História Contemporânea

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História Contemporânea
Aula XII
Objetivo: estudar a revolução russa de 1917.
A) A Rússia pré-revolucionária.
A Rússia pré-revolucionária caracterizava-se por constituir um imenso território
preenchido por uma grande diversidade de povos, culturas, religiões e idiomas. Uma
verdadeira Babel étnica controlada pela força centralizadora do império, através de uma
extensa burocracia, e de um forte aparato repressivo.
A sociedade russa era predominantemente rural, quase 80% da população, com os
proprietários de terras explorando uma enorme massa de camponeses (mujiques). A
estrutura social se apoiava na tradição, na manutenção de uma sociedade com
características de Antigo Regime, onde existiam ilhas de progresso, representadas pela
modernidade tecnológica que crescia em algumas regiões.
A religião, marcada pelo sincretismo da Igreja Ortodoxa com as tradições originais
dos povos dominados pelo império, fornecia sustentação ao poder do Tzar, venerado
como o representante de Deus na terra, e assimilado pela massa mujique como uma
mistura de chefe supremo e pai bondoso. Este elemento, aliado a eficácia da política
repressiva, mantinha a legitimidade do poder do Tzar e fornecia à sociedade certo
imobilismo e a manutenção das tradições.
O atraso da sociedade russa iria começar a ser contraposto a necessidade de
modernização trazida pelas relações com as potências estrangeiras. A derrota para a
França e a Inglaterra na Guerra da Criméia, e a dificuldade de se impor ao Império Turco,
deixaram evidente a necessidade de reformas. Em duas ondas reformistas, uma na
década de 1860, onde, entre outras medidas se, se aboliu a servidão, e na década de
1890, se tentou implantar uma modernização industrializante acompanhada por reformas
sociais.
A onda reformista de 1890, mas bem sucedida, promoveu o crescimento da
economia russa, apoiado em medidas protecionistas, no consumo estatal e no capital
estrangeiro. O crescimento, no entanto, não foi suficiente para superar os contrastes
existentes. No setor industrial, a forte presença de capital estrangeiro inibia o crescimento
da burguesia nacional que, apesar disso, se fortalecia com as medidas protecionistas do
Estado. Outro contraste era que a modernização vivenciada nas indústrias não foi
acompanhada pelo setor agrário, que resistia a ideia de modernização. As tentativas de
se criar uma classe de pequenos proprietários rurais fracassaram, consolidando a
situação de miséria e revolta dos mujiques.
A tensão existente no campo era transferida para as cidades industrializadas pela
migração dos camponeses em busca de trabalho, e melhores condições de existência. A
frustração dessa expectativa se fazia sentir na grande participação desses mujiques nos
movimentos grevistas que surgiam.
Neste cenário se formaria uma intelligentsia revolucionária que, da utopia inicial da
formação de uma comuna rural, parte para a ação política dividida em dois grupos. Os
narodiniks (populistas) defendiam a ação direta como forma de despertar a consciência
revolucionária, latente no campesinato, para a criação de comunidades rurais, baseadas
na democracia direta. Uma de suas estratégias era o assassinato de líderes do governo,
buscando gerar o seu enfraquecimento, abrindo brechas para a “onda revolucionária”.
Esta tendência se reunia no Partido Socialista Revolucionário e, em 1881 foi responsável
pelo assassinato do Tzar Alexandre II.
Do outro lado, inspirado na social democracia alemã, de inspiração marxista, e
filiada a Internacional Socialista, O Partido Operário Social Democrata Russo, criticava o
caráter utópico dos populistas e defendia a construção da mudança a partir do operariado,
e de uma revolução que teria duas etapas: primeiro a consolidação da revolução
burguesa, e a implantação de uma típica república capitalista, a partir daí a revolução
socialista comandada pelos operários.
Os sociais democratas russos se dividiam em dois grupos, os bolcheviques e os
mencheviques. Majoritários, os primeiros defendiam uma formação partidária rígida,
formada por revolucionários profissionais. Já os mencheviques defendiam uma estrutura
mais flexível e aberta, nos moldes dos partidos sociais democratas da Europa ocidental.
B) As revoluções russas.
A primeira das revoluções russas ocorreu em 1905 como consequência do conflito
com o Japão pela soberania de Porto Arthur (nordeste da China). Os russos, que
menosprezaram as forças do desconhecido exército japonês, foram surpreendidos, e o
acúmulo de derrotas fez aumentar os custos da guerra. A população que não conseguia
entender as razões do conflito iniciou os protestos.
A revolução se iniciou a partir da repressão do governo a uma marcha pacífica,
organizada como protesto contra a guerra, realizada em São Petersburgo. A matança de
homens, mulheres e crianças, no que ficou conhecido como “domingo sangrento”, iniciou
uma onda de protestos, e ações, contra o governo que se espalhou por toda a Rússia.
A revolta centrou-se sobre três grandes linhas. Nas cidades sucessivas greves
operárias fizeram nascer um novo conceito, a “greve política de massas”, o uso da greve
como veículo de reivindicações políticas, e não simplesmente trabalhistas. Surgia,
também, o modelo do soviete (conselho) como forma de organização dos trabalhadores. A
revolta nas cidades contou, também, com a adesão de militares oriundo das camadas
populares e com a adesão da classe média.
Na área rural houve a adesão dos camponeses defendendo a distribuição
igualitária da terra. Nas áreas dominadas pelo império o nacionalismo aflorou, e
reivindicações de autonomia foram colocadas.
Encurralado, o governo assina um armistício com o Japão e promete a realização
de reformas políticas, com a abertura do regime. A classe média retira o seu apoio à
revolta, e o retorno das tropas envolvidas no conflito reforçam o poder repressivo do
governo, que assim consegue reassumir o controle da situação, pondo fim à revolução de
1905.
As consequências dessa revolução foram muito importantes para o movimento
revolucionário russo. Em primeiro lugar forneceu estratégias de luta para a classe
trabalhadora: a greve política e o sovietes. Segundo, maculou a crença na capacidade
revolucionária da burguesia, e na revolução em duas etapas. Surgia a tese da revolução
permanente, ou ininterrupta, defendidas por Trotsky e Lenin. Uma revolução desde o seu
início comandada pelos operários. Em terceiro lugar, Lenin, impressionado com a força
dos camponeses e dos nacionalistas passou a considerar a aliança com estes dois
setores, apesar da distância que separava as suas formulações políticas.
A pouca disposição do Tzar Nicolau II em efetivar as reformas prometidas,
reacenderia o clima de revolta a partir de 1910-1912. O envolvimento russo na Primeira
Guerra Mundial completaria o processo.
A desastrosa participação russa na guerra, evidenciada no número de mortos, que
alcançou o número de milhões, configurou o elemento que faltava para a derrubada do
regime tzarista. Entre 23 e 27 de fevereiro, com o apoio dos movimentos sociais
organizados, o regime foi substituído por um governo provisório na cidade de Petrogrado
(antiga São Petersburgo), liderado Georgy Lvov. A revolução, fruto das jornadas de
fevereiro, expressava a concordância dos movimentos sociais, de todas as tendências,
em responsabilizar o Tzar pelo fracasso da guerra, e pela crise.
Apesar da aparente harmonia, existia na verdade, uma grande diferença na
expectativa de cada um dos grupos envolvidos. Isso se expressou no surgimento de outra
esfera de poder, o Soviete dos Operários e Soldados de Petrogrado. Os grupos
envolvidos ansiavam por medidas que satisfizessem os seus próprios interesses. Os
trabalhadores urbanos desejavam a adoção de uma legislação social, semelhante a que
vigorava na Europa Ocidental. Os camponeses requeriam a distribuição da terra para
aqueles nela trabalhavam. Os soldados desejavam uma saída honrosa da guerra, sem
perdas ou multas, e se insurgiam contra a hierarquia e a disciplina, através da “Ordem de
serviço n. 1”, que submetia todas as decisões ao acordo do Comitê de soldados. As
nações não russas iniciavam um processo de luta separatista.
O governo provisório, alheio a tudo isso, insistia na continuação da guerra,
mantendo os objetivos da política tzarista. As revoltas se iniciaram no campo.
Em maio, na reunião dos sovietes urbanos do império, os bolcheviques conseguem
aprovar a política expressa no slogan “todo poder para os sovietes”. Em junho, o governo
provisório tentaria o caminho da repressão dos bolcheviques, acusando-os de fomentar a
rebelião na base naval de Kronstadt. Contudo, a tentativa de golpe de direita, comandada
pelo general Kornilov, fez com que Kerenski (novo chefe do governo provisório)
conclamasse os movimentos sociais, inclusive, os próprios bolcheviques.
Entre agosto e outubro de 1917 a situação se deterioraria totalmente. Houve uma
explosão de revoltas no campo, chegando a mais de 5.000 focos de conflitos. A terra foi
nacionalizada, e distribuída pelos camponeses. Não poderia ser comprada ou vendida, e
foi abolido o trabalho assalariado, somente os membros de cada família poderiam cultivála. As transformações no campo, a formação da Comuna Rural Igualitária, levou a uma
grande deserção nas forças armadas, composta majoritariamente por camponeses que
agora, mais ainda, ansiavam retornar. Os operários assumiam o controle das fábricas e
formavam milícias. As nações não russas se declararam independentes do governo russo,
e estabeleceram o princípio da autodeterminação.
Percebendo a profundidade da crise em curso, ao lado da ameaça de uma ofensiva
alemã que poderia terminar com o processo revolucionário, o partido bolchevique,
liderado por Lenin, decide pela tomada do poder, apoiado pelo soviete de Petrogrado,
comandado por Leon Trotsky. Informado sobre a conspiração, Kerenski, ainda tentaria
reprimi-la, mas seu controle sobre o governo já não existia. Na noite de 24 de outubro de
1917 os bolcheviques tomaram o palácio de Inverno, sede do governo. Em 25 de outubro,
quando o Congresso de Sovietes se reuniu, apesar dos protestos dos mencheviques, foi
referendada a tomada do poder efetuada pelos bolcheviques.
O golpe de estado bolchevique somente foi vitorioso porque, logo nos seus
primeiros decretos, tratou de legalizar o processo revolucionário em curso. O novo
governo, representado pelo Conselho de Comissários do Povo, estabeleceu quatro
decretos. O “Decreto sobre a terra” legalizou as mudanças realizadas pelos camponeses.
O “Decreto da paz” previa a negociação de um armistício sem perdas. O “Decreto sobre o
controle operário” legalizava as reivindicações dos comitês de fábrica. Por fim a
”Declaração dos povos da Rússia” concedia autodeterminação a todos os Estados não
russos.
De início, o governo do Partido Comunista, nome assumido pelos bolcheviques em
1918, enfrentou duas grandes crises. A primeira delas foi a Guerra Civil. Aproveitando-se
da perda de apoio do governo, provocada pela assinatura do Tratado de Brest-Litovsk, os
opositores formaram o exército branco, financiado pelo capital estrangeiro. Leon Trotsky
organizaria o exército vermelho em defesa do governo. A Guerra Civil destruiu os recursos
da Rússia, e aumentou a crise e o atraso do país. Houve queda na produção, e
radicalização nas políticas de governo. Dentre estas a adoção do “comunismo de guerra”
que resultou no igualitarismo da escassez, e na expropriação dos excedentes dos
camponeses.
A vitória do exército vermelho não solucionou a crise. Frente às dificuldades da
reconstrução, os comunistas optaram pelo fechamento do regime.
A revolta dos marinheiros de Kornstadt, em 02 de março de 1921, expressava o
distanciamento entre o governo e as forças populares que fizeram a revolução de 1917. A
“terceira revolução” defendia em seu manifesto a adoção de um socialismo democrático,
com voto universal e pluripartidarismo. O governo comunista optou pela repressão ao
movimento, e em 18 de março de 1921, a revolução foi destroçada, com milhares de
mortos em ambos os lados.
Apesar de vitorioso, o governo comunista bolchevique teve de incorporar algumas
reivindicações, como o fim do “comunismo de guerra” e da expropriação dos
camponeses. A partir daí conseguiriam iniciar o processo de recuperação da economia,
mas mantiveram fechado o regime, através do sistema de partido único, configurando
uma ditadura política.
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