ADOECIMENTO PROFISSIONAL: REFLEXOS DAS NOVAS

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ADOECIMENTO PROFISSIONAL: REFLEXOS DAS NOVAS EXIGÊNCIAS
IMPOSTAS PELO MERCADO DE TRABALHO AOS ASSISTENTES SOCIAIS
Juliano Aparecido de Almeida 1
Suênya Thatiane Souza de Almeira 2
RESUMO
O presente estudo visa fazer uma reflexão crítica sobre as exigências contemporâneas impostas aos assistentes
sociais bem como as consequências que tais exigências impacta na vida deste profissional enquanto trabalhador
inserido na divisão sócio-técnica do trabalho. Teremos o adoecimento profissional como uma das consequências
do sistema capitalista em que impõe normas e formas de agir profissional que vão de encontro com as suas
necessidades e não contempla o projeto profissional defendido pela categoria que visa a emancipação política e
social dos sujeitos. O trabalho precarizado também é outro ponto a ser abordado nesse artigo.
Palavras chaves: Serviço Social; Adoecimento; Trabalho; Capitalismo; Precarização.
1
Mestre em Adolescente em Conflito com a Lei pela Universidade Bandeirantes de São Paulo - Uniban.
Professor do Curso de Serviço Social da Faculdade Novos Horizontes e Assistente Social do Centro Jurídico e
Social da Faculdade Novos Horizontes- Belo Horizonte/MG.
2
Coordenadora do Curso de Serviço Social da Faculdade Novos Horizontes - Belo Horizonte / MG. Doutoranda
em Serviço Social pela UNESP / Franca - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestre em
Serviço Social pela UNESP / Franca - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Especialista em
Intervenção Familiar pela Faculdade Santo Agostinho de Montes Claros (2005). Graduação em Serviço Social
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2001).
INTRODUÇÃO
Este trabalho partiu das inquietações acerca de contatos e experiências vivenciadas
pelos pesquisadores, no que diz respeito às “novas exigências” impostas pelo mercado de
trabalho bem como para com as exigências impostas ao profissional assistente social na
atualidade em suas múltiplas e complexas ações, que de forma contundente e de maneira
prática acarreta em uma “porta aberta” para o adoecimento deste profissional em virtude de
tais exigências e da forma precarizada em que vem desenvolvendo o seu trabalho, se tornando
um profissional imediatista tendo que atender somente às expectativas e exigências impostas
pelo capital.
O assistente social encontra-se em vários espaços sócio-ocupacionais junto a outros
profissionais que ampliam o mercado de trabalho e abre novas possibilidades de intervenção
profissional, ao mesmo tempo em que precariza e intensifica os processos de trabalho,
tencionando as formas de efetivação do projeto ético político profissional do Serviço Social
frente às demandas do capitalismo.
O trabalho do assistente social tem sido um tema presente na agenda profissional, e
vem ganhando centralidade crescente nos debates de profissionais estudantes e pesquisadores
do Serviço Social, sinalizando a premência de estudos e pesquisas que desvendem o
processamento do trabalho do assistente social (IAMAMOTO, 2007) e as formas por ele
assumidas nos diferentes espaços ocupacionais e nas diversas atividades que desenvolvem no
cotidiano das instituições públicas e privadas.
Outro fator importante a ser ressaltado é a precarização da formação profissional, uma
vez que algumas instituições por seu caráter de formação são estimuladas por um nicho de
mercado e, consequentemente, trabalhando na formação profissional massificada que
possibilite responder aos anseios deste e, principalmente, tomar um caminho que vise a um
processo inverso que se destina a prática profissional do Serviço Social, que é de se trabalhar
na humanização, validação de direitos, emancipação dos sujeitos e não a dar as respostas que
o sistema capitalista necessita ouvir.
Propomo-nos a iniciar o debate fazendo uma reflexão acerca das competências e
habilidades que são exigidas ao profissional assistente social, que é definida mediante a
clareza das competências deste na sociedade, e as suas competências de atuação são definidas
pelas demandas da sociedade e as demandas próprias da profissão. Este movimento exige um
constante repensar das intervenções e ações inerentes ao processo de formação.
Refletimos ainda sobre o adoecimento profissional como uma consequência das
exigências desse cenário mercantil e globalizado em que se exige cada vez mais do
profissional, oferecendo-lhe cada vez menos condições para o bom desenvolvimento do seu
trabalho. Com isso, percebemos o elevado número de profissionais “doentes” em diversos
níveis e situações, pois o atual sistema capitalista faz com o que o mesmo se submeta às mais
variadas formas de exploração, no qual o próprio assistente social faz parte deste contexto,
uma vez que está inserido na divisão social e técnica do trabalho.
No entanto, a busca por uma sociedade mais justa e menos desigual tem ocasionado
um processo de sofrimento e, consequente adoecimento dos assistentes sociais, uma vez que o
mesmo se vê “impotente” diante da realidade capitalista na qual está inserido em que as
políticas sociais são insuficientes para a garantia dos direitos sociais, da defesa da liberdade e
da igualdade dos seus usuários . Com isso, se vê no meio desse “fogo cruzado”, mediando as
relações capital x trabalho e o seu adoecimento acaba por se tornar “inevitável”.
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES EXIGIDAS AO PROFISSIONAL NA
ATUALIDADE
Partindo das considerações de Iamamoto (2007) é necessário fazer uma revisão crítica
da trajetória profissional do assistente social a partir dos anos 1980, que serviu para
“redefinir” os rumos da profissão. As novas exigências, se dão em virtude das alterações que
o mundo do trabalho, vem imprimindo na sociedade, repercutindo de forma direta na reforma
do Estado e no papel que a sociedade civil assume neste contexto.
A preocupação que move tais reflexões é de construir, no âmbito do Serviço Social,
uma proposta de formação profissional conciliada com os novos tempos,
radicalmente comprometida com os valores democráticos e com a prática de
construção de uma nova cidadania na vida social, isto é, de um novo ordenamento
das relações sociais. (IAMAMATO, 1998, p. 168).
O desafio é fazer com que a formação do assistente social nos tempos atuais dê um
“salto de qualidade”, conforme aponta Iamamoto (1998), fazendo com que o novo currículo
não nasça “velho”.
Este novo projeto de formação profissional deve estar atento a ofensiva neoliberal, que
se apresenta conservadora e privatistas, reduzindo, significativamente, a função do Estado,
que torna-se cada vez mais “mínimo”. Percebe-se que cada vez mais o Estado se ausenta de
suas reais “obrigações”, onde a sociedade civil busca implementar ações coletivas nas áreas
da saúde, educação e seguridade, que de acordo com Iamamoto (1998, p. 175, grifo nosso) o
“[...]fundo público tornou-se pressuposto tanto para o financiamento do capital como da
força de trabalho.” O sistema capitalista depende dos fundos públicos.
O Serviço Social está inserido na divisão sóciotécnica do trabalho, devendo dar
respostas às necessidades sociais, sendo estas, as demandas da profissão, que o leva a se
qualificar para que sejam capazes de responder às exigências contemporâneas de forma crítica
e “transformadora”, tendo em vista os padrões de produção e acumulação do capital, que
implica numa reestruturação do Estado e sua relação com as classes sociais.
Segundo Iamamoto (2007), com isto nota-se a “precarização” do trabalho, com
trabalhos precarizados, alto índices de desempregos, trabalhos temporários e terceirizados,
ocasionando a perda dos direitos sociais gerando a exclusão mercantil e o exército industrial
de reserva.
Em virtude disto, o trabalhador “polivalente” é cada vez mais requisitado, o que não
passa de uma “estratégia” de explorar a mão de obra, no qual um trabalhador exerce várias
funções com o mesmo salário e uma jornada de trabalho “flexível”.
Tudo isto faz aumentar as diferenças de classes, amplia as desigualdades sociais, o que
altera, consideravelmente, o mercado de trabalho, “[...] dá lugar a uma “nova pobreza”, um
excedente de força de trabalho que não tem preço, porque não tem mais lugar no processo de
produção.” (IAMAMOTO, 1998, p. 157, grifo nosso).
Consequentemente altera a qualificação e demanda do profissional de Serviço Social,
que deverá centrar-se nas mudanças e alterações da vida social, compreendendo as tendências
capitalistas “criticamente” de acordo com a “modernização” do mundo do trabalho e de
produção.
Com isto, há uma alteração no perfil do profissional assistente social, pois percebemos
o crescimento das ONG’s, as parcerias do Estado com as instituições filantrópicas e com as
empresas e o “enxugamento” dos serviços sociais ofertados por órgãos públicos.
Nota-se ainda, a reabertura de espaço para o trabalho do assistente social no mundo
empresarial, atuando nas relações de trabalho e nos benefícios assistenciais. Reforçando a
ideia, Iamamoto (1998, p. 183) assegura,
Observa-se, assim, uma transformação do tipo de atividades que foram
tradicionalmente atribuídas ao assistente social, exigindo-lhe, por exemplo, cada vez
mais sua inserção em equipes interdisciplinares, o seu desempenho no âmbito de
formulação de políticas públicas, impulsionadas pelo seu processo de
municipalização; o trato com o mundo da informática, a intimidade com novas
técnicas e discursos gerenciais, entre muitos outros aspectos, o que muitas vezes tem
sido, enviesadamente, como “desprofissionalização”.
É no contexto das mudanças ocorridas nas relações sociais, que o Serviço Social tem
a tarefa de decifrar as novas demandas da realidade brasileira, de compreender e intervir nas
novas expressões da questão social (IAMAMOTO, 1998).
O Serviço Social é uma especialização do trabalho, e sua prática histórica, gestada nas
relações de poder da sociedade capitalista, e, portanto, permeada por contradições advindas
dos interesses de classes. Tendo em vista que estas contradições são inerentes às ciclicidade
da economia e momento conjuntural.
É com esse giro que o Serviço Social se constitui como profissão, inserindo-se no
mercado de trabalho [...] [e o assistente social] tornando-se vendedor de sua força
de trabalho. [...] Não é a continuidade evolutiva das protoformas ao Serviço Social
que esclarece a sua profissionalização, e sim a ruptura com elas. (PAULO NETTO,
1992, p. 69, grifo do autor).
O Serviço Social brasileiro é regulamentado como profissão liberal, entretanto, não
tem essa tradição em nosso país, uma vez que ele não dispõe dos meios e recursos que
subsidiem sua autonomia. O assistente social é um trabalhador especializado que vende sua
capacidade de trabalho para as entidades e/ou instituições empregadoras. Estando nesta
relação de compra e venda de trabalho, o profissional se insere no campo da mercantilização,
no campo do valor, se constituindo como parte do trabalho socialmente produzido pelo
conjunto da sociedade, participando da criação e prestação de serviços que atendam às
necessidades sociais. Conforme afirma Guerra (2006, p. 3) que
[...] o Serviço Social é uma especialização do trabalho coletivo. Constitui-se numa
profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, intervindo nos âmbitos da
produção material e reprodução ideológica da vida social. Como tal, intervém no
âmbito da questão social, mais exatamente das formas de tratamento da questão
social. A profissão tem uma regulamentação, um projeto ético-político e um projeto
de formação profissional, portanto, uma direção social, um perfil determinado de
profissional, bem como um conjunto de atribuições e competências sócioprofissionais. O Assistente Social como trabalhador vende sua força de trabalho, a
qual possui uma utilidade social e junto com ela vende um conjunto de
procedimentos técnico-interventivos que expressam valores e reforçam projetos de
sociedade.
No entanto, o fazer diário do profissional de Serviço Social vem nos mostrar que é
necessária a articulação teórico-metodológica como ponto de partida para o desvelamento da
realidade aliado a dimensão ético-politico numa postura crítica e de compromisso para com a
garantia de direitos de seus usuários e uso da dimensão técnico-operativa na perspectiva de
construir habilidades e atitudes que contribuem para dar respostas às demandas societárias.
O trabalho do assistente social é a expressão de um movimento que articula
conhecimentos e luta por espaços no mercado de trabalho, competências e atribuições
privativas que têm reconhecimento legal nos seus estatutos normativos e reguladores
(regulamentação profissional, código de ética, diretrizes curriculares da formação
profissional), projeto ético político que confere direção social ao trabalho profissional.
Ao mesmo tempo, os sujeitos que a exercem, individual e coletivamente, se
subordinam às normas de enquadramento institucional, e das possíveis colocações acerca do
mercado de trabalho, se organizam e se mobilizam no interior de um coletivo de trabalhadores
que repensam a si mesmos e a sua intervenção no campo da ação profissional. É nesse
processo tenso que as profissões constroem seus projetos profissionais, no caso do Serviço
Social, o projeto ético político profissional que há pelo menos três décadas vem sendo
formulado coletivamente pelo Serviço Social brasileiro.
Os projetos profissionais apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os
valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e
funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu
exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e
estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as
outras profissões e com as organizações e instituições privadas e públicas (inclusive
o Estado, a quem cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais.
(NETTO, 2006, p. 144).
O projeto ético político tem por base um sujeito coletivo, exige organização de um
corpo ou categoria profissional por meio do conjunto dos seus agentes profissionais, docentes,
pesquisadores, estudantes e organismos profissionais, e é resultado de conjunturas e
dinâmicas sociopolíticas particulares, que reforçam a estreita vinculação entre a definição e a
ampliação dos espaços de trabalho dos assistentes sociais e as manifestações da questão
social 3.
No Brasil, notadamente a partir dos anos 1980, marco da construção do projeto de
ruptura com o conservadorismo, assiste se ao agravamento da questão social e suas
3
Os assistentes sociais, com base em sua autonomia profissional, ainda que relativa, e tendo em vista
prerrogativas legais, éticas e técnicas, estão sendo desafiados a inovar e ousar na construção de estratégias
profissionais que priorizem as abordagens coletivas e a participação dos usuários da assistência social, no sentido
de reverter relações autoritárias e tuteladas que subalternizam a população.
dramáticas expressões a incidir no cotidiano de vida e trabalho de indivíduos, grupos,
famílias, coletividades com os quais o Serviço Social trabalha na luta pela reprodução social
em suas múltiplas dimensões materiais, subjetivas, relacionais, espirituais. Rompe com o
tradicionalismo conservador e começa a se pensar na contemporaneidade.
As expressões da questão social e as políticas sociais funcionam como mediação
fundamental da ação do Estado. Viabilizam uma intervenção continuada e estratégica sobre as
sequelas da questão social, levando o aparelho estatal a desenvolver simultaneamente funções
econômicas, políticas e sociais, administrando as contradições e buscando um sistema de
consensos em busca de legitimidade social.
O ADOECIMENTO PROFISSIONAL: FRUTO DO TRABALHO ENQUANTO
MERCADORIA
No contexto social marcado pela retração e mesmo erosão do trabalho contratado e
regulamentado, típico da era taylorista e fordista, cresce o trabalho precário, parcial,
temporário, bem como as diferentes modalidades de flexibilização de vínculos e de direitos,
além da ampliação do trabalho voluntário e das diversas formas de cooperativismo e
empreendedorismo, que ocultam novos modos de gestão e a exploração do trabalho. Ocorre
também a explosão do desemprego estrutural em escala global, que atinge a totalidade dos
trabalhadores, sejam homens e mulheres, estáveis ou precarizados, formais ou informais, e a
deterioração da qualidade do trabalho, dos salários e das condições em que ele é exercido.
As condições atuais do capitalismo contemporâneo - globalização financeirizada dos
capitais e sistemas de produção apoiados fortemente no desenvolvimento
tecnológico - promovem intensas mudanças nos processos de organização, gestão e
nas relações e vínculos laborais da classe que vive do trabalho (Antunes, 1999),
resultando em "nova morfologia do trabalho", com amplos contingentes de
trabalhadores
flexibilizados,
infornalizados,
precarizados,
pauperizados,
desprotegidos de direitos e desprovidos de organização coletiva. (ANTUNES,
2005).
São contextos que geram processos continuados de informalização e flexibilização
expressos por trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários, domésticos, em tempo
parcial ou por projeto, para citar apenas algumas das diferentes formas de fragilização a que
está submetida à classe trabalhadora.
Existem transformações que atingem duramente o trabalho assalariado, sua realização
concreta, sua materialidade e as formas de subjetivação na consciência dos trabalhadores,
levando a redefinições dos sistemas de proteção social e das formas de organização e gestão
dos processos de trabalho.
A dinâmica de precarização atinge também o trabalho profissional do assistente social,
afetado pela insegurança do emprego, precárias formas de contratação, intensificação do
trabalho, baixos salários, pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos,
ausência de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão
e ascensão na carreira, ausência de políticas de qualificação e capacitação profissional, entre
outros.
No âmbito do Serviço Social, intensifica-se a subcontratação de serviços individuais
dos assistentes sociais por parte de empresas de serviços ou de assessoria, de "cooperativas"
de trabalhadores, na prestação de serviços aos governos e organizações não governamentais,
acenando para o exercício profissional privado (autônomo), temporário, por projeto, por
tarefa, em função das novas formas de gestão.
As consequências desses processos para o trabalho social nas políticas públicas são
profundas, pois a terceirização desconfigura o significado e a amplitude do trabalho técnico
realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores sociais, desloca as relações entre a
população, suas formas de representação e a gestão governamental, pela intermediação de
empresas e organizações contratadas. Além disso, as ações desenvolvidas passam a ser
subordinadas a prazos contratuais e aos recursos financeiros destinados para esse fim,
implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários, descrédito da população
para com as ações públicas.
A terceirização dos Serviços Sociais públicos se torna uma grande preocupação, pois
trata de um mecanismo que opera a cisão entre serviço e direito, pois o que preside o trabalho
não é a lógica pública, obscurecendo se a responsabilidade do Estado perante seus cidadãos.
Consolida se assim o que Vieira (1997) denominou de "política social sem direitos sociais",
uma espécie de nova morfologia da política social.
O processo de transição do feudalismo para o capitalismo se deu pela adoção da
fórmula do mercantilismo, que seria uma política global inserida pela nova formação do
Estado, que consistia em nobreza e clero. Porém, o marco divisor dessa transferência foi a
Revolução Industrial ocorrida entre 1760 a 1900, com a criação da máquina a vapor, (uma
guinada na produção têxtil), e as expansões da maquinaria a outros países como a França;
assim vão surgindo novos avanços tecnológicos. (OLIVEIRA, 1987).
Para Sandroni (1982) esse processo de avanço só foi possível graças a um elemento
importantíssimo: o proletariado, que consiste na classe de trabalhadores, que sempre
existiram, mas aparece em maior evidência com o capitalismo. Ao longo da história essa
classe nunca possuiu nada, a grande maioria foi expulsa das terras onde moravam e
trabalhavam e se viram obrigados a migrarem para os burgos, em busca de trabalho. A
burguesia usa essa força de trabalho para fazer funcionar seus meios de produção e assim
obterem lucros, que ao longo do tempo resultará na acumulação do capital. Desta forma, é
possível entender o princípio das desigualdades, de um lado, uma massa de trabalhadores que
não conseguem acumular bens, enquanto, do outro lado, uma minoria acumula capital de
forma desenfreada.
Neste sentido Netto (2012) busca fundamentação no economista Karl Marx 4, que
descreve as desigualdades sociais como uma resposta ao capitalismo por necessitar obter
sempre mais lucro para manutenção de sua sobrevivência.
É fato que para se obter lucro, é preciso primeiramente materializar a mercadoria, que
é definida por Marx (1980) apud Netto (2012) como sendo um objeto de duplo valor, podendo
ser de uso ou de troca. A burguesia utiliza o valor de troca, que seria o produto mais o tempo
de trabalho socialmente gasto para obtê-lo.
Marx (1980) apud Netto (2012, p.283) pressupõe que “os valores das mercadorias
estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das
forças produtivas do trabalho empregado”. Sendo assim, é o tempo de trabalho gasto que irá
determinar o valor da mercadoria. Neste sentido, o homem na necessidade de criar um sistema
de medida que fosse possível personificar o tempo gasto para a produção da mercadoria
estabelece a geração do dinheiro, que de forma direta, facilita os processos de troca e
comércios destes produtos.
De acordo com Sandroni (1982) existem várias e incontáveis formas de produto,
destro desta gama de possibilidades o autor sinaliza que a mercadoria que representa o maior
valor agregado é a força de trabalho vendida pelo trabalhador aos donos dos meios de
produção, e é da exploração desta mercadoria que o capitalismo sobrevive, gerando condições
para a obtenção da mais- valia. O preço da força de trabalho é calculado diferente da forma
4
Karl Heinrich Marx foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que
atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista.
com a qual calculamos a mercadoria, o trabalhador vende a sua força de trabalho aos
proprietários do capital em troca de dinheiro e com esse mesmo dinheiro, compra mercadorias
que ele ajudou a produzir e cria-se um ciclo impedindo que os proletários consigam acumular
riquezas. Nota-se, que se os mesmos conseguirem acumular riquezas os donos do capital não
terão mais mão de obra e, não tendo mais mão de obra, não há a que explorar e não tendo a
que explorar o sistema capitalista tenda e entrar em colapso, pois o mesmo só sobrevive com a
“extração” da mais valia do trabalhador pagando-lhe o mínimo.
Marx (1980) apud Netto (2012, p.362.) “O valor de um homem é, como para todas as
outras coisas, o seu preço, quer dizer, o que se pagaria pelo uso de sua força”, assim o
trabalho tem o mesmo valor de uma mercadoria, e é com a força de trabalho (mercadoria) do
proletariado que surgem novos valores, pois é possível perceber que em um sistema
capitalista o valor da força de trabalho não obedece a uma regra ou seja o valor de cada
trabalhador é determinado de acordo com seus valores e necessidades, que sem opção se vem
reféns do sistema.
De acordo com Sandroni (1982) o trabalho necessário citado por Karl Marx se trata da
primeira parte do trabalho, onde o proletário produz os valores que são necessários para retirar
seu sustento, ou seja, o salário combinado, porém, este salário cobre os gastos de sua força de
trabalho e vai para além disso, pois o mesmo também se personifica enquanto mercadoria e,
como sendo mercadoria e este possui duas formas de valor, o de troca e o de uso, o proletário
acaba não recebendo por todo trabalho realizado, uma vez que o valor de uso não é calculado.
O restante do trabalho elaborado pelo proletário, o chamado trabalho excedente vai
direto para as mãos do empregador, no caso o detentor dos meios de produção, sendo que
desde outras sociedades como o escravagismo e o feudalismo o trabalho excedente sempre
existiu e da mesma forma, já era apropriado pelos proprietários. Porém, no capitalismo, o que
é produzido pelo proletário é de mais valor, uma vez que este entra somente com a força de
trabalho. A mercadoria produzida é do empregador. (SANDRONI, 1982).
Marx (1980) apud Netto (2012) conclui que as horas que o proletário trabalha
excedente vão contribuir com a mais valia, uma vez que a força de trabalho tem o poder de
render mais do que custa, justificando a importância da classe proletária para a burguesia.
Pois é com o trabalho não pago dos empregados que vão aparecer os lucros e para dar
continuidade nesse processo à burguesia tem feito de tudo para manter a exploração.
Segundo Antunes (2010) a década de 1980 foi de grandes mudanças no mundo do
trabalho e nas formas de implementação da estrutura produtiva. Ocorreram transformações
também nas formas de liderança sindical e política, devido ao grande avanço tecnológico, que
chegaram ao universo fabril, interferindo nas relações de trabalho e de produção do capital,
com experimentos nos processos de produção.
Entretanto, não é possível desconsiderar todo o processo histórico que corroborou e
corrobora para o adoecimento dos trabalhadores de forma geral e principalmente do
Assistente Social, que é foco desta discussão.
Em 1914, um norte americano, chamado Henry Ford, implantou em sua empresa
automobilística, um sistema de produção chamado Fordismo, sendo este o sistema de
produção que mais se desenvolveu no século XX, sendo responsável pela produção em massa
de mercadorias das mais diversas espécies e caracterizada pelo fato do trabalhador
desempenhar apenas uma tarefa, porém, inúmeras vezes. (ANTUNES, 2010)
Neste período é perceptível também, segundo Antunes (2010) o processo de produção,
taylorista, baseada em um método científico de organização do trabalho, desenvolvida pelo
engenheiro americano Frederick Taylor (1856-1915), que visava que o trabalho industrial, em
massa, deveria ser dividido, onde cada trabalhador passa a exercer uma atividade específica
no sistema industrial. A organização foi hierarquizada e sistematizada, e o tempo de produção
passou a serem cronometrados, com isso os benefícios começaram a aparecer em forma da
racionalização da produção, economia da mão- de obra, um significativo aumento na
produtividade, e um empenho em acabar com qualquer forma de desperdício tanto de matériaprima como de tempo, concluído que os dois se transformam em dinheiro.
No contexto social marcado pela retração e mesmo erosão do trabalho contratado e
regulamentado, típico da era taylorista e fordista, cresce o trabalho precário, parcial,
temporário, bem como as diferentes modalidades de flexibilização de vínculos e de direitos,
além da ampliação do trabalho voluntário e das diversas formas de cooperativismo e
empreendedorismo, que ocultam novos modos de gestão e a exploração do trabalho. Ocorre
também a explosão do desemprego estrutural em escala global, que atinge a totalidade dos
trabalhadores, sejam homens e mulheres, estáveis ou precarizados, formais ou informais, e a
deterioração da qualidade do trabalho, dos salários e das condições em que ele é exercido.
As condições atuais do capitalismo contemporâneo - globalização financeirizada dos
capitais e sistemas de produção apoiados fortemente no desenvolvimento
tecnológico - promovem intensas mudanças nos processos de organização, gestão e
nas relações e vínculos laborais da classe que vive do trabalho (Antunes, 1999),
resultando em "nova morfologia do trabalho", com amplos contingentes de
trabalhadores
flexibilizados,
infornalizados,
precarizados,
pauperizados,
desprotegidos de direitos e desprovidos de organização coletiva. (ANTUNES,
2005).
São contextos que geram processos continuados de informalização e flexibilização
expressos por trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários, domésticos, em tempo
parcial ou por projeto, para citar apenas algumas das diferentes formas de fragilização a que
está submetida à classe trabalhadora.
Existem transformações que atingem duramente o trabalho assalariado, sua realização
concreta, sua materialidade e as formas de subjetivação na consciência dos trabalhadores,
levando a redefinições dos sistemas de proteção social e das formas de organização e gestão
dos processos de trabalho.
A dinâmica de precarização atinge também o trabalho profissional do assistente social,
afetado pela insegurança do emprego, precárias formas de contratação, intensificação do
trabalho, baixos salários, pressão pelo aumento da produtividade e de resultados imediatos,
ausência de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta de perspectivas de progressão
e ascensão na carreira, ausência de políticas de qualificação e capacitação profissional, entre
outros.
No âmbito do Serviço Social, intensifica se a subcontratação de serviços individuais
dos assistentes sociais por parte de empresas de serviços ou de assessoria, de "cooperativas"
de trabalhadores, na prestação de serviços aos governos e organizações não governamentais,
acenando para o exercício profissional privado (autônomo), temporário, por projeto, por
tarefa, em função das novas formas de gestão.
Transportando tal preceito para atuação do assistente social em seu cotidiano, é
possível traçar uma linha bem demarcada no que se refere ao seu processo profissional,
principalmente, no que tange a relação do adoecimento do profissional em seus vários espaços
sócio ocupacionais. Tendo em vista que o mesmo também se faz inserido no mercado de
trabalho, enquanto trabalhador assalariado e, como tal, necessita garantir sua sobrevivência e
não possui os meios de produção para tal, necessitando cada vez mais se adequar às regras
impostas pelo mercado.
De acordo com Koike (2009), o mercado se faz cada vez mais aviltante no que se
refere as condições dignas de trabalho para todo e qualquer trabalhador assalariado e não é
diferente aos assistentes sociais. A categoria por uma série de fatores se vê cercadas de
processos de sucateamento educacional, salarial e de condições de trabalho que garanta ao
trabalhador o mínimo para uma sobrevivência salutar.
Neste sentido, é fatídico e inevitável o adoecimento de tal profissional, tendo em vista
a ausência de homogeneidade do projeto profissional. Assim, é inevitável também que se
fomente e que se debruce acerca de novos estudos que possibilitem construir alternativas e
respostas aos pontos aqui apresentados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa permitiu compreender que existem várias formas de
trabalho precário e, consequentemente, várias patologias. Os casos de precariedade no âmbito
do Serviço Social demonstra que não são apenas os trabalhos ditos “braçais” que ocasionam
doenças e/ou acidentes.
O profissional de Serviço Social está inserido nessa dinâmica, pois é um trabalhador
assalariado que vende sua força de trabalho realizando atividades nos espaços sócioocupacionais, aceitando as condições do processo de mercantilização, se sujeitando a
precárias formas de contratação e funções além das atribuições e competências que regula a
profissão, salários baixos, direitos sociais reduzidos, contratações terceirizados, cobrança por
resultados imediatos e produtivos, ausência de planos de carreira, dentre outros.
Desta forma, percebe-se que ao mesmo tempo em que o assistente social pode sofrer
situações de precariedade e de adoecimento profissional enquanto trabalhador assalariado,
este é também interventor frente às demandas e vulnerabilidades dos trabalhadores que
vendem sua força de trabalho aos donos do capital. Sendo assim, o assistente social pode
vivenciar esse adoecimento profissional tanto em sua própria categoria, quanto na de seus
usuários.
O capitalismo contemporâneo em seu processo de super-exploração vem
reestruturando o trabalho e a vida social das pessoas, o qual empurra os trabalhadores ao
binômio de flexibilização e precarização, reduzindo os direitos trabalhistas conquistados, em
que políticas neoliberais se estruturam na crise da mundialização, direcionando o seu
empreendimento na lucratividade e competividade no mundo do trabalho.
Infelizmente, a resposta que a realidade nos apresenta leva a crer que a rapidez, a
busca por acumulação de capital e o consequente adoecimento de trabalhadores tendem a
crescer, uma vez que ao passo que a modernização avança e a concorrência no mercado de
trabalho se torna mais acirrada, mais cidadãos optam por trabalharem em condições precárias
e insalubres do que ficarem expostos ao desemprego e aos seus rebatimentos.
Por fim, nota-se que esse é um processo quase que “irrefreável” uma vez que a
crescente demanda capitalista impõe novas formas de competição e de crescimento com
condições mínimas para o trabalho. Fato este que corrobora para a necessidade do profissional
ter que agregar vários cargos e/ou funções em espaços sócio-ocupacionais diversos no sentido
de garantir o mínimo necessário para a sua subsistência e, com isso, colocando em risco a sua
qualidade de vida ocasionando em patologias físicas e psíquicas.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. L. C. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as Metamorfoses e a
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