23). Fonte:Norcross e Hill (2004, pp. 21-23). 121 Os aspectos relativos ao segundo conjunto de informações (características dos clientes) com respeito aos quais não foi considerado haver evidência suficiente incluem: estilo de apego, gênero, etnicidade, religião e espiritualidade, preferências e transtornos de personalidade. A partir dos resultados encontrados, a Força Tarefa apresentou as seguintes recomendações para a pesquisa: 1. Os pesquisadores são encorajados a examinar os mediadores específicos e os moderadores das ligações entre elementos da relação demonstravelmente efetivos e o resultado do tratamento. 2. Os pesquisadores são encorajados a ir além dos delineamentos experimentais que correlacionam a freqüência de comportamentos da relação e medidas de resultados, para metodologias capazes de examinar as associações complexas entre qualidades dos pacientes, comportamentos do clínico e resultado da terapia. 3. Os pesquisadores são encorajados a evitar uma concepção “terapeutocêntrica” da relação terapêutica e a estudar as contribuições de ambos pacientes e terapeutas para a relação e as maneiras nas quais essas contribuições se combinam para ter um impacto no resultado do tratamento. 4. A perspectiva observacional (i.e., o terapeuta, o paciente, ou um avaliador externo) constitui uma consideração fundamental que deveria ser abordada em estudos futuros e revisões de “o que funciona” na relação terapêutica. A concordância entre perspectivas observacionais fornece um sentido sólido de fato estabelecido; a divergência entre perspectivas traz implicações importantes para a prática clínica. 122 5. Uma vez que muitas das importantes variáveis revisadas nos relatórios da Força Tarefa não estão sujeitas a randomização e a um controle experimental, recomendamos que os paradigmas de referência para a pesquisa incluam o uso de métodos qualitativos rigorosos e delineamentos correlacionais estatisticamente controlados (Norcross & Hill, 2004, pp. 2324). Um outro conjunto de recomendações é dirigido aos praticantes da psicoterapia. Para estes a Força Tarefa sugere: 6. Os praticantes são encorajados a considerar como objetivo primário no tratamento dos pacientes a criação e o cultivo de uma relação terapêutica caracterizada pelos elementos reconhecidos como demonstravelmente e provavelmente efetivos neste relatório. 7. Os praticantes são encorajados a adaptar a relação terapêutica a características específicas do paciente nas maneiras que o relatório demonstra melhorarem o resultado terapêutico. 8. Os praticantes são encorajados a monitorar rotineiramente as respostas dos pacientes à relação terapêutica e ao tratamento em andamento. Esse monitoramento leva a oportunidades maiores para reparar rupturas da aliança, para melhorar a relação, para modificar estratégias técnicas e para evitar o término prematuro. 9. O uso concomitante de relações empiricamente sustentadas e tratamentos empiricamente sustentados adequados ao transtorno e às características do paciente tende a gerar os melhores resultados (Norcross & Hill, 2004, p. 24). 123 Segundo Norcross (2002), ao especificar os elementos da relação terapêutica relevantes para o resultado da psicoterapia, a Força Tarefa não está supondo que podem ser consideradas à parte de procedimentos técnicos. Os dois conjuntos de variáveis seriam complementares, o que tornaria os esforços das Forças Tarefas das Divisões 12 e 29 também complementares. Nós reconhecemos unanimemente a profunda sinergia entre técnicas e a relação. Elas constantemente modelam e informam uma à outra. Tanto a experiência clínica quanto a evidência da pesquisa (e.g., Rector, Zuroff, & Segal, 1999; Rounsaville et al., 1987) apontam para uma interação complexa, recíproca, entre a relação interpessoal e as técnicas instrumentais. A relação não existe à parte do que o terapeuta faz em termos de técnica, e não podemos imaginar nenhuma técnica que não teria algum impacto relacional. Colocado de outro modo, técnicas e intervenções são atos relacionais (Safran & Muran, 2000) (Norcross, 2002, p. 4). Ainda segundo Norcross (2002), a atenção particularizada a um conjunto de variáveis tem razões históricas e operacionais, mas por conveniência histórica e de pesquisas, temos estabelecido uma diferença entre relações e técnicas. Palavras como “relação” e “comportamento interpessoal” geralmente são usadas para descrever como os terapeutas e pacientes se comportam em relação um ao outro. Em contraste, termos como “técnica” ou “intervenção” são usados para descrever o que é feito na terapia, especialmente o que é feito pelo terapeuta. Na pesquisa e na teoria, freqüentemente tratamos o como e o que – as relações e as intervenções, o interpessoal e o instrumental – como categorias separadas. Na verdade, é 124 claro que o que alguém faz e como faz são complementares e inseparáveis (p. 8). Desse ponto de vista, a integração das pesquisas sobre processos e procedimentos psicoterápicos seria recomendável tanto para a formulação de diretrizes para a prática quanto para o próprio desenvolvimento posterior da pesquisa. Em essência, as recomendações listadas acima vão nessa direção. Não se pode dizer, porém, que essa será a perspectiva observada pelos agentes que regulam financeiramente a prática psicoterápica: “é incontestável e tristemente verdadeiro que a pesquisa da psicoterapia até hoje exerceu um efeito desprezível sobre as decisões de reembolso” (Norcross, 2002, p. 9). 2.5. A FORÇA TAREFA CONJUNTA DA DIVISÃO 12 SOCIETY FOR PSYCHOTHERAPY RESEARCH (NASPR) DA APA E DA NORTH AMERICAN Uma Força Tarefa conjunta foi constituída, em 2002, pela Divisão 12 da APA, presidida por Larry Beutler, e pela North American Society for Psychotherapy Research (Sociedade Norte-Americana para a Pesquisa da Psicoterapia), presidida por Louis Castonguay (doravante designada de Força Tarefa APA-NASPR), voltada à “identificação de princípios de mudança terapêutica” (Beutler, 2002a, p. 436). Em sua concepção, a Força Tarefa APA-NASPR não estaria avaliando um novo e diferente conjunto de aspectos das psicoterapias. De um certo modo, ela estaria integrando trabalhos anteriores das Forças Tarefas das Divisões 12 e 29 da APA. A missão dessa Força Tarefa será construir uma ponte entre os resultados dos dois esforços prévios mais visíveis para definir o que da terapia é efetivo. Esta força tarefa encontrará a base comum entre o esforço para definir tratamentos empiricamente sustentados e o esforço para definir 125 relações empiricamente sustentadas (Beutler, 2002a, p. 436). O intuito de aproximar as preocupações e achados dos dois grupos significa também que a proposta da nova Força Tarefa foi motivada pelo debate e controvérsias produzidos pelos estudos anteriores. A questão dos manuais pode ser tomada como uma referência para compreender essa motivação. No contexto de uma discussão sobre os limites dos manuais empregados nos tratamentos padronizados (esse debate será apreciado no capítulo seguinte), Beutler (2002a) estabelece uma distinção entre a flexibilidade no desenvolvimento dos manuais e a flexibilidade em sua aplicação pelos praticantes da psicoterapia. Para os últimos, a flexibilidade requer uma nova conceituação dos tratamentos, dissociada do compromisso com abordagens teóricas específicas. Isto é, “ela requer que o foco dos manuais mude de uma abordagem que identifica técnicas específicas em termos de sua coerência teórica para uma abordagem que valorize o suporte empírico mais do que a abordagem teórica” (Beutler, p. 435). A especificação de princípios da mudança terapêutica atenderia essa necessidade. A recomendação de voltar a atenção para os princípios da mudança terapêutica teria iniciado em 1982, com Goldfried e Padawar, segundo Beutler (2002a). Um primeiro estudo nessa direção teria chegado a identificar 18 princípios que “poderiam guiar o tratamento efetivo da depressão a partir de uma variedade de pontos de vista teóricos” (Beutler, 2002a, p. 435). Porém, esses resultados representariam apenas uma abordagem inicial do problema, e não foram consensualmente aceitos por cientistas e praticantes da psicoterapia. A iniciativa da Força Tarefa APA-NASPR é que constituiria a primeira abordagem mais sistemática para aqueles princípios. O trabalho da Força Tarefa APA-NASPR também iria além das limitações dos trabalhos anteriormente realizados pelas Forças Tarefas das Divisões 12 e 29 da APA. O 126 investimento da Força Tarefa da Divisão 12 teria resultado na validação de tratamentos muito “rígidos”, aos quais pesquisadores e psicoterapeutas reagiram. Quanto ao trabalho da Força Tarefa da Divisão 29, infelizmente, muito da pesquisa na qual se baseia ... focaliza métodos e dados correlacionais. Desse modo, o papel causal desempenhado por muitas ou a maioria dessas variáveis na promoção de benefícios do tratamento é desconhecido e continua debatido e discutível” (Beutler, 2002a, p. 436). Tendo observado aquelas limitações dos estudos anteriores, a Força Tarefa APANASPR teve três objetivos: (1) identificar a força relativa das contribuições para o resultado da terapia das características do participante, das intervenções e modelos teóricos e das variáveis da relação; (2) determinar e descrever como essas variáveis interagem umas com as outras para afetar diferencialmente os resultados; e (3) identificar princípios básicos da seleção e aplicação de tratamento efetivo para diferentes tipos de pacientes (Beutler, 2002a, p. 436). Os trabalhos da Força Tarefa APA-NASPR foram concluídos em 2004 e seus resultados serão publicados ao longo de 2005. Nos parágrafos seguintes, apresentam-se suas principais conclusões, que compõem parte do material que está no prelo (Castonguay & Beutler, in press). Nesse documento, a controvérsia sobre o valor das técnicas versus da relação terapêutica é considerada um equívoco, possivelmente alimentado pelas forças tarefas anteriores da APA. No lugar dessa controvérsia, o estudo pretende expor pesquisadores e terapeutas à “evidência empírica sobre o papel que relações e técnicas, assim como características do cliente e do terapeuta, desempenham no tratamento de transtornos clínicos específicos” (Castonguay & 127 Beutler, in press, p. 2). O trabalho da Força Tarefa levou em conta o efeito de tratamentos para quatro tipos de problemas: transtornos disfóricos, transtornos de ansiedade, transtornos de personalidade e transtornos relacionados a substâncias. Para cada princípio de mudança terapêutica a Força Tarefa estabeleceu se se trata de um princípio “único” (identificado como válido no tratamento de um único tipo de problema) ou “comum”. Um princípio único não necessariamente se aplica apenas a um único tipo de problema, nem um princípio comum aplica-se aos quatro tipos considerados no estudo. Princípios únicos são aqueles julgados como particularmente salientes para um tipo de transtorno e/ou que receberam atenção empírica suficiente para derivar conclusões relevantes para apenas um problema clínico. Assim, a pesquisa futura pode sugerir que alguns dos princípios vistos atualmente como “únicos” na verdade se aplicam a diferentes transtornos. Além disso, ao identificar alguns princípios como “comuns”, não pretendemos sugerir que desempenham um papel no tratamento de todos os transtornos psicológicos. Em vez disso, sugerimos que esses princípios tendem a ter um impacto no tratamento psicológico para pelo menos duas das áreas de problemas focalizadas neste livro (Castonguay & Beutler, in press, pp. 2-3). Ao categorizar os princípios como “únicos” ou “comuns”, o trabalho da Força Tarefa APA-NASPR diferenciou-se daquele da Força Tarefa da Divisão 29, que especificou elementos da relação terapêutica e características dos clientes sem discriminar sua relevância diferencial para o tratamento de diferentes tipos de problemas. Os resultados da Força Tarefa APA-NASPR estão sintetizados em três 128 conjuntos de informações: características dos participantes, características da relação terapêutica e fatores do tratamento. Cada conjunto desses, além de fazer referência ao que é “único” e ao que é “comum”, foi subcategorizado do seguinte modo: Características dos participantes: (a) observadas, ou (b) inferidas. Características da relação terapêutica: (a) qualidade da relação terapêutica, (b) habilidades pessoais do terapeuta, ou (c) habilidades clínicas do terapeuta. Fatores do Tratamento: (a) postura terapêutica e estilo interpessoal geral, (b) estrutura da intervenção, (c) Procedimentos interpessoais/sistêmicos versus intrapessoal/individual, (d) procedimentos temáticos/orientados para insight versus procedimentos de sintoma/construção de habilidade, ou (e) procedimentos de ab-reação versus procedimentos de apoio emocional. Os resultados da Força Tarefa estão apresentados nas Tabelas 11 a 14 a seguir. Tanto para os princípios comuns como para os princípios únicos, são indicados nas tabelas a seguir os transtornos com respeito aos quais a evidência empírica de sua relevância foi estabelecida (observada ou inferida). Essa indicação tem como base a seguinte correspondência entre números e transtornos: (1) transtornos disfóricos; (2) transtornos de ansiedade; (3) transtornos de personalidade; e (4) transtornos relacionados ao uso de substâncias. Com respeito às características dos participantes, os dados incluem 16 princípios observados (3 comuns e 13 únicos) e 12 inferidos (2 comuns e 10 únicos), conforme as Tabelas 11 e 12 a seguir. 129 Tabela 11: Princípios de mudança terapêutica. Características dos participantes, observadas Características Comuns Únicas 1. “Clientes com um alto nível de comprometimento menos provavelmente se beneficiarão da terapia do que aqueles com um melhor nível de funcionamento pré-tratamento” (1, 2, 4). 2. “Clientes previamente diagnosticados com um transtorno de personalidade menos provavelmente se beneficiarão do tratamento” (1, 2, 4). 3. “Clientes que enfrentam dificuldades financeiras ou ocupacionais podem beneficiar-se menos do tratamento” (2, 4) 1. “A idade é um preditor negativo da resposta do paciente à psicoterapia geral”(1). 2. “Pacientes que representam grupos étnicos ou raciais insuficientemente atendidos alcançam menos benefícios da psicoterapia convencional do que grupos angloamericanos”(1). 3. “Se pacientes e terapeutas vêm do mesmo (ou similar) background ético/racial, as taxas de desistência são positivamente afetadas e o aproveitamento é intensificado”(1). 4. “Os tratamentos mais efetivos tendem a ser aqueles que não induzem a resistência do paciente”(1). 5. “Ao lidar com o paciente resistente, o uso pelo terapeuta de intervenções terapêuticas diretivas deveria ser planejado para corresponder inversamente ao nível manifesto de traços ou estados resistentes do paciente” (1). 6. “Pacientes com altos níveis de comprometimento inicial respondem melhor quando recebem tratamento intensivo, de longa duração, do que quando recebem tratamentos não intensivos e breves, independentemente do modelo ou tipo particular de tratamento designado. Pacientes com baixo comprometimento parecem sair-se bem com tratamentos muito ou pouco intensivos” (1). 7. “Pacientes cujas personalidades são caracterizadas pela impulsividade, gregarismo social, e responsabilização externa pelos problemas beneficiam-se mais de esforços para a mudança comportamental direta e redução de sintoma, incluindo a construção de novas habilidades e manejo de impulsos, do que de procedimentos planejados para facilitar o insight e a autoconsciência” (1). 8. “Pacientes cujas personalidades são caracterizadas por baixos níveis de impulsividade, indecisão, e controle elevado tendem a beneficiar-se mais de procedimentos que promovem a autocompreensão, o insight, ligações interpessoais e auto-estima, do que de procedimentos que visam alterar diretamente sintomas e construir novas habilidades sociais” (1). 9. “A psicoterapia para ansiedade menos provavelmente será bem sucedida se o cliente tem baixa atribuição de controle interno, ou elevada auto-atribuição negativa. Assim, rígidos estilos de enfrentamento externalizadores ou internalizadores são indicadores prognósticos negativos” (2). 10. “Terapeutas com ou sem uma história de transtorno de uso de substância parecem ser igualmente efetivos no tratamento de abuso de álcool ou droga ilícita” (4). 11. “Fumantes com alto risco médico serão especialmente receptivos ao aconselhamento individual para deixar de fumar apenas se o fumar contribuiu plausivelmente para seu status de risco” (4). 12. “Embora a evidência não seja inteiramente consistente, a terapia cognitivocomportamental pode ser diferencialmente efetiva com fumantes deprimidos, em comparação com outras condições. Esse efeito prescritivo pode aplicar-se especialmente àqueles fumantes com depressão crônica recorrente” (4). 130 Características 13. “Terapeutas que trabalham com um transtorno de personalidade específico podem aumentar sua efetividade se receberem treinamento especializado com essa população”(3). Fonte: Castonguay e Beutler (in press, pp.4-8). Tabela 12: Princípios de mudança terapêutica. Características dos participantes, inferidas Características Comuns Únicas 1. “Clientes que experienciaram problemas interpessoais significativos durante o desenvolvimento inicial podem ter dificuldade para responder à psicoterapia” (1, 2, 3). 2. “As expectativas do cliente tendem a desempenhar um papel no resultado do tratamento” (2,4). 1. “Se os psicoterapeutas são abertos, informados e tolerantes com várias concepções religiosas, os efeitos do tratamento tendem a ser intensificados” (1). 2. “Se os pacientes têm uma preferência por psicoterapia religiosamente orientada, o benefício do tratamento é acentuado se os terapeutas se adequam a essa preferência” (1). 3. “Um padrão seguro de ligação em ... terapeutas parece facilitar o processo de tratamento” (1). 4. “O benefício pode ser acentuado quando as intervenções selecionadas são responsivas a e consistentes com o nível de assimilação do problema pelo paciente” (1). 5. “O resultado da terapia tende a ser intensificado se o cliente deseja e é capaz de se engajar no processo de tratamento” (3). 6. “O(a) terapeuta tende a aumentar a sua efetividade se demonstra atitudes de abertura, flexibilidade e criatividade” (3). 7. “O impacto positivo da terapia tende a ser aumentado se o terapeuta sente-se confortável com relações duradouras e emocionalmente intensas (3). 8. “Os benefícios da terapia podem ser intensificados se o terapeuta é capaz de tolerar seus próprios sentimentos negativos a respeito do paciente e do processo de tratamento” (3). 9. “O terapeuta tende a ser mais efetivo se for paciente” (3). 10. “Fumantes em estágios mais avançados de mudança, como definidos no modelo transteorético, tendem a ser mais bem sucedidos em deixar de fumar. Do mesmo modo, consumidores de álcool em excesso que relatam prontidão crescente para a mudança saem-se melhor no tratamento” (4). Fonte: Castonguay e Beutler (in press, pp.9-11). Com respeito às características da relação terapêutica, o estudo identificou 11 princípios, todos comuns, à exceção dos dois últimos (4 e 5) relacionados às habilidades clínicas dos terapeutas, conforme Tabela 13 a seguir. 131 Tabela 13: Princípios de mudança terapêutica. Características da relação terapêutica Características Qualidade da Relação Terapêutica Habilidades Pessoais do Terapeuta Habilidades Clínicas do Terapeuta Comuns Comuns Comuns Únicas 1. “A terapia tende a ser benéfica se uma forte aliança de trabalho é estabelecida e mantida durante o curso do tratamento” (1, 2, 3, 4). 2. “Os clientes tendem a beneficiar-se da terapia de grupo se um forte nível de coesão grupal é desenvolvido e mantido durante a terapia” (1, 2, 3, 4). 3. “Os terapeutas devem tentar facilitar um alto grau de colaboração com os clientes durante a terapia” (1, 2, 3, 4). 1. “Os terapeutas devem relacionar-se com seus clientes de maneira empática” (1, 2, 4). 2. “Quando adotada pelo terapeuta, uma atitude de cuidado, cordialidade e aceitação tende a facilitar a mudança terapêutica” (1, 2, 4). 3. “Os terapeutas tendem a facilitar a mudança quando adotam uma atitude de congruência e autenticidade” (1, 4). 1. “Os terapeutas devem ser cuidadosos para não usar em excesso interpretações relacionais” (1, 3). 2. “Quando as interpretações relacionais são usadas, se são precisas tendem a facilitar a melhora” (1, 3). 3. “Os terapeutas tendem a equacionar rupturas da aliança quando abordam tais rupturas de um modo empático e flexível” (1, 3). 4. “Quando trabalham com clientes depressivos, o uso pelos terapeutas de auto-revelação tende a ajudar. Isso pode ocorrer especialmente para auto-revelações tranqüilizadoras e de apoio, em oposição a auto-revelações desafiadoras” (1). 5. “Prover feedback para o paciente tende a ser benéfico” (2). Fonte: Castonguay e Beutler (in press, pp.14-18). Quanto aos fatores de tratamento, os resultados apontam 22 princípios (12 comuns e 10 únicos), distribuídos conforme a Tabela 14 abaixo. Tabela 14: Princípios de mudança terapêutica. Fatores do Tratamento. Características Postura Terapêutica e Estilo Interpessoal Geral Comuns 1. “A mudança positiva é provável se o terapeuta provê um tratamento estruturado e permanece focalizando a aplicação de suas intervenções” (1, 2, 3, 4). 2. “Os terapeutas devem ser capazes de usar com habilidade intervenções ‘não diretivas’ ou ‘auto-diretivas’” (1, 3). 132 Características Únicas Estrutura da Intervenção Comuns Únicas Procedimentos Interpessoais / Sistêmicos versus Intrapessoal / Individual Procedimentos Temáticos / Orientados para Insight versus Procedimentos de Comuns Comuns 3. “Terapeutas que tratam clientes diagnosticados com transtorno de personalidade devem ser honestos e explícitos sobre seus limites”(3). 4. “Os terapeutas não devem supor que os clientes diagnosticados com transtorno de personalidade possuem as capacidades cognitivas e emocionais necessárias para uma vida efetiva” (3). 5. “A motivação do cliente para o tratamento é aumentada, e a mudança terapêutica é mais provável, se o terapeuta pode abordar os impasses terapêuticos com estratégias que não levam ao confronto” (3). 6. “A motivação do cliente para o tratamento é acentuada se o terapeuta é genuíno e responsivo” (3). 7. “A motivação do cliente para o tratamento é acentuada quando o terapeuta se engaja em auto-revelação estratégica” (3). 8. “A motivação do cliente para o tratamento é intensificada quando o terapeuta comunica uma compreensão de como é difícil para o cliente mudar” (3). 1. “A terapia por tempo limitado pode ser benéfica” (1, 2, 4). 2. “A mudança terapêutica pode ser facilitada por, ou mesmo requerer terapia intensa” (2, 3). 3. “O tratamento de transtorno de personalidade leva tempo ... O terapeuta deve planejar aplicar consistentemente os componentes do tratamento ao longo de períodos de tempo relativamente longos” (3). 4. “A mudança terapêutica é mais provável se o terapeuta tratando de um cliente de modo primário ou auxiliar receber consultoria e supervisão continuada” (3). 5. “A motivação do cliente para o tratamento é acentuada se o terapeuta é flexível nos seus limites, sendo mais disponível ao cliente durante períodos de crise” (3). 6. “Identifique outras necessidades de serviço social ou cuidado médico e providencie para que essas necessidades sejam atendidas” (4). 1. “O(a) terapeuta pode ser mais efetivo se não se restringe a procedimentos individuais: estar com outros durante o tratamento pode ser benéfico para alguns clientes” (1, 2, 3, 4). 2. “A terapia efetiva pode requerer que o terapeuta aborde aspectos intrapessoais do funcionamento do cliente” (1, 2, 3, 4). 3. “O resultado da terapia tende a ser acentuado se a terapia aborda questões interpessoais relacionadas aos problemas clínicos” (1, 3, 4). 1. “A terapia tende a ser benéfica se o terapeuta facilita a mudança nas cognições do cliente” (1, 2, 3, 4). 2. “O cliente tende a beneficiar-se da terapia se o terapeuta o ajuda a modificar respostas comportamentais mal adaptadas, emocionais, ou fisiológicas” (1, 2, 3, 4). 133 Características Sintoma / Construção de Habilidade Procedimentos de Ab-reação versus Procedimentos de apoio emocional Comuns 3. “Facilitar a auto-exploração do cliente pode ser de ajuda” (1, 3). 1. “A mudança terapêutica é provável se os terapeutas ajudam os clientes a aceitarem, tolerarem e algumas vezes experienciarem completamente suas emoções” (1, 2, 3, 4). 2. “Intervenções dirigidas ao controle de emoções podem ser de ajuda” (1, 2, 3, 4). Fonte: Castonguay e Beutler (in press, pp.19-31). Com os resultados no prelo, não há ainda uma medida da repercussão do trabalho da Força Tarefa. O debate, provavelmente, será iniciado em breve. É notável, desde já, que a Força Tarefa tenha sido liderada por terapeutas com um histórico considerável de pesquisa científica sobre a prática psicoterápica. Independentemente de limites que venham a ser apontados, o trabalho já constitui uma evidência de que é possível produzir um conhecimento sistemático que articule aspectos das práticas psicoterápicas que se relacionam a fatores comuns e a fatores específicos. É preciso avaliar se isso foi alcançado, estabelecendo-se uma nova lógica de análise da psicoterapia, para além de visões dicotômicas. 2.6. O CONCEITO DE PRÁTICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS A expressão “práticas baseadas em evidências” (PBEs) (evidence-based practices) passou a ser predominantemente empregada (no lugar de “tratamentos empiricamente validados”, ou “tratamentos empiricamente sustentados [TESs]”), a partir do final dos anos 9051, na literatura sobre resultados da psicoterapia, para referir 51 Na literatura examinada, a expressão “práticas baseadas em evidências” (ou expressões similares, como “terapias baseadas em evidências” e “tratamentos baseados em evidências”) aparece apenas em trabalhos 134 intervenções em alguma medida amparadas em evidências empíricas. Muito freqüentemente (e.g., Abrahamson, 1999; Addis, Wade & Hatgis, 1999; Messer, 2004; Norcross, 2002; Sanderson, 2003; Shoenwald, 2004; Stirman, Crits-Cristoph & DeRubeis, 2004; Wampold & Bhati, 2004), no lugar da expressão “práticas”, encontrase a referência a “tratamentos” baseados em evidências. Em algumas circunstâncias, a expressão “práticas baseadas em evidência” simplesmente substitui a expressão “tratamentos empiricamente sustentados”, uma referência aos tratamentos listados pela Força Tarefa da Divisão 12 da APA como aqueles de eficácia comprovada a partir de estudos com delineamento de ECRs. Norcross (2002), por exemplo, refere-se a “terapias baseadas em evidências ou terapias empiricamente sustentadas” (p. 2). Stirman e cols. (2004) sustentam que “por quinze anos os pesquisadores têm discutido a importância de disseminar em ambientes comunitários as psicoterapias empiricamente sustentadas ou baseadas em evidências” (p. 343). Samstag (2002) também emprega as duas expressões como sinônimas ao afirmar que o movimento em favor de tratamentos empiricamente validados pretendia “desenvolver um conjunto de diretrizes para determinar práticas psicoterápicas e modelos de treinamento ‘baseados em evidências’” (p. 62). Na mesma direção, Addis, Wade e Hatgis (1999) relacionam os tratamentos “baseados em evidências” às demandas do sistema de atenção gerenciada, afirmando que “pesquisadores da psicoterapia têm tentado aliar-se aos clínicos praticantes oferecendo-lhes tratamentos baseados em evidências52 como intervenções demonstradamente eficazes e como publicados a partir de 1998 (e.g., Chambless e cols. 1998; Kendall, 1998). Addis, Wade e Hatgis (1999) mencionam que a preferência pela expressão “tratamentos baseados em evidências” (e também pela expressão “tratamentos baseados em manuais”) para designar TESs decorre, entre outros, do fato de que aquelas expressões são as mais inclusivas, evitam debates sobre os conceitos 52 135 resposta esperançosa à demanda da atenção gerenciada por responsabilidade [accountability]” (p. 430). Segundo Levant (2004), o produto do movimento pela validação empírica das psicoterapias teria sido seqüencialmente denominado de ‘‘tratamentos empiricamente validados’’ (American Psychological Association [APA] Division of Clinical Psychology, 1995),‘‘tratamentos empiricamente sustentados” (Kendall, 1998), e atualmente ‘‘práticas baseadas em evidências’’ (e.g., Gonzales, Ringeisen, & Chambers, 2002)” (Levant, 2004, p. 219). A referência de Levant para a expressão “práticas baseadas em evidências” data de 2002, o que sinaliza o quanto o termo é recente, ainda que seu uso na literatura sobre resultados da psicoterapia seja anterior a 2002. Encontra-se, também, na literatura sobre resultados da psicoterapia, a expressão “práticas baseadas em terapia” para designar algo que não se restringe às intervenções denominadas de TESs. Nesses casos, a expressão é empregada para referir práticas apoiadas também em meta-análises, ou em estudos empíricos que lançaram mão de outros recursos metodológicos (diversos dos ECRs) e/ou voltados para outros aspectos relevantes na intervenção psicoterápica (diversos dos procedimentos técnicos). Por exemplo, Norcross (2002), referindo-se ao trabalho da Força Tarefa da Divisão 29, que se ocupou de aspectos da relação terapêutica, afirma que seus objetivos eram “disseminar meios de melhorar a relação terapêutica baseados em evidências e meios efetivos de adequar a relação ao paciente individual” (p. 5). Afirma, ainda, que as Forças Tarefas das Divisões 12 e 29 compartilham o objetivo de “identificar e promulgar práticas baseadas em evidências” (pp. 7-8). de “validação” e “sustentação” e no caso da primeira coincide com o uso na medicina. 136 Há ainda outras indicações de que a expressão “práticas baseadas em evidência” vai sendo assimilada na literatura sobre resultados da psicoterapia para designar mais do que tratamentos validados por estudos do tipo ECRs. Isso acontece em um contexto em que os limites desses estudos vão sendo cada vez mais debatidos e o uso dos manuais, seus produtos diretos, problematizado. Addis, Wade e Hatgis (1999), por exemplo, assinalam que “tratamentos baseados em manuais não [são] sinônimos de práticas baseadas em evidências” (p. 430), embora possam prover meios para uma intervenção eficaz na situação de oferta real de serviços. Bohart (2000) aborda a questão mais explicitamente e assinala que “um modelo [de intervenção] pode ser baseado em evidências e ainda assim não se basear no paradigma de ‘o que funciona para o que’, que constitui atualmente o impulso para modelos que focalizam técnicas” (p. 129). Drisko (2004) também toma como referência o debate técnica versus relação terapêutica e outros aspectos da psicoterapia e afirma que “estudos meta-analíticos são empiricamente baseados e provêem evidências para sustentar intervenções baseadas na relação e em outros fatores psicossociais, não apenas a técnica” (p. 88). Vale ressaltar que nesse comentário de Drisko estão exemplificados tanto procedimentos metodológicos (as meta-análises) como aspectos da intervenção (a relação terapêutica) diversos daqueles que definiam os TESs, mas que também são referidos como baseados em evidências. Na literatura contemporânea, não apenas práticas ou tratamentos vêm sendo referidos como “baseados em evidências”. Algumas variações dessas expressões são encontradas e talvez possam ser tomadas como um indicador adicional de uma maior abrangência do que vai sendo entendido como intervenção que se nutre da investigação científica. As variações incluem “psicoterapias baseadas em evidências” (e.g., Norcross, 137 2002)53, “relações terapêuticas baseadas em evidências” (Norcross, 2002), “movimento pelas práticas baseadas em evidências” (e.g., Wampold & Bhati, 2004), “intervenções baseadas em evidências” (Drisko, 2004; Henggeler & Schoenwald, 2002; Shoenwald & Henggeler, 2004), “prática psicoterapêutica baseada em evidência” (Messer, 2004; Samstag, 2002), “clínico baseado em evidência” (Messer, 2004), “prática em saúde mental baseada em evidência” (Addis & Waltz, 2002), “estratégias baseadas em evidências” (Barlow, 2000), “avaliação baseada em evidências” (Levant, 2004), “prática clínica baseada em evidências” (Sanderson, 2003) e “procedimentos baseados em evidências” (Stirman & cols., 2004). Uma abordagem mais ampla e mais sistemática da noção de práticas baseadas em evidência é apresentada por Messer (2004), sob um título que vai direto ao ponto: “práticas baseadas em evidências: Para além dos tratamentos empiricamente validados” (p. 580). Messer reitera os limites do TESs e dos delineamentos de ECRs, amplamente mencionados na literatura sobre resultados da psicoterapia, e propõe o reconhecimento do valor de estudos correlacionais: Há outros tipos de achados empíricos além dos TESs dos quais derivar conclusões. Convém aos praticantes de todas as vertentes teóricas conhecer que fatores do cliente e do terapeuta, por exemplo, mostraram-se correlacionados com resultados da terapia, porque esses fatores são freqüentemente mais úteis do que o diagnóstico (Clarkin & Levy, 2004). É verdade que a ligação entre causa e efeito não é tão forte nos achados correlacionais quanto nos ECRs, pois os últimos incluem uma comparação 53 Neves Neto (2003) adota a mesma denominação de Norcross (2002), mas a expressão é citada no singular, ou seja, “psicoterapia baseada em evidências”. 138 ou grupo controle. Os dados correlacionais, porém, possuem uma base de evidência por força de apontarem uma associação entre duas variáveis (p. 583). Messer (2004) sugere, ainda, a legitimação de métodos alternativos para os estudos clínicos, como o “método pragmático de estudo de caso” (pragmatic case study method) e o “delineamento hermenêutico de eficácia de caso único” (hermeneutic single-case efficacy design). Além disso, anuncia a criação de um novo periódico, intitulado “Pragmatic Case Studies in Psychotherapy”, com o propósito de acolher os trabalhos produzidos à luz daquelas orientações metodológicas. A vantagem desse periódico, segundo Messer, estaria no fato de que “possibilita muito mais aos praticantes contribuir para a literatura do que tem acontecido até o momento” (p. 586). O sentido de complementaridade entre esses estudos e aqueles baseados em ECRs é formulado por Messer nos seguintes termos: Os TESs, por exemplo, fornecem um tipo de dado relevante nos quais os clínicos podem confiar, mas eles não são e não podem ser a única fonte de práticas baseadas em evidências. Como tentei demonstrar ... há sérias limitações nos TESs, ao mesmo tempo em que há outras fontes de evidências científicas e não tão científicas disponíveis aos clínicos, todas com suas próprias forças e limitações que são cruciais na prática cotidiana. Elas podem, pelo menos, complementar os TESs na oferta de tratamentos solidamente baseados em evidências. Relações empiricamente sustentadas constituem um tal tipo de fonte de evidência, assim como os efeitos de interações de clientes e técnicas, e dados correlacionais sobre processoresultado de modo mais geral, que convêm aos clínicos conhecer (p. 586). 139 Como praticantes, não podemos trabalhar sem dados idiográficos e nomotéticos, achados baseados em métodos quantitativos e qualitativos, e uma mistura de olhares científico e humanístico, que constituem a dupla herança da psicologia (p.586). Em harmonia com a perspectiva representada pela posição de Messer (2004), Wampold e Bhati (2004) traçam um histórico do movimento pelas PBEs, que teria iniciado na Grã-Bretanha, no campo da medicina, estendendo-se depois para a saúde mental. Wampold e Bhati assinalam que o movimento foi inspirado por uma preocupação com os prováveis danos que poderiam resultar do atraso na incorporação de evidências empíricas nas práticas médicas. Como exemplo, os partidários das PBEs referem o uso de uma enzima, estreptoquinase (streptokinase), na prevenção do infarto do miocárdio. Estudos do tipo ECRs, realizados desde 1959, produziam resultados inconclusivos sobre a eficácia da enzima, até que em 1986 e 1989 ECRs de grande escala foram conduzidos e propiciaram a aprovação do medicamento. Argumenta-se, entretanto, que meta-análises poderiam ter estabelecido a eficácia da droga desde 1969 (cf. Wampold & Bhati, 2004). Por vinte anos, portanto, o tratamento eficaz deixou de ser administrado, levando milhares de pessoas a óbito. O atraso no reconhecimento da eficácia da estreptoquinase, decorrente de uma limitação ao que era estabelecido nos ECRs, “demonstra como meta-análises, um método crítico para a lógica das PBEs, sintetizam evidências de um modo que pode informar a medicina e salvar vidas, e que é superior a simplesmente olhar para os resultados de ensaios clínicos individuais” (Wampold & Bhati, 2004, p. 564). Nessa leitura das PBEs, a diversidade metodológica (e especialmente a adoção de métodos meta-analíticos) desempenha um papel central. O movimento da PBEs “enfatiza 140 revisões sistemáticas e analíticas de evidências e um exame da prática à luz dos resultados dessas revisões” (Wampold & Bhati, p. 564). Wampold e Bhati informam ainda que, na Grã-Bretanha, a extensão do movimento das PBEs para o campo da saúde mental foi consolidada com a criação, em 1998, do periódico Evidence Based Mental Health, publicado conjuntamente pelo BMJ Publishing Group, Royal College of Psychiatrits, British Psychological Society e Royal College of Nursing. Para além de visões restritas (limitadas aos TESs) ou abrangentes (que reconhecem o mérito de outros estudos sobre a psicoterapia) das práticas baseadas em evidências, uma terceira perspectiva é encontrada na proposição de Levant (2004) de que a noção deva incluir a experiência clínica e os valores dos pacientes. Em outras palavras, saberes diversos daqueles produzidos sob preceitos de diferentes referências metodológicas seriam também a base para a atribuição da avaliação “baseada em evidência” a uma dada prática psicoterápica. A proposição de Levant, intensamente criticada por Beutler (2004), como se verá adiante, seria inspirada em uma referência da medicina: Eu sugiro que, como profissão, consideremos o uso da definição ampla e inclusiva de prática baseada em evidência, recentemente adotada pelo Instituto de Medicina: “Prática baseada em evidência é a integração da melhor evidência de pesquisa com a destreza clínica e os valores do paciente. A melhor evidência de pesquisa refere-se à pesquisa clinicamente relevante, geralmente das ciências básicas médicas e da saúde, mas especialmente da pesquisa clínica centrada no paciente, sobre a precisão de testes diagnósticos (incluindo o exame clínico), a força de marcadores de prognóstico e a 141 eficácia e segurança de regimes terapêuticos, de reabilitação e preventivos. Destreza clínica significa a habilidade para usar habilidades clínicas e a experiência passada para identificar rapidamente o diagnóstico e o estado de saúde único de cada paciente, os riscos individuais e os benefícios de intervenções potenciais, além de valores pessoais e expectativas. Os valores do paciente referem-se às preferências únicas, preocupações e expectativas que cada paciente traz para um encontro clínico e que devem ser integrados em decisões clínicas se for para servirem ao paciente (Levant, 2004, p. 223). A idéia de valorizar a experiência prática do terapeuta de algum modo está contida na visão mais abrangente de Messer (2004) para a noção de práticas baseadas em evidências, embora não se apresente como uma proposição que considera o saber não científico como referência para atribuição a uma prática do status de baseada em evidências (mas que inclui saberes científicos diversos sobre variáveis como o próprio manejo terapêutico). Mais do que isso, na análise de Messer não se encontra algo que Beutler (2004) apontará como problemático na argumentação de Levant (2004), o aprofundamento de uma visão dicotomizada de ciência e prática. A análise de Beutler merece uma apreciação mais detalhada. Segundo ele, a recomendação de Levant é de que ampliemos a base da sustentação da ciência “apenas” (alguma vez foi?) para uma combinação de “evidência de pesquisa, destreza clínica e valores de pacientes” (p. 223). Ele concederia ao julgamento clínico e aos valores do paciente o mesmo grau e nível de credibilidade e reconhecida validade dos achados da pesquisa controlada. Afirmar que o “julgamento clínico” é equivalente aos achados da pesquisa controlada quando tratamos de uma “pessoa única” é uma boa tirada, mas é também uma receita para 142 problemas. O fato simples é que o julgamento clínico não é uniforme entre os clínicos e está carregado de erros – a maioria deles cometidos porque somos simplesmente humanos (Garb, 1998) (p. 227). Aferir a verdade independentemente da influência desses erros humanos de julgamento e crença constitui precisamente a razão pela qual foi desenvolvido o método científico em primeiro lugar. Agora, Levant espera que decidamos o que é verdadeiro e efetivo com base na sinceridade e boa vontade (p. 227). Ao reagir às proposições de Levant (2004), Beutler (2004) não pretende defender a suficiência dos estudos com delineamento de ECRs: “Eu reconheço que alguns estudos iniciais utilizando o delineamento de ECRs falharam na abordagem do problema da representatividade da amostra” (Beutler, p. 227). No que concerne aos limites daqueles estudos, Beutler tenderá a concordar com as observações de Levant: Acredito que Levant está parcialmente correto em sua acusação dos ensaios clínicos randomizados (ECRs) como padrão na pesquisa. O valor [dos ECRs] também foi sobreenfatizado por agências de apoio, que favoreceram essa metodologia ao definirem quais estudos serão financiados. Os métodos de ECRs estão baseados no uso de tratamentos altamente estruturados, populações cuidadosamente selecionadas, mas randomicamente designadas e resultados cuidadosamente inspecionados para chegar aos resultados (Beutler, 2004, p. 228). Beutler (2004) também concorda com a idéia de que, no dia-a-dia do praticante de psicoterapia, o saber científico é complementado pela experiência. Segundo ele, “na ausência de dados científicos sobre um assunto (e Levant está correto quanto ao fato de 143 que ainda falta muito), um bom clínico deve e pode basear-se em sua destreza e julgamento. Isso é apropriado” (p. 227). Entretanto, para Beutler, o suporte básico e fundamental da prática clínica deve ser aquele sobre o qual está estabelecida sua validade, ou seja, o conhecimento cientifico. O saber baseado na experiência e apreciações pessoais, sendo mais sujeito a incorreções, pode apenas complementar o saber científico frente aos limites desse. Na outra direção, quando a pesquisa está ou torna-se disponível, é bom que o “julgamento” mude para acomodá-la. Embora o julgamento informe sobre direções para a pesquisa, ele não substitui e não pode substituir o controle e a precisão que podem ser alcançados por meio dos sólidos métodos de pesquisa. Somos melhores clínicos se nos lembramos que somos, por natureza, instrumentos de medida propensos ao erro. Um bom clínico deve saber quando está indo além dos dados e fazendo uma conjectura instruída, e deveria trabalhar para estar inteiramente ciente da vulnerabilidade ao erro que isso implica. Não devemos vir a acreditar que nossas observações não controladas, mas bem intencionadas, são tão boas quanto a medição sistemática (pp. 227-228). Ainda discutindo o alcance do método de ECRs, Beutler (2004) argumenta que a decisão de ordem metodológica é regulada pelo tipo de pergunta que se faz. Os ECRs são apropriados diante de um tipo específico de pergunta, porém limitados diante de outros. Os métodos de pesquisa decorrem das perguntas colocadas para aquela pesquisa. Quando perguntamos “Que tratamento funciona?”, nos confinamos a uma consideração dos procedimentos formais de tratamento disponíveis. O uso de um delineamento de ensaio clínico randomizado é 144 natural para responder esta questão (p. 228). Mas esta não é a questão de interesse supremo para os clínicos. Os clínicos prefeririam saber “O que posso fazer, dadas minhas próprias forças e fraquezas, para ajudar este paciente, com este problema, neste momento?” Essa questão muda naturalmente o foco da investigação, dos procedimentos formais de tratamento para todo o conjunto de influências disponíveis ao terapeuta. Essas influências incluem aspectos do próprio terapeuta, a personalidade do paciente, o contexto de tratamento e de vida, o problema e as qualidades da relação terapêutica. De fato, qualquer aspecto do tratamento que possa beneficiar o paciente está agora aberto a considerações e, com isso, a natureza dos métodos de pesquisa usados para responder esta pergunta estende-se para além dos ensaios clínicos randomizados (p. 228). Em acordo com o que foi mencionado anteriormente acerca de uma concepção mais abrangente de práticas baseadas em evidências, Beutler (2004) sustenta que diante de perguntas diversas sobre a intervenção em psicoterapia, a investigação empírica pode e deve se valer de recursos metodológicos diversos. Para ele, a pesquisa relatada por Norcross (2002), sobre variáveis da relação terapêutica, exemplifica a investigação empírica que se serve de outros métodos, adequados a perguntas que não são as mesmas dos ECRs. A resposta de Norcross (2002) para a Força Tarefa original da Divisão 12 demonstrou a flexibilidade do método científico e sua aplicabilidade ao estudo de muitas variáveis e conceitos para além dos modelos formais de tratamento. A Força Tarefa de Norcross da Divisão 29 alcançou resultados diferentes daqueles da Divisão 12, não porque discordavam sobre a natureza 145 da ciência, mas porque fizeram uma pergunta diferente, para a qual estava disponível um tipo diferente de metodologia de pesquisa científica. Mas será que um tipo de delineamento de pesquisa é empírico e o outro não? Não, certamente não. Não é necessário dissolver o método científico para considerar-se um amplo conjunto de fatores do tratamento. Precisa-se apenas estar certo de que o método usado é relevante para a questão perguntada (Beutler, 2004, p. 228) Assim, Beutler (2004) dissocia explicitamente a noção de achados empíricos (o que, então, pode ser considerar como válido também para a noção de “baseado em evidências”) do método de ECRs: que eu saiba, ninguém jamais sugeriu que [o ECR] é a única metodologia que produz achados “empíricos”, e certamente não é o único método usado rotineiramente pela ciência e pelos cientistas. A tendência de Levant (e outros) de igualar “suporte empírico” com os métodos usados para produzilo preserva a dicotomia artificial entre ciência e prática que fragmenta o nosso campo (p. 228). Finalmente, Beutler (2004) entende que o discurso de Levant (2004) contraria uma perspectiva mais desejada de integração entre ciência e prática em psicoterapia: Dividir o mundo em dois campos simples, como fizeram McFall em nome dos cientistas, e Levant em nome dos praticantes, supersimplifica um problema complexo: força-nos a escolher – você é a favor da ciência ou da prática? – e não ajuda em nada a resolver o problema de colocar os dois juntos (p. 226). É razoável supor que a exposição do ponto de vista de Levant (2004) e dos 146 detalhes da oposição a ele dirigida por Beutler (2004) têm razões relacionadas ao papel de ambos no contexto contemporâneo de exercício da profissão de psicólogo nos Estados Unidos. Levant é o atual presidente da American Psychological Association (APA), para um mandato de janeiro a dezembro de 200554. Considerando-se o papel da APA na produção de conhecimento em psicologia no cenário contemporâneo, as posições de Levant, como presidente, assumem enorme importância. Beutler foi presidente das Divisões 12 (Psicologia Clínica) e 29 (Psicoterapia) da APA e presidente da Sociedade de Pesquisa em Psicoterapia (Society for Psychotherapy Research – International). Além disso, Beutler participou das principais Forças Tarefas da APA relacionadas à avaliação das psicoterapias, relatadas no presente estudo: a Força Tarefa da Divisão 12, sobre “Promoção e Disseminação de Procedimentos Psicológicos” (cf. Chambless & Hollon, 1998), a Força Tarefa da Divisão 29, sobre “Relações Terapêuticas Empiricamente Sustentadas” (cf. Norcross, 2002) e a Força Tarefa Conjunta da Divisão 12 e da Sociedade Norte-Americana para a Pesquisa em Psicoterapia (presidida por Castonguay), para a “Identificação de Princípíos de Mudança Terapêutica” (cf. Beutler, 2002a; Castonguay & Beutler, in press). Beutler também concorreu com Levant à presidência da APA, em 2003. A derrota para Levant pode explicar parcialmente a contundência das críticas de Beutler. No entanto, é necessário considerar que Beutler (2004) fala com conhecimento de causa ao discutir o problema das relações entre ciência e prática, em vista de sua dedicação à pesquisa nessa área. É também relevante mencionar um fato relatado por Beutler (2004): seu artigo era originalmente um contraponto, elaborado a convite, a um texto que Levant 54 A eleição de Levant aconteceu em 2003. Em 2004, ele cumpriu o mandato de presidente eleito da APA. Em 1º de janeiro de 2005 foi iniciado seu mandato como Presidente. 147 havia submetido para publicação na newsletter da Missouri State Psychological Association. Naquela ocasião, tendo sido informado do comentário de Beutler, Levant teria cancelado a submissão de seu artigo. As avaliações anteriores são ilustrativas da etapa em que se encontra o debate sobre a fundamentação científica das intervenções em psicoterapia e das perspectivas dominantes nesse contexto. 2.7. OS MANUAIS NA ERA DAS PBES As limitações, dificuldades, ou preocupações relacionadas à incorporação dos tratamentos padronizados na rotina dos praticantes de psicoterapia, abordadas ao longo deste capítulo, manifestam-se sob a forma da não adesão. Em parte, como salientado antes, o aspecto financeiro destaca-se como principal fonte dos conflitos em torno dos manuais: “as reações psicológicas dos clínicos à idéia de tratamentos baseados em manuais são tanto ou mais uma função de interações estressantes e combativas com os terceiros pagadores, do que dos méritos desses tratamentos, tal como debatidos por pesquisadores acadêmicos” (Addis, Wade & Hatgis, 1999, p. 431). Todavia, como fica evidenciado no próprio debate sobre PBEs, vai ganhando corpo a idéia de que uma conseqüência crucial da interveniência do fator financeiro associado à adoção do modelo médico na pesquisa é a pouca atenção dirigida nos manuais aos fatores comuns das psicoterapias. Quanto à relação entre o aspecto financeiro e a consideração dos fatores comuns nas psicoterapias, é necessário observar que o sistema de atenção gerenciada não tem compromissos de caráter teórico-epistemológico (ou ideológico) com qualquer lado do debate sobre resultados das psicoterapias, mas com as possibilidades de apropriação dos 148 estudos em favor de intervenções mais eficientes e de menor custo. Desse ponto de vista, a ação do sistema pode ser muito mais flexível do que se considera à primeira vista. Como lembram Rounsaville e Carroll (2002), “se as terapias têm uma eficácia equivalente, então seria totalmente justificável oferecer o tratamento de menor custo. A psicoterapia deveria ser oferecida pelos praticantes com formação menos avançada e remuneração mais baixa, e com os tratamentos mais breves que tenham se mostrado eficazes” (p. 17) 55. No que concerne à adesão dos terapeutas aos manuais, é importante notar que mesmo na pesquisa sobre os TEVs se estabelecem controvérsias sobre a relação entre adesão ao manual e resultados do tratamento (cf. Addis & cols., 1999; Castonguay, Goldfried, Wiser, Raue & Hayes, 1996; Goldfried, 1999; Nathan, Stuart & Dolan, 2000; Wampold & Bahti, 2004). Há indicações de que “a adesão rígida a um protocolo sob condições de tensão na relação terapêutica está associada com resultados piores na terapia cognitivo comportamental para a depressão” (Addis & cols., 1999, p. 432); ou, ainda, “tem sido notado na terapia psicodinâmica ... e na terapia cognitiva que a adesão excessivamente rígida ao manual pode levar a resultados menos favoráveis” (Goldfried, 1999, p. 463). Mais recentemente, Wampold e Bahti também assinalaram que a “adesão a um protocolo não parece estar relacionada a melhores resultados; de fato, a adesão estrita parece alimentar-se de um prejuízo na aliança e produz resultados piores” (p. 566). Estudos correlacionais também sugerem que nem sempre a adesão ao manual pelo terapeuta está associada ao sucesso do tratamento: A adesão do terapeuta aos manuais mostrou-se apenas variavelmente 55 Como Beutler (2002b) assinala, há uma grande distinção entre a eficácia de fatores comuns e a equivalência entre abordagens psicoterápicas, mas em certas circunstâncias (ou constrangimentos financeiros) isso pode vir a ser apenas uma sutileza”dispensável” para o sistema de atenção gerenciada. 149 associada com os resultados – algumas vezes positivamente correlacionada, algumas vezes negativamente, e algumas vezes não se mostrou relacionada de nenhum modo (e.g., Castonguay, Goldfried, Wiser, Raue, & Hayes, 1996; Feeley, DeRubeis, & Gelfand, 1999; Henry, Strupp, Butler, Schacht, & Binder, 1993; Jones & Pulos, 1993 ) – e as análises correlacionais algumas vezes identificaram ligações importantes, mas inesperadas, entre processo e resultado, como o achado de que o foco em questões parentais pode estar associado com resultado positivo na terapia cognitiva para a depressão (Hayes, Castonguay, & Goldfried, 1996) (Westen & cols., 2004, p. 639). Se na pesquisa controlada, a adesão plena não é garantida e, quando acontece, pode inclusive produzir resultados mais pobres, muito menos na prática dos profissionais da psicoterapia se encontrará uma adesão consistente aos manuais. De um lado, porque a “adesão a um manual é um conceito freqüentemente novo para os clínicos que estão acostumados a uma grande amplitude na maneira como oferecem a terapia” (Stirman & cols., 2004, p. 352). De outro, porque a produção científica sobre resultados da psicoterapia ainda não se tornou persuasiva frente à realidade com a qual lidam rotineiramente os psicoterapeutas, ou ainda não foi suficientemente esclarecida a essa população (cf. Addis & Krasnow, 2000). A idéia de integrar cientistas e praticantes da psicologia clínica remonta, pelo menos, à conferência de Boulder, em 1949 (cf. Hayes, Barlow & Nelson-Gray, 1999). No entanto, Addis e cols. (1999) assinalam que “o casamento da ciência com a prática sempre foi problemático” (p. 430). Nesse contexto, as controvérsias encontradas no debate sobre o alcance e o lugar dos manuais nos tratamentos psicoterápicos seriam uma expressão contemporânea de um 150 tensionamento que nunca chegou a ser inteiramente equacionado. Desde um momento inicial da pesquisa com tratamentos padronizados, nota-se um reconhecimento de que variáveis importantes do processo terapêutico estavam sendo ignoradas: parece justificado concluir que o que é apresentado em um manual pode não representar completamente as qualidades encontradas nos representantes de uma dada abordagem terapêutica. Além disso, as qualidades não descritas explicitamente em um manual podem vir a ser as mais cruciais para o sucesso da terapia (Luborsky & DeRubeis, 1984, p. 10). Esse tipo de reconhecimento por pesquisadores que são também praticantes da psicoterapia resulta numa espécie de “ambivalência” frente aos tratamentos padronizados, uma vez que compartilham um compromisso com a fundamentação científica das práticas profissionais na psicologia, ao mesmo tempo em que testemunham que a ciência não está apta a dar sustentação plena a suas intervenções. Goldfried (1999) descreve esse estado afirmando: Como alguém que tem passado a carreira profissional envolvido com a pesquisa da psicoterapia e com a prática clínica, tenho uma reação decididamente ambivalente frente à tendência para especificar terapias empiricamente sustentadas. Como pesquisador, acredito firmemente que é essencial à prática da psicoterapia ter uma base empírica. Além disso, como terapeuta praticante que às vezes trata pacientes que antes desperdiçaram tempo e dinheiro com intervenções inapropriadas e inefetivas, está claro para mim que a prática clínica necessita ser atualizada à luz de certas 151 mudanças importantes no campo56. Por outro lado, tenho estado envolvido de perto com a pesquisa e a prática da psicoterapia o suficiente para saber que a primeira nem sempre reflete fielmente o que se passa no mundo real (p. 462). Muitas vezes, o modo de equacionar as restrições aos manuais vem sob a forma de propostas que podem apenas provocar reações mais negativas. Por exemplo, para lidar com clientes que apresentam comorbidade, há quem sugira usar seqüencialmente vários manuais (cf. Westen & cols., 2004). Predominantemente, porém, a literatura contemporânea tem enfatizado a necessidade de os tratamentos contemplarem a atenção à relação terapêutica, uma dimensão que para muitas abordagens teórico-metodológicas tem papel central no processo psicoterápico. Castonguay e cols. (1999) sugerem que o “conhecimento empírico atual aponta para a importância de monitorar a relação terapêutica e sugere que os terapeutas apliquem o protocolo sustentado de terapia cognitivo-comportamental57, mas apenas se não surgirem problemas maiores na aliança” (p. 453). Sua argumentação vai na direção de conferir aos manuais um papel de referência parcial para a intervenção, que deve também se pautar pela experiência do terapeuta. Segundo Castonguay e cols., 56 Chambless (2002) relata o mesmo tipo de constatação sobre prejuízos causados a clientes que frequentaram tratamentos ineficazes. Em um tom de desabafo afirma: “Eu passei quase trinta anos me especializando no tratamento de pessoas com transtorno de ansiedade severa. A maioria das pessoas que eu vejo tiveram extenso tratamento anterior em terapia e muito freqüentemente, apesar da falta de resposta ao tratamento, informam nunca terem sido encaminhadas para a terapia comportamental, mas chegaram a isso por conta própria, lendo artigos na imprensa popular e coisas do tipo. Muitos desses pacientes relataram que mencionaram seu descontentamento com o progresso na terapia e indagaram sobre tratamentos cognitivos ou comportamentais, mas ouviram que estavam resistindo à mudança, não se esforçando, e assim por diante. Mais triste ainda do que isso são os pacientes que foram afinal encaminhados por seus terapeutas, mas apenas após exaurirem sua cobertura de seguro e suas economias. A maioria (cerca de 70%) respondeu à terapia comportamental apropriada para seus problemas, mas os anos perdidos de suas vidas não puderam ser recuperados. Nessas horas, sinto-me profundamente angustiada com o estado de minha profissão” (p. 13). 57 Observe-se, aqui, o conceito de “protocolo” utilizado como sinônimo de manual. 152 os manuais de tratamento são necessários, mas não constituem uma heurística suficiente para a prescrição de tratamento. Os terapeutas sempre terão que se basear em outros domínios de informação. Uma maneira de atenuar a controvérsia atual ... é partir da lista atual de TESs e gradualmente aumentar nossa habilidade para tomar decisões de tratamento precisas, integrando sistematicamente o conhecimento empírico e clínico existente (p. 452). Em uma outra direção, Castonguay e cols. (1999) acreditam que os próprios manuais podem passar a incorporar aspectos relacionados à relação terapêutica, do cliente, ou do próprio terapeuta. Podem ser elaborados manuais de tratamento que abordem fatores de risco subjacentes, no lugar de, ou em acréscimo a, sintomas. Além disso, os manuais futuros poderiam (e deveriam) abordar um número de dificuldades ou obstáculos conhecidos que confrontam os clínicos, como o trabalho com clientes hostis, indivíduos que são incapazes de controlar padrões autodestrutivos, clientes que tendem a não aceitar responsabilidade pessoal e/ou o impacto de suas ações sober outros, ou pacientes crônicos previamente resistentes a mudança. Como uma comunidade de pesquisadores e clínicos, não vemos nenhuma razão para não investir o tempo e a energia necessários para desenvolver e testar manuais planejados para abordar essas realidades clínicas desafiadoras (p. 451). As gerações futuras dos manuais fornecerão diretrizes claras para que os terapeutas elaborem a formulação de caso individualizado e planos de tratamento, além de ajudá-los a tornarem-se cientes e a resolverem padrões 153 negativos de interação na terapia. Em vez de impor roteiros a priori, esses manuais podem também treinar os terapeutas para prestarem atenção à experiência do cliente momento a momento e para manterem uma flexibilidade técnica no interior de uma estrutura conceitualmente relevante (em outras palavras, a exercitar a liberdade com restrição) (p. 451). O que Castonguay e cols. (1999) sinalizam como uma possibilidade aproxima-se de uma incorporação pelos manuais daquilo que Constonguay e Beutler (in press) descrevem como princípios da mudança terapêutica. Essa é uma possibilidade que conflita com a lógica dos estudos de eficácia da psicoterapia, importada das investigações sobre a eficácia de fármacos. Reações a tal mudança são encontradas na própria literatura sobre os resultados da psicoterapia. A extensão com que um tratamento requer um clínico competente em tomar decisões, que deve decidir como e onde intervir com base em princípios (mesmo princípios cuidadosamente delineados em um manual) é a mesma extensão com que aquele tratamento não poderá vir a ficar sob controle experimental no laboratório (Westen & cols., 2004, p. 638). Na ótica de Westen e cols. (2004), à pesquisa sobre resultados da psicoterapia somente interessarão manuais do tipo atualmente encontrados. O leitor pode argumentar que a padronização é um constructo amplo e que está passando atualmente por considerável discussão e revisão (ver e.g., Carroll & Nuro, 2002). No entanto, ... a lógica da metodologia dos TESs requer uma forma e um uso muito particulares da padronização, uma lógica que muitos de seus partidários podem rejeitar explicitamente. Na medida em que a metodologia do ECRs se metamorfoseou em uma metodologia de 154 TESs, ocorreu uma mudança de uma concepção de manipulações experimentais como exemplares de constructos específicos, para uma concepção de condições experimentais como constitutivas desses constructos (Westen & cols., p. 638). A proposta de Castonguay e cols. (1999) reconhece-se em conflito com as exigências estabelecida na pesquisa sobre resultados da psicoterapia e traz consigo duas outras novidades. A primeira, metodológica, revê o compromisso com o DSM-IV como referência única para o diagnóstico clínico: Sugerimos que o desenvolvimento de manuais de tratamento empiricamente baseados para apresentações de clientes menos investigadas ou mais complexas permanece aberto a propostas de refinamentos do sistema diagnóstico atual. Um exemplo dessa linha de trabalho é a de Benjamin (1996), que acrescentou modificadores interpessoais às categorias do Eixo II do DSM, baseada em sua teoria interpessoal e em sua pesquisa dos transtornos de personalidade (Castonguay & cols., pp. 451-452). A segunda novidade consiste da proposição, ou “apelo” por uma nova força tarefa e um “desejo” por uma nova fonte de financiamento da pesquisa: as empresas do sistema de atenção gerenciada (cf. Castonguay & cols, 1999). Partindo da idéia de que a solução dos problemas estabelecidos pela inconsistência das funções dos manuais vai requerer que clínicos e pesquisadores desenvolvam “maneiras criativas, quando não paradoxais, de trabalhar com os terceiros pagadores” (p. 450), Castonguay e cols. imaginam que as empresas poderão ser convencidas a financiar os novos estudos porque eles representariam um ganho a longo prazo: “a terapia mais efetiva ... impactaria diretamente o custo a longo prazo” (p. 453). Mais do que um desejo, trata-se de uma 155 esperança, que pode esbarrar na realidade de que as seguradoras nem sempre estão dispostas a operar com projeções de longo prazo, ignorando pressões financeiras mais imediatas. De todo modo, a proposta de uma aproximação com as seguradoras é também compartilhada por Addis e cols (1999). A força tarefa sugerida por Castonguay e cols. (1999) seria integrada por “terapeutas de tempo integral, pesquisadores clinicamente sofisticados e representantes dos terceiros pagadores” (p. 452). No que concerne à participação dos praticantes da psicoterapia na força tarefa, a sugestão é consistente com as preocupações de Goldfried (1999) e, mais recentemente, com a proposição de Stirman e cols. (2004). Segundo esses autores, precisamos fazer algumas tentativas de chegar a um consenso. Fazendo isso, porém, acredito ser essencial envolver um esforço colaborativo entre pesquisador e clínico. Que uma colaboração dessa é possível pode-se ver pelo trabalho de Sobber (1996), no qual os clínicos e pesquisadores trabalharam juntos no desenvolvimento de um protocolo de intervenção para o tratamento de comportamentos aditivos. Também pode ser vividamente ilustrada pela rede prática-pesquisa desenvolvida por Borkovec e Miranda (1996), na qual os terapeutas colaboram com pesquisadores no estudo do que realmente acontece na prática clínica (Goldfried, 1999, p. 466). As preocupações dos clínicos podem ser ouvidas e abordadas convidando-os a participar nos estágios de planejamento do esforço para a disseminação, e usando sua experiência e compreensão das necessidades de sua clientela para modificar o manual de tratamento para permitir a adesão mais flexível aos protocolos (Stirman & cols., 2004, p. 352). 156 Ainda com respeito à força tarefa proposta por Castonguay e cols. (1999), seus objetivos podem ser vistos como ao mesmo tempo ambiciosos e sintonizados com o debate mais recente sobre tratamentos padronizados e os pontos de vista dos diferentes interlocutores que dele participam. São três os objetivos: Um dos objetivos seria alcançar um consenso com respeito à “primeira linha de ataque” quando se trabalhar com problemas clínicos específicos ... Especificamente, a força tarefa determinaria as condições sob as quais devese usar protocolos de tratamento previamente sustentados em estudos controlados de resultados (p. 453). O segundo objetivo … seria gerar diretrizes práticas, acima e para além da primeira linha de ataque ... Com base na pesquisa do processo e na experiência clínica, uma série de estratégias poderia ser sugerida como possível maneira de abordar obstáculos conhecidos à melhora do cliente (p. 453). O terceiro objetivo da força tarefa seria gerar recomendações para estudos de processo e resultados e facilitar a implementação de projetos de pesquisa em ambientes naturalísticos ... um papel crucial da força tarefa (e da comunidade de psicoterapeutas como um todo) será convencer os terceiros pagadores a sustentar financeiramente essa pesquisa aplicada ... os terceiros pagadores poderiam fornecer o suporte financeiro a redes de clínicos interessados em conduzir pesquisa como parte de suas atividades profissionais cotidianas. Uma rede desse tipo, envolvendo mais de 200 clínicos, foi criada recentemente pela Associação de Psicologia da Pennsylvania [Pennsylvania Psychological Association] (p. 453). 157 Considerando-se o que foi exposto até aqui, em adição aos pontos enumerados ao final do Capítulo I, pode-se dizer que de um ponto de vista mais analítico o processo de desenvolvimento e uso dos manuais na pesquisa e na prática da psicoterapia é marcado pelos seguintes aspectos: 8) Embora não fosse expectativa da APA de que as listas de TEVs resultantes da Força Tarefa de sua Divisão 12 viessem a ser usadas como critério para reembolso de serviços profissionais, é inegável que a própria iniciativa da APA foi motivada pela ação do sistema de atenção gerenciada e constituiu uma tentativa de antecipar-se a medidas mais intromissoras desse sistema na direção de uma regulação do trabalho profissional na área da psicoterapia. Desse ponto de vista, não é possível dissociar a padronização dos tratamentos de sua apropriação pelo sistema de atenção gerenciada e das pressões que isso representou sobre profissionais. Para estes, os motivos para aderir aos manuais e as condições sob as quais isso seria possível tornaram-se outros, que não aqueles de uma consistência ou recomendação teórico-metodológica (muito menos tratava-se simplesmente de realizar um compromisso de pautar a prática pela produção científica atualizada). 9) Uma maior atenção aos fatores comuns pode ser também apropriada pelo sistema de atenção gerenciada. Uma vez enfatizados esses fatores, a prescrição dos tratamentos pode vir a ignorar o que estabelecem os estudos de eficácia sobre o valor diferencial dos tratamentos e basear-se simplesmente na duração ou custo. Mesmo nesse contexto, os manuais possivelmente desempenhariam um papel muito importante, na medida em que constituiriam uma referência para a duração. 10) A adesão aos TEVs pelo sistema de atenção gerenciada pode estar menos regulada por um compromisso com a especifidade dos tratamentos, do que por uma satisfação 158 com o que implicam em termos de uma restrição à duração e redução de custos. 11) Tanto a Força Tarefa da Divisão 29 da APA, quanto a Força Tarefa Conjunta da Divisão 12 com a Sociedade Norte-Americana para a Pesquisa em Psicoterapia resultaram em produtos relevantes para a intervenção terapêutica e compatíveis com o uso de manuais - apenas se o uso destes for considerado sob uma perspectiva de flexibilidade. Neste caso, falar em manuais não será estritamente a mesma coisa que falar em tratamento padronizado, tal como este último conceito tem sido entendido. É necessário, ainda, forjar uma perspectiva interpretativa para a intervenção que se serve de manuais em diferentes graus e que assim não se configura como tratamento padronizado (nem simplesmente individualizado). Soluções nessa direção não necessariamente dependem da incorporação de fatores comuns aos manuais, mas talvez apenas de uma nova definição das funções e contexto de uso dos manuais. 12) Algumas soluções elaboradas na literatura mais recente para a controvérsia sobre o uso de manuais e, especialmente, para a reconhecida não adesão dos praticantes de psicoterapia aos manuais que constituem os TEVs preservam a lógica subjacente aos TEVs e a eles pretendem apenas adicionar (consistentemente ou não) elementos (fatores comuns) que vêm recebendo atenção crescente em virtude dos trabalhos da Força Tarefa da Divisão 29 da APA e da Força Tarefa Conjunta da Divisão 12 com a Sociedade Norte-Americana para a Pesquisa em Psicoterapia. Não está claro que essas soluções envolvam uma apreciação suficientemente crítica dos TEVs, em que pese a contribuição que representam. 13) A perspectiva contemporânea de olhar para a vinculação da atividade psicoterápica à luz do conceito de PBEs alarga o debate sobre as condições de oferta de serviços psicoterápicos e suas relações com a investigação científica. Nesse contexto, novas 159 lógicas e compromissos podem ser formulados, alguns deles possivelmente conflitantes com os interesses do sistema de atenção gerenciada. A possibilidade de novas lógicas ou compromissos serem assimilados pela atenção gerenciada dependerá em grande medida de o sistema poder tomar decisões não reguladas por interesses financeiros imediatos, mas também pela capacidade de o sistema estar submetido a regulações públicas orientadas por interesses não financeiros. 14) Nenhuma das críticas mencionadas (nos parágrafos acima) à estrutura, função ou contexto de uso dos manuais implica afastar-se de um compromisso com a regulação da prática psicoterápica pela produção científica. Os aspectos aqui mencionados serão discutidos no capítulo seguinte, tomando como referências duas questões: (a) as soluções contemporaneamente formuladas para o uso dos manuais na pesquisa e na prática da psicoterapia e (b) as possibilidades de interpretação de diferentes aspectos dessa problemática à luz da perspectiva teóricometodológica da análise do comportamento. 160 CAPÍTULO 3 TERAPIA (ANALÍTICO-)COMPORTAMENTAL E A PADRONIZAÇÃO DOS TRATAMENTOS Assim como a psicologia clínica, a terapia comportamental contemporânea não é um conjunto de idéias homogêneo (O'Donohue & Krasner, 1997; Forsyth, 1997; Forsyth & Hawkins, 1997; Forsyth, Kollins, Palav, Duff & Maher, 1999; Hawkins, 1997). Embora sua origem esteja ligada às contribuições de Wolpe e Skinner (basicamente, aos trabalhos de inibição recíproca e dessensibilização sistemática do primeiro e do comportamento operante e análise aplicada do comportamento do segundo), tendências outras foram sendo incorporadas ao longo do seu desenvolvimento (O'Donohue & Krasner, 1997). A despeito da diversidade que a caracteriza, a terapia comportamental foi interpretada historicamente como um movimento, a enfant terrible que propunha mudanças na ordem estabelecida (O'Donohue & Krasner, 1997). Mas havia o que oferecer além da crítica: “taxonomias substitutivas, métodos de medição, métodos terapêuticos, padrões de evidência, métodos de pesquisa, teorias sobre as causas dos problemas psicológicos e assim por diante” (O'Donohue & Krasner, 1997, p.XIV), o que não impediu que o movimento fosse, de algum modo, avaliado como superficial (O'Donohue & Krasner, 1997). No entanto, o compromisso com a ciência básica do comportamento, com o empirismo e com a objetividade, entre outros elementos, garantiu à terapia comportamental um lugar diferenciado no contexto mais geral da psicologia (Forsyth & cols., 1999). A expansão da tecnologia clínica e o investimento em metodologias para avaliar 161 a efetividade das novas técnicas exigiram uma tomada de posição com repercussões no perfil da terapia comportamental. Enquanto a década de 60 apresentava um perfil generalista, os anos 90 indicavam a necessidade de especialização do terapeuta (Peterson, 1994). A participação da atenção gerenciada nesse processo de mudança já aparece sinalizada na forma de uma advertência explícita aos terapeutas comportamentais: “O sistema de atenção gerenciada e outras demandas futuras no tratamento da saúde mental imporão aos praticantes selecionar intervenções empiricamente documentadas e de duração limitada" (Peterson, 1994, p. 521). O volume cada vez maior de estudos direcionados a problemáticas específicas pode ser interpretado como uma manifestação da adoção dessa nova perspectiva em favor da especialização do terapeuta. Por ocasião dos trinta anos de sua fundação, a Association for Advancement of Behavior Therapy, AABT fez publicar na Behavior Therapy - um periódico patrocinado por aquela entidade - uma série especial (1997, vol. 28 (3) (4)) assinada por representantes de três gerações de terapeutas comportamentais. Em geral, os autores evidenciaram uma preocupação com a perda de integridade da "ciência comportamental" e com o distanciamento das bases teóricas e filosóficas da terapia comportamental. A falta de compromisso com a integridade do campo estaria refletida, por exemplo, em mudanças na forma de orientar a avaliação e o tratamento, originalmente pautados por um modelo idiográfico (cf. Forsyth & Hawkins, 1997). A reação dos terapeutas comportamentais à perda de identidade do movimento não tem se expressado de maneira homogênea (e.g. Ellis, 1997; Forsyth, 1997; Hawkins, 1997; Wolpe, 1997). Alguns autores (e.g. Dougher, 1993) têm referido sinais de incompatibilidade da literatura mais geral da terapia comportamental com a análise 162 do comportamento no que diz respeito aos aspectos filosófico, conceitual e metodológico. O descontentamento de alguns parece ter relação especialmente com a confusão na designação de conjuntos de práticas não-behavioristas radicais com terapia comportamental e com a ausência de critérios mais explícitos para definir as fronteiras entre essas práticas. Face à diversidade daquilo que hoje se denomina terapia comportamental, e tendo em vista os objetivos e o contexto teórico do presente trabalho, será necessário diferenciar na discussão dos tratamentos padronizados aquilo que pode ser tratado como um modelo psicoterápico consistente com os princípios e supostos filosóficos da análise do comportamento, aqui denominado de terapia analítico-comportamental (ou suas designações alternativas), daquele outro conjunto heterogêneo de proposições e práticas designadas por terapia comportamental. Ao lado de alguns aspectos definidos como próprios do campo mais amplo da terapia comportamental, serão apontados desdobramentos do debate sobre a padronização dos tratamentos de um ponto de vista consistente com a terapia analítico-comportamental. Um esclarecimento preliminar sobre o uso do conceito de “terapia analíticocomportamental” (Cavalcante, 1999; Gimenes, 2000; Tourinho & Cavalcante, 2001; Vasconcelos, 2001, 2003) é necessário. Várias expressões, além da “terapia comportamental” e “terapia analítico-comportamental” têm sido empregadas para designar a terapia baseada nos princípios e nos conceitos da análise do comportamento, no Brasil (e.g., “terapia por contingências” - Guilhardi, 2004; “análise do comportamento aplicada à clínica” – Nolasco, 2002; “psicoterapia externalista” – Abreu-Rodrigues e Sanabio, 2001; intervenção clínica comportamental – Silvares, 163 2002)58 e nos Estados Unidos (e.g., “análise clínica do comportamento” - Dougher, 1993, 1994a; Dougher & Hackbert, 1994; Follette, Bach & Follette, 1993; Hayes & Wilson, 1993, 1994; Hawkins, 1995; Kohlenberg & cols., 1993; Kohlenberg & Tsai, 1994). Essa diversidade de designações tem, inclusive, sido objeto de discussão (cf. Nolasco, 2002)59. Como não há um consenso sobre a melhor designação, e como foge ao objetivo deste trabalho analisar as motivações ou vantagens de cada alternativa, optou-se simplesmente por referir aquela modalidade de intervenção como terapia analítico-comportamental. Isto é, o que se pretende com esse termo é designar a terapia verbal baseada na análise do comportamento. 3.1. TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL E A PESQUISA DA PSICOTERAPIA Quando se aponta que a terapia comportamental representa hoje um conjunto amplo e heterogêneo de teorias e práticas psicoterápicas e quando se fala da possibilidade de diferenciar nesse universo a terapia analítico-comportamental, fica sugerida a idéia de que a terapia analítico-comportamental constitui um modelo de intervenção com identidade própria, bem definida e diversa daquela das outras terapias comportamentais. Entretanto isso é apenas parcialmente verdadeiro. A diversidade de referências à terapia baseada na análise do comportamento reflete, em certa medida, uma ausência de unidade procedual dos terapeutas analíticocomportamentais. É importante esclarecer os limites dessa afirmação. É inegável que 58 Para outras designações, ver Nolasco (2002). Nolasco (2002) concorda com a designação “analítico-comportamental”, porém considera problemática a manutenção de “terapia”. Alternativamente, propõe o uso de “análise do comportamento aplicada à clínica” (ou aplicada a outros settings ou a problemas específicos). Em resposta à objeção de Nolasco, entende-se que a expressão “terapia analítico-comportamental” não compromete conceitualmente a definição da área, ao passo que a recusa em usar “terapia” pode limitar os espaços de diálogo com outras áreas da psicologia e da cultura. 59 164 existe uma modalidade de terapia baseada na análise do comportamento e que se definiria pelo uso da análise funcional, no contexto de um abordagem idiográfica para os problemas psicológicos (e.g., Sturmey, 1996; Thyer, 1997). No entanto, (a) o que se entende por análise funcional não é consensual (cf. Haynes & O’Brien, 1990)60 e (b) o que significa mais pormenorizadamente conduzir uma terapia baseada na análise funcional ainda está para ser estabelecido (cf. Hayes & Follette, 1992)61. É claro que o uso da análise funcional confere uma certa identidade à terapia analíticocomportamental. Também é certo que pela própria concepção do fenômeno comportamental com a qual opera não é possível esperar que a terapia analíticocomportamental seja apresentada como uma seqüência bem definida de procedimentos. Isso, no entanto, é diferente de considerar suficiente o conhecimento existente sobre o uso da análise funcional nessa modalidade de terapia. De fato, analistas do comportamento que atuam na clínica têm se dedicado à produção de conhecimento sobre suas práticas e esse movimento tem alcançado dimensões importantes. O artigo de Bootzin e Rutggill (1988), por exemplo, revê pesquisas que têm sido desenvolvidas na direção de avaliar dimensões importantes de intervenções clínicas comportamentais, dimensões que podem ser relevantes tanto para 60 Segundo Haynes e O’Brien, (1990), há um “desacordo sobre a definição de análise funcional, seus supostos subjacentes, seus métodos de derivação, seus componentes relevantes e seu domínio de utilidade. Estas inconsistências impedem a comunicação entre analistas do comportamento sobre as características da análise funcional e seu papel na terapia comportamental” (p. 654). A dificuldade é encontrada também na análise aplicada do comportamento (cf. Hanley, Iwata & McCord, 2003). 61 Segundo Hayes e Follette (1992), “é estranho que, com todo seu compromisso com a ciência, um conceito tão central para a terapia comportamental como análise funcional não tenha se desenvolvido como um método cientificamente especificado. Vemos isso como a razão central pela qual a análise funcional não avançou de forma notável nos últimos trinta anos. A análise funcional clássica é essencialmente a arte de analisar um caso individual em termos de contingências funcionais. Não há nenhuma regra clara de como isso deveria ser feito... nenhuma evidência sobre a melhor maneira de fazêlo. Como todas as artes, ela é aprendida e passada adiante de forma direta e o 'melhor' método de realizála é uma questão de convenção social (p. 361). 165 a terapia comportamental genérica como para a terapia analítico-comportamental (por exemplo, habilidades de entrevista clínica e ensino de habilidades sociais). Constituem também exemplos desse esforço os trabalhos em torno da proposição da Terapia de Aceitação e Compromisso (cf. Hayes, 1987; Hayes & Wilson, 1994) e da Psicoterapia Analítica Funcional (Kohlenberg & Tsai, 1987, 1991). Mais importante ainda são o volume e diversidade de trabalhos sobre a intervenção clínica de base analíticocomportamental apresentados em eventos científicos que reúnem analistas do comportamento. No Brasil, essa produção encontra maior visibilidade nos Encontros da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC) e nos volumes da coleção Sobre Comportamento e Cognição e na Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. A dimensão e a qualidade desses trabalhos é notável e representa uma contribuição inestimável à produção de conhecimento na área. Um exame dessa literatura mostra que, no seu conjunto, se trata de investigações que podem vir a integrar programas amplos e compartilhados por diversos grupos de pesquisa, mas há ainda um caminho a ser percorrido nessa direção. Apenas com um avanço desse tipo poderá haver maior impacto dessa produção no refinamento da identidade do terapeuta analítico-comportamental e na evolução da atividade de pesquisa em terapia analítico-comportamental. A integração da produção em programas amplos de pesquisa poderá também dar maior visibilidade a uma comunidade externa daquilo que a análise do comportamento e a terapia analítico-comportamental teriam a dizer sobre os temas centrais da psicoterapia hoje. Considerando a literatura mais ampla para além da produção brasileira, há alguns importantes passos a serem dados até que a terapia analítico-comportamental se 166 mostre uma interlocutora com maior visibilidade no debate contemporâneo sobre a pesquisa e a oferta da psicoterapia. Constituem aspectos a serem trabalhados nesse percurso, (a) a alegada incompatibilidade entre a perspectiva idiográfica da análise do comportamento e as padronizações e (b) a relação entre diferentes posições metodológicas, particularmente estudos de grupo e delineamentos de sujeito único. Com respeito ao primeiro tema, Thyer (1997), comentando um livro sobre manuais de tratamento, afirma: um dos fundamentos do nosso campo é a realização de uma análise funcional individual do problema de cada cliente. Essa abordagem, bem delineada por Sturmey (1996), Van Houten e Axelrod (1993) e Bailey e Pyles (1989), entre outros, pode ser vista como estranha frente à abordagem mais prescritiva assumida por este [manual - Van Hasselt, & Hersen, 1996] e por livros relacionados (e.g., Ammerman et al., 1993; Giles, 1993; Thyer & Wodarski, 1998) (p. 731). Diversos argumentos podem ser levantados em favor da tese de Thyer (1997) acerca da incompatibilidade entre manuais e abordagens idiográficas. Uma discussão mais demorada desses argumentos é apresentada adiante (seção 3.4. neste Capítulo). O que importa observar aqui é que a alegação de Thyer ilustra uma posição que vem sendo apresentada teoricamente, sem refinamentos em sua elaboração, e para a qual a análise do comportamento não se tem voltado com um programa de investigações empíricas. Desse ponto de vista, é ilustrativo o número muito reduzido de artigos encontrados nos levantamentos realizados para o presente estudo quando se incluíam termos como “análise do comportamento”, “analítico-comportamental”, “análise clínica do comportamento”, ou “terapia de aceitação e compromisso” e “psicoterapia analítica 167 funcional” (ver seção de Método). Outro aspecto que merece uma atenção particular é o da relação entre diferentes perspectivas metodológicas62. Os delineamentos de grupo, empregados nos ECRs e em grande parte da pesquisa da psicoterapia, seja sobre fatores comuns, seja sobre fatores específicos, não constituem a solução metodológica própria para a investigação da terapia analítico-comportamental simplesmente porque não são compatíveis com seu arcabouço teórico. Isso não implica logicamente que todo conhecimento psicológico derivado de estudos com aquela metodologia seja irrelevante ou possa ser ignorado pela terapia analítico-comportamental. Isto é, não há qualquer conexão lógica entre a rejeição da solução metodológica para conduzir suas próprias pesquisas e a impossibilidade de a análise do comportamento apropriar-se dos dados produzidos daquele modo, ou produzir contrapontos a fim de fazer avançar a abordagem dos problemas investigados. Uma apreciação do alcance dos estudos com delineamento de grupo na pesquisa contemporânea da própria terapia comportamental pode prover uma medida do problema. Um estudo de Forsyth e cols.(1999), publicado dois anos após a série especial da Behavior Therapy sobre os trinta anos da terapia comportamental, colecionou dados que favorecem a tese de um “desvio de rota” na terapia comportamental. Forsyth e cols. fazem suas considerações no contexto de uma pesquisa que avaliou a tendência, nas publicações de terapeutas comportamentais, quanto ao uso da metodologia de sujeito 62 Talvez um paralelo possa aqui ser traçado com a questão da relação da análise do comportamento com o conhecimento no campo das ciências sociais. Houmanfar e Fredericks (1999) afirmam ser possível integrar estudos acerca do comportamento individual com estudos do comportamento de grupos, mesmo que as condições para tal integração ainda precisem ser formuladas: “uma questão importante com respeito ao papel da análise do comportamento frente às práticas culturais é a relação de uma análise do comportamento do indivíduo com uma análise do comportamento do grupo” (p. 122). 168 único em contraste com delineamentos de grupo. Havia a expectativa de que os dados revelassem um número representativo de estudos baseados na metodologia de sujeito único, considerando que o uso desses métodos “constitui um aspecto da ênfase idiográfica no movimento da terapia comportamental” (Forsyth & cols., 1999, p. 215). Mas os resultados obtidos mostraram um declínio na tendência de estudos com sujeito único em todos os principais periódicos comportamentais consultados. Uma conclusão mais geral dos autores é que a pesquisa realizada "provê evidência objetiva de que estamos nos afastando, em alguma medida, dos nossos fundamentos da ciência básica" (p. 8). Mais exatamente, "a prática atual da terapia comportamental dominante não enfatiza mais os princípios da ciência básica, ou uma abordagem idiográfica para a avaliação e tratamento de problemas comportamentais” (Forsyth & cols., 1999, p. 207). Os autores advertem que essas mudanças não devem ser interpretadas como "necessariamente problemáticas" e sugerem o exame de um conjunto de contingências que permitiriam visualizar o contexto da terapia comportamental contemporânea. Nessa tentativa, Forsyth e cols. especulam sobre alguns fatores presentes na prática dos cientistas e dos profissionais e que explicariam, parcialmente, as mudanças sugeridas pelos resultados da pesquisa. Um desses fatores é a política dos órgãos de fomento à pesquisa. Ao incentivar estudos com ampla possibilidade de generalização dos resultados (sob o argumento de que teriam um impacto maior na sociedade), as fontes financiadoras estariam favorecendo a opção por estudos com delineamentos de grupo. Nesse caso, os pesquisadores tenderiam a “maximizar suas chances de obter esses fundos, em vez de aderir a uma única abordagem por razões unicamente ideológicas ou teóricas” (Forsyth & cols., 1999, p. 217). 169 Contingências práticas também seriam responsáveis por essas mudanças na terapia comportamental, com destaque para as pressões exercidas pelo managed care. Forsyth & cols.(1999) comentam que “a realização de delineamentos de sujeito único e da análise funcional consome tempo e muitas companhias de seguro-saúde não reembolsarão pelo esforço adicional quando os mesmos efeitos podem ser alcançados por meio de tratamentos bem estabelecidos para transtornos do DSM, do tipo ‘um serve para todos’, baseados em manuais” (p. 217). Também haveria cobrança no sentido de prover tratamentos eficazes e efetivos, especialmente aqueles de resultado mais rápido (e com menor permanência do usuário em tratamento). Isso tudo alcançado, os custos tanto dos usuários quanto das companhias de seguros seriam menores. “Assim, os praticantes de linha de frente, cuja renda depende substancialmente do número de casos que eles vêem e tratam com sucesso diariamente, serão beneficiados ao usarem tratamentos padronizados, desenvolvidos pelos que estão interessados na ciência do desenvolvimento e eficácia do tratamento" (p. 217). Por fim, Forsyth e cols., 1999) observam outra razão que talvez justifique o declínio no uso da metodologia de sujeito único: a expansão da terapia comportamental, que não poderia mais ser caracterizada como “um uso particular de métodos, técnicas de tratamento, quadros teóricos, conceitos, ou princípios” (p. 218). Na conclusão de seus comentários, os autores sugerem que o declínio na publicação de trabalhos que usaram a metodologia de sujeito único em periódicos da área de Terapia Comportamental pode resultar do fato de que trabalhos com esta metodologia estariam sendo encaminhados para outros periódicos, a exemplo do Journal of Applied Behavior Analysis and Journal of the Experimental Analysis of Behavior. Nestes últimos, continuam tendo espaço privilegiado estudos baseados em tal metodologia e neles também estariam refletidos os 170 valores que caracterizaram o início do movimento da terapia comportamental. Por fim, Forsyth e cols.(1999) arriscam que talvez essas possibilidades tenham sido pensadas por terapeutas comportamentais interessados em desenvolver estudos baseados na metodologia de sujeito único. No entanto, quanto à possível transferência dos artigos para o JABA, convém lembrar que o levantamento bibliográfico realizado para o presente estudo não localizou artigos (à exceção de duas resenhas) nesse periódico utilizando palavras-chave relacionadas à pesquisa contemporânea sobre validade das psicoterapias. Os fatores possivelmente explicativos da adesão de pesquisadores aos delineamentos de grupo, identificados por Forsyth e cols. (1999), são importantes para que as mudanças em curso na terapia comportamental sejam compreendidas. No entanto, poderiam, também, ser olhados como referências para a pesquisa em terapia analítico-comportamental (terapias idiográficas apresentariam realmente uma pior relação custo/benefício? Resultados de pesquisas idiográficas de fato têm menor generalidade? Como se integram, na terapia comportamental, dados produzidos com delineamentos de grupos com dados produzidos com delineamentos de sujeito único?). Como os dados de Forsyth e cols. demonstram, porém, as mudanças em curso não apontam para essa direção. Em favor da pesquisa que vem sendo realizada na terapia analíticocomportamental, uma possibilidade que se precisa considerar é a de que a área não esteja disposta a aderir a uma agenda que foi instituída não por força do desenvolvimento científico na investigação das psicoterapias, mas por ingerência de agentes com interesses econômicos na área. Há apenas duas questões que precisariam ser contrapostas a esse argumento. Primeiro, ele não explicaria a dispersão da pesquisa 171 contemporânea em terapia analítico-comportamental. Segundo, como discutido no Capítulo 1, se é verdade que interesses econômicos são fortemente responsáveis pela pesquisa na psicoterapia, principalmente a partir dos anos 1980, não é razoável considerar que a eles se conforma tudo que foi produzido nas últimas décadas. Afinal, o debate crítico sobre manuais, TEVs, PBEs e ECRs, aflora no contexto dessa mesma tradição de pesquisa. 3.2. TERAPIA COMPORTAMENTAL, MODIFICAÇÃO ELABORAÇÃO DE PROTOCOLOS DE INTERVENÇÃO DO COMPORTAMENTO E A Nesta seção pretende-se discutir a estreita relação da pesquisa sobre resultados da psicoterapia com a terapia comportamental (não necessariamente baseada na análise do comportamento), com o objetivo de chamar atenção para o fato de que certas características da padronização dos tratamentos são especialmente compatíveis com a terapia comportamental. À luz dessas compatibilidades, e considerando que alguma base comum existe entre terapia comportamental e terapia analítico-comportamental, entende-se ser possível colocar em discussão, sob outro enfoque, a relação da terapia analítico-comportamental com a padronização dos tratamentos. Pelo menos originalmente, a terapia comportamental fundamenta-se na ciência do comportamento. Para Sloan e Mizes (1999), a terapia comportamental teria raízes nos trabalhos de Pavlov, Watson e Skinner, do que resultaria sua ênfase na fundamentação empírica, na avaliação objetiva do comportamento, no princípio de que “todo comportamento está sujeito às leis da aprendizagem” (p. 257), na abordagem idiográfica, na crença de que o comportamento mal adaptado “é mudado mais 172 eficientemente por meio do fazer e não do falar”63 (p. 257) e nos fatos do presente. Caracterização semelhante da terapia comportamental é encontrada em Bootzin e Ruggill (1988), para quem “as tarefas gerais colocadas ao clínico comportamental incluem a identificação do problema, a avaliação dos fatores que o mantêm e contribuem para ele, a seleção e implementação de intervenções apropriadas e a avaliação do progresso do cliente” (p. 703). Muito do que essas definições referem como terapia comportamental poderia ser tomado como descrição da terapia baseada na análise do comportamento, pelo menos nos moldes como essa terapia foi inicialmente desenvolvida, denominada de modificação do comportamento. Note-se que enquanto a terapia comportamental se estrutura sob a forma de modificação do comportamento, não é possível diferenciá-la do que seriam aplicações da análise do comportamento. A própria noção de análise aplicada do comportamento corresponde à aplicação de princípios da ciência do comportamento em ambientes institucionais, pouco se diferenciando do que foi descrito acima como terapia comportamental. Isto é, as características iniciais da terapia comportamental representam nada mais do que a aplicação clínica de princípios comportamentais compartilhados por analistas do comportamento. A terapia comportamental, nesse momento inicial, é modificação do comportamento e, como tal, está em acordo com o desenvolvimento da análise do comportamento naquele mesmo período (quando os processos verbais e seus impactos nos comportamentos não verbais não eram investigados sistematicamente). 63 Sobre esse aspecto, Sloan e Mizes (1999) acrescentam que a relação terapêutica “não constitui o mecanismo primário de mudança para o paciente” (p. 257). Trata-se, aqui, de uma característica não compartilhada com a terapia analítico-comportamental contemporânea, fortemente voltada para os processos verbais e suas relações com repertórios não verbais do cliente (na terapia ou fora dela). 173 A terapia comportamental só teria alcançado maior repercussão no início dos anos 1960, quando a terapia psicanalítica, até então dominante, começou a ser objeto de uma avaliação mais crítica. Para isso, teria contribuído decisivamente uma revisão que Eysenck realizou dos resultados das terapias verbais, publicada em uma seqüência de artigos nos anos 1950 e 1960. Eysenck concluiu que as psicoterapias verbais não eram efetivas. Esses artigos de revisão forneceram uma justificativa empírica para empregar a terapia comportamental como um modelo de terapia alternativo à abordagem terapêutica psicanalítica. Em razão de a terapia comportamental colocar ênfase em conceitos objetivamente definidos e no empiricismo, ela se tornou uma alternativa atrativa à abordagem psicanalítica. Assim, a terapia comportamental popularizou-se (Sloan & Mizes, 1999, p. 256). O modelo de intervenção que passou a caracterizar a terapia comportamental, segundo Sloan e Mizes (1999), embora cada vez mais admitindo uma atenção a componentes cognitivos, mantinha a ênfase no “condicionamento clássico, condicionamento operante, treinamento em habilidades sociais e terapia familiar comportamental” (p. 262). Apesar da ligação histórica com a teoria da aprendizagem, porém, a terapia comportamental passou por mudanças e hoje “premia a validação empírica de tratamentos e princípios psicológicos, no lugar da adesão estrita à aplicação de princípios de aprendizagem” (p. 267). Além disso, e principalmente com o avanço do cognitivismo, teria se tornado menos visível a distinção entre terapia comportamental e terapia cognitivo-comportamental64, ainda que os terapeutas comportamentais enfatizem 64 A esse respeito, ver também Bootzin e Ruggill (1988). 174 a direção da mudança de comportamento para cognição e não da cognição para o comportamento. É apenas no momento em que vai ficando menos visível a fronteira entre terapia comportamental e terapia cognitivo-comportamental que a base científica e filosófica da análise do comportamento vai perdendo centralidade no suporte a essas práticas psicoterápicas. Sobre a crescente identificação da terapia comportamental com a terapia cognitiva, o comentário “hesitante” de Sloan e Mizes (1999) é bastante ilustrativo: nós hesitaríamos em estabelecer uma distinção clara entre terapia comportamental e terapia cognitivo comportamental. A maioria dos terapeutas comportamentais “puros” reconhecem prontamente que os fenômenos cognitivos constituem aspectos cruciais do funcionamento e mal funcionamento do homem. Em comparação com seus colegas cognitivocomportamentais, os terapeutas comportamentais tendem a enfatizar a importância de mudar o comportamento, a fim de facilitar a mudança cognitiva. Do mesmo modo, os terapeutas cognitivo-comportamentais reconhecem a importância de associar intervenções cognitivas com intervenções delineadas para mudar o comportamento (Sloan & Mizes, 1999, p. 267). As mudanças que vão acontecendo na fundamentação teórica e epistemológica da terapia comportamental repercutem na forma de uma definição imprecisa para “terapia comportamental” e para “terapia cognitivo-comportamental” e em usos dessas denominações que ora as tomam como sinônimos, ora pretendem traçar alguma distinção que não fica muito clara. O certo é que com o desenvolvimento da terapia “explicitamente” cognitivo-comportamental e com a imprecisão daqueles usos, passa a 175 ser necessário considerar que toda afirmação sobre as feições ou compromissos da terapia comportamental talvez se aplique especificamente (e apenas) à terapia cognitivocomportamental. Ao longo do seu desenvolvimento, a terapia comportamental evidenciou laços estreitos com o movimento pela padronização dos tratamentos psicoterápicos. Nos parágrafos seguintes, essa aproximação é discutida buscando-se identificar se aqueles laços envolvem a terapia comportamental mais identificada com a modificação do comportamento ou a terapia comportamental mais identificada com a terapia cognitivocomportamental65. Sloan e Mizes (1999) apontam que a terapia comportamental forneceu referências importantes para os tratamentos padronizados. O exemplo mencionado é o do trabalho do Wolpe, o que significa que essa influência inicial foi exercida pela terapia comportamental mais identificada com a modificação do comportamento. Segundo Sloan e Mizes, A terapia comportamental esteve na liderança da fundamentação conceitual e empírica de tratamentos prescritivos (i.e., o desenvolvimento de intervenções com tratamentos específicos empiricamente validados, para problemas clínicos específicos) . Historicamente, o desenvolvimento por Wolpe da dessensibilização sistemática foi provavelmente o primeiro procedimento psicoterápico claramente delineado para condições clínicas 65 Esta abordagem não significa que toda terapia comportamental resume-se à modificação de comportamento e terapia cognitivo-comportamental. Certos modelos de intervenção não são precisamente nem uma coisa nem outra (sobre a variedade de perspectivas na origem na terapia comportamental, ver Jacobson, 1997; sobre a variedade de perspectivas ao longo do desenvolvimento da terapia comportamental, ver O’Donohue & Krasner, 1997). Para os fins da análise que se pretende desenvolver nesta seção, porém, será suficiente destacar que há vertentes da terapia comportamental mais próximas da análise do comportamento, como a modificação de comportamento, e vertentes da terapia comportamental mais compromissadas com conceitos e princípios cognitivistas. 176 específicas (Sloan & Mizes, 1999, p. 269). Como mencionado no Capítulo 1, Goldfried (1999) também faz referência a um trabalho de dessensibilização sistemática (neste caso, de Paul, em 1966) como pioneiro no uso de manuais para a terapia. É importante fazer uma adequada ponderação desses trabalhos no que diz respeito ao que representam para o histórico da padronização de tratamentos. É indiscutível que aquelas intervenções voltadas para a dessensibilização sistemática apóiam-se em protocolos ou manuais, definições de técnicas e procedimentos específicos com o fim de produzir uma mudança comportamental definida previamente, a partir de uma avaliação preliminar objetiva. Todavia, isso não equivale a prescrever o uso daqueles manuais indiscriminadamente, e para pacientes avaliados com as categorias diagnosticas psiquiátricas. Segundo Thyer (1997), uma restrição a esse tipo de uso seria encontrada no trabalho do próprio Wolpe. Após assinalar que a análise do comportamento tem razões para opor restrições aos tratamentos padronizados, Thyer afirma que “mesmo alguns terapeutas comportamentais têm reservas com respeito a essas abordagens prescritivas” (p. 731, itálico acrescentado). Compreende-se, assim, que o desenvolvimento e uso de manuais para o tratamento de problemas comportamentais específicos fazem parte da história da terapia comportamental identificada com a modificação do comportamento. Por outro lado, esse uso está circunscrito a um contexto de avaliação diagnóstica funcionalmente orientada. Além disso, trata-se de um uso que não tem a função de limitar o tratamento, seja no conteúdo, seja na duração. Já o uso de manuais na pesquisa contemporânea sobre eficácia da psicoterapia parece estar fortemente associado a uma perspectiva que é própria da terapia cognitivo- 177 comportamental e com algum compartilhamento da lógica que orienta a intervenção e o programa de pesquisas. Comparando-se modelos psicoterápicos diversos, segundo Messer (2004), há uma incompatibilidade entre a natureza da ênfase no tratamento, encontrada nos TESs, e as terapias que não são cognitivo-comportamentais. As últimas, incluindo abordagens como a psicodinâmica, a experiencial e a existencial, focalizam mais o processo da terapia, em comparação com a TCC [terapia cognitivo-comportamental], que focaliza mais diretamente os problemas presentes e os resultados per se (Gold, 1995). Colocado de um modo diferente, na TCC o objetivo é modificar o transtorno psiquiátrico, ou seus sintomas, tão diretamente e eficientemente quanto possível. As terapias orientadas para o processo, por outro lado, vêem as mudanças sintomáticas como ocorrendo indiretamente, por meio da exploração de temas emergentes, esquemas, ou motivos e crenças inconscientes. Elas buscam resolver conflitos intrapsíquicos complexos, dificuldades de personalidade, ou padrões interpessoais mal adaptados, por meio do insight e da experiência afetiva na terapia (p. 582). A identidade entre os TESs e a terapia (cognitivo-)comportamental é tamanha que Messer (2004) identifica que “41 dos 49 TESs listados na atualização da Força Tarefa (Chambless & cols., 1996) são comportamentais ou cognitivo-comportamentais” (p. 582). Apesar dessa conta, não está clara a base para a distinção de Messer entre terapia comportamental e terapia cognitivo-comportamental. Em favor da tese de que se trata de tratamentos predominantemente cognitivo-comportamentais, a posição daqueles que reagem aos tratamentos padronizados é descrita como a posição dos que “não 178 pretendem ceder o campo ao que são terapias tipicamente cognitivo-comportamentais, baseadas em manuais, orientadas para o DSM” (p. 580). O compartilhamento de uma lógica de investigação entre o movimento pela validação da terapia e a terapia cognitivo-comportamental, favorecendo esta forma de tratamento, é também apontado por Wampold & Bhati (2004): Deve-se compreender, então, que qualquer delineamento de um sistema para identificar, e então privilegiar, alguns tratamentos sobre outros favorecerá inevitavelmente alguns tratamentos sobre outros. Nesse caso, os critérios dos TESs que enfatizam o uso de manuais, tratamentos específicos para transtornos específicos, e grupos de comparação do tipo placebo, são congruentes com características dos tratamentos cognitivos e comportamentais. Portanto, não surpreende que esses tratamentos predominem na lista de TESs (p. 568). Para Messer (2004), porém, a predominância da terapia cognitivocomportamental na lista dos TESs não significa necessariamente sua maior eficácia, embora indique que os praticantes dessa modalidade de terapia conduzem a maioria dos estudos, nos quais há grande coincidência entre a terapia praticada pelo pesquisador e a terapia identificada como eficaz. Segundo Messer, Luborsky e cols. (1999) examinaram 29 ECRs comparando uma terapia com outra e encontraram uma correlação de 0,85 entre a fidelidade do pesquisador a uma terapia e o resultado. Isto é, houve uma associação muito substancial entre o modelo de terapia preferido do pesquisador e a terapia que obteve maior sucesso. Isso apareceu a despeito do fato de que as diferenças de eficácia entre as terapias foram a princípio pequenas e 179 clinicamente insignificantes. Uma vez que os pesquisadores comportamentais realizam a grande maioria das pesquisas sobre TESs, as diferenças encontradas entre a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e outras terapias podem dever-se a uma fidelidade do pesquisador (em essência, um tipo de “viés do experimentador”), e não a um aspecto específico a TESs comportamentais. Por exemplo, pode ser que a persuasão teórica dos pesquisadores leve a uma realização de sua terapia favorita nos estudos com mais fidelidade e entusiasmo do que aquelas com as quais foi comparada (p. 581). Sejam quais forem os limites da terapia cognitivo-comportamental, em virtude de sua identidade com os estudos de eficácia, esta será a modalidade preferida para o sistema de atenção gerenciada. Como apontam Cushman e Gilford (2000), as abordagens em terapia que focalizam primariamente a redução de sintomas, como a terapia cognitivo-comportamental, a terapia com foco na solução, ou a terapia breve estratégica, são consideradas particularmente apropriadas para a atenção gerenciada. Isso tem implicações para como o terapeuta aparece. Nos ambientes da atenção gerenciada, o terapeuta geralmente é representado como equipado com práticas pré-determinadas e estruturadas, que são tão precisas que podem ser gerenciadas por meio de monitoração e regulação computadorizadas (p. 989). Também Sloan e Mizes (1999) assinalam a preferência do sistema de atenção gerenciada, embora neste caso fazendo referência a tratamentos “comportamentalmente fundamentados”. Devido à evidência de eficácia dos tratamentos comportamentais breves, as 180 companhias do sistema de atenção gerenciada tendem a incluir em suas listas de provedores apenas psicoterapeutas com formação comportamental. Indivíduos que não tenham sido treinados em técnicas comportamentais são freqüentemente excluídos das listas fechadas de provedores, e vêem-se sem indicações de companhias que têm listas abertas de provedores (Giles, 1993) (p. 270). Caso não sejam excluídos do mercado de oferta de psicoterapia pelo sistema de atenção gerenciada, terapeutas que não trabalham com um referencial teórico cognitivocomportamental continuarão realizando a psicoterapia, mas pouco poderão usufruir das listas de TESs. Segundo Norcross (2002), as diretrizes práticas e as listas de TESs fazem pouco por aqueles psicoterapeutas cujos pacientes e conceitos teóricos não se incluem em transtornos discretos (Messer, 2001). Condidere-se o cliente que procura mais alegria em sua vida, mas não atende os critérios diagnósticos para qualquer transtorno, cuja terapia estende-se para além de 20 sessões, e cujos objetivos de tratamento não são tão facilmente especificados em resultados mensuráveis e baseados em sintomas. As atuais compilações baseadas em evidências têm pouco a contribuir com seu terapeuta e com o seu tratamento ... Nem todos os psicoterapeutas ou praticantes adotam um modelo orientado para a ação, no qual o tratamento é voltado a um paciente (p. 3). Retomando a discussão sobre as características dos tratamentos padronizados que são compatíveis com as diferentes modalidades de terapia comportamental, pode-se afirmar que o interesse na sistematização de procedimentos de intervenção frente a problemáticas específicas não apenas é compatível com a modificação do 181 comportamento (e, segundo a argumentação aqui desenvolvida, também com a análise do comportamento e com a terapia analítico-comportamental), como constitui uma medida fortemente originada neste contexto. O comentário de Luborsky e DeRubeis (1984) pode ser considerado apropriado para esse universo da terapia comportamental: os primeiros manuais de tratamento foram delineados para as terapias comportamentais (e.g., Wolpe, 1969). Seria esperado que os pesquisadores no campo da terapia comportamental introduzissem os manuais em seu trabalho antes dos outros, por uma série de razões. Algumas das qualidades fundamentais das terapias comportamentais que as distinguem de outras abordagens são as mesmas qualidades que as levariam ao desejo de formalizar o tratamento em um manual. A especificação do comportamento do terapeuta que está envolvida na redação ou seguimento de um manual é similar à especificação do comportamento do paciente que está envolvida na condução da terapia comportamental. Além disso, as terapias comportamentais são freqüentemente conjuntos de procedimentos que devem ser aplicados de uma maneira relativamente sistemática. Essa especificação procedual adequa-se perfeitamente à principal função de um manual de tratamento: delinear os procedimentos, técnicas e estratégias que abrangem uma implementação aceitável de uma dada abordagem (p. 7). No entanto, quando o esforço pela sistematização das intervenções transita para o terreno da limitação do conteúdo da terapia e da definição de sua duração, já se está operando com uma concepção dos manuais aquém do horizonte da análise do comportamento e da terapia analítico-comportamental, considerando-se especialmente que esta última passa a se definir como uma abordagem mais ampla que inclui a atenção 182 e intervenção frente a processos verbais (Dougher & Hayes, 2000). Do ponto de vista da concepção da terapia analítico-comportamental que orientou a elaboração do presente trabalho, intervir com técnicas específicas para produzir mudanças comportamentais, manipulando ou não diretamente contingências do ambiente de vida do cliente, sob a forma de terapia verbal ou modificação do comportamento66, constituem possibilidades de ação do terapeuta, tanto quanto não operem para limitar o conteúdo ou duração da terapia. Já a conformação do desenvolvimento e uso dos manuais à lógica do sistema psiquiátrico de classificação e diagnóstico, pode encontrar acolhida apenas na terapia cognitivo-comportamental. Isso ocorre face à adesão geral da terapia cognitivocomportamental ao modelo médico de análise dos problemas psicológicos. A esse respeito, Reitman (1997) aponta que a suposição dos terapeutas cognitivocomportamentais de que estariam promovendo uma visão mais compreensiva da mudança, na verdade decorre daquela adesão. É o modelo médico que supõe que “as causas do comportamento mal adaptado originam-se de fontes ‘internas’ como crenças irracionais, cognições distorcidas, ou entidades de doença biologicamente baseadas” (p. 342). Neste caso, não se pode falar em compatibilidade com a terapia analíticocomportamental. Isso significa também que as funções que os manuais passam a ter na pesquisa e na oferta da psicoterapia conflitam com as características e usos que podem ter na terapia analítico-comportamental, um tópico que será melhor desenvolvido adiante. Para finalizar, convém salientar que muito da análise aplicada do 66 A Terapia da Aceitação e Compromisso, por exemplo, faz uso de técnicas e procedimentos prédefinidos ao mesmo tempo em que é apresentada como um modelo de intervenção analíticocomportamental, voltado primariamente para processos verbais (cf. Hayes, 1987; Hayes & Wilson, 1994). 183 comportamento, incluindo trabalhos publicados no Journal of Applied Behavior Analysis, faz uso de protocolos ou manuais de intervenção. Há, inclusive, tentativas de formular manuais para o uso da análise funcional (cf. Dunlap & Kincaid, 2001). Devese também notar que muito do esforço aplicado de analistas do comportamento contemporâneos está voltado para o desenvolvimento de programas e de procedimentos de intervenção com pacientes autistas, protocolos que ilustram um tipo de padronização (não o único) compatível com a perspectiva analítico-comportamental de tratamento de problemas psicológicos (cf. Baer, 1993, 2002; Loovas, Smith & McEachin, 1989). 3.3. TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL E A PADRONIZAÇÃO DOS TRATAMENTOS É possível explicitar um pouco mais o terreno em que a padronização de tratamentos conflita com uma perspectiva analítico-comportamental de abordagem dos problemas psicológicos, não propriamente com o fim de estabelecer a incompatibilidade entre as duas, mas buscando especificar os limites dessa incompatibilidade. Na seção anterior, apontou-se que a incompatibilidade aparece essencialmente quando um manual se converte em meio de restringir conteúdo e duração da terapia, e quando submete a intervenção à lógica da classificação psiquiátrica dos transtornos mentais. Esses elementos podem constituir o ponto de partida da análise que se pretende desenvolver nesta seção. Iniciando com a questão das funções dos manuais, a elaboração de manuais por terapeutas analítico-comportamentais estaria baseada em estudos de sujeito único, enquanto os manuais produzidos no âmbito dos estudos de eficácia estão baseados em ECRs. Disso resulta que a validade em um caso e outro significa coisas diferentes. No primeiro caso, espera-se que os manuais se mostrem válidos para cada intervenção em 184 que venham a ser usados. No segundo, que se mostrem válidos na maioria das intervenções em que sejam empregados. No primeiro caso, como o desenvolvimento do manual está baseado em situações de intervenção individualizadas, os manuais (ou protocolos) não prescrevem necessariamente toda a intervenção, tampouco definem a duração ou funcionam para interditar a atenção a aspectos diferenciados do caso clínico. No segundo caso, os manuais transformam-se em pacotes de tratamento (do inglês treatment packages) que funcionam também para evitar que a terapia trate de problemas diversos daqueles para os quais o manual foi desenvolvido. Uma apreciação de Thyer (1997) sobre os estudos de eficácia aborda esse problema das implicações metodológicas. Segundo ele, os tratamentos admitidos como empiricamente validados podem ser consistentes do ponto de vista da metodologia dos estudos de grupos, mas seus resultados são “obtidos, em alguma medida, às custas de uma análise funcional” (p. 732) e são eficazes para a maioria dos pacientes, mas não necessariamente todos. “Pode-se legitimamente fazer inferências da amostra para a população, mas nunca da amostra para um indivíduo” (p. 732). A lógica subjacente aos estudos de validação de tratamentos padronizados seria precisamente esta: “‘Temos um tratamento que funcionou bem, com um grupo grande de clientes, com um problema particular. Portanto, quando um outro cliente particular, com este problema, entrar no ambiente, ofereceremos esse tratamento empiricamente sustentado’” (p. 733). Componentes operantes diferenciados na problemática de cada um tendem, então, a ser ignorados, uma vez que aspectos idiossincráticos desse tipo ainda estão por ser incorporados nos manuais de tratamento. A aparente fobia de escola é causada por medo da escola, medo da separação dos pais, ou o histórico da mãe aceitar os apelos incessantes da 185 criança para ficar em casa? A terapia cognitivo-comportamental para a depressão prescritivamente sustentada focaliza mais os sentimentos e pensamentos do que o que é sentido (uma vida preenchida com experiências aversivas passadas e presentes?), e dirige seus esforços para a mudança de modo correspondente. Atualmente, as abordagens prescritivas para o tratamento provêem pouco espaço para aquele tipo de indagação e nessa medida são incompatíveis (ou, pelo menos, incompletas) com a análise do comportamento. Talvez na próxima década os protocolos de tratamentos padronizados comecem a incorporar análises funcionais em seus processos de avaliação e intervenção. No momento, isso é pouco evidente (Thyer, 1997, p. 732). Ainda sobre a lógica subjacente à metodologia das pesquisas de eficácia, os ECRs, Thyer (1997) salienta seus vínculos com a pesquisa médica (na qual, pode-se supor, problemas semelhantes devem estar implicados com respeito às peculiaridades de cada paciente a ser tratado, não contempladas nos protocolos de intervenção): À parte do senso comum, não conheço qualquer lógica estatística para assumir que um tratamento validado por meio de delineamentos de grupo pode ser considerado efetivo com um novo indivíduo com um problema designado. As conclusões derivadas de delineamentos de grupo são logicamente válidas apenas quando aplicadas a um outro grupo, não a uma pessoa particular. Apesar disso, essa abordagem prescritiva é a marca da pesquisa médica e está rapidamente assumindo o domínio na psicologia clínica e na psiquiatria (p. 733). À influência médica e especialmente psiquiátrica pode-se também atribuir uma 186 característica dos manuais que conflita fortemente com a concepção funcional de abordagem dos problemas psicológicos: o uso das categorias diagnósticas do DSM. Em vários momentos, ao longo deste trabalho, foram assinaladas as limitações de tais categorias. Em particular, chamou-se a atenção para o fato de que sob uma daquelas categorias podem estar agrupados indivíduos com problemáticas muito diversas67, inclusive tomando-se como referência os próprios sintomas previstos no DSM, visto que o critério para categorização é a apresentação de parte da lista de sintomas. De um ponto de vista analítico-comportamental, há problemas adicionais com aqueles sintomas e categorias. As categorias diagnósticas do DSM são topograficamente orientadas (Cavalcante & Tourinho, 1998; Hayes & Follette, 1992). No entanto, para uma abordagem funcionalista, as funções que serão descobertas em um caso individual serão bastante únicas, individuais, ou idiográficas. Isso parece ser inevitavelmente verdadeiro porque todos os fatores que determinam o comportamento atual – variáveis genéticas e físicas atuais, a história pessoal de interação com o ambiente e as condições ambientais atuais – são diferentes de uma combinação pessoa-ambiente para outra (Hawkins, 1986, p. 371). Assim, manuais orientados pelo DSM constituirão recursos incompatíveis com a intervenção analítico-comportamental não simplesmente porque podem ser úteis apenas para alguns clientes com um dado diagnóstico, mas porque desviam o curso da 67 Wilson (1996) afirma: “É amplamente reconhecido que há considerável heterogeneidade entre indivíduos no interior de categorias diagnósticas (Follette, 1995; Poland et al., 1994). Os diagnósticos do DSM-IV não implicam que todos os pacientes com um mesmo diagnóstico compartilham uma etiologia comum. Eles simplesmente descrevem síndromes em termos não ateoréticos” (p. 304). 187 intervenção dos elementos que deveriam estar controlando o comportamento do terapeuta ao tratar qualquer cliente. Para entrar em contato ou identificar possíveis variáveis relevantes e explicativas do comportamento do cliente, é necessário que o terapeuta esteja sob controle de recursos ou prescrições que dirijam sua investigação e intervenção para a história ambiental específica do indivíduo e não para topografias, que podem constituir operantes muito diversos e por vezes muito complexos. A rejeição ao DSM não significa que a referência à topografia do comportamento será sempre inútil. Que ela pode constituir-se em informação relevante atesta o amplo uso do DSM. Alguns terapeutas analítico-comportamentais (e.g., Hayes & Follette, 1992) reconhecem, inclusive, que o DSM cumpre funções importantes no dia-a-dia da atividade clínica (por exemplo, na comunicação). Em parte, a aceitação do DSM para essas funções se explica pela ausência de sistemas classificatórios alternativos, embora terapeutas comportamentais já tenham tentado formular categorias diagnósticas funcionalmente orientadas (cf. Carr & Durand, 1985; Cone, 1997; Hawkins, 1986; Hayes & Follette, 1992; Kanfer & Grimm, 1977; Sturmey, 1996). Provavelmente, porém, qualidades do próprio sistema ajudam na sua disseminação (por exemplo, as tentativas de limitar o comprometimento do manual, em sua quarta edição, com referências teórico-metodológicas específicas, que se não foram inteiramente bem sucedidas ainda assim representaram avanços em relação às edições anteriores). A ausência de alternativas ao DSM que atendam demandas sociais atualmente respondidas com o manual (por exemplo, do sistema de atenção gerenciada, da justiça e dos legisladores com ingerência nas políticas de financiamento da pesquisa) cria uma situação de dificuldade para a pesquisa e oferta de serviços baseados em modelos de intervenção conflitantes com aquele manual. Frente a isso, torna-se necessário buscar 188 outros tipos de associação tratamento-paciente. Segundo Wilson (1996), Os manuais de tratamento não promovem necessariamente a aceitação dos diagnósticos do DSM-IV. Precisamos ir além desse nível de categorização para [alcançar] combinações mais refinadas de tratamentos com problemas particulares em pacientes individuais (Beutler, 1995). A tarefa é assustadora porque os atributos potencialmente relevantes do paciente e do tratamento são numerosos e suas possíveis interações freqüentemente complexas (Longabaugh, Wirtz, DiClemente & Litt, 1994; Miller & Cooney, 1994). Há ampla concordância sobre como é desejável desenvolver um esquema de classificação baseado em um nível mais útil de análise psicológica (Follette, 1995; Hayes, 1995). Enquanto isso, temos que trabalhar com o que está disponível. Similarmente, usar um manual de tratamento multicomponente constitui uma maneira incipiente de garantir a combinação entre o transtorno de um paciente e o tratamento efetivo (Eifert, Evans & McKendrick, 1991). Embora seja fácil indicar as limitações dessa análise, os críticos ignoram a ausência de qualquer alternativa que se imponha (p. 304). Talvez o tipo de alternativa vislumbrada por Wilson (1996) venha a ser derivado dos produtos mais recentes das pesquisas sobre o processo terapêutico (Norcross, 2002; Norcross & Hill, 2004) e os princípios de mudança terapêutica (Castonguay & Beutler, in press). Em um trabalho anterior a essas pesquisas, Hayes e Blackledge (1998) chamavam atenção para o fato de que Ainda não sabemos muito sobre como combinar tratamentos com clientes, para além de categorias incipientes de comportamentos alvo, ou medidas de cronicidade ou severidade. Similarmente, a pesquisa da efetividade deixou 189 para trás a pesquisa da eficácia e há poucos métodos bem estabelecidos para conduzir a primeira (p. 267). A possibilidade de a análise do comportamento, ou a terapia analíticocomportamental vir a desenvolver e avaliar tratamentos padronizados que possam ser amplamente empregados na atividade clínica regular da terapia verbal face a face dependerá amplamente de um desenvolvimento metodológico nessa direção, que não decorre necessariamente da elaboração metodológica na pesquisa básica, mas pode ocorrer paralelamente a esta. O trabalho que vem sendo desenvolvido no âmbito da Terapia da Aceitação e Compromisso, um modelo de intervenção descrito como analítico-comportamental, pode ser ilustrativo das possibilidades que merecem ser exploradas. Como examinado no Capítulo 1, o primeiro estudo de avaliação da eficácia da ACT (Strosahl & cols., 1998) buscou uma metodologia alternativa aos ECRs. Do mesmo modo, embora descrita como uma técnica (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999), disseminada com o uso de manuais, a ACT é apresentada como uma proposta flexível: Quando a ACT é abordada apenas como uma técnica, há também uma tendência a aplicá-la “de acordo com o livro”. Nós empregamos manuais para treinar terapeutas na ACT, mas os terapeutas da ACT que são experientes freqüentemente modificam os procedimentos ou seqüências de tópicos para adequar-se às necessidades de um cliente particular, em um momento particular. Se a ACT for apenas um conjunto de técnicas definidas topograficamente, nós aparentemente teremos que argumentar que um terapeuta experiente fazendo uso do nosso conjunto de procedimentos não está realizando a ACT, ao passo que um terapeuta novato que segue o livro 190 estaria fazendo a coisa certa. Isso é uma bobagem evidente. O terapeuta da ACT efetivo usa a ACT como funcionalmente definida, não meramente como topograficamente definida. Há um outro modo de dizer isso. O terapeuta da ACT efetivo precisa realizar a ACT de uma maneira que seja consistente com sua [da ACT] teoria e filosofia, não de uma maneira que seja mecanicamente consistente com os procedimentos per se (p. 16). Há também exemplos de manuais de tratamento analítico-comportamentais para intervenções que se situam em uma posição intermediária entre a modificação do comportamento e a terapia meramente verbal. Tal é o caso da “Terapia para a Interação Pais-Criança (Parent-Child Interaction Therapy – PCIT – Eyberg & Boggs, 1989; Hembree-Kigin & McNeil, 1995)”. McNeil, Filcheck, Greco, Ware e Bernard (2001) referem-se àquele tratamento como um “tratamento padronizado baseado em princípios comportamentais” (p. 106) que, como tal, poderia ser interpretado como avesso à individualização. Todavia, a apreciação dos autores para os modos como a análise funcional se desenvolve no interior daquele tipo de tratamento indica sua compatibilidade com o interesse pela adequação da intervenção às características de pacientes particulares. Segundo Neil e cols., os terapeutas que usam o PCIT conduzem avaliações funcionais informais, usam os dados para guiar o tratamento, atentam à equivalência funcional e promovem a generalização. Adicionalmente, o PCIT é individualizado a cada cliente e uma atenção especial é dirigida à compreensão da função do comportamento e à preparação sistemática de pais e crianças através de manipulações comportamentais nas quais novos comportamentos substitutos são praticados e testados. Assim, embora o PCIT seja um tratamento 191 padronizado, ele também apresenta uma forte fundamentação comportamental, incluindo muitos dos componentes centrais da análise aplicada do comportamento (p. 113). Um outro exemplo de tratamento comportamental que merece atenção, embora não apresentado como vinculado diretamente à análise (aplicada) do comportamento, é o Programa de Treinamento de Pais de McMahon e Forehand (2003). O manual especifica ambiente, etapas e outras características do tratamento, mas afirma que a duração “depende da velocidade com que cada pai e mãe demonstram competência nas habilidades ensinadas e a resposta da criança a essa intervenção” (p. 35). O manual de McMahon e Forehand, é importante lembrar, consiste de uma versão atualizada de um tratamento reconhecido como empiricamente sustentado pela Força Tarefa da Divisão 12 da APA (cf. Woody & Sanderson, 1998). Em suma, sob condições diversas daquelas encontradas no sistema de atenção gerenciada, a oferta de tratamentos padronizados, ou do uso de manuais pode mostrar-se compatível com a terapia analítico-comportamental. Uma intensificação desse uso, porém, no médio prazo, dependerá da pesquisa, para a qual os recursos metodológicos ainda estão por ser elaborados ou definidos. De algum modo, uma maior integração do que hoje fazem praticantes e pesquisadores da terapia analítico-comportamental (por exemplo, sob a forma de uma sistematização dos problemas que merecem uma atenção concentrada) poderia favorecer aquela pesquisa. 3.4. TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL E A INDIVIDUALIZAÇÃO DOS TRATAMENTOS Nesta seção, pretende-se desenvolver a tese de que (a) padronização e individualização do tratamento não constituem necessariamente perspectivas 192 conflitantes de delineamento da intervenção clínica de base analítico-comportamental e (b) uma abordagem idiográfica compatível com supostos da análise do comportamento comporta o uso de protocolos ou manuais de intervenção, flexíveis e redefinidos do ponto de vista de suas funções. Em um trabalho anterior (Neno, 2003) procedeu-se a uma revisão da literatura sobre análise funcional na terapia comportamental. Dentre as características que definiriam o uso da análise funcional na terapia analítico-comportamental, assinalou-se o necessário reconhecimento do caráter idiossincrático das relações comportamentais e a busca de sua identificação por meio de abordagens idiográficas. Desse ponto de vista, a análise funcional para um terapeuta analítico-comportamental estaria em acordo com a descrição oferecida por Samson e McDonnell (1990)68: Uma análise funcional pode ser altamente complexa e, como decorrência, específica ao indivíduo. É improvável que sejam exatamente as mesmas as intervenções que as análises funcionais podem recomendar para dois problemas que pareçam ser similares. Quaisquer similaridades entre as intervenções estarão relacionadas à similaridade das funções a que os problemas servem. Isso significa que não é possível, quando se usa uma abordagem analítica funcional, fazer generalizações amplas sobre a intervenção a ser realizada ou sobre o estilo com que deve se apresentar (p. 260). A incompatibilidade da perspectiva idiográfica com o viés nomotético que prevalece na pesquisa e na prática dos TEVs é assinalada por Sloan & Mizes (1999): 68 A descrição de Samson e McDonnell (1990) não é elaborada no contexto de uma visão analíticocomportamental. Os autores consideram o uso da análise funcional compatível com diferentes orientações teórico-metodológicas. 193 A abordagem nomotética força uma uniformidade entre indivíduos que atendem os critérios para um transtorno específico. No entanto, dois pacientes podem atender os critérios para um mesmo transtorno psicológico, como a depressão, mas podem apresentar manifestações sintomáticas do transtorno muito diferentes. A severidade do transtorno também pode diferenciar entre pacientes. Sintomas e severidade variados afetariam o curso do tratamento, apesar de atenderem os critérios para o mesmo transtorno. De uma perspectiva comportamental, o nível para a análise diagnóstica é o nível do indivíduo (Nelson, 1987). Desse modo, a terapia comportamental assume uma abordagem idiográfica para o diagnóstico. A avaliação focaliza os comportamentos mal adaptados, que podem ou não ser consistentes com outros indivíduos que atendem os critérios para o mesmo transtorno. O simples conhecimento de que um indivíduo atende os critérios para o transtorno de stress pós-traumático não constituiria informação suficiente para desenvolver uma formulação e plano de tratamento compreensivos (p. 258). A adesão a uma perspectiva funcional e idiográfica orienta muitas das críticas dirigidas aos manuais por terapeutas (analítico-)comportamentais (cf. Eiffert, Schulte, Zvolensky, Lejuez & Lau, 1997). Isso significa que prevalece uma avaliação baseada nas seguintes premissas: (a) manuais de tratamento “enquadram” em uma mesma categoria diagnóstica indivíduos com diferentes histórias ambientais e diferentes problemas do ponto de vista da funcionalidade de seus comportamentos; (b) a adesão a manuais implica conformar a estrutura e a duração do tratamento a diretrizes que ignoram a história ambiental do cliente; e (c) os manuais servem, essencialmente, ao 194 interesse financeiro do sistema de atenção gerenciada, não coincidente com o interesse de clientes e terapeutas pelo bem estar dos clientes. Essas premissas são justificadas frente às funções dos manuais em grande parte da pesquisa sobre resultados da psicoterapia e na oferta de serviços sob a regulação do sistema de atenção gerenciada (Castonguay & cols, 1999). Todavia, essas premissas não se impõem em todos os contextos possíveis de desenvolvimento e uso de manuais. Ao mesmo tempo em que se fala de flexibilização dos manuais e na incorporação da referência a fatores comuns das psicoterapias, fortalece-se a idéia de que manuais não podem/devem especificar rigidamente a duração dos tratamentos. Assim, os manuais poderiam servir menos como preceitos rigorosos de procedimentos e prazos e mais como diretrizes para a intervenção eficaz, à luz da pesquisa científica sobre a prática psicoterápica. Com essas feições, qual seria propriamente a incompatibilidade com uma perspectiva analítico-comportamental de intervenção clínica? O que contrariaria o desenvolvimento de manuais na pesquisa clínica analíticocomportamental? A rigor, não seriam alguns tratamentos contemporaneamente oferecidos por analistas do comportamento (por exemplo, para clientes autistas) exemplos de tratamentos padronizados? Considere-se a possibilidade de sistematizações de tratamentos sem o recurso às categorias diagnósticas do DSM e às exigências de prazo do sistema de atenção gerenciada. Essa constitui uma perspectiva possível de olhar para os manuais, ou para a pesquisa científica acerca de fatores comuns (Norcross & Hill, 2004) ou princípios da mudança terapêutica (Castonguay & Beutler, in press). Sistematizações dessa ordem podem ser incorporadas à prática de terapeutas analítico-comportamentais consistentemente com sua perspectiva funcional de interpretação dos fenômenos 195 psicológicos e idiográfica de investigação, diagnóstico e tratamento. Nesse caso, no lugar de uma oposição entre padronização e individualização, entraria em cena a noção de que um conhecimento acumulado permite orientar a intervenção clínica analíticocomportamental, que apresentaria graus variáveis de individualização (ou padronização). Uma investigação relatada por Yano (2003) pode ser ilustrativa dos elementos que apóiam a proposição de superação da dicotomia individualização/padronização. Yano desenvolveu um estudo comparativo entre uma combinação drogas/tratamento padronizado e uma combinação drogas/tratamento individualizado, para pacientes com diagnóstico de transtorno de pânico (alguns apresentavam também depressão e/ou agorafobia)69. O tratamento padronizado constou de 12 sessões de TCC [terapia cognitivo-comportamental] ... semanais, onde foram fornecidas informações sobre os aspectos fisiológicos da resposta de luta-fuga, aspectos psicológicos (medos aprendidos), enfocados os procedimentos de exposição repetida ao estímulo temido para enfraquecer associações entre certos contextos situacionais e a experiência de ansiedade e pânico, relaxamento progressivo para permitir respostas contrárias às da ansiedade e treino respiratório, para evitar a progressão de sintomas e, reestruturação cognitiva (identificação e contestação de crenças distorcidas (Yano, 2003, p. 70). Para os participantes do grupo de tratamento individualizado, o tratamento consistiu de 69 Participaram do estudo nove clientes. Três tinham pânico e agorafobia, dois tinham pânico e depressão e quatro tinham pânico, depressão e agorafobia. 196 36 sessões ... de TCC acrescidos de trabalho com classes mais amplas de respostas que abarcam a do diagnóstico, como o fortalecimento de comportamentos alternativos e desenvolvimento de outros comportamentos, mais adaptativos, não enfocando somente os relacionados ao transtorno do pânico ou depressão e sim, os que estivessem relacionados às outras áreas citadas pelos participantes, como por exemplo, relacionamentos com parceiros, filhos, família, trabalho, assertividade, autovalorização e também o ensino ao cliente a analisar os próprios comportamentos (Yano, 2003, p. 71). Yano (2003) não informa o uso de um manual para o tratamento padronizado (genericamente apresentado como conjunto de 12 sessões de terapia cognitivocomportamental focalizando temas específicos). Apenas informa que definidos os focos do tratamento, quando o cliente se remetia a temas diversos dos focos o terapeuta comentava ou prestava informações brevemente e então retornava a um foco. Além disso, no tratamento padronizado o terapeuta não tomava a iniciativa de explorar outras áreas (não foco) que pudessem ser percebidas como relevantes para a problemática do cliente. Yano (2003) categorizou as intervenções do terapeuta como “foco” e “não foco”. Intervenções do tipo “foco” eram aquelas que abordavam temas descritos no tratamento padronizado. Intervenções do tipo “não foco” eram aquelas que se voltavam para outros temas, diversos daqueles mencionados no tratamento padronizado70. Assim, 70 Na descrição de Yano (2003), “denominaremos de ‘categoria foco’ as categorias relacionadas ao tratamento padronizado (ex: ataques de pânico, exercícios, exposição, sintomas da depressão, sono, tranqüilizantes, pensamentos catastróficos) e ‘categorias não foco’ àquelas individualizadas, ou seja, não relacionadas diretamente ao transtorno apresentado (transtorno do pânico, agorafobia e depressão), tais 197 para os dois grupos de atendimentos foi possível produzir uma medida do quanto o terapeuta se concentrou nos focos e o quanto ele se voltou para “não foco”. Na média, o percentual de categorias “foco” do terapeuta ficou em 42% para o grupo individualizado e 70% para o grupo padronizado (conseqüentemente, os percentuais de “não foco” foram de 58% para o grupo individualizado e 30% para o grupo padronizado). Embora não esteja formulado desse modo na descrição de Yano (2003), pode-se dizer que seu procedimento de análise foi capaz de prover, na verdade, uma medida da individualização e da padronização do tratamento, para cada cliente e para cada grupo. Ficando-se apenas com os percentuais de “não foco”, pode-se considerar os percentuais de intervenções do terapeuta desse tipo como uma medida de individualização do tratamento. Prosseguindo com interpretação das intervenções “não foco” como uma medida de individualização, um dado muito importante encontrado por Yano (2003) foi a variabilidade do que aqui está sendo nomeado de índice de individualização entre os clientes de um mesmo grupo, nos dois grupos. Assim, o índice de individualização variou, para os clientes do grupo individualizado, de 49% a 74%, enquanto para o grupo padronizado variou de 25% a 39%. Esses dados permitem concluir que: (a) não houve tratamento puramente individualizado ou puramente padronizado, (b) todos os clientes dos dois grupos receberam um tratamento que foi além da padronização, isto é, em alguma medida individualizado e (c) o índice de individualização pode ser variável, mesmo dentro de um tratamento com prazo para conclusão. Os dados de Yano (2003), do ponto de vista da interpretação aqui oferecida, como relacionamentos, assertividade, comportamento alternativo, percepção de melhoria, autovalorização, dor)” (p. 84, nota 5). 198 ilustram a possibilidade de incorporar-se ao tratamento psicoterápico técnicas e procedimentos para lidar com problemas específicos e, ainda assim, prover tratamentos individualizados, em graus variáveis que atendem as necessidades específicas de cada caso. No contexto de uma abordagem desse tipo para a psicoterapia, passa a fazer menos sentido operar com os rótulos de “padronizado” e “individualizado”. A abordagem recomenda uma apropriação do conhecimento cientificamente estabelecido sobre uma ampla gama de fatores relevantes na psicoterapia e a sensibilidade aos componentes particulares de cada caso clínico. Passa-se a operar com a idéia de que as intervenções variam quanto ao grau de individualização que não pode ser pré-definido. Ao mesmo tempo, o lugar reservado à individualização não torna o tratamento uma intervenção avessa ao conhecimento científico sobre o que funciona, em quais contextos. A rigor, uma intervenção absolutamente individualizada seria uma intervenção que não usufrui do conhecimento acumulado sobre o tratamento para problemáticas específicas, o que é difícil de sustentar no contexto de uma abordagem psicológica fortemente comprometida com a ciência. Em suma, uma psicoterapia baseada em evidências empíricas pode e deve incorporar o saber cientificamente validado e a isso associar a sensibilidade aos aspectos diferenciais dos casos clínicos. Manuais podem ser incorporados nessa psicoterapia, com as funções de promover a apropriação do conhecimento científico sobre fatores comuns e fatores específicos das psicoterapias, o que difere das funções com que têm sido mais freqüentemente usados, de acordo com a literatura analisada no Capítulo 1. Mais do que isso, em um contexto psicoterápico dessa ordem, ignorar a eficácia diferencial de manuais ou protocolos faz pouco sentido. O processo de apropriação, por seu turno, dependerá da referência teórico-metodológica no âmbito da qual a terapia se 199 desenvolve. Esperar que terapeutas com uma dada formação incorporem preceitos ou ofereçam tratamentos formulados à luz de abordagens conflitantes não é compatível à perspectiva aqui desenvolvida. Alguns trabalhos na literatura recente da terapia comportamental sinalizam posições semelhantes àquela apresentada nos parágrafos anteriores (e.g., Hickling & Blanchard, 1997; Eiffert & cols., 1997). Hickling e Blanchard (1997) relatam o uso de um protocolo de intervenção “baseado em manual” para transtorno de estresse pós-traumático, com resultados positivos em termos de remissão dos sintomas71. Acrescentam, porém, preocupações com respeito aos limites da intervenção, como não atenção a outros problemas que podem mostrar-se associados àquele transtorno para alguns pacientes, e aspectos éticos envolvidos no encerramento possivelmente prematuro do atendimento. Em sua discussão, sugerem que “o manual de tratamento ... deveria ser considerado o ponto de partida e não o ponto de chegada do tratamento” (p. 201). Sobre o alcance de estudos como o que desenvolveram e a interpretação possível para os seus dados “positivos”, Hickling e Blanchard afirmam: Acreditamos que a força da intervenção padronizada deriva, em parte, dos componentes do tratamento e, em parte, da flexibilidade da intervenção. Se um consumidor da pesquisa conclui que o resultado foi efetivo com base nos dados de grupos, estará deixando de notar a variabilidade demonstrada pelas necessidades de cada caso único (p. 201). A adequação dos tratamentos baseados em manuais às especificidades de cada 71 Os autores buscaram aplicar o protocolo com “alguma flexibilidade” para “atender à variedade de combinações e conjuntos de sintomas mais relevantes para cada paciente” (Hickling & Blanchard, 1997, p. 199). 200 caso clínico, inclusive rejeitando prazos pré-definidos para encerramento, constituem aspectos da proposta de Hickling e Blanchard (1997) que estão em acordo com aquela delineada nos parágrafos anteriores. Todavia, para Hickling e Blanchard os manuais ainda podem ser pensados como “ponto de partida”, enquanto na proposta aqui apresentada eles não seriam necessariamente nem ponto de partida, nem ponto de chegada, mas recursos a serem incorporados diferencialmente em cada intervenção (tanto em termos do momento em que importariam, quanto em termos da extensão com que seriam aproveitados). Isto é, não se trata de definir previamente um volume de padronização (ou um grau de apropriação) do tratamento e a ele acrescentar algum conteúdo individualizado dependendo de cada caso, mas de formular o tamanho da padronização (e o momento de administrá-la) também dependendo das especificidades de cada caso. Eiffert e cols. (1997) revisam a proposta de padronização de tratamentos e as restrições freqüentemente dirigidas por pesquisadores e terapeutas comportamentais (como a ênfase em técnicas e o uso das categorias topográficas do DSM). Suas críticas enfatizam a necessidade de “formulação do caso”, isto é, de individualização do tratamento a partir de uma compreensão das particularidades da problemática de cada cliente. Essa individualização, todavia, é pensada no contexto de uso dos próprios manuais. Uma vez que os manuais de tratamento estão aqui para ficar, a questão não é se devemos usá-los, mas como podemos usá-los da melhor maneira possível. Estudos relatam que protocolos estruturados claramente mantêm os terapeutas no caminho da mudança comportamental. No entanto, permanecem como tarefas da individualização a tradução das regras do 201 método em forma concreta e sua aplicação às circunstâncias específicas do caso único. A individualização também continuará necessária para a promoção dos tipos de comportamento do paciente que constituem précondições para uma aplicação bem sucedida dos métodos de intervenção – sejam eles manualizados ou não. Nós obviamente precisamos de mais estudos para examinar especificamente questões como quanta flexibilidade é vantajosa e sob que condições (Eifert & cols., 1997, p. 507)72. Iwamasa e Orsillo (1997) referem-se a Eifert e cols. (1997) como “representativos da nova geração de terapeutas comportamentais” (p. 512) e concordam com sua proposta de investir na pesquisa para estabelecer as condições para o uso de manuais na terapia comportamental: “em vez de debater o valor do tratamento padronizado, deveríamos esforçar-nos para avançar a aplicação e a integração dos princípios comportamentais no desenvolvimento contínuo de tratamentos padronizados” (Chambless, 1996)” (p. 512). As observações de Eiffert e cols. (1997) e de Iwamasa e Orsillo (1997) são consistentes com a proposta desenvolvida anteriormente, porém mostram-se diferenciadas em alguns aspectos que em uma primeira leitura talvez não se destaquem. Primeiro, também para eles os manuais constituem o ponto de partida, o que já representa um compromisso mais sistemático com os manuais. Segundo, essa aceitação dos manuais se dá sem um contraponto crítico às funções que apresentam no uso contemporâneo (talvez porque a suposição de que “estão aqui para ficar” signifique que é inevitável operar com eles no contexto dos constrangimentos do sistema de atenção 72 Observe-se que nesse comentário Eifert e cols. (1997) sugerem que um grau maior de individualização não necessariamente está correlacionado com melhores resultados da psicoterapia. A sugestão não cita evidências nessa direção, mas apenas a recomendação de pesquisa a respeito. 202 gerenciada). Finalmente, além das diferenças assinaladas, a proposta delineada ao longo desta seção propõe que a questão da adoção dos manuais seja tratada sob a forma de uma necessária incorporação na prática psicoterápica do conhecimento estabelecido não apenas com respeito a fatores específicos das intervenções, mas também acerca de fatores comuns e princípios de mudança terapêutica. A partir dessa incorporação, propõe-se, finalmente, olhar para a variabilidade dos atendimentos com a noção de graus diferenciados de individualização, que podem ser abordados, discutidos e aferidos de modos diversos. O trabalho de Yano (2003) ilustra uma dessas possibilidades (a partir dos percentuais de intervenções “foco” e “não foco”) e provoca uma indagação acerca de outros possíveis modos de tratar o assunto. 3.5. A INSERÇÃO DA TERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL NO CENÁRIO DE PESQUISA E OFERTA DE SERVIÇOS DE PSICOTERAPIA No início deste Capítulo definiu-se a terapia analítico-comportamental como uma modalidade de psicoterapia baseada na análise do comportamento, que faz uso da análise funcional, a partir de uma abordagem idiográfica para os problemas psicológicos humanos. Terapeutas com esse perfil, denominem-se ou não terapeutas analíticocomportamentais, desenvolvem um trabalho amparado em princípios, conceitos e métodos da ciência do comportamento. Essa referência, no entanto, não sendo ela própria um sistema informativo das habilidades e técnicas requeridas para a intervenção frente aos problemas humanos na clínica ou em outros ambientes, pode apenas amparar, mas não definir a prática profissional. Em vista disso, habilidades e técnicas requeridas para a intervenção clínica analítico-comportamental constituem algo para ser 203 investigado e produzido no âmbito da pesquisa da própria prática clínica. Como assinalado antes, a pesquisa em terapia analítico-comportamental revela dispersão e pouca sistematização, o que repercute sob a forma de uma identidade definida de modo insuficiente e de uma visibilidade restrita de seus aspectos diferenciais (o que explica que alguns terapeutas continuem se apresentando simplesmente como “terapeutas comportamentais”). Talvez se possa dizer que o mesmo acontece com outras vertentes da terapia comportamental, inclusive com a terapia cognitivo-comportamental. Há, entretanto, uma diferença: a terapia cognitivo-comportamental, se ainda não ganhou uma identidade diferenciada frente ao leigo (o que talvez já venha ocorrendo), é claramente reconhecida diferencialmente entre os profissionais de saúde e isso ocorre porque na literatura da área de saúde mental a abordagem constitui uma referência importante. Que o sucesso da terapia cognitivo-comportamental se explica em alguma medida pela compatibilidade de seus componentes teóricos com aspectos de uma lógica médica de investigação da eficácia de tratamentos já foi repetidamente assinalado. A questão que se coloca é outra: se a terapia analítico-comportamental pode ou deve permanecer à parte do desenvolvimento dessa pesquisa, considerando-se, inclusive, que o desenvolvimento e uso de manuais em si não constituem empecilho para a área; ao contrário, tem relações históricas com a área e exemplos contemporâneos. No que diz respeito à relação com o conhecimento contemporâneo resultante da pesquisa sobre resultados da psicoterapia, a terapia (idiográfica) analíticocomportamental poderia estabelecer um debate sobre os limites de uma apropriação possível. Se há conflito com certos modelos teórico-metodológicos, isso não implica que os dados gerados nesses estudos devam ser ignorados. Em particular, os achados relacionados aos fatores comuns das psicoterapias, como relação terapêutica e 204 características dos clientes (Norcross & Hill, 2004) e aqueles relacionados aos princípios de mudança terapêutica (Castonguay & Beutler, in press) podem contribuir para uma maior eficácia da intervenção analítico-comportamental. No entanto, são raros (e.g.Cordova & Kohlemberg, 1994; Ferster, 1979; Follette, Naugle & Callaghan, 1996; Kohlemberg & Tsai, 1991; Rosenfarb, 1992) na literatura sobre terapia analíticocomportamental, ou análise clínica do comportamento, artigos que se remetam àqueles estudos. É digno de nota que alguns trabalhos no Brasil têm abordado essas questões de forma bastante heurística (e.g. Banaco, 1993, 1997; Delitti, 2002; Guilhardi, 1997, 2002, 2004; Meyer, 2001, 2004; Meyer & Vermes, 2001; Silveira & Kerbauy, 2000; Wielenska, 1989; Zamignani, 2000). Mais do que se apropriar do conhecimento existente, porém, constitui um desafio para a terapia analítico-comportamental edificar-se como interlocutora no debate sobre as psicoterapias, desenvolvendo pesquisas que de uma perspectiva crítica, porém afirmativa, abordem os problemas da eficácia, da efetividade e da padronização dos tratamentos. Realizar essas pesquisas tende a tornar-se essencial tanto quanto mais avança a regulação dos serviços de psicoterapia à luz de controles econômicos, o que não parece constituir uma situação provisória ou localizada (nos Estados Unidos e Europa). Especialmente para opor-se aos aspectos negativos daquele tipo de regulação, e não para satisfazer interesses econômicos das empresas, será necessário produzir conhecimento. Sobre as imposições dos elementos econômicos, Hayes e Blackledge (1998) assinalam que a cola que une a psicologia científica ao sucesso do sistema de oferta de atenção à saúde consiste das diretrizes práticas empiricamente baseadas. Toda grande empresa de atenção gerenciada já desenvolveu, e continua a 205 desenvolver, diretrizes práticas para a orientação de seus praticantes. Os interesses por trás do desenvolvimento de diretrizes práticas são econômicos e de propriedade no interior da industria da atenção gerenciada. Um sistema que seja capaz de oferecer serviços eficientes e efetivos melhor do que um competidor é um sistema que será capaz de sobreviver na concorrência com aquele competidor. Mas para entrar em um ciclo de crescimento da qualidade, a variabilidade inexplicada deve ser reduzida entre provedores no interior de um dado sistema. Quando a variabilidade é contida, o crescimento sistemático é possível. Ao gerar diretrizes práticas, os sistemas de oferta de atenção à saúde podem esperar melhorar ao longo do tempo, em termos de qualidade e efetividade do custo de seus sistemas de oferta. Mesmo que as diretrizes estejam amplamente equivocadas, a sua especificidade permite que sejam avaliadas e desenvolvidas com o tempo (p. 267). Em um outro texto onde fica mais claramente sugerida a adesão à lógica do sistema econômico, Hayes (1997) afirma que o que é necessário é um modelo de desenvolvimento e uso do tratamento dirigido para o mercado. Em tal modelo, as únicas distinções feitas entre avaliação e tratamento são aquelas com utilidade econômica e para os resultados ... Os terapeutas comportamentais não podem tirar vantagem da grande oportunidade apresentada pelo novo mundo da oferta industrializada da atenção à saúde, a menos que aceitem a idéia de que (a) apenas uma diferença que faça diferença é importante e (b) a diferença deve ser sentida 206 nos domínios comportamental e econômico (p. 587). As descrições de Hayes (1997) e de Hayes e Blackledge (1998) são polêmicas e a sugestão deste trabalho na direção de um investimento da terapia analíticocomportamental na pesquisa sobre padronização, eficácia e efetividade não deve significar a adesão à lógica econômica descrita pelos autores. Entretanto, ela significa a concordância com a idéia de que a terapia analítico-comportamental deve integrar esforços em torno de programas articulados de avaliação de suas técnicas, procedimentos e resultados. Ela concorda com a observação de Thyer (1997) no sentido de que, se a terapia analítico-comportamental é eficiente como supõem seus praticantes, deve demonstrar isso se tornando parte do movimento de pesquisa sobre a psicoterapia. Talvez, apenas talvez, o que seria útil seriam programas de avaliação em larga escala do tratamento analítico-comportamental, usando delineamentos de sujeito único e de grupo, e a análise visual de dados individuais graficamente apresentados acrescida de análises estatísticas nomotéticas. Usem medidas comportamentais diretas rigorosas, acrescidas das escalas de caneta e papel tão favorecidas pelos terapeutas comportamentais. Examinemos tratamentos analítico-comportamentais individualmente delineados, derivados da análise funcional, versus a tão falada terapia cognitivo-comportamental oferecida via protocolo padronizado. Se esses são tratamentos verdadeiramente efetivos, seus efeitos positivos devem ser passíves de serem detectados usando-se tanto estratégias nomotéticas quanto idiográficas. E avaliações comparativas da efetividade dos tratamentos deveriam ser possíveis. Se a análise do comportamento é tão poderosa quanto acreditamos que seja, então deveríamos participar do grande jogo 207 dos ensaios clínicos randomizados (ECRs). Os ECRs são a moeda do domínio com respeito aos padrões de prova de evidência contemporâneos (p. 733). Thyer (1997) não está sozinho ao considerar que estudos com ECRs podem ser consistentemente realizados por terapeutas analítico-comportamentais. Jacobson (1997), por exemplo, chama a atenção para a diferença entre duas etapas da pesquisa dos tratamentos psicoterápicos, a etapa de desenvolvimento e a etapa de avaliação das estratégias de intervenção. Segundo ele, os terapeutas behavioristas radicais trabalham com a idéia de que os métodos empregados na avaliação de estratégias de intervenção devem ser congruentes com os métodos empregados em seu desenvolvimento (nestes últimos, a “análise experimental de sujeitos individuais”). Jacobson discorda dessa posição: Não vejo nenhuma razão por quê os ensaios clínicos randômicos envolvendo grupos de sujeitos não possam ser usados para testar hipóteses, tanto quanto as nossas comparações de grupo sejam avaliadas e interpretadas de uma maneira consistente com o pensamento contextual ou funcional (p. 631). Para Jacobson (1997), ECRs podem prover informações sobre a variabilidade da resposta a tratamentos previamente desenvolvidos. uma descrição das diferenças de grupos que lance luz sobre a variabilidade na resposta ao tratamento, no interior de grupos e entre grupos, tanto quanto a importância prática da diferença, pode servir a mesma função de um delineamento experimental de sujeito único, no qual a inspeção visual é usada para avaliar a existência de um efeito. Na realidade, delineamentos 208 experimentais de sujeito único não são viáveis para a maioria dos problemas que se apresentam ao terapeuta por adultos em ambientes não institucionais (p. 631). A idéia de Jacobson (1997), de que métodos diferenciados podem ser empregados nas etapas de desenvolvimento e de avaliação de tratamentos, está em acordo com a distinção que Goldfried e Eubanks-Carter (2004) comentam entre fase de descoberta e fase de confirmação. A fase de descoberta é aquela na qual são identificados os aspectos relevantes para o sucesso do tratamento, e que tem como contexto a prática real da psicoterapia. A fase de confirmação envolveria estudos controlados que avaliariam o alcance das proposições formuladas na fase de descoberta. É muito importante observar que Goldfried e Eubanks-Carter, a partir dessa distinção, chamam a atenção para a necessidade de a pesquisa da psicoterapia envolver esforços conjuntos dos praticantes e pesquisadores. A proposta de Jacobson de se diferenciar as etapas e métodos da pesquisa pode também ser discutida sob esse enquadre, isto é, como um caminho para se pensar na integração de esforços de terapeutas analíticocomportamentais e pesquisadores da terapia analítico-comportamental. Ambos os grupos têm demonstrado (por exemplo, nos encontros da ABPMC) o potencial para contribuições muito relevantes à produção de conhecimento sobre terapia analíticocomportamental, mas, ao mesmo tempo, pouca integração e desenvolvimento metodológico. Seja comparando estudos de sujeito único com etudos baseados em ECRs (Thyer, 1997), seja empregando delineamentos de sujeito único para desenvolver tratamentos e ECRs para investigar a variabilidade da resposta ao tratamento (Jacobson, 1997), as observações acima sugerem que os ECRs podem ser tratados como 209 delineamentos úteis para a pesquisa em terapia analítico-comportamental, sobretudo quando possibilitarem tanto a análise de grupos como a variabilidade intragrupos e puderem ser integrados a programas de pesquisa que incluam também estudos com delineamentos de sujeito único. Assim, na discussão dos ECRs, do mesmo modo que na discussão do uso de manuais, é necessário analisar criticamente o contexto em que vêm sendo propostos e exigidos, para ao mesmo tempo identificar a importância e validade que possam ter à parte desse contexto. Uma contribuição para a discussão metodológica na pesquisa sobre terapia analítico-comportamental pode também ser encontrada na proposição do método de treinamento manipulado (Strosahl & cols., 1998). Como observado no Capítulo 1, o método pode ser insuficiente para aferir a eficácia de técnicas específicas, mas provê medidas da efetividade de um treinamento no uso de técnicas específicas73. As técnicas podem ser desenvolvidas por outras vias, isto é, com outros recursos metodológicos. Estudos com o método de treinamento manipulado podem ser conduzidos com o objetivo de complementar estudos de desenvolvimento e avaliação de procedimentos de intervenção em terapia analítico-comportamental. Usando a linguagem de Jacobson (1997), o método pode ser utilizado em um “contexto funcional de interpretação”. Hawkins (1997) considera que o ecletismo da terapia comportamental e problemas como a vulnerabiliade ao modelo médico quando tenta analisar o comportamento humano complexo resultam de suas relações precárias com ciência. 73 Herschell, McNeil e McNeil (2004) descrevem o método afirmando que “um modelo de treinamento que incorpora um workshop didático, o treinamento clínico intensivo e encontros mensais de supervisão foi proposto e sustentado por pelo menos um estudo empírico (Strosahl, Hayes, Bergan, & Romano, 1998); entretanto, a terapia de foco não é ainda considerada um TES” (p. 276). O método é então considerado como uma alternativa que “pode oferecer uma abordagem promissora, nova, e bem especificada, para a disseminação de TESs em um futuro próximo” (p. 276). 210 Essa condição contrastaria com a realidade da análise aplicada do comportamento. Segundo Hawkins, tanto a terapia comportamental quanto a análise aplicada do comportamento estabeleceram-se como campos muito promissores. A análise aplicada do comportamento permaneceu integrada à sua ciência básica e cresceu em seu escopo, precisão e metodologia. Os princípios e procedimentos têm sido aplicados de modo efetivo a uma grande variedade de problemas: clínicos, de desenvolvimento, educacionais, de segurança, reciclagem, conservação, negócios, questões parentais e assim por diante (Kazdin, 1994; Lutzker & Martin, 1981; Martin & Pear, 1996). Portanto, na análise aplicada do comportamento temos um exemplo de verdadeira integração ciência/tecnologia e de seus frutos de imenso valor prático. Na medida em que a vertente básica da análise do comportamento progride, também progridem as vertentes aplicadas. Diferente da análise aplicada do comportamento, a terapia comportamental nunca teve laços muito fortes com a ciência básica (p. 640). O que Hawkins (1997) afirma sobre a limitada conexão da terapia comportamental com a ciência do comportamento não se aplica necessariamente para a terapia analítico-comportamental, ou pelo menos não do mesmo modo. No caso da terapia analítico-comportamental, pode-se considerá-la igualmente uma parte do sistema analítico-comportamental. Uma parte que, do mesmo modo que a análise aplicada do comportamento, se apóia na ciência básica e se volta para a solução de problemas humanos em contextos de intervenção profissional do psicólogo. No entanto, trata-se de uma parte do sistema analítico-comportamental que lida com problemas diversos e em 211 contextos diversos daqueles da análise aplicada do comportamento (ver, a propósito, a diferenciação oferecida por Dougher, 2000, para análise aplicada do comportamento e análise clínica do comportamento) e que, como decorrência, demanda esforços diferenciados para desenvolver-se conceitual e metodologicamente. As soluções para isso, portanto, têm que ser criadas. A possibilidade de a terapia analítico-comportamental formular programas de desenvolvimento e avaliação de tratamentos padronizados, ao mesmo tempo críticos de de uma lógica médica e financeira que regula algumas iniciativas contemporâneas nessa direção, e afirmativos na direção de prover soluções para demandas sociais legítimas, poderia representar um passo na direção de seu desenvolvimento conceitual e metodológico. Ao mesmo tempo, a qualificaria para participar ativamente de importantes debates sobre o exercício profissional da psicologia na atualidade. Finalizando este Capítulo, em acréscimo aos pontos assinalados ao final dos Capítulos I e II, considera-se que um exame da inserção da terapia analíticocomportamental no debate contemporâneo sobre a padronização de tratamentos pode ter como referência os seguintes eixos: 15) É possível diferenciar a terapia analítico-comportamental no universo das terapias comportamentais, a partir de seus compromissos com a ciência do comportamento. Apesar disso, o que hoje se considera características de uma intervenção psicoterápica baseada na análise do comportamento está limitado a pouco mais do que uma referência ao uso da análise funcional e à compreensão dos problemas psicológicos como relações comportamentais idiossincráticas, produtos da história ambiental. 16) A produção de conhecimento em terapia analítico-comportamental acompanha a 212 pouca especificação das estratégias de intervenção e revela certa dispersão. Não se identificam programas amplos de investigação, aos quais grupos diversos se dediquem e que resultem em um conhecimento integrado sobre temas específicos. Em particular, não se identificam programas de pesquisa articulados à literatura contemporânea sobre padronização de tratamentos, eficácia e efetividade da psicoterapia (à exceção, talvez, dos trabalhos liderados por Steven Hayes). Como resultado, a pesquisa não tem promovido um refinamento da identidade do terapeuta analítico-comportamental, nem uma participação expressiva de terapeutas analíticocomportamentais em debates contemporâneos sobre o exercício da psicologia clínica. 17) O uso de manuais só conflita com a perspectiva idiográfica de análise da terapia analítico-comportamental quando elaborado à luz do modelo médico de tratamento psicológico e empregado sob limitações financeiras impostas pelo sistema de atenção gerenciada. Isso significa que a incompatibilidade acontece quando os manuais funcionam para limitar o conteúdo e a duração da terapia, e quando impõem uma lógica psiquiátrica para a análise e intervenção frente aos problemas psicológicos. À parte dessas condições, o uso de manuais ou protocolos de intervenção tanto constitui uma marca histórica das intervenções baseadas na análise do comportamento, quanto pode evoluir nos contextos de programas de desenvolvimento e avaliação de tratamentos analítico-comportamentais. 18) No lugar de classificar as intervenções como padronizadas ou individualizadas, faz sentido para a terapia analítico-comportamental trabalhar com a idéia de que os tratamentos baseados ou não em manuais apresentam diferentes graus de individualização. Assim, mesmo quando amparada em manuais, a intervenção 213 analítico-comportamental revelaria flexibilidade para dar conta das especificidades de cada caso clínico. Por outro lado, devem interessar à terapia comportamental a sistematização e avaliação de procedimentos de intervenção, que possam conferir maior eficácia e efetividade à intervenção, ao mesmo tempo em que não funcionem para limitar conteúdo e duração do tratamento. 19) O uso do método de ECRs não faz parte da tradição de pesquisa da análise do comportamento. Sob as condições que limitam os estudos contemporâneos de eficácia da terapia, o uso de ECRs pode mesmo mostrar-se incompatível com princípios e métodos da análise do comportamento. Todavia, abstraídos desse contexto, os ECRs podem ser úteis enquanto recurso metodológico de um programa de pesquisas sobre a oferta de terapia analítico-comportamental. Nesse caso seriam empregados em estudos complementares a estudos com delineamento de sujeito único e/ou a estudos diversos. A possibilidade de lançar mão dos ECRs merece ser discutida no contexto de um reconhecimento de que a ciência básica não poderá prover todos os conceitos e métodos de que a terapia analítico-comportamental precisará para lidar com as demandas relacionadas à avaliação das psicoterapias. Esses conceitos e métodos precisam ser formulados no âmbito da própria pesquisa da terapia analítico-comportamental, a partir de uma concentração de esforços em torno de programas de investigação (amplos do ponto de vista da participação e específicos do ponto de vista das problemáticas a serem enfocadas). A formulação das alternativas metodológicas poderá usufruir da diferenciação entre etapa de desenvolvimento e a etapa de avaliação dos tratamentos e da distinção entre fase de descoberta e fase de confirmação. 214 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho foi planejado como uma iniciativa na direção da interlocução da análise do comportamento com instituições e atores importantes nos debates atuais sobre a oferta de serviços em psicoterapia. A análise do comportamento constitui um sistema cultural (Glenn, 1993) no interior do qual o contato de cada membro com o comportamento dos demais possibilita o seu desenvolvimento. Também importante é usufruir do contato com outros sistemas (ou subsistemas) no campo da psicologia, da saúde em geral e de outras áreas da cultura. Mais do que isso, parece razoável argumentar que daquela interlocução pode depender largamente o reconhecimento social da análise do comportamento como disciplina psicológica e o conseqüente acesso dos membros desse sistema a um conjunto diversificado de oportunidades acadêmicas e profissionais. A proposta de discutir a padronização dos tratamentos sob a ótica da análise do comportamento colocou, desde o início, a necessidade de circunscrever dois problemas. Primeiro, a própria definição do que pode ser assumido como terapia analíticocomportamental. Intervenções usualmente designadas de “terapia comportamental” não constituem uma referência suficiente face à diversidade do que representam (cf. Forsyth, 1997; Forsyth & Hawkins, 1997; Forsyth & cols., 1999; Hawkins, 1997; O'Donohue & Krasner, 1997). Quando se tenta diferenciar a terapia analíticocomportamental desse conjunto maior (e.g., Dougher, 1993, 1994a; Dougher & Hackbert, 1994; Follette, Bach & Follette, 1993; Hayes & Wilson, 1993, 1994; Hawkins, 1995; Kohlenberg, & cols., 1993; Kohlenberg & Tsai, 1994), tampouco se alcança uma descrição muito precisa dos modelos de intervenção e de seus vínculos 215 com princípios e conceitos da análise do comportamento. Assim, o uso da análise funcional no contexto de uma visão selecionista do comportamento e de uma abordagem idiográfica para os problemas psicológicos parece resumir o que tem orientado intervenções clínicas que se apresentam como analítico-comportamentais. Sob esse enfoque, deve-se notar, técnicas e procedimentos muito diversos podem encontrar acolhida, o que não é necessariamente problemático, mas demanda uma análise cuidadosa. Essa foi a referência adotada para toda a discussão aqui desenvolvida sobre a terapia analítico-comportamental e como tal circunscreve a validade ou alcance de muitas das conclusões a que se chegou. O segundo problema, sinalizado desde o início do trabalho, consistia da notória incompatibilidade entre “pacotes” de intervenção e a compreensão idiográfica dos problemas psicológicos que caracteriza a perspectiva analítico-comportamental na intervenção clínica. À luz desse reconhecimento, para que o trabalho representasse de fato uma contribuição original, fez-se necessário proceder de modo a não demonstrar simplesmente aquela incompatibilidade, mas promover uma compreensão aprofundada das propostas de padronização e uma especificação mais elaborada das condições de sua adoção em terapia analítico-comportamental. Foi em resposta a essa preocupação que se considerou importante reconstituir o cenário histórico em que os manuais vieram a tornar-se um tema central para o debate sobre a oferta de psicoterapia na atualidade, para então discutir de um modo mais avançado a possibilidade de a terapia analíticocomportamental também lançar mão de recursos dessa ordem. O levantamento bibliográfico realizado tornou evidente a necessidade de proceder ao exame de questões como o movimento pela validação das psicoterapias e fatores comuns e específicos nas psicoterapias. Esse mesmo levantamento talvez tenha 216 sido insuficiente para captar uma produção mais diversificada em análise aplicada do comportamento, estudos que fazem uso de protocolos diversos, mas nem sempre os apresentam como manuais, ou não se detêm em questões como aquelas encontradas na literatura sobre a padronização de tratamentos na clínica. No exame do percurso histórico que explica o interesse atual pela padronização de tratamentos, fica evidente que iniciativas forjadas a partir de sistemas de produção de conhecimento e práticas profissionais associadas, isto é, iniciativas reguladas originalmente pelo conhecimento (científico) disponível e pelas realidades contactadas diretamente pelos profissionais que se servem desse conhecimento, vão sendo apropriadas por setores econômicos, políticos e sociais, que imprimem à oferta de serviços em psicoterapia seus interesses, crenças e objetivos. Como resultado, a padronização e validação de tratamentos deixam de ser primariamente uma iniciativa impulsionada pelo desenvolvimento da pesquisa sobre resultados da psicoterapia e passam a ser movidas também por determinantes de outra ordem. Uma interação complexa de desenvolvimentos metodológicos (adoção de manuais e ensaios clínicos randomizados) associados à Geração III da pesquisa sobre resultados das psicoterapias, políticas públicas de financiamento da pesquisa em saúde mental (a medicalização instituída pelo NIHM), pressões econômicas do sistema de atenção gerenciada (restrições no sistema de reembolso) e tentativas institucionais de reservar à profissão algum poder regulatório (as Forças Tarefas da APA) passam a conferir aos manuais funções diversas e por vezes conflitantes. O próprio status do conhecimento científico como fundamento para a prática profissional e, assim, para um julgamento sobre as características e alcance da padronização possível, transforma-se, na direção de um menor prestígio face a todos aqueles novos fatores. 217 Um exame crítico da padronização torna-se indispensável, a fim de se visualizar elementos de sua fundamentação científica e de seus compromissos ideológicos e sociais. Informações e análises diversas reproduzidas ao longo deste estudo evidenciam que, embora os manuais se originem na pesquisa científica das psicoterapias, não é o desenvolvimento científico que explica muitas das características ou funções que passam a apresentar, mas motivações próprias de segmentos sociais que usufruem das vantagens financeiras de uma economia de mercado e da subornidação dos serviços de saúde à lógica de seus interesses. Nesse contexto, a padronização, no lugar de representar a incorporação de avanços científicos na prática do profissional de psicoterapia, pode representar, ao contrário, o comprometimento da eficácia do tratamento clínico. O esforço da APA para intervir no debate sobre a eficácia e efetividade das psicoterapias (cf. Beutler, 2002a; Castonguay & Beutler, in press; Chambless & cols., 1996; Chambless & cols., 1998; Norcross, 2002; Norcross & Hill, 2004; Task Force on Promotion and Dissemination of Psychological Procedures, 1995) pode ser reconhecido como uma tentativa de fazer valer a referência científica na definição dos espaços sociais e profissionais reservados às práticas e saberes psicológicos. Esse próprio esforço não deixa de ser pautado por variáveis relacionadas a fatores políticos que passam a interferir na pesquisa e na oferta de serviços psicológicos, mas sugerir que ciência e prática profissional podem ser dissociadas (e.g., Levant, 2004) não representa uma posição mais consistente (cf. Beutler, 2004). O debate sobre o alcance dos produtos das forças tarefas da APA parece caminhar na direção de um reconhecimento do valor e dos limites de especificações científicas dos componentes do processo psicoterápico que respondem por resultados positivos, seja sob a forma de manuais descritivos de 218 procedimentos e técnicas (fatores específicos das psicoterapias), seja sob a forma de sistematizações de princípios da mudança terapêutica (fatores comuns das psicoterapias). A simples referência ao uso ou não de manuais ou prescrições mais genéricas, descontextualizada de aspectos mais complexos que podem estar envolvidos na questão, será de pouca ajuda ao profissional interessado em prover serviços que incorporem o conhecimento atualizado em sua área. Independentemente das variáveis que vão conformando a pesquisa e a oferta de serviços de psicoterapia, setores sociais mais amplos do que o sistema de atenção gerenciada demandam que os serviços oferecidos por profissionais de Psicologia (e de outras áreas) estejam baseados em evidências. Essa exigência favorece uma preocupação com a investigação científica e o investimento financeiro correspondente, que não devem ser menosprezados. Especialmente para aquelas psicologias mais comprometidas com o saber científico, essa demanda pode ser vista como bastante positiva. Por outro lado, trata-se de uma demanda que para ser atendida vai requerer de cada sistema psicológico a capacidade de forjar metodologias próprias para a investigação aplicada. Em contrapartida, o movimento pelas práticas baseadas em evidências cria algumas das condições intelectuais (o interesse pela diversidade metodológica e o reconhecimento da complementaridade de estudos desenvolvidos com métodos alternativos) e sociais (a exigência de submissão da prática ao inquérito científico) necessárias para a emergência de compromissos e de uma lógica de investigação que não são os mesmos construídos sob os auspícios do sistema de atenção gerenciada. No âmbito do movimento pelas práticas baseadas em evidências, a padronização e a correspondente proposição de manuais tende a continuar como um objetivo. No 219 entanto, a emergência de uma nova lógica e de novos compromissos pode vir a significar que a padronização seja vista essencialmente como consolidação do conhecimento científico atualizado, o que não implicaria aspectos como duração estrita de tratamento, ou restrição à apreciação de conteúdos diversos em um atendimento clínico particular. Esteja ou não contida na noção de práticas baseadas em evidências, é compatível com uma perspectiva analítico-comportamental a idéia de que a padronização de tratamentos (ou a sistematização de estratégias, procedimentos e técnicas que podem ser efetivas para clientes diversos com problemas funcionalmente semelhantes) não se opõe necessariamente à inevitável individualização do atendimento clínico. A formulação daquelas diretrizes, ao contrário, pode ser vista como um modo de sistematizar para o praticante da psicoterapia o conhecimento atualizado sobre a intervenção. Entretanto, ainda se mostra necessária uma elaboração mais sistemática da articulação, na terapia, dos elementos que representam a individualização do tratamento com os componentes que o tornam “padronizado”. Uma elaboração sobre esse problema demandará certamente a consideração de mais fatores do que aqueles mencionados neste trabalho, mas algumas direções possíveis são sugeridas nos parágrafos seguintes. Como já afirmado, a individualização do tratamento é inevitável quando se intervém com uma interpretação analítico-comportamental dos problemas psicológicos. Isto é, em terapia analítico-comportamental, mesmo quando se pretende estar oferecendo um tratamento “padronizado” a individualização se impõe. Isso é verdade tanto nas intervenções basicamente verbais (cf. Yano, 2003) quanto em intervenções que se ocupam principalmente da manipulação direta de contingências de reforçamento (cf. McMahon & Forehand, 2003). Mas isso não significa que a individualização 220 produzida de qualquer modo é justificada em terapia analítico-comportamental. A fim de explicar esse ponto de vista, discutem-se, nos parágrafos seguintes, as possíveis “fontes de individualização”. A explicitação dessas fontes serve também para sugerir feições que a padronização pode ou deve assumir nas intervenções analíticocomportamentais. As fontes de individualização em um intervenção clínica podem ser de três ordens. Uma primeira diz respeito à variabilidade das relações comportamentais, ao caráter idiossincrático das relações comportamentais que definem os problemas de cada indivíduo em atendimento. Em razão disso, qualquer modelo de intervenção, para ser eficiente, precisará ser sensível àquela variabilidade e prover condições para que seja adequadamente contemplada em suas estratégias. Uma segunda fonte de individualização diz respeito àquela parcela do repertório do terapeuta necessária a uma prática bem sucedida, mas que só pode ser adquirida pela exposição às contingências do atendimento clínico. Isto é, há um saber (ou uma arte) na capacidade de atuar em psicoterapia que não se presta a uma sistematização científica, não pode ser materializado em regras, mas é adquirido (ou não, dependendo da sensibilidade do aprendiz às contingências relevantes) na experiência clínica. Esse conhecimento modelado pela exposição às contingências constitui uma fonte de individualização tanto quanto implica uma variabilidade entre a ação de diferentes terapeutas e para um mesmo terapeuta frente a casos clínicos de natureza diversa (quanto ao tipo de problemática, de cliente etc.). Uma terceira fonte de individualização diz respeito àquele repertório do terapeuta que é necessário para que ele seja bem sucedido, e que se presta à investigação científica e a sua correspondente descrição sob a forma de regras que especificam 221 estratégias, procedimentos e técnicas eficazes. Esse componente é representado pelo estágio em que se encontra a produção (ou apropriação) de conhecimento acerca de um modelo de intervenção, podendo variar o grau com que o saber disponível (ou apropriado) é suficiente para prescrever estratégias, procedimentos e técnicas e prever o desenrolar de seu uso. Quanto menor o alcance desse conhecimento, maior a tendência à individualização, já que cada terapeuta estará ancorando seu trabalho (apenas) em variáveis próprias de sua história. Com respeito à primeira fonte de individualização, o caráter idiossincrático de cada caso clínico, é necessário reconhecê-la e contemplá-la na intervenção. A segunda fonte, o repertório do terapeuta modelado por contingências, deve também ser reconhecida, embora se deva buscar programas de formação que coloquem os aprendizes em contato com variáveis relevantes para a aquisição daqueles repertórios. Já com respeito à terceira fonte de individualização, a produção ou incorporação de um conhecimento cientificamente validado, é esperado que se promova e se incorpore conhecimento científico que possa dotar o profissional de maior previsibilidade sobre a eficácia diferencial de estratégias, procedimentos e técnicas alternativas. À luz dessa distinção, reconhecer a necessidade de individualização do tratamento não pode corresponder a abrir mão do conhecimento científico sobre a intervenção clínica, mas ficar sensível ao que é próprio da história de cada cliente quando se intervém com os recursos validados cientificamente. Também a partir dessa diferenciação é possível supor que um tratamento estritamente individualizado seria um tratamento que em nada incorporaria o conhecimento científico disponível sobre os fenômenos psicológicos e as possibilidades de intervenção frente aos mesmos. Defender a individualização de um modo absoluto é defender a psicoterapia meramente como 222 arte, dando as costas para a ciência, o que pode ser compatível com outros discursos que habitam o campo da psicologia, mas certamente não se coaduna com a perspectiva da análise do comportamento. Ao contrário, na tradição analítico-comportamental, uma articulação entre recursos cientificamente avaliados e o reconhecimento da necessidade de abordagens idiográficas para os problemas psicológicos é o que de algum modo vem sendo feito, há bastante tempo, por terapeutas, em intervenções que conjugam a terapia verbal com o manejo direto de contingências, e que começa a ser feito por terapeutas que oferecem a terapia estritamente verbal. É importante notar que individualização e padronização não correspondem à dicotomia fatores comuns / fatores específicos da psicoterapia. Ambos os tipos de fatores se prestam à investigação científica que pode originar diretrizes eficazes para a intervenção. Isto é, fatores específicos (e.g., procedimentos específicos) e fatores comuns (e.g., propriedades da relação terapêutica) constituem uma fonte de individualização apenas enquanto não são objetos de investigação científica sistemática, embora se prestem a esse tipo de investigação. Possivelmente, há outros fatores comuns que se encaixam naquela definição das habilidades aprendidas com a experiência, mas esses são outros fatores comuns, não são aqueles sobre os quais se formulam descrições. Uma terapia que incorpore o conhecimento científico sistematizado sobre fatores comuns e fatores específicos estará reduzindo a variabilidade que dá origem a uma fonte de individualização, mas não resultará em tratamentos estritamente padronizados. Por essa razão, considerou-se importante superar a mera oposição individualizaçãopadronização. A proposta de fazer uso do conceito de graus de individualização, ou graus de padronização dos tratamentos em terapia analítico-comportamental, do ponto de vista 223 do modo como foi aqui formulada, constitui também uma maneira de (a) reconhecer as diferentes fontes de individualização dos tratamentos clínicos, (b) admitir a importância (e recomendar a incorporação crítica) de toda investigação científica acerca de fatores relevantes no processo de atendimento clínico e (c) reconhecer a necessidade de a terapia analítico-comportamental dedicar-se à produção de um conhecimento sistemático e integrado acerca de suas feições como modelo de intervenção. Tal conhecimento tenderá a reduzir a variabilidade da ação dos terapeutas, na medida em que reduzirá as fontes de individualização do terceiro tipo, mas é justamente isso que se pode esperar de um modelo de intervenção cientificamente fundamentado. Por outro lado, não existe a possibilidade desse conhecimento conduzir a uma padronização estrita da intervenção, em vista das demais fontes de individualização continuarem operando. Seja promovendo o desenvolvimento e uso de manuais eficazes, seja preservando na intervenção o reconhecimento do caráter idiossincrático das relações comportamentais e da história ambiental de cada um, será importante à terapia analítico-comportamental compreender criticamente os determinantes não científicos dos apelos contemporâneos à padronização. Esses apelos incorporam interesses e crenças para além da ciência psicológica, mas a visualização dessa limitação pode funcionar para promover, não interditar, o avanço científico da terapia analítico-comportamental. 224 REFERÊNCIAS Abrahamson, D. J. (1999). Outcomes, guidelines and manuals: On leading horses to water. Clinical Psychology: Science and Practice, 6(4), 467-471. Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001). 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American Psychologist, 44(4), 703-708. 238 GLOSSÁRIO ABA - Association for Behavior Analysis (Associação para a Análise do Comportamento) é uma entidade internacional, nos Estados Unidos, que congrega os analistas do comportamento. APA – American Psychological Association (Associação de Psicologia Americana): entidade que cuida da gestão da profissão de psicólogo nos Estados Unidos. Conta em sua estrutura com várias “Divisões” que se ocupam de áreas e de interesses específicos da psicologia. Publica um número expressivo de periódicos científicos, em diversas áreas da psicologia, incluindo periódicos sobre a prática profissional. Atenção Gerenciada – Do inglês Managed Care: paradigma de gerenciamento da atenção à saúde, baseado no reembolso por serviços. Será também empregada a expressão Sistema de Atenção Gerenciada para referir o conjunto de entidades que operam sob esse paradigma. CR – Consumer Reports: revista norte-americana, dirigida ao público em geral e dedicada a temas de interesse do consumidor. Divisão 12 – Divisão de Psicologia Clínica da APA. Divisão 29 – Divisão de Psicoterapia da APA. DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais é um Sistema de Classificação e Diagnóstico das “doenças mentais”. Tem sido freqüentemente utilizado nas pesquisas de validação empírica para a definição da população à qual o tratamento é dirigido e testado. ECRs - Ensaios Clínicos Randomizados. Do inglês Randomized Clinical Trials – 239 RCTs: Método originalmente empregado em pesquisas em farmacoterapia, que, quando empregado em pesquisas de psicoterapia, inclui, entre outros aspectos, a comparação entre grupos submetidos a procedimentos diferentes de intervenção, distribuição randômica dos participantes entre os grupos, especificação dos procedimentos de intervenção em cada condição experimental e verificação da concordância entre os procedimentos definidos e a atuação do terapeuta. Efetividade da Terapia: validade de um tratamento aferida a partir de seu funcionamento na situação de oferta real do serviço. Eficácia da terapia: validade de um tratamento aferida a partir de estudos controlados com metodologia baseada em ECRs. FDA – Food and Drug Administration: agência norte-americana responsável pela autorização de comercialização de mercadorias e serviços nas áreas de alimentação e saúde. Forças Tarefas: grupos de trabalho constituídos pela APA com a função de desenvolver estudos ou tarefas específicos. NASPR – North American Society for Psychotherapy Research (Sociedade NorteAmericana para a Pesquisa da Psicoterapia): junto com a Divisão 12 da APA foi responsável por uma Força Tarefa para a identificação de “princípios de mudança terapêutica”. NIMH – National Institute for Mental Health (Instituto Nacional para a Saúde Mental): agência norte-americana que regula e financia pesquisas na área de saúde mental. PBEs – Práticas Baseadas em Evidências. Do inglês Evidence-Based Practices – EBPs: 240 conceito empregado na caracterização de intervenções que foram avaliadas e validadas em estudos empíricos. A expressão passou a ser predominantemente empregada no lugar de “tratamentos empricamente validados”, ou “tratamentos empiricamente sustentados. Terceiras Partes – do inglês Third Party Payors: entidades governamentais ou empresariais que custeiam o serviço de saúde usufruído por clientes com cobertura pelo sistema de atenção gerenciada. TESs – Tratamentos Empiricamente Sustentados. Do inglês Empirically Suported Treatments - ESTs. Conceito empregado em um segundo momento pela Divisão 12 da APA na caracterização de tratamentos psicoterápicos cuja eficácia foi aferida em estudos controlados. TEVs – Tratamentos Empiricamente Validados. Do inglês Empirically Validated Treatments - EVTs. Conceito inicialmente empregado pela Divisão 12 da APA na caracterização de tratamentos psicoterápicos cuja eficácia foi aferida em estudos controlados. 241 242