REVISTA JURÍDICA CONSULEX ONLINE Matéria de Capa Walter Douglas Stuber Sócio fundador da Walter Stuber Consultoria Jurídica. Especialista em Direito Bancário e Mercado de Capitais, Investimentos Estrangeiros e Negociações Empresarias, abrangendo Mergers & Acquisitions, Direito Comercial e Societário. 31/10/2008 REFLEXOS DA CRISE INTERNACIONAL NO BRASIL Como foi amplamente divulgado pela imprensa nacional e internacional, nestes últimos meses, várias entidades tradicionais, em diferentes países, enfrentaram sérios problemas de liquidez e sucumbiram, sendo adquiridas por concorrentes ou recebendo volumosos aportes de recursos dos respectivos governos, em uma estratégia destinada a evitar que o pânico se disseminasse e a situação se agravasse ainda mais, afetando o sistema como um todo. Embora hoje o Brasil esteja mais preparado para enfrentar o choque externo, atualmente vivemos em uma aldeia global e nenhum país está isolado ou completamente imune aos seus efeitos. Por esse motivo, as autoridades monetárias brasileiras não estão paralisadas e também já se mobilizaram para diminuir o impacto desses reflexos no mercado local, pois até agora todas as iniciativas para tentar superar essa crise financeira têm sido limitadas e adotadas no âmbito nacional. Nos meses de setembro e outubro de 2008, o Banco Central do Brasil (Bacen) anunciou algumas mudanças pontuais nas regras dos recolhimentos compulsórios (depósitos compulsórios) das instituições financeiras, abrangendo todas as entidades que captam depósitos, ou seja, bancos múltiplos, bancos de investimento, bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário e associações de poupança e empréstimo, com o objetivo de compensar os reflexos, no Sistema Financeiro Nacional, da restrição de liquidez observada no sistema financeiro internacional. O recolhimento compulsório é um dos instrumentos utilizados pelo Bacen para controlar a quantidade de dinheiro que circula na economia, mediante o qual essas entidades são obrigadas a depositar no próprio Bacen parte dos recursos captados dos seus clientes nos depósitos à vista (45%), a prazo (15%), ou poupança (20%). Pelo dinheiro recolhido por meio desse compulsório, as instituições recebem do Bacen uma remuneração proporcional àquela oferecida a seus clientes. Vale dizer, pelo compulsório sobre depósitos à vista, a instituição não recebe nada, pelo compulsório sobre depósitos de poupança, a remuneração é equivalente ao índice de correção da caderneta de poupança e assim por diante. Estas alíquotas não foram alteradas e permanecem as mesmas. Há também outra exigência (exigibilidade adicional), segundo a qual as instituições financeiras devem recolher 5% dos depósitos à vista e a prazo e 10% dos depósitos de poupança, recursos esses que ficam indisponíveis e são remunerados pela taxa Selic. A alíquota era de 8% e foi reduzida para 5%, por meio da Circular nº 3.408, de 08.10.08. A alíquota de 10% continua a mesma. Essa regra vale a partir do período de cálculo, de 29.09.08 a 03.10.08, cujo ajuste ocorre em 13.10.08. Pelas normas vigentes, quando a soma do valor a ser recolhido, considerando essas três alíquotas em conjunto, como exigibilidade adicional, fica abaixo de um determinado montante a ser deduzido, a instituição financeira nada recolhe. O valor da dedução que anteriormente era de R$ 100 milhões foi elevado para R$ 300 milhões, pela Circular nº 3.405, de 24.09.08, e posteriormente para R$ 700 milhões, pela Circular nº 3.408, de 08.10.08. Essa regra vale a partir do período de cálculo, de 29.09.08 a 03.10.08, cujo ajuste ocorre em 10.10.08. Além disso, foi adiado o cronograma de implementação do recolhimento compulsório em títulos federais sobre depósitos interfinanceiros, captados por essas entidades das sociedades de arrendamento mercantil (sociedades de leasing). O recolhimento com base na alíquota de 20%, que seria realizado a partir de 14.11.08, foi adiado para 16.01.09, e a adoção da alíquota de 25%, que vigoraria a partir de 16.01.09, passa a valer em 13.03.09. Por meio da Circular nº 3.407, de 02.10.08, o Bacen decidiu promover novas alterações no recolhimento compulsório, em títulos públicos federais, incidentes sobre depósitos a prazo, medida essa que beneficia especialmente os bancos de pequeno e médio porte, que terão maior facilidade para negociar a cessão de suas carteiras de crédito a outros bancos até 31.12.08. As instituições financeiras ficam autorizadas a deduzir do recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo o valor de aquisição de operações de crédito de outras instituições financeiras, desde que observadas as seguintes condições: (i) a instituição financeira vendedora deverá possuir patrimônio de referência de até R$ 2,5 bilhões; (ii) o valor da dedução será limitado a 40% do total do recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo a ser recolhido ao Bacen; (iii) a instituição compradora poderá destinar somente 20% do limite abatido para aquisição de operações de crédito de uma determina instituição financeira; esta condição tem por finalidade permitir que cada compradora beneficie pelo menos duas vendedoras; (iv) somente poderão ser utilizadas operações de crédito originadas na instituição financeira até o final deste ano (31.12.08); (v) conseqüentemente, serão consideradas apenas compras de carteira efetivadas até 31.12.08; (vi) admite-se a coobrigação da cedente (a instituição vendedora), ficando porém vedada a recompra dos créditos cedidos; e (vii) a Circular nº 3.407 surte efeito a partir do período de cálculo do recolhimento compulsório de 29.09.08 a 03.10.08, cujo ajuste ocorre em 10.10.08. Em termos de impacto, segundo as estimativas do Bacen, a mudança no cálculo do recolhimento compulsório sobre os depósitos a prazo deve liberar R$ 6,3 bilhões para as instituições financeiras. A redução de 8% para 5% da alíquota da exigibilidade adicional deve liberar outros R$ 16.9 bilhões. As mudanças nas regras do recolhimento compulsório ocorridas nos meses de setembro e outubro injetarão até R$ 59,9 bilhões na economia. Dentre as medidas já adotadas pelo governo, cumpre ainda mencionar que o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou a Resolução nº 3.615, de 30.09.08, que flexibiliza as operações de crédito realizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que poderá considerar como cliente distinto cada uma das empresas atuantes no setor petrolífero, controladas direta ou indiretamente pela União, inclusive a Petrobras. Com tal decisão, essas empresas deixam de ser computadas pelo BNDES no conjunto das empresas da União, no que diz respeito ao limite de exposição a risco por cliente. Além disso, as participações societárias detidas pelo BNDES nas empresas petrolíferas controladas pela União não são computadas no cálculo do limite de exposição. Finalmente, é necessário citar a Medida Provisória nº 442, de 06.10.08, que dispõe sobre operações de redesconto pelo Bacen e autoriza as sociedades de arrendamento mercantil a emitir título de crédito, nominativo, endossável e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, denominado Letra de Arrendamento Mecantil (LAM). Nos termos dessa MP, caberá ao CMN estabelecer critérios e condições especiais de avaliação e de aceitação de ativos recebidos pelo Bacen em operações de redesconto em moeda nacional ou em garantia de operações de empréstimo em moeda estrangeira. Nas operações de empréstimo, o Bacen fica autorizado a: (i) liberar o valor da operação da mesma moeda estrangeira em que denominados ou referenciados os ativos recebidos em garantia; e (ii) aceitar, em caráter complementar às garantias oferecidas nas operações, garantia real ou fideijussória outorgada pelo acionista controlador, por empresa coligada ou por instituição financeira. Na ocorrência de inadimplemento, o Bacen poderá, mediante oferta pública, alienar os ativos recebidos em operações de redesconto ou em garantia de operações de empréstimo. Essa alienação não será obstada pela intervenção, recuperação judicial, liquidação extrajudicial, falência ou insolvência civil a que sejam submetidos, conforme o caso, a instituição financeira ou o terceiro titular do ativo oferecido em garantia de empréstimo. De acordo com a MP, a LAM obedece, no que couber, a legislação cambial, não constitui operação de empréstimo ou adiantamento, por sua aquisição em mercado primário ou secundário, nem se considera valor mobiliário para os efeitos da Lei nº 6.385, de 07.12.76, e será emitida sob a forma escritural, mediante registro em sistema de registro de liquidação financeira de ativos autorizados pelo Bacen. O endossante da LAM não responde pelo seu pagamento, salvo estipulação em contrário. O CMN poderá baixar resolução disciplinando as condições segundo as quais as instituições financeiras poderão financiar suas controladas, coligadas ou interdependentes que se especializarem em operações de arrendamento mercantil. A aquisição de debêntures emitidas por sociedades de arrendamento mercantil, em mercado primário ou secundário, constitui obrigação de natureza cambial, não caracterizando operação de empréstimo ou adiantamento. O Governo continua estudando outras medidas para beneficiar os exportadores e os agricultores, que poderão ser divulgadas em breve.