ADOECIMENTO PROFISSIONAL: REFLEXOS DAS NOVAS EXIGÊNCIAS IMPOSTAS PELO MERCADO DE TRABALHO AOS ASSISTENTES SOCIAIS Juliano Aparecido de Almeida 1 Suênya Thatiane Souza de Almeira 2 RESUMO O presente estudo visa fazer uma reflexão crítica sobre as exigências contemporâneas impostas aos assistentes sociais bem como as consequências que tais exigências impacta na vida deste profissional enquanto trabalhador inserido na divisão sócio-técnica do trabalho. Teremos o adoecimento profissional como uma das consequências do sistema capitalista em que impõe normas e formas de agir profissional que vão de encontro com as suas necessidades e não contempla o projeto profissional defendido pela categoria que visa a emancipação política e social dos sujeitos. O trabalho precarizado também é outro ponto a ser abordado nesse artigo. Palavras chaves: Serviço Social; Adoecimento; Trabalho; Capitalismo; Precarização. 1 Mestre em Adolescente em Conflito com a Lei pela Universidade Bandeirantes de São Paulo - Uniban. Professor do Curso de Serviço Social da Faculdade Novos Horizontes e Assistente Social do Centro Jurídico e Social da Faculdade Novos Horizontes- Belo Horizonte/MG. 2 Coordenadora do Curso de Serviço Social da Faculdade Novos Horizontes - Belo Horizonte / MG. Doutoranda em Serviço Social pela UNESP / Franca - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestre em Serviço Social pela UNESP / Franca - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Especialista em Intervenção Familiar pela Faculdade Santo Agostinho de Montes Claros (2005). Graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2001). INTRODUÇÃO Este trabalho partiu das inquietações acerca de contatos e experiências vivenciadas pelos pesquisadores, no que diz respeito às “novas exigências” impostas pelo mercado de trabalho bem como para com as exigências impostas ao profissional assistente social na atualidade em suas múltiplas e complexas ações, que de forma contundente e de maneira prática acarreta em uma “porta aberta” para o adoecimento deste profissional em virtude de tais exigências e da forma precarizada em que vem desenvolvendo o seu trabalho, se tornando um profissional imediatista tendo que atender somente às expectativas e exigências impostas pelo capital. O assistente social encontra-se em vários espaços sócio-ocupacionais junto a outros profissionais que ampliam o mercado de trabalho e abre novas possibilidades de intervenção profissional, ao mesmo tempo em que precariza e intensifica os processos de trabalho, tencionando as formas de efetivação do projeto ético político profissional do Serviço Social frente às demandas do capitalismo. O trabalho do assistente social tem sido um tema presente na agenda profissional, e vem ganhando centralidade crescente nos debates de profissionais estudantes e pesquisadores do Serviço Social, sinalizando a premência de estudos e pesquisas que desvendem o processamento do trabalho do assistente social (IAMAMOTO, 2007) e as formas por ele assumidas nos diferentes espaços ocupacionais e nas diversas atividades que desenvolvem no cotidiano das instituições públicas e privadas. Outro fator importante a ser ressaltado é a precarização da formação profissional, uma vez que algumas instituições por seu caráter de formação são estimuladas por um nicho de mercado e, consequentemente, trabalhando na formação profissional massificada que possibilite responder aos anseios deste e, principalmente, tomar um caminho que vise a um processo inverso que se destina a prática profissional do Serviço Social, que é de se trabalhar na humanização, validação de direitos, emancipação dos sujeitos e não a dar as respostas que o sistema capitalista necessita ouvir. Propomo-nos a iniciar o debate fazendo uma reflexão acerca das competências e habilidades que são exigidas ao profissional assistente social, que é definida mediante a clareza das competências deste na sociedade, e as suas competências de atuação são definidas pelas demandas da sociedade e as demandas próprias da profissão. Este movimento exige um constante repensar das intervenções e ações inerentes ao processo de formação. Refletimos ainda sobre o adoecimento profissional como uma consequência das exigências desse cenário mercantil e globalizado em que se exige cada vez mais do profissional, oferecendo-lhe cada vez menos condições para o bom desenvolvimento do seu trabalho. Com isso, percebemos o elevado número de profissionais “doentes” em diversos níveis e situações, pois o atual sistema capitalista faz com o que o mesmo se submeta às mais variadas formas de exploração, no qual o próprio assistente social faz parte deste contexto, uma vez que está inserido na divisão social e técnica do trabalho. No entanto, a busca por uma sociedade mais justa e menos desigual tem ocasionado um processo de sofrimento e, consequente adoecimento dos assistentes sociais, uma vez que o mesmo se vê “impotente” diante da realidade capitalista na qual está inserido em que as políticas sociais são insuficientes para a garantia dos direitos sociais, da defesa da liberdade e da igualdade dos seus usuários . Com isso, se vê no meio desse “fogo cruzado”, mediando as relações capital x trabalho e o seu adoecimento acaba por se tornar “inevitável”. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES EXIGIDAS AO PROFISSIONAL NA ATUALIDADE Partindo das considerações de Iamamoto (2007) é necessário fazer uma revisão crítica da trajetória profissional do assistente social a partir dos anos 1980, que serviu para “redefinir” os rumos da profissão. As novas exigências, se dão em virtude das alterações que o mundo do trabalho, vem imprimindo na sociedade, repercutindo de forma direta na reforma do Estado e no papel que a sociedade civil assume neste contexto. A preocupação que move tais reflexões é de construir, no âmbito do Serviço Social, uma proposta de formação profissional conciliada com os novos tempos, radicalmente comprometida com os valores democráticos e com a prática de construção de uma nova cidadania na vida social, isto é, de um novo ordenamento das relações sociais. (IAMAMATO, 1998, p. 168). O desafio é fazer com que a formação do assistente social nos tempos atuais dê um “salto de qualidade”, conforme aponta Iamamoto (1998), fazendo com que o novo currículo não nasça “velho”. Este novo projeto de formação profissional deve estar atento a ofensiva neoliberal, que se apresenta conservadora e privatistas, reduzindo, significativamente, a função do Estado, que torna-se cada vez mais “mínimo”. Percebe-se que cada vez mais o Estado se ausenta de suas reais “obrigações”, onde a sociedade civil busca implementar ações coletivas nas áreas da saúde, educação e seguridade, que de acordo com Iamamoto (1998, p. 175, grifo nosso) o “[...]fundo público tornou-se pressuposto tanto para o financiamento do capital como da força de trabalho.” O sistema capitalista depende dos fundos públicos. O Serviço Social está inserido na divisão sóciotécnica do trabalho, devendo dar respostas às necessidades sociais, sendo estas, as demandas da profissão, que o leva a se qualificar para que sejam capazes de responder às exigências contemporâneas de forma crítica e “transformadora”, tendo em vista os padrões de produção e acumulação do capital, que implica numa reestruturação do Estado e sua relação com as classes sociais. Segundo Iamamoto (2007), com isto nota-se a “precarização” do trabalho, com trabalhos precarizados, alto índices de desempregos, trabalhos temporários e terceirizados, ocasionando a perda dos direitos sociais gerando a exclusão mercantil e o exército industrial de reserva. Em virtude disto, o trabalhador “polivalente” é cada vez mais requisitado, o que não passa de uma “estratégia” de explorar a mão de obra, no qual um trabalhador exerce várias funções com o mesmo salário e uma jornada de trabalho “flexível”. Tudo isto faz aumentar as diferenças de classes, amplia as desigualdades sociais, o que altera, consideravelmente, o mercado de trabalho, “[...] dá lugar a uma “nova pobreza”, um excedente de força de trabalho que não tem preço, porque não tem mais lugar no processo de produção.” (IAMAMOTO, 1998, p. 157, grifo nosso). Consequentemente altera a qualificação e demanda do profissional de Serviço Social, que deverá centrar-se nas mudanças e alterações da vida social, compreendendo as tendências capitalistas “criticamente” de acordo com a “modernização” do mundo do trabalho e de produção. Com isto, há uma alteração no perfil do profissional assistente social, pois percebemos o crescimento das ONG’s, as parcerias do Estado com as instituições filantrópicas e com as empresas e o “enxugamento” dos serviços sociais ofertados por órgãos públicos. Nota-se ainda, a reabertura de espaço para o trabalho do assistente social no mundo empresarial, atuando nas relações de trabalho e nos benefícios assistenciais. Reforçando a ideia, Iamamoto (1998, p. 183) assegura, Observa-se, assim, uma transformação do tipo de atividades que foram tradicionalmente atribuídas ao assistente social, exigindo-lhe, por exemplo, cada vez mais sua inserção em equipes interdisciplinares, o seu desempenho no âmbito de formulação de políticas públicas, impulsionadas pelo seu processo de municipalização; o trato com o mundo da informática, a intimidade com novas técnicas e discursos gerenciais, entre muitos outros aspectos, o que muitas vezes tem sido, enviesadamente, como “desprofissionalização”. É no contexto das mudanças ocorridas nas relações sociais, que o Serviço Social tem a tarefa de decifrar as novas demandas da realidade brasileira, de compreender e intervir nas novas expressões da questão social (IAMAMOTO, 1998). O Serviço Social é uma especialização do trabalho, e sua prática histórica, gestada nas relações de poder da sociedade capitalista, e, portanto, permeada por contradições advindas dos interesses de classes. Tendo em vista que estas contradições são inerentes às ciclicidade da economia e momento conjuntural. É com esse giro que o Serviço Social se constitui como profissão, inserindo-se no mercado de trabalho [...] [e o assistente social] tornando-se vendedor de sua força de trabalho. [...] Não é a continuidade evolutiva das protoformas ao Serviço Social que esclarece a sua profissionalização, e sim a ruptura com elas. (PAULO NETTO, 1992, p. 69, grifo do autor). O Serviço Social brasileiro é regulamentado como profissão liberal, entretanto, não tem essa tradição em nosso país, uma vez que ele não dispõe dos meios e recursos que subsidiem sua autonomia. O assistente social é um trabalhador especializado que vende sua capacidade de trabalho para as entidades e/ou instituições empregadoras. Estando nesta relação de compra e venda de trabalho, o profissional se insere no campo da mercantilização, no campo do valor, se constituindo como parte do trabalho socialmente produzido pelo conjunto da sociedade, participando da criação e prestação de serviços que atendam às necessidades sociais. Conforme afirma Guerra (2006, p. 3) que [...] o Serviço Social é uma especialização do trabalho coletivo. Constitui-se numa profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, intervindo nos âmbitos da produção material e reprodução ideológica da vida social. Como tal, intervém no âmbito da questão social, mais exatamente das formas de tratamento da questão social. A profissão tem uma regulamentação, um projeto ético-político e um projeto de formação profissional, portanto, uma direção social, um perfil determinado de profissional, bem como um conjunto de atribuições e competências sócioprofissionais. O Assistente Social como trabalhador vende sua força de trabalho, a qual possui uma utilidade social e junto com ela vende um conjunto de procedimentos técnico-interventivos que expressam valores e reforçam projetos de sociedade. No entanto, o fazer diário do profissional de Serviço Social vem nos mostrar que é necessária a articulação teórico-metodológica como ponto de partida para o desvelamento da realidade aliado a dimensão ético-politico numa postura crítica e de compromisso para com a garantia de direitos de seus usuários e uso da dimensão técnico-operativa na perspectiva de construir habilidades e atitudes que contribuem para dar respostas às demandas societárias. O trabalho do assistente social é a expressão de um movimento que articula conhecimentos e luta por espaços no mercado de trabalho, competências e atribuições privativas que têm reconhecimento legal nos seus estatutos normativos e reguladores (regulamentação profissional, código de ética, diretrizes curriculares da formação profissional), projeto ético político que confere direção social ao trabalho profissional. Ao mesmo tempo, os sujeitos que a exercem, individual e coletivamente, se subordinam às normas de enquadramento institucional, e das possíveis colocações acerca do mercado de trabalho, se organizam e se mobilizam no interior de um coletivo de trabalhadores que repensam a si mesmos e a sua intervenção no campo da ação profissional. É nesse processo tenso que as profissões constroem seus projetos profissionais, no caso do Serviço Social, o projeto ético político profissional que há pelo menos três décadas vem sendo formulado coletivamente pelo Serviço Social brasileiro. Os projetos profissionais apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições privadas e públicas (inclusive o Estado, a quem cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais. (NETTO, 2006, p. 144). O projeto ético político tem por base um sujeito coletivo, exige organização de um corpo ou categoria profissional por meio do conjunto dos seus agentes profissionais, docentes, pesquisadores, estudantes e organismos profissionais, e é resultado de conjunturas e dinâmicas sociopolíticas particulares, que reforçam a estreita vinculação entre a definição e a ampliação dos espaços de trabalho dos assistentes sociais e as manifestações da questão social 3. No Brasil, notadamente a partir dos anos 1980, marco da construção do projeto de ruptura com o conservadorismo, assiste se ao agravamento da questão social e suas 3 Os assistentes sociais, com base em sua autonomia profissional, ainda que relativa, e tendo em vista prerrogativas legais, éticas e técnicas, estão sendo desafiados a inovar e ousar na construção de estratégias profissionais que priorizem as abordagens coletivas e a participação dos usuários da assistência social, no sentido de reverter relações autoritárias e tuteladas que subalternizam a população. dramáticas expressões a incidir no cotidiano de vida e trabalho de indivíduos, grupos, famílias, coletividades com os quais o Serviço Social trabalha na luta pela reprodução social em suas múltiplas dimensões materiais, subjetivas, relacionais, espirituais. Rompe com o tradicionalismo conservador e começa a se pensar na contemporaneidade. As expressões da questão social e as políticas sociais funcionam como mediação fundamental da ação do Estado. Viabilizam uma intervenção continuada e estratégica sobre as sequelas da questão social, levando o aparelho estatal a desenvolver simultaneamente funções econômicas, políticas e sociais, administrando as contradições e buscando um sistema de consensos em busca de legitimidade social. O ADOECIMENTO PROFISSIONAL: FRUTO DO TRABALHO ENQUANTO MERCADORIA No contexto social marcado pela retração e mesmo erosão do trabalho contratado e regulamentado, típico da era taylorista e fordista, cresce o trabalho precário, parcial, temporário, bem como as diferentes modalidades de flexibilização de vínculos e de direitos, além da ampliação do trabalho voluntário e das diversas formas de cooperativismo e empreendedorismo, que ocultam novos modos de gestão e a exploração do trabalho. Ocorre também a explosão do desemprego estrutural em escala global, que atinge a totalidade dos trabalhadores, sejam homens e mulheres, estáveis ou precarizados, formais ou informais, e a deterioração da qualidade do trabalho, dos salários e das condições em que ele é exercido. As condições atuais do capitalismo contemporâneo - globalização financeirizada dos capitais e sistemas de produção apoiados fortemente no desenvolvimento tecnológico - promovem intensas mudanças nos processos de organização, gestão e nas relações e vínculos laborais da classe que vive do trabalho (Antunes, 1999), resultando em "nova morfologia do trabalho", com amplos contingentes de trabalhadores flexibilizados, infornalizados, precarizados, pauperizados, desprotegidos de direitos e desprovidos de organização coletiva. (ANTUNES, 2005). São contextos que geram processos continuados de informalização e flexibilização expressos por trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários, domésticos, em tempo parcial ou por projeto, para citar apenas algumas das diferentes formas de fragilização a que está submetida à classe trabalhadora. Existem transformações que atingem duramente o trabalho assalariado, sua realização concreta, sua materialidade e as formas de subjetivação na consciência dos trabalhadores, levando a redefinições dos sistemas de proteção social e das formas de organização e gestão dos processos de trabalho. A dinâmica de precarização atinge também o trabalho profissional do assistente social, afetado pela insegurança do emprego, precárias formas de contratação, intensificação do trabalho, baixos salários, pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos, ausência de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão e ascensão na carreira, ausência de políticas de qualificação e capacitação profissional, entre outros. No âmbito do Serviço Social, intensifica-se a subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais por parte de empresas de serviços ou de assessoria, de "cooperativas" de trabalhadores, na prestação de serviços aos governos e organizações não governamentais, acenando para o exercício profissional privado (autônomo), temporário, por projeto, por tarefa, em função das novas formas de gestão. As consequências desses processos para o trabalho social nas políticas públicas são profundas, pois a terceirização desconfigura o significado e a amplitude do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores sociais, desloca as relações entre a população, suas formas de representação e a gestão governamental, pela intermediação de empresas e organizações contratadas. Além disso, as ações desenvolvidas passam a ser subordinadas a prazos contratuais e aos recursos financeiros destinados para esse fim, implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários, descrédito da população para com as ações públicas. A terceirização dos Serviços Sociais públicos se torna uma grande preocupação, pois trata de um mecanismo que opera a cisão entre serviço e direito, pois o que preside o trabalho não é a lógica pública, obscurecendo se a responsabilidade do Estado perante seus cidadãos. Consolida se assim o que Vieira (1997) denominou de "política social sem direitos sociais", uma espécie de nova morfologia da política social. O processo de transição do feudalismo para o capitalismo se deu pela adoção da fórmula do mercantilismo, que seria uma política global inserida pela nova formação do Estado, que consistia em nobreza e clero. Porém, o marco divisor dessa transferência foi a Revolução Industrial ocorrida entre 1760 a 1900, com a criação da máquina a vapor, (uma guinada na produção têxtil), e as expansões da maquinaria a outros países como a França; assim vão surgindo novos avanços tecnológicos. (OLIVEIRA, 1987). Para Sandroni (1982) esse processo de avanço só foi possível graças a um elemento importantíssimo: o proletariado, que consiste na classe de trabalhadores, que sempre existiram, mas aparece em maior evidência com o capitalismo. Ao longo da história essa classe nunca possuiu nada, a grande maioria foi expulsa das terras onde moravam e trabalhavam e se viram obrigados a migrarem para os burgos, em busca de trabalho. A burguesia usa essa força de trabalho para fazer funcionar seus meios de produção e assim obterem lucros, que ao longo do tempo resultará na acumulação do capital. Desta forma, é possível entender o princípio das desigualdades, de um lado, uma massa de trabalhadores que não conseguem acumular bens, enquanto, do outro lado, uma minoria acumula capital de forma desenfreada. Neste sentido Netto (2012) busca fundamentação no economista Karl Marx 4, que descreve as desigualdades sociais como uma resposta ao capitalismo por necessitar obter sempre mais lucro para manutenção de sua sobrevivência. É fato que para se obter lucro, é preciso primeiramente materializar a mercadoria, que é definida por Marx (1980) apud Netto (2012) como sendo um objeto de duplo valor, podendo ser de uso ou de troca. A burguesia utiliza o valor de troca, que seria o produto mais o tempo de trabalho socialmente gasto para obtê-lo. Marx (1980) apud Netto (2012, p.283) pressupõe que “os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregado”. Sendo assim, é o tempo de trabalho gasto que irá determinar o valor da mercadoria. Neste sentido, o homem na necessidade de criar um sistema de medida que fosse possível personificar o tempo gasto para a produção da mercadoria estabelece a geração do dinheiro, que de forma direta, facilita os processos de troca e comércios destes produtos. De acordo com Sandroni (1982) existem várias e incontáveis formas de produto, destro desta gama de possibilidades o autor sinaliza que a mercadoria que representa o maior valor agregado é a força de trabalho vendida pelo trabalhador aos donos dos meios de produção, e é da exploração desta mercadoria que o capitalismo sobrevive, gerando condições para a obtenção da mais- valia. O preço da força de trabalho é calculado diferente da forma 4 Karl Heinrich Marx foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista. com a qual calculamos a mercadoria, o trabalhador vende a sua força de trabalho aos proprietários do capital em troca de dinheiro e com esse mesmo dinheiro, compra mercadorias que ele ajudou a produzir e cria-se um ciclo impedindo que os proletários consigam acumular riquezas. Nota-se, que se os mesmos conseguirem acumular riquezas os donos do capital não terão mais mão de obra e, não tendo mais mão de obra, não há a que explorar e não tendo a que explorar o sistema capitalista tenda e entrar em colapso, pois o mesmo só sobrevive com a “extração” da mais valia do trabalhador pagando-lhe o mínimo. Marx (1980) apud Netto (2012, p.362.) “O valor de um homem é, como para todas as outras coisas, o seu preço, quer dizer, o que se pagaria pelo uso de sua força”, assim o trabalho tem o mesmo valor de uma mercadoria, e é com a força de trabalho (mercadoria) do proletariado que surgem novos valores, pois é possível perceber que em um sistema capitalista o valor da força de trabalho não obedece a uma regra ou seja o valor de cada trabalhador é determinado de acordo com seus valores e necessidades, que sem opção se vem reféns do sistema. De acordo com Sandroni (1982) o trabalho necessário citado por Karl Marx se trata da primeira parte do trabalho, onde o proletário produz os valores que são necessários para retirar seu sustento, ou seja, o salário combinado, porém, este salário cobre os gastos de sua força de trabalho e vai para além disso, pois o mesmo também se personifica enquanto mercadoria e, como sendo mercadoria e este possui duas formas de valor, o de troca e o de uso, o proletário acaba não recebendo por todo trabalho realizado, uma vez que o valor de uso não é calculado. O restante do trabalho elaborado pelo proletário, o chamado trabalho excedente vai direto para as mãos do empregador, no caso o detentor dos meios de produção, sendo que desde outras sociedades como o escravagismo e o feudalismo o trabalho excedente sempre existiu e da mesma forma, já era apropriado pelos proprietários. Porém, no capitalismo, o que é produzido pelo proletário é de mais valor, uma vez que este entra somente com a força de trabalho. A mercadoria produzida é do empregador. (SANDRONI, 1982). Marx (1980) apud Netto (2012) conclui que as horas que o proletário trabalha excedente vão contribuir com a mais valia, uma vez que a força de trabalho tem o poder de render mais do que custa, justificando a importância da classe proletária para a burguesia. Pois é com o trabalho não pago dos empregados que vão aparecer os lucros e para dar continuidade nesse processo à burguesia tem feito de tudo para manter a exploração. Segundo Antunes (2010) a década de 1980 foi de grandes mudanças no mundo do trabalho e nas formas de implementação da estrutura produtiva. Ocorreram transformações também nas formas de liderança sindical e política, devido ao grande avanço tecnológico, que chegaram ao universo fabril, interferindo nas relações de trabalho e de produção do capital, com experimentos nos processos de produção. Entretanto, não é possível desconsiderar todo o processo histórico que corroborou e corrobora para o adoecimento dos trabalhadores de forma geral e principalmente do Assistente Social, que é foco desta discussão. Em 1914, um norte americano, chamado Henry Ford, implantou em sua empresa automobilística, um sistema de produção chamado Fordismo, sendo este o sistema de produção que mais se desenvolveu no século XX, sendo responsável pela produção em massa de mercadorias das mais diversas espécies e caracterizada pelo fato do trabalhador desempenhar apenas uma tarefa, porém, inúmeras vezes. (ANTUNES, 2010) Neste período é perceptível também, segundo Antunes (2010) o processo de produção, taylorista, baseada em um método científico de organização do trabalho, desenvolvida pelo engenheiro americano Frederick Taylor (1856-1915), que visava que o trabalho industrial, em massa, deveria ser dividido, onde cada trabalhador passa a exercer uma atividade específica no sistema industrial. A organização foi hierarquizada e sistematizada, e o tempo de produção passou a serem cronometrados, com isso os benefícios começaram a aparecer em forma da racionalização da produção, economia da mão- de obra, um significativo aumento na produtividade, e um empenho em acabar com qualquer forma de desperdício tanto de matériaprima como de tempo, concluído que os dois se transformam em dinheiro. No contexto social marcado pela retração e mesmo erosão do trabalho contratado e regulamentado, típico da era taylorista e fordista, cresce o trabalho precário, parcial, temporário, bem como as diferentes modalidades de flexibilização de vínculos e de direitos, além da ampliação do trabalho voluntário e das diversas formas de cooperativismo e empreendedorismo, que ocultam novos modos de gestão e a exploração do trabalho. Ocorre também a explosão do desemprego estrutural em escala global, que atinge a totalidade dos trabalhadores, sejam homens e mulheres, estáveis ou precarizados, formais ou informais, e a deterioração da qualidade do trabalho, dos salários e das condições em que ele é exercido. As condições atuais do capitalismo contemporâneo - globalização financeirizada dos capitais e sistemas de produção apoiados fortemente no desenvolvimento tecnológico - promovem intensas mudanças nos processos de organização, gestão e nas relações e vínculos laborais da classe que vive do trabalho (Antunes, 1999), resultando em "nova morfologia do trabalho", com amplos contingentes de trabalhadores flexibilizados, infornalizados, precarizados, pauperizados, desprotegidos de direitos e desprovidos de organização coletiva. (ANTUNES, 2005). São contextos que geram processos continuados de informalização e flexibilização expressos por trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários, domésticos, em tempo parcial ou por projeto, para citar apenas algumas das diferentes formas de fragilização a que está submetida à classe trabalhadora. Existem transformações que atingem duramente o trabalho assalariado, sua realização concreta, sua materialidade e as formas de subjetivação na consciência dos trabalhadores, levando a redefinições dos sistemas de proteção social e das formas de organização e gestão dos processos de trabalho. A dinâmica de precarização atinge também o trabalho profissional do assistente social, afetado pela insegurança do emprego, precárias formas de contratação, intensificação do trabalho, baixos salários, pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos, ausência de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão e ascensão na carreira, ausência de políticas de qualificação e capacitação profissional, entre outros. No âmbito do Serviço Social, intensifica se a subcontratação de serviços individuais dos assistentes sociais por parte de empresas de serviços ou de assessoria, de "cooperativas" de trabalhadores, na prestação de serviços aos governos e organizações não governamentais, acenando para o exercício profissional privado (autônomo), temporário, por projeto, por tarefa, em função das novas formas de gestão. Transportando tal preceito para atuação do assistente social em seu cotidiano, é possível traçar uma linha bem demarcada no que se refere ao seu processo profissional, principalmente, no que tange a relação do adoecimento do profissional em seus vários espaços sócio ocupacionais. Tendo em vista que o mesmo também se faz inserido no mercado de trabalho, enquanto trabalhador assalariado e, como tal, necessita garantir sua sobrevivência e não possui os meios de produção para tal, necessitando cada vez mais se adequar às regras impostas pelo mercado. De acordo com Koike (2009), o mercado se faz cada vez mais aviltante no que se refere as condições dignas de trabalho para todo e qualquer trabalhador assalariado e não é diferente aos assistentes sociais. A categoria por uma série de fatores se vê cercadas de processos de sucateamento educacional, salarial e de condições de trabalho que garanta ao trabalhador o mínimo para uma sobrevivência salutar. Neste sentido, é fatídico e inevitável o adoecimento de tal profissional, tendo em vista a ausência de homogeneidade do projeto profissional. Assim, é inevitável também que se fomente e que se debruce acerca de novos estudos que possibilitem construir alternativas e respostas aos pontos aqui apresentados. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização desta pesquisa permitiu compreender que existem várias formas de trabalho precário e, consequentemente, várias patologias. Os casos de precariedade no âmbito do Serviço Social demonstra que não são apenas os trabalhos ditos “braçais” que ocasionam doenças e/ou acidentes. O profissional de Serviço Social está inserido nessa dinâmica, pois é um trabalhador assalariado que vende sua força de trabalho realizando atividades nos espaços sócioocupacionais, aceitando as condições do processo de mercantilização, se sujeitando a precárias formas de contratação e funções além das atribuições e competências que regula a profissão, salários baixos, direitos sociais reduzidos, contratações terceirizados, cobrança por resultados imediatos e produtivos, ausência de planos de carreira, dentre outros. Desta forma, percebe-se que ao mesmo tempo em que o assistente social pode sofrer situações de precariedade e de adoecimento profissional enquanto trabalhador assalariado, este é também interventor frente às demandas e vulnerabilidades dos trabalhadores que vendem sua força de trabalho aos donos do capital. Sendo assim, o assistente social pode vivenciar esse adoecimento profissional tanto em sua própria categoria, quanto na de seus usuários. O capitalismo contemporâneo em seu processo de super-exploração vem reestruturando o trabalho e a vida social das pessoas, o qual empurra os trabalhadores ao binômio de flexibilização e precarização, reduzindo os direitos trabalhistas conquistados, em que políticas neoliberais se estruturam na crise da mundialização, direcionando o seu empreendimento na lucratividade e competividade no mundo do trabalho. Infelizmente, a resposta que a realidade nos apresenta leva a crer que a rapidez, a busca por acumulação de capital e o consequente adoecimento de trabalhadores tendem a crescer, uma vez que ao passo que a modernização avança e a concorrência no mercado de trabalho se torna mais acirrada, mais cidadãos optam por trabalharem em condições precárias e insalubres do que ficarem expostos ao desemprego e aos seus rebatimentos. Por fim, nota-se que esse é um processo quase que “irrefreável” uma vez que a crescente demanda capitalista impõe novas formas de competição e de crescimento com condições mínimas para o trabalho. Fato este que corrobora para a necessidade do profissional ter que agregar vários cargos e/ou funções em espaços sócio-ocupacionais diversos no sentido de garantir o mínimo necessário para a sua subsistência e, com isso, colocando em risco a sua qualidade de vida ocasionando em patologias físicas e psíquicas. REFERÊNCIAS ANTUNES, R. L. C. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. 14º ed. São Paulo. Cortez, 2010. ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho. Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005. ANTUNES, Ricardo. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. GUERRA, Yolanda. 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