UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI SOELI ALFLEN ORTOTANÁSIA SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA uma apreciação a partir do conceito de liberdade de Sartre Biguaçu 2015 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI SOELI ALFLEN ORTOTANÁSIA SOB A ÓTICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA uma apreciação a partir do conceito de liberdade de Sartre Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel, na Universidade do Vale de Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Prof. MSc. Fabiano Pires Castagna UNIVALI – Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Orientador Prof.ª Esp. Giglione Edite Zanella UNIVALI – Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Membro Prof.ª Esp. Vivian de Gann dos Santos UNIVALI – Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Membro Biguaçu, 05 de novembro de 2015. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por iluminar meu caminho e me dar forças e saúde para eu chegar até aqui e concluir esta etapa acadêmica. Agradeço aos meus pais, João Adelino Alflen e Anastásia Meisen, a quem eu devo tudo, bem como aos meus irmãos Isolete, Lineu, Rosilene e Elize, que sempre estiveram ao meu lado, pelo apoio, incentivo e amparo nos momentos mais difíceis. Agradeço ao Mestre Fabiano Pires Castagna, orientador, excelente profissional, que contribuiu para a realização desta pesquisa com seu conhecimento, carinho e atenção. Obrigada por ter confiado em mim e não ter medido esforços para me ajudar a concluir este trabalho. Agradeço aos meus colegas de trabalho, que me acompanharam por toda a trajetória acadêmica, sempre apoiando e proferindo palavras de conforto. Agradeço ao corpo docente, por compartilhar tanto conhecimento, à Universidade e seus funcionários pelo atencioso atendimento e aos colegas de turma pela amizade e companheirismo durante o curso. Por fim, agradeço a todos os meus amigos pela compreensão, ajuda, tolerância e paciência, por acreditarem em mim e se preocuparem com a conclusão deste trabalho. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu-SC, 05 de novembro de 2015. Soeli Alflen Bacharela SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................................... 7 ABSTRACT................................................................................................................. 8 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS .................................... ....11 1.1 CONCEITOS ....................................................................................................... 11 1.1.1 Da declaração universal dos direitos humanos aos direitos fundamentais ....................................................................................................................................13 1.1.2 A proteção judicial aos direitos e garantias fundamentais......................... 17 1.2 DO DIREITO À VIDA ........................................................................................... 18 1.3 A MORTE E A SITUAÇÃO DO PACIENTE TERMINAL ....................................... 20 1.4 A LIBERDADE NO CONCEITO DE SARTRE...................................................... 23 1.5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ...................................................................... 25 1.5.1 O princípio da dignidade da pessoa humana .............................................. 27 2 ORTOTANÁSIA ..................................................................................................... 31 2.1 CONCEITOS DE EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA. ....................... 31 2.1.1 Eutanásia ........................................................................................................ 31 2.1.2 Distanásia ....................................................................................................... 33 2.1.3 Ortotanásia...................................................................................................... 35 2.2 A ORTOTANÁSIA E A RESOLUÇÃO Nº 1805-2006 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM) ................................................................................................ 37 2.2.1 A ortotanásia relacionada ao Código Penal Brasileiro (CP) ....................... 39 2.3 A ORTOTANÁSIA E AS OPOSIÇÕES ................................................................. 43 2.4 A LIBERDADE NA ESCOLHA DE MORRER ....................................................... 45 3 A ORTOTANÁSIA DIANTE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE DO INDIVÍDUO.................................................................................... 48 3.1 DIFERENÇAS BÁSICAS ENTRE EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA .................................................................................................................................. 48 3.2 A BIOÉTICA E O TESTAMENTO VITAL .............................................................. 49 3.2.1 A Bioética ........................................................................................................ 49 3.2.2 Do testamento vital......................................................................................... 51 3.3 REQUISITOS INDISPENSÁVEIS PARA QUE HAJA UMA SITUAÇÃO ORTOTANÁSICA ...................................................................................................... 51 3.4 A ORTOTANÁSIA EM OUTROS PAÍSES ............................................................ 52 3.4.1 Alemanha ........................................................................................................ 52 3.4.2 Estados Unidos .............................................................................................. 53 3.4.3 Holanda ........................................................................................................... 54 3.4.4 Colômbia ......................................................................................................... 54 3.5 OPINIÕES DESFAVORÁVEIS E FAVORÁVEIS À PRÁTICA DA ORTOTANÁSIA .................................................................................................................................. 56 3.5.1 Opiniões desfavoráveis à ortotanásia .......................................................... 56 3.5.2 Opiniões favoráveis à ortotanásia ................................................................ 58 3.6 A ORTOTANÁSIA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE A PARTIR DO CONCEITO DE SARTRE ....................................... 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 66 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69 ANEXOS ................................................................................................................... 75 7 RESUMO A presente obra científica tem como objetivo a análise da prática da ortotanásia relacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana, e a liberdade a partir do conceito de Sartre. A pesquisa é realizada através de obras doutrinárias, de artigos científicos, das Leis, dos princípios constitucionais e jurisprudências brasileiras. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê direitos fundamentais, como o direito à vida, a liberdade e também princípios, como o da dignidade da pessoa humana, que é o mais importante relacionado a esta pesquisa. Registra-se que o objeto principal a pesquisar é a ortotanásia, a prática realizada em paciente que se encontra em estágio terminal, que apresenta doença incurável e que deseja exercer seu direito, como à liberdade de optar em não receber o tratamento terapêutico que prolongue a sua vida. A prática da ortotanásia é considerada lícita no Brasil, diante do Código Penal, e em alguns países pesquisados. Possui previsão na Resolução n º 1805 -2006 do Conselho Federal de medicina, como uma ação por intervenção médica juntamente com o consentimento do paciente, garantindo ao paciente em estágio terminal cuidados paliativos que objetivam aliviar seu sofrimento diante de uma doença. A doutrina e a jurisprudência se mostram divergentes, haja vista que alguns doutrinadores são desfavoráveis a tal prática, pois a comparam com crime de homicídio privilegiado; e há os doutrinadores que são favoráveis, acreditam que a prática da ortotanásia é uma possibilidade ao ser humano de morrer dignamente, o que humaniza o processo da morte. Os tribunais brasileiros se mostraram favoráveis à prática, visto que a vontade do paciente, através de testamento vital ou de seu representante legal, é válida e respeitada. Assim como sua liberdade de escolha e a dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Ortotanásia, liberdade, dignidade da pessoa humana. 8 ABSTRACT This scientific work aims to analyze the practice of orthothanasia related to the principle of human dignity, and freedom from the concept of Sartre. The survey is conducted through doctrinal works, scientific articles, the Law, the constitutional principles and Brazilian jurisprudence. The Constitution of the Federative Republic of Brazil 1988 provides fundamental rights such as the right to life, liberty, and also principles such as the dignity of the human person, which is the most important related to this research. Join the main object searching is orthothanasia, the practice performed in a patient who is terminally ill, who has incurable disease who wish to exercise their right as the freedom to choose not to receive therapeutic treatment that prolongs your life. The practice of orthothanasia is permitted in Brazil, before the Criminal Code, and in some countries surveyed. Has forecast in Resolution No. 1805 -2006 the Federal Council of Medicine, as an action for medical intervention with the patient's consent, ensuring the patient with end-stage palliative care aimed at alleviating their suffering in the face of a disease. The doctrine and jurisprudence show themselves different, given that some teachers are unfavorable to such a practice, because the compare with manslaughter of crime; and there are scholars who are supportive, believe that the practice of orthothanasia is a possibility for the human being to die with dignity, which humanizes the process of death. Brazilian courts were in favor of practice, since the patient's will, living will or through his legal representative, is valid and respected. As well as their freedom of choice and the dignity of the human person. Keywords: Fundamental rights, orthothanasia, freedom, human dignity. 9 INTRODUÇÃO O indivíduo, possuidor do direito à vida, à liberdade, à dignidade da pessoa humana, é o cidadão que merece proteção do Estado, na forma como está declarado no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A vida, considerada como o estado de atividade incessante comum aos seres organizados, é o período que decorre entre o nascimento e a morte. A liberdade é conceituada por Sartre como uma condição intransponível do homem, da qual, ele não pode definitivamente esquivar-se, isto é, o ser humano está condenado a ser livre e é a partir dessa liberdade que o homem se forma. A Dignidade da Pessoa Humana é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante ou desumano, que venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável. Considerando a vida, como o período entre o nascimento e a morte, esta deve ser vivida com dignidade, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana. E como todo ser, terá inevitavelmente seu fim da vida com a morte. A morte é caracteriza pela interrupção completa e definitiva das funções vitais de um organismo vivo, com o desaparecimento da coerência funcional e destruição progressiva das unidades tissulares e celulares. Nesse sentido, é que surge a problemática: A morte digna, fundamentada numa decisão médica com consentimento do paciente ou da família, viola o princípio da dignidade da pessoa humana? A presente pesquisa abordará a liberdade entendida como um dever que traz a ideia de que cada indivíduo é responsável por si desde o nascimento até o momento de sua morte. Portanto, a possibilidade de escolha de ter uma morte digna, através da ortotanásia, é usufruir do princípio da dignidade da pessoa humana, podendo intervir nesta decisão apenas com um método paliativo, deixando o indivíduo decidir sobre si. Assim, será respeitado o direito de liberdade que o homem tem de decidir por sua vida. Para apresentação do tema, as técnicas a serem utilizadas partirão da 10 documentação indireta, através de pesquisa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, através da lei ou princípios constitucionais, o Código Penal, a Resolução nº 1805/2006 do Conselho Regional de Medicina, na jurisprudência e na pesquisa bibliográfica em doutrinas e artigos científicos que versem sobre a matéria. Ficará estruturada da seguinte maneira: No primeiro capítulo será abordado o conceito e uma breve análise da Declaração dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais elencados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A aplicação destes direitos fundamentais e a garantia destes pelo Estado. Do direito à vida inerente ao cidadão e sobre a morte será feita uma pesquisa voltada aos pacientes terminais. Relacionado a essas questões de vida e morte será abordado o princípio da dignidade da pessoa humana e a apreciação do conceito de liberdade por Sartre para se chegar ao objeto da pesquisa que é a ortotanásia. No segundo capítulo será realizada uma pesquisa sobre a prática da ortotanásia. Por se tratar de umas das formas de eutanásia, será feita uma distinção a partir de conceitos e características entre a eutanásia, a ortotanásia e a distanásia. Em seguida, uma análise de como a ortotanásia está relacionada à Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 1805-2006 e com o Código Penal Brasileiro. Serão já apresentadas algumas oposições por doutrinadores e uma breve apreciação da liberdade do indivíduo diante de sua morte. E, no terceiro capítulo, este destinado ao estudo principal da pesquisa, será analisado alguns requisitos essenciais do paciente terminal para a prática da ortotanásia bem como sua liberdade de escolha, o testamento vital (documento expresso) e a bioética que tem o objetivo de preservar a qualidade de vida e os direitos do indivíduo. Posteriormente, uma pesquisa da prática da ortotanásia em outros países e para concluir verificar-se-á as divergências a partir da doutrina e das jurisprudências. Por fim, almeja-se analisar a ortotanásia e o vínculo com o princípio da dignidade da pessoa humana, a partir de uma breve pesquisa sobre a aplicação da Ortotanásia, baseando-se no conceito de liberdade por Sartre e como é vista pelos tribunais brasileiros e doutrinadores. 11 1 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS Neste capítulo, busca-se realizar uma breve análise da passagem dos direitos humanos aos direitos fundamentais no âmbito do Direito Constitucional. Estes direitos estão elencados na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988. São direitos inerentes aos cidadãos, direitos individuais, que objetivam a defesa do indivíduo em face do Estado. O Estado, é um complexo organizativo, possui direito e obrigações que são atribuídas à estrutura do Estado. Dentre essa organização está a garantia aos cidadãos dos direitos fundamentais1. 1.1 CONCEITOS Todavia, diante dos direitos humanos e direitos fundamentais, deve-se relembrar o que é o direito. Gisela Maria Bester traz um conceito: Direito é um sistema de comandos, de normas impositivas, obrigatórias, que orientam os homens que vivem em sociedade, e que são acompanhadas de sanções para o caso de seu eventual não cumprimento. Esse complexo conjunto de regras impostas aos indivíduos (denominado ordenamento jurídico do Estado) possui caráter de universalidade e de generalidade, sendo emanado dos órgãos competentes segundo os ditames da Constituição. Assim, para que cada norma de um dado ordenamento jurídico esteja de acordo com a Constituição, é preciso que tenha sido criada em estrita observância às competências e formas previstas pela própria Constituição e que não contrarie qualquer conteúdo também veiculado pela Constituição2. A partir do termo direito, visto como um sistema de comandos com o objetivo de orientar os homens que vivem em sociedade, aplicando deveres e direitos ao cidadão, faz-se uma análise dos direitos do homem, dos direitos humanos até os direitos fundamentais elencados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O autor João Baptista Herkenhoff destaca que os direitos humanos também são denominados direitos do homem e são conceituados como sendo direitos que o homem possui por sua própria natureza humana e pela dignidade a ela inerente. Nas palavras do autor, esses direitos são resultado de conquistas da própria 1 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2003. 118 – 120 p. 2 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional. Fundamentos teóricos. v.1, Ed. São Paulo: Manole, 2005. 02 p. 12 sociedade e ressalta que “são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar, e, mais, garantir” 3. Nas palavras de Norberto Bobbio, os direitos do homem devem ser protegidos, conforme leciona: Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas 4. Já Fernando Barcellos de Almeida, por seu turno, define o papel do poder público em face dos Direitos Humanos: Direitos Humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em Declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais 5. Os Direitos Humanos desempenham papel de extrema relevância na sociedade e no desenvolvimento humano, tendo em vista as diversas culturas existentes. No entanto, segundo Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolando, “de forma generalizada, a sociedade entende direitos humanos como o conjunto dos direitos essenciais da pessoa humana e de sua dignidade” 6. Corrobora o exposto o ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho: As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídicos, institucionalmente garantidos e limitados, espaço temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem 3 HERKENHOFF, João Baptista. Curso de direitos humanos. Gênese dos direitos humanos. São Paulo: Acadêmica, 1994. 30-31 p. 4 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1. ed. 12. tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 05 p. 5 ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Editor Sérgio Antônio Fabris, 1996. 24 p. 6 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010. 203 p. 13 jurídica concreta 7. Verifica-se, portanto, que a integração dos direitos do homem nos textos constitucionais apresentou efeitos imediatos na transformação de alguns princípios filosóficos em normas jurídicas, ou seja, “o conceito de direitos humanos (ou direitos do homem) é uma noção filosófica ou ideológica, noção esta que ataca a ideia de que os direitos são necessários para que se possa falar de ser humano e dignidade humana.” Por sua vez, o reconhecimento jurídico destes direitos os transforma em normas vinculantes, independente das convicções de cada um 8. Carolina Alves de Souza Lima leciona que “somente o regime democrático garante a possibilidade de tutela do respeito à dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos” 9. Para os autores Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco: A perpetuação da evolução humana consagra a adequação e evolução dos direitos e garantias fundamentais, embasados em suas características, tais como a relatividade, que determina que os direitos fundamentais encontrem limites em outros direitos (interesse da comunidade, direitos de terceiros), também consagrados na Constituição. Assim, para o jus naturalista, os direitos do homem são imperativos do direito natural, anteriores e superiores à vontade do Estado. Já para os positivistas, os direitos do homem são faculdades outorgadas pela lei e reguladas por ela. Para os idealistas, os direitos humanos são ideias, princípios abstratos que a realidade vai acolhendo ao longo do tempo, ao passo que, para os realistas, seriam o resultado direto de lutas sociais e políticas 10. Contudo, até se chegar à elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, houve longo percurso na história, com muitas lutas pela sociedade, fazendo parte de acontecimentos revolucionários 11 . 1.1.1 Da declaração universal dos direitos humanos aos direitos fundamentais 7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Almedina: Coimbra, 1998. 259 p. 8 CRUZ, Paulo Márcio, Fundamentos do direito constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003. 155 p. 9 LIMA, Carolina Alves de Souza. Aborto e anencefalia: direitos fundamentais em colisão. Curitiba: Jurúa, 2008. 26 p. 10 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 152 p. 11 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 141 p. 14 No tocante à Declaração Universal dos Direitos Humanos, cumpre ressaltar que foi escrita sob o impacto das barbáries da Segunda Guerra Mundial e resgatando os ideais da Revolução Francesa. Representando a manifestação histórica em que se desenvolvera, houve o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, em âmbito universal 12 . Nesse sentido, para Bernardo Pereira de Lucena Guerra: A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi o primeiro documento a estabelecer internacionalmente os direitos inerentes a todos os homens e mulheres, independentemente das situações particulares de cada um, que devem ser observados em todo o mundo 13. A declaração dos direitos humanos menciona os direitos do homem em seus artigos, especialmente em seu artigo 1°: Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal 14. O autor José Afonso da Silva destaca que os direitos naturais devem assegurar meios qualitativos de convivência social aos membros da sociedade, haja vista serem direitos fundamentais: São [...] situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados 15. Os Direitos Humanos se transformam em Direitos Fundamentais, de primeira geração, direitos e garantias individuais e liberdades públicas16. 12 COMAPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 238 p. 13 GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. Direito internacional dos direitos humanos: nova mentalidade emergente pós 1945. 22. ed. Curitiba: Jaruá, 2006. 167 p. 14 BRASIL. Declaração universal dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 05 jun 2015. 15 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 178 p. 15 Desta forma, se passa de um conceito jus naturalista para um conceito positivo17. Têm assim, os direitos fundamentais uma finalidade individual18 e uma finalidade coletiva19. Para José Afonso da Silva: A Constituição Federal outorga os direitos individuais e coletivos e não tem como fazer declaração de deveres paralela à declaração de direitos. Mas, os deveres decorrem destes na medida em que cada titular de direitos individuais tem o dever de reconhecer e respeitar igual direito do outro, bem como o dever de comportar-se nas relações inter-humanas, com postura democrática, compreendendo que a dignidade da pessoa humana do próximo deve ser exaltada como a sua própria 20. Neste sentido, Maria Gisela Bester aborda que “a Constituição retrata a forma de ser de um Estado e conferem direitos e garantias fundamentais, tanto aos indivíduos isoladamente considerados quanto à coletividade” 21. Segundo os autores Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco “Os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem primeiro direitos e, depois, deveres perante o Estado”, o que faz com os interesses e necessidades dos cidadãos sejam atendidos pelo Estado de forma 16 O Estado deve ser apenas guardião das liberdades, permanecendo longe de qualquer interferência social. Os direitos humanos de primeira geração são, basicamente, direitos do indivíduo contra o Estado, ou direitos de participar da política do Estado; FAGUNDES JÚNIOR, José Cabral Pereira, Direito à vida privada e à intimidade do Portador do HIV, Aspectos Constitucionais, São Paulo: Ed. Celso Bastos, 2002. 70 p. 17 Ao lado da concepção individualista dos direitos naturais, estes continuam sendo considerados direitos individuais, pois, do jus naturalismo racionalista, o indivíduo pensante e atuante constitui o eixo nuclear do sistema social. Todavia, os direitos do homem são direitos do homem na sociedade, porque a sociedade é o estado normal e material do homem. Ao passo do positivismo, os direitos naturais são uma construção social e não um dado. Por exemplo, a segurança, a liberdade e a propriedade emergem de convenções ou trocas sociais. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Estudos sobre direito fundamentais, Ed. Coimbra, 2002. 18 p. 18 Para se ter uma noção do direito individual são concebidos os direitos fundamentais individuais como aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado. (SILVA, 190) 19 Já a finalidade coletiva se dá de uma maneira geral como o acesso à terra urbana e rural, para nela trabalhar e morar, o de acesso de todos ao trabalho, o direito a transporte coletivo, à energia, ao saneamento básico, o direito ao meio ambiente sadio, o direito a melhoria da qualidade de vida, etc. [...] (SILVA, 194). SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo, São Paulo: Malheiros, 2004. 190, 194 p. 20 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 2004. 194 p. 21 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional. Fundamentos teóricos. v. 1, São Paulo: Manole, 2005. 60 p. 16 ordenada, com a finalidade de garantir uma melhor relação entre Estado e indivíduo 22 . Salienta Ingo Wolfgang Sarlet, sobre os direitos fundamentais: O termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional 23. Ainda, numa breve explicação, a diferenciação entre os conceitos de direitos humanos e direitos fundamentais: O critério mais adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias é o da concreção positiva, uma vez que o termo “direitos humanos” se revelou conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito24. O Estado desempenha um papel de extrema relevância para os cidadãos, que evoluem do reconhecimento dos seus direitos até a consagração destes no ordenamento jurídico. A Constituição Federativa da República do Brasil/1988 traz no título II - dos direitos e garantias fundamentais no que tange aos direitos e deveres individuais e coletivos, especialmente: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] 25. Por fim, os direitos fundamentais foram consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, especialmente em seu art. 5º caput, com o 22 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 150 p. 23 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 35-35 p. 24 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 31 p. 25 BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil. Disponível em <http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/constituicao-federal/constituicao-da-republicafederativa-do-brasil>. Acesso em: 07 Jun 2015. 17 objetivo de garantir aos cidadãos seus direitos, sem distinção entre homens e mulheres e estendendo-os aos estrangeiros. Primeiramente, falando da inviolabilidade do direito à vida, sendo um direito fundamental importantíssimo, pois sem ele, não há de se falar em qualquer outro direito. Em seguida, a liberdade, para que o indivíduo possa expressar sua vontade, tenha liberdade de escolha. Concluindo com a igualdade entre todos os cidadãos sem distinção, a segurança e a propriedade a fim de terem suas necessidades e interesses atendidos pelo Estado. Em seguida, passa-se a apresentação das garantias que o Estado dá à sociedade a fim de não serem violados os direitos fundamentais do cidadão. 1.1.2 A proteção judicial aos direitos e garantias fundamentais Para prevenir a violação dos direitos, é imprescindível que se tenha a proteção judicial aos direitos e garantias fundamentais, isto é, mais relevante do que qualquer outra. Márcio Paulo Cruz leciona, “através desta garantia os cidadãos podem não só informar às autoridades ou à opinião pública violações aos seus direitos, mas, sobretudo, exigir que estas violações sejam prevenidas, impedidas ou remediadas” 26. Essa proteção judicial aos direitos e garantias fundamentais incide na possibilidade de proteção e garantia destes direitos quando são invocados pelos cidadãos perante os tribunais. Márcio Cruz ressalta “a proteção judicial representa, hodiernamente, um elemento fundamental do sistema constitucional”. E isto não se refere apenas aos direitos e garantias fundamentais, mas envolve a todos os direitos dos cidadãos, podendo estar previstos na Constituição ou em qualquer outro instrumento normativo válido 27. Nas palavras de Paulo Márcio Cruz: A proteção judicial encontra-se tão necessariamente ligada à existência de um direito, que se pode afirmar que um direito não existe se não há a correspondente liberdade de ação perante um tribunal. Por esse motivo e como já foi destacado, o direito de acesso aos tribunais se auto configura como um direito fundamental, determinante quanto ao status de cidadão no Estado Democrático de Direito. Faz parte de toda ordem constitucional democrática, 26 27 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003. 175 p. CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2003. 176 p. 18 atualmente, o direito de todo cidadão recorrer aos tribunais para defender seus direitos e interesses 28. Este acesso aos tribunais é ao mesmo tempo, um direito cominado com uma garantia de direitos. Os cidadãos têm o direito e acesso aos tribunais quando seus direitos forem violados. A Constituição Federal elenca um rol enorme de direitos individuais, a fim de que sejam garantidos pelo Estado, Alexandre de Moraes explica: As garantias traduzem-se se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos. [...] As clássicas garantias também são direitos. Os direitos representam por si só certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens, os direitos são principais, as garantias são acessórias 29. Estes direitos e garantias fundamentais tem aplicabilidade direta em regra na quase totalidade dos países do Ocidente, resultando na sua proteção judicial imediata. No Brasil, por exemplo, o § 1 º do Art. 5º da CRFB/88 dispõe que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata 30. Em suma, os direitos e garantias fundamentais, por intermédio de lei que o regulamente ou, não existindo diretamente, com base no texto constitucional, podem ser exigidos perante os tribunais 31. Dessa feita, passa-se ao tópico seguinte, alguns direitos fundamentais e pontos importantes relacionados sobre o tema ortotanásia. 1.2 DO DIREITO À VIDA Todo indivíduo é um ser dotado de vida, significa dizer que é algo indivisível, é o próprio ser. Ter direito a vida já é um direito fundamental elencado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. É de todos a titularidade de direitos. O autor José Afonso da Silva explica: 28 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003. 176 p. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011. 36 p. 30 BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil. Disponível em <http://www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/constituicao-federal/constituicao-da-republicafederativa-do-brasil>. Acesso em: 07 Jun 2015. 31 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2003,176 p. 29 19 A vida humana, que é objeto de direito assegurado no art. 5º, caput, da CRFB/88, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). A vida é intimidade conosco mesmo, saberse e dar-se conta de si mesmo. Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os bens jurídicos 32. Nesse contexto, não basta só viver ou existir, é fundamental que a vida seja digna, que seja entendida como qualidade essencial à condição do homem. Essa dignidade da vida fez-se direito. Ter direito à vida é um direito fundamental do ordenamento jurídico no Estado Moderno. Não dá pra dizer que ter vida digna é apenas mais uma possibilidade, é indispensável para que se assegure a igual liberdade e a livre igualdade de todos os homens. Carmem Lúcia Antunes Rocha afirma “direito é a criação da vida. Direito à vida é a criação do homem. Do homem do direito. Do homem no direito. Se a vida fosse plena não precisava direito.” O direito estende a vida até onde o homem poderia (ou poderá) estendê-la, como forma de certeza a vida de cada um e a vida com os outros, em suas mais variadas dimensões, sendo elas bio psíquica, moral, política, etc. A autora ainda salienta 33: O direito à vida compreende o direito à integridade física, direito de não ser atingido em sua integridade física e psíquica, direito ao patrimônio genético, direito à vida privada e à intimidade, direito à honra e à imagem, dentre outros dados que compõem o patrimônio de bens jurídicos tutelados pelo sistema. 34 Esses bens jurídicos, que fazem parte do conteúdo dos sistemas jurídicos são previstos e assegurados, para qual dos seres presentes na humanidade como parte ou membro da sociedade dos homens, sendo estes os titulares de direitos. O direito à vida, adquirido pelo titular de direito, persiste até ser interrompido o processo vital pela morte inevitável. Enquanto tiver vida impõe a elasticidade do direito, afirma o autor José Afonso da Silva que o direito à vida “consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo” 35 . Para Carmem Lúcia Antunes Rocha, com a incidência à existência digna se amplia o direito à vida. A existência digna é considerada constitucionalmente do sentido de ser, porque já existe um ser desde a concepção. Ainda, sobre o tema, leciona a doutrinadora: 32 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros. 2004. 197 p ROCHA, Carmen Lucia Antunes. O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum. 2004, p. 11-13. 34 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. O direito à vida digna. 2004, p. 25. 35 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros. 2004. 197 p. 33 20 O direito de viver dignamente estende-se a todos aqueles que tornam a vida processo de aperfeiçoamento contínuo e de garantia de estabilidade pessoal, além destes acima citados, direito à saúde, à educação, à cultura, ao meio ambiente equilibrado, aos bens comuns da humanidade, enfim, o direito de ser em dignidades e liberdades 36. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 explicita como direito fundamental o direito à vida e reprisa o tema ao expressar também o direito à existência digna, no art. 5, caput, e no art. 170: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios 37. Concluindo esta concepção, cabe ao Estado assegurar o direito à vida aos indivíduos, o que proclama a Constituição da República Federativa do Brasil, sendo em dupla acepção, a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência 38. Observa-se neste tópico o tanto quanto é fundamental o direito à vida e ser vivida dignamente, e baseando-se na dignidade da pessoa humana o próximo assunto a abordar será a finalização da vida, a morte. Logo, faz-se necessário que o indivíduo tenha uma morte digna também. Que todos tenham o direito à morte digna, o foco será sobre as pessoas enfermas em estágio terminal do qual tratará a pesquisa da ortotanásia. 1.3 A MORTE E A SITUAÇÃO DO PACIENTE TERMINAL Todo ser terá como fim da vida a morte, isto é inevitável. Busca-se conceituar morte, pela autora Maria Júlia Kovàcs em termos de função “a morte caracteriza-se pela interrupção completa e definitiva das funções vitais de um organismo vivo, com 36 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. O direito à vida digna. Belo Horizonte: Fórum. 2004, 26 p. BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 17 jun. 15. 38 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas. 2011, 39 p. 37 21 o desaparecimento da coerência funcional e destruição progressiva das unidades tissulares e celulares” 39. No entendimento de Fábio Ulhoa Coelho “a morte pode ser natural, [...] de acordo com a causa que desencadeia o fim das funções vitais do organismo. Natural é a morte derivada de enfermidade ou idade do homem ou mulher. Todo ser vivo um dia perece; morrer é de sua natureza. Ao extinguir-se a vida, cumpre-se o ciclo biológico do ser que vivia” 40. Por mais difícil que seja este assunto, quando o indivíduo consegue conscientizar-se da própria morte, que é a certeza de todos do fim da vida, torna-se uma importante conquista constitutiva do homem. Leciona Maria Júlia Kovàcs “o homem é determinado pela consciência objetiva de sua mortalidade e por uma subjetividade que busca a imortalidade”. Mas, a morte, também considerada óbito, faz parte do cotidiano, é concreta e fundamental, é o término da vida 41 . No dia a dia, sempre há escolhas a fazer, e quando as fizemos decretamos a morte de outra possibilidade não acolhida. Conforme Maria Júlia Kovàcs “morrer é um dado estruturante de nossa existência. Todo ser aí é ser para a morte” 42 . Nas palavras do autor Paulo Lôbo, quando não há mais condições de vida saudável, quando a morte é inevitável, acredita-se que é possível escolher por uma morte digna, “o direito de pessoas capazes a rechaçar um tratamento médico que mantenha a vida […], ou seja, o direito de morrer naturalmente, quando não há mais condições de a pessoa manter-se viva, segundo os dados atuais da ciência” 43. Através das palavras de Maria Júlia, tratando a morte como uma situação inevitável, pode-se fazer uma análise de um paciente em estado terminal. “O conceito de terminalidade é um conceito relativo, já que todos nós temos a morte como fim do nosso processo de desenvolvimento”. O conceito de paciente terminal é a maneira como são titulados os pacientes que se encontram hospitalizados ou no próprio lar com doença para as quais ainda não foi encontrada a cura. Ressalta ainda a autora que “o conhecimento do fato de que se trata de uma doença terminal desencadeia no paciente, na família e na equipe de saúde aspectos importante a 39 KOVÀCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. 10 p. 40 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. 243 p. 41 KOVÀCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 1992. 28 p. 42 KOVÀCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 1992. 146 p. 43 LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. 116 p. 22 serem considerados” 44. A autora faz uma diferenciação dos três estágios de doença terminal: - Estágio 01 é do início do tratamento até o diagnóstico, entre os mecanismos de defesa mais observados estão a negação e o deslocamento. - Estágio 02 é desde o diagnóstico até o estágio terminal, é a época em que está concentrada a maior parte do tratamento, cujo objetivo principal é combater a doença e buscar a cura. Há oscilações entre a negação, o abrandamento e o deslocamento, até chegar a uma aceitação da irreversibilidade dessa condição, dependendo da trajetória da doença. - Estágio 03 é o período em que o tratamento ativo diminui, há uma ênfase maior na busca do alívio dos sintomas e nos cuidados pessoais 45. Quando um paciente se encontra em estágio terminal o mais importante é tratar os sintomas e não à doença. Neste caso, o que é mais preocupante é a dor que ele sente e hoje não se admite mais que o paciente sofra. A ênfase está na qualidade de vida. O tratamento realizado num paciente terminal não é aquele que tenha como meta a cura da doença ou o prolongamento da vida, e sim o cuidado com ele para que possa expressar seus sentimentos e tenha uma boa qualidade de vida, sem sofrimentos, que exista uma diminuição de sofrimento causado pelas doenças através de tratamento paliativo. Quando o assunto é paciente terminal vem à tona a situação da eutanásia, como uma solução. Porém, hoje em dia, a medicina traz outras medidas de bom senso que são tomadas consultando o paciente e os familiares. Para a autora “este é um debate que envolve questões médicas, sociais, legais e individuais, a preocupação é com a qualidade de vida do paciente e não com o prolongamento dessa vida a todo o custo” 46. Sobre este assunto, leciona Willis Santiago Guerra Filho: “todavia, nos parece essencial, afinal, o direito à vida, este deve limitar-se ao direito à existência digna sem a qual deve desaparecer e assim dar lugar à defesa de ter uma morte digna também”. Ainda sobre este importante assunto, o autor Willis Santiago Guerra Filho apud Dr. Álvaro Mayrink da Costa: 44 KOVÀCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo 1992. 188-189 p. 45 KOVÀCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 1992. 194 p. 46 KOVÀCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 1992. 197 p. 23 O direito à vida com dignidade é o direito de morrer com dignidade, que objetivamente traduz-se em não morrer em estado de consciência, nem através de um ato de pura consciência, mas sim, morrer em paz, e se possível, sem dor 47. A autora Maria Júlia Kovàcs ressalta o seguinte: Nosso caminho não é a indução da morte e sim o impulso à vida. Podemos ajudar uma pessoa que está morrendo, dando-lhe o conforto físico e psíquico de que necessita, e para isto é importante desenvolver o procedimento da escuta. Não é uma tarefa fácil, mas acredito mais digna para nós profissionais da saúde do século XX 48. Contudo, os assuntos morte e paciente em estágio terminal, geram numerosas polêmicas, mas o destino de todos os seres vivos, independente de padrões privilegiados, classe social, cor, raça, religião é, com certeza, a morte. É ela que põe limite à nossa perspectiva de vida. Esta pode ser apreciada como a única certeza que todos os seres vivos têm, mas é necessário que cada indivíduo tenha a liberdade, se possível, de escolha de uma morte digna em caso de doença terminal. 1.4 A LIBERDADE NO CONCEITO DE SARTRE É evidente que existam vários conceitos de liberdade. Este trabalho abrange apenas a ideia por Sartre, da conceituação dele de liberdade em relação ao indivíduo. Para o autor, a liberdade tem como início ações de escolha do indivíduo, quer dizer que determinada ação é sempre intencional, ocasionado por um desejo consciente de cada escolha. Sartre conceitua “liberdade como uma condição intransponível do homem, da qual, ele não pode definitivamente, esquivar-se, isto é, o ser humano está condenado a ser livre e é a partir dessa liberdade que o homem se forma” 49. Para Jean Paul Sartre: Temos a inteira liberdade, somos inteiramente livres, nos limites de nossa condição de nos fazermos. Nenhuma natureza humana, nenhum destino dita a nossa conduta. A liberdade é aqui a ausência 47 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1997. 133, 143 p. 48 KOVÀCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo 1992. 202 p. 49 SILVA, Aline Maria Vilas Bôas da. A concepção de liberdade em Sartre. Filogênese, Marília, v. 06, n. 1, 2006. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/alinesilva.pdf>. Acesso em: 17 jun. 15 24 de norma que seria preexistente a nossa ação. Essa consciência de nossa liberdade ou de nossa total responsabilidade pode provocar seja a angústia de que nos sentimos tomados diante dessa responsabilidade, sejam todas as condutas de má fé que visam a nos dissimular essa liberdade, a nos livrar de nossas responsabilidades acusando o destino, as circunstâncias ou a pressão alheia. Eis por que estamos condenados a sermos livres 50. E esta liberdade para o filósofo, através da ação do cidadão é o que traz fundamento aos valores. Sendo o homem totalmente livre, quer dizer que ele é totalmente responsável por tudo o que escolher e ou fizer, sendo deste modo, não haverá desculpas. O cidadão é responsável por todos os seus atos 51. A partir destes atos, o filósofo Sartre menciona: Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporaliza-se como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser 52. Nas palavras de Sartre o indivíduo está condenado a ser livre “condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer”. O indivíduo quando está condenado à liberdade significa ser totalmente livre e, em resultado, responsável, por uma conduta que não é orientada por nenhum valor preestabelecido diante dos outros e diante de si mesmo 53. O autor Paulo Perdigão também traz os pensamentos do filósofo Sartre em seu livro, relata que quando agimos, a “liberdade faz-se precisamente ao sofrer a adversidade do real e as pressões de força do mundo; faz-se no esforço despendido para realizar no mundo o nosso projeto, faz se quando nos engajamos em uma situação”. O autor assegura: 50 AMIEL, Anne. 50 grandes citações filosóficas explicadas. Os autores e as correntes de pensamento. Marabout, Ediouro S.A.1992 110 p. 51 SILVA, Aline Maria Vilas Bôas da. A concepção de liberdade em Sartre. Filogênese, Marília, v. 06, n. 1, 2006. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/alinesilva.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2015. 52 SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada. Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998, 542-543 p. 53 Nenhum valor preestabelecido como: Deus nenhum, Igreja nenhuma, credo nenhum pode definir antecipadamente nossa conduta ou justificá-la. AMIEL, Anne, 50 grandes citações filosóficas explicadas, os autores e as correntes de pensamento. 1992.112 p. 25 O conceito Sartriano de liberdade não afirma que um homem cativo é livre porque pode “pensar o que quiser”, mas sim que ele é livre para agir dessa ou daquela forma, seja para tentar uma fuga, seja para resignar-se ao cativeiro. {“A vida de um escravo que se rebela e morre no curso da sublevação é uma vida livre”}. Em outras palavras, a liberdade de escolha implica já um fazer 54. Do ponto de vista de Sartre, a ação do indivíduo é um ponto fundamental pra defini-lo como um ser. É desta maneira que o ser sabe o que quer de si mesmo, a liberdade humana está na autonomia da escolha. Não é só poder fazer o que se quer, e sim, querer fazer o que se pode 55. Sartre diz o seguinte: A realidade-humana é livre porque não é o bastante, porque está perpetuamente desprendida de si mesmo, e porque aquilo que foi está separado por um nada daquilo que é e daquilo que será. E, por fim, porque seu próprio ser presente é nadificação na forma do reflexo refletidor. O homem é livre porque não é si mesmo, mas presença a si. O ser que é o que é não poderia ser livre. A liberdade é precisamente o nada que tendo sido no âmago do homem e obriga a realidade humana a fazer-se em vez de ser 56. Conclui-se que a liberdade é uma forma de materialização do que o indivíduo quer, é dar provas de si em ato. Pode se dizer que é através da escolha de uma ação, de uma decisão tomada. É fazer escolhas concretas, e diante do pensamento de Sartre, o homem é aquilo que a sua própria liberdade adquire, mediante suas ações e escolhas. 1.5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Ao adentrar ao assunto princípios é preciso observar primeiramente a distinção de regras e princípios no âmbito dos direitos fundamentais. Robert Alexy leciona os critérios entre ambos: O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de 54 PERDIGÃO, Paulo. Existência & liberdade: uma introdução à filosofia de Sartre. Porto Alegre: L&PM. 1995, 55-56 p. 55 PERDIGÃO, Paulo. Existência & liberdade: uma introdução à filosofia de Sartre. 1995, 64 p. 56 SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada. Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes. 1998, 545 p. 26 otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve ser exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a diferença entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio 57. Em vários campos do saber humano, como filosofia, teologia, sociologia, política, física, direito e outros é utilizado o termo princípio, indistintamente. Para Ruy Samuel Espíndola, essa ideia de princípio ou a sua conceituação, em qualquer área do saber que se tenha em mente “designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa.” Assim todas as outras ideias, pensamentos ou normas resultam em subordinação. Na esfera da ciência jurídica, o termo princípio é usado pra designar a formulação dogmática de conceitos estruturados sobre o direito positivo, também utilizado para indicar determinado tipo de normas jurídicas e estabelecer os postulados teóricos 58. Sobre os princípios constitucionais há uma divisão. São divididos em: princípios fundamentais, gerais e setoriais ou especiais. Relacionado à pesquisa entra o princípio axiológico fundamental, o autor Paulo Márcio Cruz leciona que “é aquele que serve de meio de ligação entre o Direito Natural e o Direito Positivo e que, em essência, coincidem com os valores maiores da sociedade” 59 . O autor Celso Antônio Bandeira de Mello registra que as normas do ordenamento jurídico são elaboradas em harmonia com as limitações principiológicas, sob pena de vulnerarem os valores sociais, o que é inaceitável qualquer violação. Ressalta ainda: Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de 57 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: 2008. 90-91 p. 58 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. d. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002, 53 – 55 p. 59 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2. d. Curitiba: Juruá. 2003, 110 p. 27 comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço 60 lógico e corrosão de sua estrutura mestra . Verifica-se que os princípios devem ser seguidos e não se pode admitir de forma alguma inviolabilidade. O presente trabalho faz análise à integridade moral e física das pessoas, por isso, passa-se ao estudo especificamente do princípio da dignidade da pessoa humana. 1.5.1 O princípio da dignidade da pessoa humana Na época da antiguidade clássica, utilizava-se um pensamento filosófico e político, quanto à dignidade da pessoa humana, em regra, tida como a posição de quantificação e modulação da dignidade. Tal ideia era observada como a posição social que o indivíduo ocupava e o seu grau de reconhecimento dos demais membros da comunidade, no intuito de admitir pessoas mais dignas ou menos dignas. Referente ao pensamento estoico quanto à dignidade, levava em consideração a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o marcava das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são possuidores da mesma dignidade. Leciona Ingo Wolfgang Sarlet que esta interpretação está inteiramente ligada à liberdade pessoal de cada indivíduo, “o homem visto como um ser livre é responsável pelos seus atos e destino, bem como a ideia de que todos os seres humanos, no que diz com a natureza são iguais em dignidade.” Já no âmbito do pensamento jus naturalista no período dos séculos XVII e XVIII, a dignidade da pessoa humana, como ideia do direito natural em si, passou por uma mudança, um processo de racionalização e laicização, mas mantendo-se com a noção fundamental de igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade 61 . O autor Ingo Wolfgang Sarlet apud Samuel Pufendor destacou a ideia de: Para quem mesmo o monarca deveria respeitar a dignidade da pessoa humana, considerada esta como a liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e agir conforme o seu 60 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros. 1994, 451 p. 61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009, 32 p. 28 entendimento e sua opção 62. Partindo para outra ideia, agora de Immanuel Kant: A concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta (autonomia) como fundamento da dignidade do homem, sustenta ainda que o ser humano não pode ser tratado, nem por ele próprio, como objeto [...] O Homem é duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade 63. A reflexão filosófica acumulada nos séculos anteriores, que teve grande contribuição de Kant com sua metafísica de costumes, atribuindo valores ao homem como fim e não meio de todas as coisas resultou na inscrição da dignidade humana nos ordenamentos jurídicos 64. O autor Paulo Lôbo também se refere ao pensamento de Kant, que faz uma análise de valor e a dignidade do homem: No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade 65. Kant de forma inovada diz que o indivíduo jamais deve ser transformado em instrumento para a ação de outrem, “embora os homens tendam a fazer dos outros homens instrumentos ou meios para as suas próprias vontades ou fins, isso é uma afronta ao próprio homem”. Quer dizer que, o homem é definitivamente um ser superior na ordem da natureza e das coisas, por ser titular da dignidade, de valor intrínseco, sem preço e superior a qualquer preço, que faz dele um ser dotado de consciência racional e moral, sendo assim, e por consequência, uma pessoa capaz de responsabilidade e liberdade 66. Portanto, compreende-se essa concepção Kantiana de que a dignidade da pessoa humana (como indivíduo) é considerada como fim, e não como meio, rejeita toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano. A 62 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009, 32 p. 63 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais.2009, 35 p. 64 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, 119 p. 65 LÔBO, Paulo. Famílias. Direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, 60 p. 66 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2012. 117 p. 29 concepção jus naturalista, colaborando com esta ideia faz a comprovação de que a ordem constitucional que, direta ou indiretamente, consagra a ideia da dignidade da pessoa humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado 67. Para que a dignidade da pessoa humana fosse positivada nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, foi necessário um processo de lutas políticas, ideais de liberdade, igualdade e exigências de organizações políticas econômicas e sociais 68 . Após a evidenciação das lutas pelos direitos dos indivíduos, o princípio da dignidade da pessoa humana foi positivado no texto constitucional pátrio, em seu art. 1º, inciso III, assim como segue: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana [...] 69. Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana ressaltam os autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, sobre o valor à existência humana, coloca a pessoa humana como o núcleo de direito: Princípio solar do nosso ordenamento, a sua definição é missão das mais árduas, muito embora arrisquemo-nos a dizer que a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimonial e afetiva, indispensável à sua realização pessoal e à busca da felicidade. Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver plenamente 70. Este princípio, da dignidade da pessoa, também possui um sentido cultural, sendo resultado do trabalho, de luta, das diversas gerações e da humanidade em seu todo, razão por isso as dimensões natural e cultural da dignidade da pessoa humana se completam e interagem mutuamente. A dignidade da pessoa humana 67 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2009, 40-43 p. 68 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2012. 120 p. 69 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 18 jun. 2015. 70 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2013, 76 p. 30 está ligada à condição humana de cada indivíduo, mas é necessária, não tem como descartar, a dimensão comunitária ou social desta mesma dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas, por toda a sociedade. Observa o autor Ingo Wolfgang Sarlet “justamente por serem todos iguais em dignidade e direitos e, pela circunstância de nesta condição viver em comunidade ou grupo”. O autor leciona que é por esta razão que se impõe à ordem jurídica o seu reconhecimento e proteção, que deve zelar para que todos recebam igual, reconhecimento, proteção e respeito por parte do Estado e da comunidade 71. Para Ingo Wolfgang Sarlet: Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana 72. Nas palavras de Paulo Lôbo, onde houver ato, conduta ou atitude que coisifique a pessoa, ou se esta for equiparada a uma coisa disponível, ou a um objeto, ocorre à violação do princípio da dignidade da pessoa humana. Pois, é o princípio inerente a todas as pessoas 73. Nesse sentido: A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade 74 . Com isso, tem-se por conceito de dignidade da pessoa humana “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade”, aludindo neste sentido, que todo cidadão tem um complexo de direitos e deveres fundamentais, estes assegurados a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante ou desumano, sendo-lhes garantidas as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, assim uma vida digna 75. 71 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2009, 51-59 p. 72 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 2009, 65 p. 73 LÔBO, Paulo. Famílias. Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, 60 p. 74 LÔBO, Paulo. Famílias. Direito Civil. 2012, 61 p. 75 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. Porto 31 2 ORTOTANÁSIA 2.1 CONCEITOS DE EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA. O presente capítulo destina-se ao estudo da ortotanásia, no entanto, faz-se necessário conhecer toda a terminologia e os conceitos referentes à eutanásia e distanásia para prosseguir acerca dos conceitos e as características da ortotanásia 76 . 2.1.1 Eutanásia Os autores Antônio, Carolina e Luciano conceituam eutanásia como: “palavra derivada do grego, eu significa boa, thánatos significa morte, deve ser entendida como o ato de ceifar a vida de outra pessoa acometida por uma doença incurável, que lhe causa insuportáveis dores e sofrimentos”. Para os autores o que motiva esta prática é a piedade e o interesse do próprio paciente. Segundo os autores significa dizer que “para o autor da eutanásia, então, é a compaixão pelo próximo, isto é, busca-se fazer um “bem” àquele doente, fator diferenciador de um homicídio simples, por exemplo,” 77. Atualmente, a nomenclatura eutanásia está sendo utilizada como a ação médica que tem por objetivo abreviar a vida das pessoas. A morte de uma pessoa que se encontra em grave sofrimento decorrente de doença, onde não há a possibilidade de melhora, esta ação é produzida por médico, com o consentimento da pessoa. Para os autores Freire de Sá e Moureira, esta ação é a promoção do óbito, “é a conduta, através da ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, com consentimento da pessoa, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento”, o que se difere do curso natural, que neste caso abrevia-lhe a vida do paciente. Segundo os autores, Freire de Sá e Moureira, na prática da eutanásia dois elementos estão envolvidos, que são a Alegre: Livraria do Advogado 2009, 74 p. 76 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e ortotanásia: comentários à resolução 1805/06 CFM – Aspectos Éticos e Jurídicos. ed. Juruá, Curitiba. 2011, 19 p. 77 LOPES, Carlos Antônio, LIMA, Carolina Alves de Souza, SANTORO, Luciano de Freitas. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: aspectos médicos e jurídicos. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Atheneu, 2012. p. 59. 32 intenção e o efeito da ação. No primeiro, tem-se a eutanásia ativa, que é a intenção que por consequência gera uma ação. Esta se divide em eutanásia ativa direta, que tem como característica a intenção de encurtar a vida do paciente, por exemplo, com uma injeção letal. E, a segunda, é a eutanásia ativa indireta que tem por objetivo aliviar o sofrimento do paciente e, também, abreviar o curso vital, produzindo como efeito o objetivo principal que é a morte 78. Outro conceito, agora do autor Eduardo Luiz Santos Cabette, afirma que “a eutanásia costuma ser definida, com base na origem etimológica da palavra, como, ”boa morte”, “morte suave” ou “morte sem dor ou sofrimento”. Eduardo Luiz Santos Cabette apud Carlos Maria Romeo Casabona “consiste na produção da morte de uma pessoa sem sofrimentos físicos e morais”. Após conceituar, o autor faz uma classificação sobre o tema, a primeira delas refere-se à eutanásia natural, esta ligada ao óbito que acontece sem intervenções externas e sofrimentos. A segunda é a eutanásia provocada ou voluntária, que é aquela que se utiliza da conduta humana de alguma forma, podendo ser por parte do próprio doente ou de outrem, que ajuda a terminar ou amenizar a agonia do doente ou abreviando seu período de vida. A modalidade de eutanásia provocada ainda se subdivide em: primeiramente autônoma, conhecida também como suicídio assistido, neste caso não há intervenção de terceiros, o próprio doente dá cabo em sua vida. A segunda sub divisão é a eutanásia heterônoma, que ocorre com a autuação de terceiros, podendo ser médicos, parentes, etc. 79. Atualmente, a questão da eutanásia não se resume apenas aos casos de doentes terminais, ela passa por uma sensível expansão no seu campo de incidência, no qual, acaba abarcando também outras situações polêmicas, entre elas, os casos de recém-nascidos com anomalias congênitas, que ficou denominado como eutanásia precoce; as pessoas consideradas em caso irreversível, encontrando-se em estado vegetativo, as pessoas que não tem capacidade de cuidar de si mesmas, estas consideradas inválidas, etc. 80. 78 SÁ, Maria de Fátima Freire de, MOUREIRA, Diogo Luna. Autonomia para morrer: eutanásia, suicídio assistido e diretivas antecipadas de vontade. Belo Horizonte: Del Rey. 2012. p. 88 . 79 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e ortotanásia: comentários à resolução 1805/06 CFM – Aspectos Éticos e Jurídicos. ed. Juruá: Curitiba. 2011, 20 p. 80 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e ortotanásia: comentários à resolução 1805/06 CFM – Aspectos Éticos e Jurídicos. 2011, 20 p. 33 Vale ressaltar que a autora Maria de Fátima Freire de Sá faz uma distinção entre a eutanásia e o suicídio assistido mencionado anteriormente, evidenciando a ação do médico e do próprio paciente: Na eutanásia, o médico age ou omite-se. Dessa ação ou omissão surge, diretamente, a morte. No suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro. Ela é consequência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado, auxiliado ou apenas observado por esse terceiro 81. Ainda diante do conceito de eutanásia, os autores Carlos Lopes, Carolina Lima e Luciano Santoro, argumentam sobre a eutanásia passiva, que, não se pode confundir com a ortotanásia. Enquanto que, na primeira citada a causa do evento morte já se iniciou, e por isso a morte é de qualquer forma inevitável e iminente, na segunda, a eutanásia passiva a omissão acaba dando causa ao resultado morte. Neste caso, omitem-se ou suspendem-se procedimentos apropriados e proporcionais e que poderiam beneficiar o paciente, sendo eles os cuidados paliativos ordinários e proporcionais à situação. Os autores fazem essa diferenciação, considerando que na ortotanásia, os procedimentos são suspensos, estes são considerados extraordinários e desproporcionais, diante da inevitável e iminente morte. Referem-se a estes tais procedimentos como pertinentes a distanásia, por levar ao prolongamento artificial da vida, sem melhorar a existência em seu processo final 82. A seguir, serão abordados os conceitos e algumas classificações da distanásia, para que assim possa-se analisar a ortotanásia, objeto desta pesquisa. 2.1.2 Distanásia O autor Eduardo Cabette, conceitua distanásia como “o ato de protrair o processo de falecimento iminente em que se encontra o paciente terminal, vez que implica num tratamento inútil”. A etimologia mostra que a palavra deriva do grego dis (afastamento) e thánatos (morte), consiste na aplicação de recursos médicos com a finalidade de prolongar ao máximo que for possível a vida humana. Na distanásia 81 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer. Belo horizonte: Del Rey, 2011. p. 69. LOPES, Carlos Antônio, LIMA, Carolina Alves de Souza, SANTORO, Luciano de Freitas. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: aspectos médicos e jurídicos. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Atheneu. 2012, p. 61. 82 34 decorre da atitude médica que, visa salvar a vida do moribundo, que se encontra em grande sofrimento. A expressão significa: “posto que tenha a possibilidade técnica de manter a vida, isso deve ser feito de forma imperativa e categórica, e em toda situação” Neste caso o objetivo não é prolongar a vida propriamente dita, mas sim o processo de morrer 83. No mesmo diapasão, a distanásia trata-se daquela tentativa de combater a morte a qualquer preço, adiando um sofrimento e agonia inúteis. A distanásia nega o princípio da não maleficência, com isto, pode-se dizer que é uma distorção da conduta médica. O tratamento fútil, prolongado, deveria dar lugar aos cuidados paliativos que se ajustam na humanização e na qualidade de vida e de morte 84 . Emanuel de Oliveira Costa Junior define distanásia como: “o ato de prolongar a vida do paciente seja por drogas de qualquer tipo para esse fim, seja por meio de aparelhos de forma inútil, uma vez que a morte já é uma sentença e não uma possibilidade” , diferenciando da ortotanásia, que entende por: “deixar que o paciente siga seu caminho natural para a morte sem aumentar‐lhe a vida de forma artificial, ou seja, apenas o acompanhamento para que a morte seja menos sofrível possível e de forma natural” 85. Maria Helena Diniz entende por distanásia como: Também designada obstinação terapêutica (L’acharnement thérapeutique) ou futilidade médica (medical futility), tudo deve ser feito mesmo que cause sofrimento atroz ao paciente. Isso porque a distanásia é morte lenta e com muito sofrimento. Trata‐se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte [...] 86. Esclarece Tiago Vieira Bomtempo, que a distanásia é o oposto da ortotanásia, uma vez que a distanásia fere a dignidade do paciente, pelos tratamentos induzidos ao paciente prolongando a vida, enquanto que a ortotanásia visa à morte digna. 83 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e ortotanásia. Comentários à Resolução 1805/06 CFM – Aspectos Éticos e Jurídicos. ed.Juruá: Curitiba. 2011, 26 p. 84 MENEZES, M.B.; SELLI, L.; ALVES, J.S. Distanásia: percepção dos profissionais da enfermagem. Rev. Latinoam. Enferm., v.17, n.4, p.443-8, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v17n4/pt_02.pdf. Acesso em 18 ago. 2015. 85 COSTA JUNIOR, Emanuel de Oliveira. Ortotanásia, distanásia e eutanásia na consciência médica. Biodireito. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 105, out 2012. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11921>. Acesso em 18 ago 2015. 86 DINIZ, Maria Helena Diniz. O estado atual do biodireito. 3ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2006. p. 399. 35 Para o autor, na prática da ortotanásia, “o próprio doente se beneficia quando toma consciência desse processo e nele se torna sujeito e protagonista” 87. Já verificadas as terminologias que mais se aproximam à ortotanásia e ao processo de morrer, no próximo item será estudada a ortotanásia e os principais aspectos relacionados a esta prática. 2.1.3 Ortotanásia Partindo primeiramente de um conceito de Eduardo Cabette, diz que o termo ortotanásia “consiste na “morte ao seu tempo”, sem abreviação do período vital (eutanásia), nem prolongamentos irracionais (distanásia)”. A ortotanásia baseia-se numa clássica lição aristotélica da virtude, como “medianidade”. Pois, segundo o autor, este termo é entendido como “uma mediania entre dois vícios, de um lado a eutanásia que abrevia o ciclo vital para fugir do padecimento, de outro, a chamada distanásia, que prolonga o processo de morte, causando sofrimento desnecessário” 88 . Já, Maria de Fátima Freire de Sá, faz observação de que a ortotanásia, para a autora, que utiliza deste termo como sinônimo da eutanásia passiva, “pode consistir tanto na não iniciação de um tratamento como na suspenção do mesmo”. Ressalta também que o termo ortotanásia “pode ser caracterizado pelo não tratamento de uma enfermidade ou complicação intercorrente, e a morte ocorrerá a seu tempo, sem o prolongamento desnecessário da vida” 89. O autor Ricardo Barbosa explica que: A ortotanásia pode ser admitida, desde que compreendida num sentido muitíssimo restrito, isto é, desde que não se cogite de antecipar o desfecho letal, tal qual ocorreria com a pura e simples desconexão de aparelhos que mantém a pessoa viva, mas simplesmente de profligar o encarniçamento terapêutico, adotando métodos de amparo ao moribundo menos agressivos que uma 87 BOMTEMPO, Tiago Vieira. A ortotanásia e o direito de morrer com dignidade: uma análise constitucional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9645>. Acesso em ago 2015. 88 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e ortotanásia: comentários à resolução 1805/06 CFM – Aspectos Éticos e Jurídicos. ed. Juruá, Curitiba. 2011, 20 p. 89 SÁ, Maria de Fátima Freire de, MOUREIRA, Diogo Luna. Autonomia para morrer: eutanásia, suicídio assistido e diretivas antecipadas de vontade. Belo Horizonte: Del Rey. 2012. p. 89. 36 cirurgia inútil, ou um tratamento quimioterápico rigorosamente inócuo 90 . É importante que a prática da ortotanásia, dê amparo ao paciente, no momento em que ele necessite, em determinada situação em que não há para ele outra opção mais digna. Os autores Carlos Lopes, Carolina Lima e Luciano Santoro, no mesmo viés, dissertam sobre o tema como “uma possibilidade ao ser humano de morrer dignamente, o que humaniza o processo da morte”, alegando que a morte não deve ser entendida como um fracasso, e sim como um processo natural e final da vida. Entendem que a ortotanásia “será concebida como um procedimento pautado no respeito à morte digna, o que possibilitará a humanização do processo de morte”. Considerando que, o “processo da vida deve ser pautado pelo respeito à dignidade, não há dúvida que o processo de morte também deve ser guiado pelo respeito à dignidade”. Logo, utilizando-se da intervenção médica na ortotanásia como uma finalidade tem-se a prevenção da dignidade humana 91. Luciano de Freitas Santoro, na mesma linha, considera a ortotanásia como: O comportamento do médico que, frente a uma morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e a um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os cuidados paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade, faz-se também necessário o consentimento do paciente ou, quando impossibilitado, de seus familiares 92. No que tange o consentimento da família, diante da prática da ortotanásia, Maria de Fátima Freire de Sá, também discorre sobre esta necessidade: [...] a ortotanásia afigura‐se no exercício regular da medicina, a consulta à família se torna necessária, a uma, porque são os parentes os guardiões do interesse do incapaz; a duas, porque tal medida traria segurança ao médico, evitando‐se possível ação judicial contra o profissional 93. Tendo em vista a atuação médica junto ao paciente, o Conselho Federal de Medicina criou uma resolução para regularizar a prática da ortotanásia, o que será abordado no próximo item. 90 ALVES, Ricardo Barbosa. Eutanásia, bioética e vidas sucessivas. Sorocaba: Brazilian Books, 2001. p. 405. 91 LOPES, Carlos Antônio, LIMA, Carolina Alves de Souza, SANTORO, Luciano de Freitas. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: aspectos médicos e jurídicos. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Atheneu, 2012. p. 62. 92 SANTORO, Luciano de Freitas. Morte digna: o direito do paciente terminal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 162. 93 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer: eutanásia, suicídio assistido. 2ª Edição, Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2005. p. 135. 37 2.2 A ORTOTANÁSIA E A RESOLUÇÃO Nº 1805-2006 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM) Visando ser a ortotanásia uma ação por intervenção médica juntamente com o consentimento do paciente, Elias Farah, traz o procedimento adotado pelo Conselho Federal de Medicina, que, baixou a Resolução n. 1805‐2006 (DOU 28‐11‐2006), sendo esta válida para todo país, aprovando o procedimento da ortotanásia em doentes terminais. O autor indaga o seguinte “O CFM argumenta que o doente incurável deve ser poupado de tratamentos dolorosos ou inúteis”. A resolução é uma qualidade de indicativo ético interna corporis, pode se dizer que, teria um sentido piedoso, humanitário, no qual acaba envolvendo os sentimentos pesarosos dos entes queridos. A resolução mencionada foi proposta pela Câmara Técnica Sobre Terminalidade da Vida 94. Tiago Vieira Bomtempo menciona a Resolução n. 1.805/2006 e salienta que a mesma “não dispõe sobre o direito à vida, a resolução regulamenta a prática da ortotanásia, um ato médico, que trata da ética médica. O direito à vida já está disciplinado na Constituição”. O direito à vida já mencionado no capítulo anterior. No preâmbulo da referida resolução define-se a ortotanásia como a “fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente”. Sendo necessário garantir os cuidados com o objetivo de aliviar os sintomas que levam ao sofrimento do paciente, “na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal” (Res. 1.805/2006 CFM) 95. O Conselho Federal de Medicina criou a Resolução Nº 1.805/2006 (Brasília, 09 de novembro de 2006) que objetiva regulamentar a ortotanásia, trazendo o seguinte texto: 94 FARAH, Elias. Ortotanásia: longo tema e conflituoso debate. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 37, fev. 2007. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1902>. Acesso em: ago. 2015. 95 BOMTEMPO, Tiago Vieira. Análise constitucional da ortotanásia: o direito de morrer com dignidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10386>. Acesso em: ago. 2015. 38 Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário 96. Mas há discordância da resolução, pois requerendo o reconhecimento da ilegalidade e sua suspensão liminar da Resolução CFM nº 1.805/2006, o Ministério Público Federal em maio de 2007 ingressou com ação civil pública contra o Conselho Federal de Medicina (CFM), Processo nº: 2007.34.00.014809-3 97 . MPF, alegando que a resolução mencionada não possui poder regulamentar que estabeleça uma conduta ética, haja vista entender a ortotanásia, como um procedimento tipificado crime. Durante o processo, o CFM sustentou a defesa à Resolução, buscando demonstrar que a ortotanásia incide como uma conduta médica moralmente legítima e legalmente lícita. Segundo Rachel Aisengart Menezes e Miriam Ventura, o Conselho Federal de Medicina defendeu-se argumentando o seguinte “a prática da ortotanásia não se provoca a morte do paciente. O processo de vida se extingue naturalmente”. Conclui, declarando que “ao médico compete proporcionar a seu paciente todos os meios existentes para diminuir/abolir o sofrimento que porventura possa ocorrer no fim da vida” 98 . Tendo o procurador do MPF argumentado que o CFM não possuía o poder regulamentar para constituir como conduta ética um procedimento que é tipificado 96 BRASIL, Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM Nº 1.805/2006. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 22 ago. 2015. 97 BRASIL, Poder Judiciário. Seção Judiciária do Distrito Federal, 14ª Vara. Juiz Federal Substituto, ROBERTO LUIS LUCHI DEMO. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/sentencaresolucao-cfm-180596.pdf>. Acesso em: 17 out. 2015. 98 MENEZES, Rachel Aisengart e VENTURA, Miriam. Ortotanásia, sofrimento e dignidade: entre valores morais, medicina e direito. Rev. bras. Ci. Soc. 2013, vol.28, n.81, pp. 213-229. Página 214. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092013000100013&script=sci_arttext>. Acesso em: 18 ago. 2015. 39 como crime, entendendo que a ortotanásia configura crime de homicídio eutanásico, o juiz, acatou os argumentos do MPF e determinou a suspensão liminar dos efeitos da resolução. Na época houve então uma longa discussão judicial, durando quatro anos (ocorreu entre 2006 e 2010). Representantes da sociedade civil e profissionais de saúde participaram do processo. O CFM defendeu a Resolução, como já mencionado no parágrafo anterior. Por fim, em dezembro de 2010, saiu a decisão pelo novo juiz, substituto do juiz que tratava do caso, este decidiu pela legalidade da resolução do CFM. O MPF não recorreu da decisão judicial 99. Contudo, o Conselho Federal de Medicina, teve o objetivo através da Resolução nº 1805 – 2006 de regulamentar a conduta médica moralmente legítima e legalmente lícita. Assim é necessária abordagem da situação da ortotanásia perante o Código Penal no próximo item. 2.2.1 A ortotanásia relacionada ao Código Penal Brasileiro (CP) Há uma distinção entre os conceitos de eutanásia ativa, eutanásia passiva e ortotanásia. Essa é a chave para uma análise das condutas sobre o âmbito criminal, principalmente com relação à tipicidade da conduta com vistas à relevância da omissão, conforme trata o § 2º do art. 13, do CP. Discorre que “o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”. O autor faz a seguinte observação sobre parágrafo supracitado, “se o dever de agir não vier acompanhado de possibilidade de ação não há omissão relevante”. Eduardo Cabette evidencia as diferenças nas condutas perante o artigo do Código Penal, “na eutanásia (ativa ou passiva) o autor mata a vítima com sua ação ou omissão respectivamente. Ele podia não causar (ativa) ou impedir (passiva) o evento morte”. Já na ortotanásia “o autor apenas se abstém de provocar sofrimento para a vítima. Quanto à morte, ele nada faz porque nada pode fazer”. Para o autor, a omissão, relatada, “não tem relevância penal e nem poderia ter, a não ser que se estivesse falando de um Sistema Penal estruturado sobre concepções de responsabilidade civil”, o que não ocorre neste caso da ortotanásia, pois o Código Penal desampara a responsabilidade objetiva conforme o art. 19 do CP: “pelo resultado que agrava especialmente a pena, só 99 MENEZES, Rachel Aisengart e GOMES, Edlaine de Campos. Uma "morte suave": valores religiosos e laicos nos discursos sobre ortotanásia. Relig. soc. 2012, vol.32, n.2, pp. 81-100. Página 84. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010085872012000200005&script=sci_arttext>. Acesso em: 18 ago. 2015. 40 responde o agente que o houver causado ao menos culposamente”. Não há o que se falar em relação de causalidade entre conduta e resultado quando se refere aos casos de ortotanásia e eutanásia indireta, torna-se inviável essa colocação 100. No caso da ortotanásia, o curso causal é benéfico para o doente, causando em verdade a salvaguarda do bem jurídico, a dignidade da pessoa humana, que é constitucionalmente tutelado. Ressalta o autor, Cabette, que “trata-se de morrer um ser humano sofrendo inúteis tormentos ou de morrer sem sofrer desnecessariamente”. Cita ainda que não deve ocorrer uma confusão conceitual entre a ortotanásia propriamente dita e a eutanásia passiva. Pois, como a omissão não é dotada de relevância penal, exclui-se a tipicidade da conduta. Enfim, trata-se, na ortotanásia propriamente dita, a pessoa, neste caso o médico, age simplesmente deixando de fazer aquilo que não se pode ser feito 101. Contribui com esta conclusão a doutrinadora Gisele Mendes de Carvalho: É cediço, porém, que a iniciação, continuação ou ampliação de um tratamento determinado encontra-se condicionados à possibilidade de um médico cumprir sua função curativa, de acordo com o atual estágio de evolução das ciências médicas e com os meios disponíveis. Se o quadro apresentado pelo paciente não indica qualquer probabilidade de evolução, não existe o dever de tratar, mas apenas de ministrar cuidados paliativos indispensáveis contra a dor e o sofrimento, sob pena de incorrer o facultativo em obstinação terapêutica (distanásia). O prolongamento irracional da vida biológica ultrapassa os limites do dever de assistência imposto pela lex artis, que aqui obriga o médico apenas à administração de cuidados essenciais. O dever de assistência do facultativo encontra-se limitado, portanto, como qualquer outro dever de agir, à existência de reais possibilidades de prolongamento de vida e não da morte do enfermo. Ausente essa possibilidade, a desconexão dos aparelhos que mantém vivo o paciente não se moldaria ao tipo do delito de homicídio, uma vez que, para que se perfaça a tipicidade nos delitos omissivos impróprios, não basta que o autor esteja na posição de garante: faz-se mister que tenha capacidade de ação (possibilidade material de evitar o resultado). Não haveria omissão punível por atipicidade da mesma 102. A autora conclui adiante: 100 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e ortotanásia: comentários à resolução 1805/06 CFM – Aspectos Éticos e Jurídicos. ed. Juruá, Curitiba. 2011, p. 88-91. 101 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e ortotanásia: comentários à resolução 1805/06 CFM – Aspectos Éticos e Jurídicos. 2011, p. 88-91. 102 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídicos penais da eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001. p. 168-169. 41 Do exposto, ressai que o âmbito não punível da eutanásia passiva aproxima-se do conceito de ortotanásia. A manutenção de terapias que não oferecem quaisquer expectativas reais de recuperação para o paciente (mormente nos casos de pacientes em estado vegetativo crônico, cuja sobrevivência poderia ser artificialmente protraída durante meses ou até anos) implicaria grave atentado à dignidade da pessoa humana, em tudo contrário à proibição constitucional de submissão a tratamentos desumanos ou degradantes 103. No Código Penal não há intrusão da prática da ortotanásia como crime, pois é uma prática lícita, adequada ao direito à morte digna, assegurado pela Constituição Federal de 1988. A Resolução n. 1.805/2006 criada pelo Conselho Federal de Medicina somente requer harmonizar-se‐ segundo o modelo teórico do Estado Democrático de Direito, tendo como objetivo garantir ao médico e ao paciente maior segurança, diante de situações de grande tensão, onde não se tem muito que fazer 104 . No período em que a Resolução 1805/2006 esteve suspensa, o CRM criou a edição do novo Código de Ética Médica (Resolução CFM 1.931/2009), vigente desde abril de 2010, cujo texto, também tratou da ortotanásia. Segundo seu art. 41, parágrafo único, “nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. No novo Código de Ética Médica, com o objetivo de efetivar os cuidados paliativos para evitar o sofrimento do doente terminal e nos casos em que tiver que interromper o tratamento, a conduta é considerada dever do responsável médico. Não há dolo nesta conduta, não tem o que se falar em atingir o bem jurídico vida, se não seria o requisito principal do crime de homicídio. O artifício subjetivo de quem pratica a ortotanásia, segundo João Martinelli é “dentro dos limites de permissão, resume-se a preservar a dignidade humana de quem está sofrendo inutilmente e deseja abreviar a própria vida” 105. 103 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídicos penais da eutanásia. 2001. p. 168-169 BOMTEMPO, Tiago Vieira. Análise constitucional da ortotanásia: o direito de morrer com dignidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: <http://www.ambito‐ juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10386>. Acesso em: 22 ago. 2015. 105 MARTINELLI, João Paulo Orsini. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Disponível em: <http://jpomartinelli.jusbrasil.com.br/artigos/167709457/aortotanasiaeodireitopenalbrasileiro>. Acesso em: 10 ago. 2015. 104 42 O Código Penal Brasileiro não faz menção à ortotanásia. “Ele atem‐se aos limites do risco permitido do exercício profissional de decidir a terapêutica, com bom senso e lastro científico”. A morte vem por uma consequência da doença e não da conduta do médico, logo, não tem o que se falar em tipicidade penal da conduta. Neste sentido, o art. 23, III, do Código Penal admite como excludente de ilicitude, “quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. A ortotanásia tende a satisfazer a uma concordância social, no qual não admite tratamentos cruentos e inúteis, para prolongar uma vida que já finda, inclusive os estados vegetativos presentes e a invalidez irreversível, casos em que não há vida digna 106. O Código Penal não faz menção há ortotanásia, mas há em tramitação um projeto de lei (PL). A Comissão de Seguridade Social e Família aprovou parecer favorável ao Projeto de Lei 6.715/2009, do Senado Federal, logo após a decisão da Justiça Federal que tornou válida a Resolução 1.805/2006. Este projeto de lei tem por objetivo retirar expressamente a ilicitude da ortotanásia quando preenchidos os requisitos legais. Traz o art. 2.º do PL que “todo paciente que se encontra em fase terminal de enfermidade tem direito a cuidados paliativos proporcionais e adequados, sem prejuízo de outros tratamentos que se mostrem necessários e oportunos”. E, ainda, seu art. 3º define paciente em estado terminal de enfermidade como “pessoa portadora de enfermidade avançada, progressiva e incurável, com prognóstico de morte iminente e inevitável, em razão de falência grave e irreversível de um ou vários órgãos, e que não apresenta qualquer perspectiva de recuperação do quadro clínico”. Neste caso, é importante a situação definitiva do paciente em estado terminal, para dar ao médico a possibilidade de saber se o caso concreto harmoniza-se na permissão legal e evitar, posteriormente, responsabilidade penal por sua conduta 107. Frente ao Código Penal, a ortotanásia é conduta atípica, pois ela não é a causa de morte da pessoa, propriamente dita, uma vez que o processo de morte já está em andamento. Na circunstância em que acontece a ortotanásia, o doente já se encontra em processo natural de morte, onde este só recebe uma contribuição do 106 FARAH, Elias. Ortotanásia: longo tema e conflituoso debate. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 37, fev 2007. Disponível em: <http://www.ambito‐ juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1902>. Acesso em: ago. 2015. 107 MARTINELLI, João Paulo Orsini. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 23 ago. 2015. 43 médico no sentido de deixar que esse estado se aumente no seu curso natural. Apenas o médico pode realizar a ortotanásia, com o consentimento do paciente ou seu representante legal. Percebe-se que o médico não está obrigado a dilatar o processo de morte do paciente, por meios artificiais, sem que este tenha solicitado que o médico tivesse tal atitude. Além do mais, o médico não é obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste ou de seu representante legal 108. 2.3 A ORTOTANÁSIA E AS OPOSIÇÕES Logo após a Resolução do Conselho de Medicina ser considerada válida, a Câmara dos Deputados, aprovou parecer favorável ao Projeto de Lei 6.715/2009, criado pelo Senado Federal, que faz alteração ao Código Penal, inserindo o art. 136A que diz o seguinte: “Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais’ e extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão”. Tal projeto de lei tem por objetivo afastar a ilicitude da ortotanásia dentro dos requisitos legais. O art. 2.º do PL traz que “todo paciente que se encontra em fase terminal de enfermidade tem direito a cuidados paliativos proporcionais e adequados, sem prejuízo de outros tratamentos que se mostrem necessários e oportunos”. E, também, seu art. 3º define paciente em estado terminal de enfermidade como “pessoa portadora de enfermidade avançada, progressiva e incurável, com prognóstico de morte iminente e inevitável, em razão de falência grave e irreversível de um ou vários órgãos, e que não apresenta qualquer perspectiva de recuperação do quadro clínico”. Mas, segundo Martinelli, o legislador precisaria preocupar-se mais com uma regulamentação da ortotanásia impedindo qualquer tipo de responsabilidade penal ao médico. Pois o objetivo na conduta do médico não é atingir um bem jurídico, e sim “concretizar o direito do paciente ao exercício da autonomia, quando a morte for sua vontade real ou presumida” 109. 108 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 871, nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7571>. Acesso em: 22 ago. 2015. 109 MARTINELLI, João Paulo Orsini. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 31 ago. 2015. 44 Há mais divergências relacionadas a esta conduta praticada, a ortotanásia. Conforme Roxana Borges: Há algumas objeções na doutrina. O principal argumento contrário é o de que, com o intenso desenvolvimento do conhecimento médico, a determinação da irreversibilidade de um quadro de saúde pode ser falha. Além disso, há casos em que a determinação da morte como já ocorrida é falha e algumas pessoas, dadas como mortas, despertam durante o velório ou até mesmo depois que o enterro já finalizou. São riscos próprios dos limites do conhecimento tecnológico que exigem cuidado nos critérios sobre a morte 110. Renato Flávio Marcão se posiciona contrário a tal prática “a ortotanásia não passa de um artifício homicida; expediente desprovido de razões lógicas e violadoras da Constituição Federal”. Acredita-se apenas um anseio de dar ao homem, pelo próprio homem, a probabilidade de uma decisão que a ele, paciente, nunca lhe pertenceu. Marcão apud Asúa ainda traz as seguintes indagações sobre o final da vida: Três interrogações se erguem entre nós, repassadas de inquietações: 1) É tão intolerável a dor que seja preciso fazê‐la calar com a morte e tão espantosa a agonia que se imponha o seu aceleramento ?; 2) Pode‐se decidir de um modo irrevogável a incurabilidade de um doente?, e, 3) O critério da inutilidade autoriza a eliminação ? Respostas: 1) Não podemos confiar à dor a influência decisiva de determinar a eutanásia. A medicina moderna não está demarcada perante as dores mais agudas. O risco em razão da suportabilidade ou não dos pacientes é grande. 2) A incurabilidade é um dos conceitos mais duvidosos. Prolongar a vida é vivê‐la. Para estas situações, em que a morte não é imediata, a eutanásia não deve ser praticada, ainda que a enfermidade continue a destruir o organismo e acabe por fim com a existência. 3) Motivar o extermínio pela inutilidade é o extremo da insensibilidade moral. É preciso organizar na vida uma concepção ética da qual o Positivismo e o Idealismo se achem de acordo 111. Por mais que tenham controvérsias sobre o termo ortotanásia, esta tem bastante relevância na forma de ser considerado um fato como criminoso ou não. Ao definir a prática da ortotanásia, deve ficar evidente que o sujeito, no caso o médico ou o representante legal do paciente age sem dolo, ele não tem o objetivo de atingir 110 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 871, nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7571>. Acesso em: 25 ago. 2015. 111 MARCÃO, Renato Flávio. Eutanásia e ortotanásia no anteprojeto de código penal brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=633>. Acesso em: ago. 2015. 45 o bem jurídico vida e, ainda, deve-se deixar clara a existência de circunstâncias que excluam qualquer delito. Sobre a legitimidade da ortotanásia, é preciso que ela seja eficiente, mostrando a atipicidade da conduta para não restarem dúvidas sobre esta prática. O médico age com o objetivo de interromper tratamento ineficaz, pra reduzir o sofrimento do doente que não apresenta chances de cura 112. Diante disso, é necessária a opinião do paciente ou de seu representante, para que se defina qual conduta seja mais digna ao paciente, quando ele não tiver mais cura, que ele tenha a liberdade de escolha. 2.4 A LIBERDADE NA ESCOLHA DE MORRER Nas palavras dos doutrinadores Freira de Sá e Moreira, a cidadania moderna teve uma evolução tecnológica, fazendo existir duas exigências igualmente legítimas, mas evidentemente em conflito, por um lado o particularismo das liberdades, pertencentes ao indivíduo, preferência e interesses pessoais e, por outro lado os interesses coletivos, tendo o universalismo das necessidades. Situações que “determinam o tipo de sociedade vigente, individualista, por um lado, coletivista, por outro, sendo certo que toda uma gama de posições intermediárias é possível”. Para ter um equilíbrio entre o coletivo e o individual vai depender da qualidade de vida. “Portanto, as pessoas sãs e sadias, que têm a vida atrelada à saúde do corpo e da mente, e aquelas que sofrem as consequências de doenças, tendo a vida transformada em dever de sofrimento, têm a liberdade de escolha”. Assim, o indivíduo tendo constitucionalmente garantido o direito à vida é inadmissível que este se transforme em dever de sofrimento e, sim, dever de viver 113 . Atualmente, a medicina traz meios capazes de controlar, amenizar o sofrimento do paciente, como a ortotanásia, que tem por objetivo evitar o prolongamento desnecessário da vida que já está desenganada pela medicina. “O profissional tem o dever de manter a vida enquanto ela for sustentável, mas não tem nenhum dever moral, ético ou legal de estender a angústia àquele que está na iminência de morrer”. Uma boa morte acarreta o direito ao alívio da dor e do sofrimento inútil e prolongado; “ao direito de escolher onde morrer e como morrer, 112 MARTINELLI, João Paulo Orsini. A ortotanásia e o direito penal brasileiro. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 31 ago. 2015. 113 SÁ, Maria de Fátima Freire de; MOUREIRA, Diogo Luna. Autonomia para morrer: eutanásia, suicídio assistido e diretivas antecipadas de vontade. Belo Horizonte: Del Rey. 2012. p. 110. 46 uma boa morte pode significar a valorização da própria vida” ao indivíduo deve ser respeitada esta escolha, quando não há mais condições físicas, morais e psíquicas 114 . Concordando com a “boa morte”, Sêneca, em relações humanas: Não devemos conservar a vida a todo custo, pois o importante não é viver, mas viver bem. Por isso, o sábio vive tanto quanto deve e não tanto quanto pode (...). Morrer mais cedo ou mais tarde que importa? Morrer bem ou morrer mal é isso que importa 115. No entanto, é necessário que o paciente tenha liberdade de escolha, que ele possa decidir qual o tratamento ou conduta melhor pra ele, principalmente se ele for um paciente em fase terminal. Gisele Mendes de Carvalho define o paciente terminal como “a fase final de numerosas enfermidades progressivas, quando se esgotaram todos os tratamentos disponíveis e se alcança o nível vital de irreversibilidade”. E ainda traz umas características do paciente terminal: Presença de enfermidade avançada e incurável pelos meios técnicos existentes, impossibilidade de resposta a tratamentos específicos, presença de sintomas múltiplos, multifatoriais e cambiantes que condicionam a instabilidade evolutiva do paciente; impacto emocional (devido à iminência da morte) no paciente, família e equipe; terapêutica e prognóstico de vida breve (inferior a seis meses) 116. E, diante destas características e tendo em vista aproximação da morte, Röhe apud Häring expressa: Quanto à aproximação da morte, sabemos que existem hoje enormes possibilidades de prolongar a vida de um modo que não convém a ninguém, nem ao doente nem à sua família. Muitas vezes, não se trata de acrescentar uma verdadeira vida aos dias do paciente, mas antes de acrescentar dias dolorosos ao processo morte 117. No processo de morte, a doutrinadora Gisele Carvalho transcreve uma conclusão, fazendo diferenças do direito à vida ao direito à morte, e deixando claro sua opinião sobre o prolongamento deste processo: 114 RÖHE, Anderson. O paciente terminal e o direito de morrer. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004. p.15. 115 SÊNECA. As relações humanas. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Landy. 2002. p. 126. 116 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídicos penais da eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001. p. 125. 117 RÖHE, Anderson. O paciente terminal e o direito de morrer. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004. p.109. 47 O direito à vida contemplado pela Constituição deve ser compreendido de acordo com uma visão global que dele se faça, incluindo na sua interpretação outros valores superiores, entre os quais se destaca a dignidade humana , guindada à categoria de princípio fundamental da República, e o direito à liberdade, que dela se origina. Nesse passo, ninguém pode ser desprovido da própria vida contra sua vontade, mas não existe um dever absoluto e incondicionado de viver, daí a impunibilidade do suicídio. Todavia, não há que se falar num direito à própria morte decorrente do direito à vida, verdadeira inversão do sentido do preceito constitucional. Destarte, o direito à vida exsurge como disponível, embora essa afirmação deva ser admitida com reservas, não possibilitando a intervenção ativa de terceiros, o que implicaria verdadeira renúncia às garantias de respeito e proteção contra o Estado e as demais pessoas. Demais disso, há que se entender que a vida humana objeto de tutela constitucional enquanto vida digna. Tanto que a própria Constituição veda a submissão a tratamentos desumanos ou degradantes. Desse modo, a imposição de tratamentos desproporcionais e a manutenção artificial das funções vegetativas de enfermos que não apresentam perspectivas objetivas de recuperação atentam contra a dignidade humana e devem ser veementemente rechaçadas 118. A participação do próprio doente no processo de morte é importante, para que ele tenha consciência da decisão que será tomada. Para isso não é necessário apenas estar amparado pela dignidade da pessoa humana como versa a Constituição Federal, mas é preciso ter e expressar a própria liberdade de escolha, ser responsável por sua própria decisão, e quando não é possível, que seja por representante legal. 118 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídicos penais da eutanásia. 2001. p. 187. 48 3 A ORTOTANÁSIA DIANTE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE DO INDIVÍDUO Ultrapassando a etapa, nos capítulos anteriores, de enfoque nos direitos fundamentais e a ortotanásia e suas características, é chegada a hora de tratar do tema principal deste trabalho, qual seja: ortotanásia sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana, uma apreciação a partir do conceito de liberdade de Sartre. 3.1 DIFERENÇAS BÁSICAS ENTRE EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA Para iniciar, faz-se necessário relembrar a diferença básica das modalidades de eutanásia, no qual se enquadra o objeto do trabalho. Mônica Vieira disserta acerca destas diferenças: A eutanásia, conduta que, ativa ou passivamente, de forma intencional, abrevia a vida de um paciente, com o objetivo de pôr fim ao seu sofrimento, deve ser bem diferenciada da distanásia, prática que, negando a finitude do ser humano, prolonga a existência através da utilização de meios desproporcionados e extraordinários, quando, naturalmente, a vida já chegou ao seu fim, apenas restando os sinais vitais mantidos por aparelhos, e da ortotanásia, postura que se opõe às duas anteriores, visando a garantir a dignidade do processo de morrer, sem abreviações intencionais nem prolongamentos desnecessários da vida, propiciando ao paciente alívio da dor, conforto, atenção e amor, para que possa recuperar o sentido da vida e da morte 119. A medicina trata dos pacientes com objetivos, e um dos primeiros, ao cuidar dos que morrem, deveria ser o de aliviar a dor e o sofrimento causados por doença. Segundo Valdemar Camon “embora a dor física seja a fonte mais comum de sofrimento, a dor no processo físico vai além do físico, tendo conotações culturais, subjetivas, sociais, psíquicas e éticas”. Deste modo, lidar efetivamente com a dor em todas as suas formas é algo crítico para um cuidado digno das pessoas que estão morrendo 120. O autor apresenta quatro componentes diferentes da dor: 119 VIEIRA, Mônica Silveira. Eutanásia: humanizando a visão jurídica. Curitiba: Juruá, 2009. p 295. CAMON, Valdemar Augusto Angerami (organizador). A ética na saúde. São Paulo: Pioneira. 1997. p. 87 120 49 A dor física é a mais óbvia e a maior causadora de sofrimento. Surge de um ferimento, doença ou da deterioração progressiva do corpo; a dor psíquica frequentemente surge do enfrentar a inevitabilidade da morte, perdendo o controle sobre o processo de morrer, as esperanças e os sonhos, ou ter de redefinir o mundo, neste caso há mudança de humor; a dor social é a dor do isolamento. A dificuldade de comunicação que se experimenta justamente quando o morrer cria o senso de solidão, num momento quando companhia é muito importante e, a dor espiritual que surge da perda de significado, sentido e esperança 121. Essencialmente, os profissionais de saúde têm como proposta de cuidados paliativos assistirem o moribundo até seus últimos momentos, com o objetivo de minimizar tanto quanto possível seu desconforto e dor, além de dar suporte emocional e espiritual a seus familiares. Os profissionais que atuam no tratamento paliativo, conhecidos também como militantes da causa da boa morte, consideram que “o ideal é que a pessoa que está vivenciando o processo do morrer tenha controle desse processo, realizando escolhas a partir das informações transmitidas pelo médico”. Essas escolhas de tratamentos são feitas sobre as técnicas e possibilidades terapêuticas. “A palavra de ordem é a comunicação franca entre profissionais de saúde, pacientes e seus familiares: o tratamento deve ser discutido, em suas várias etapas, entre todos os atores sociais envolvidos” 122 . Pensando nestas situações, por meio da bioética, a medicina se preocupa com o bem estar e os direitos de cada indivíduo. 3.2 A BIOÉTICA E O TESTAMENTO VITAL 3.2.1 A Bioética A bioética está remitida para a ética da vida (bios + ethos), como o objetivo de preservar a qualidade de vida e os direitos do indivíduo, direcionando todos os comportamentos, tanto pessoais como os sociais. Umas das formas de caracterizar a bioética é se ater aos quatro princípios fundamentais: o da autonomia, da beneficência, da justiça e da não-maleficência. Salienta o autor que “esses princípios 121 CAMON, Valdemar Augusto Angerami (organizador). A ética na saúde. 1997. p. 87. MENEZES, Rachel Aisengart. Entre normas e práticas: tomada de decisões no processo saúde/doença. Physis. 2011, vol.21, n.4, pp. 1429-1449. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73312011000400014&script=sci_arttext>. Acesso em: ago. 2015. 122 50 podem parecer abstratos, mas, quando contextualizados mostram não apenas sua validade, mas também sua importância” 123. Nas palavras de Tiago, em seu artigo, sobre os princípios da bioética, destaca-se: Entende‐se que todos eles podem ser aplicados à prática da ortotanásia, a saber: na autonomia do paciente terminal em decidir querer morrer dignamente; na não‐maleficência de não extenuar um tratamento fútil que lhe cause mais dores e sofrimentos; na beneficência da promoção do alívio, do conforto e da dignidade; e na justiça, na qual se para alguns não há mais chance de cura, deve‐se buscar promover o acesso ao tratamento para aquele que pode se tornar sadio 124. Na doutrina, Maria Helena Diniz, dispõe: Nas relações médico-paciente, a conduta médica deverá ajustar-se às normas éticas e jurídicas e aos princípios norteadores daquelas relações, que requerem uma tomada de decisão no que atina aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adotados. Tais princípios são da beneficência e não maleficência, o do respeito à autonomia e ao consentimento livre e esclarecido e o da justiça. Todos eles deverão ser seguidos pelo bom profissional da saúde, para que possa tratar seus pacientes com dignidade, respeitando seus valores, crenças e desejos ao fazer juízos terapêuticos, diagnósticos e prognósticos. Dentro dos princípios bioéticos, o médico deverá desempenhar, na relação com seus pacientes, o papel de consultor, conselheiro e amigo, aplicando os recursos que forem mais adequados 125. Contudo, se um paciente capaz estiver diante de sua morte inevitável, puder decidir sobre como e o que deseja a respeito de seus últimos dias é ter o princípio da autonomia respeitado, tendo em vista o direito à vida digna que todo o indivíduo possui. Umas das maneiras do indivíduo, acometido de doença terminal ou incurável manifestar sua vontade, expressamente, indicando o tratamento ou condutas terapêuticas que deseja ou não receber é através do documento chamado testamento vital 126. 123 MOSER, Antônio. Biotecnologia e bioética: para onde vamos? Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. p. 318. 124 BOMTEMPO, Tiago Vieira. Análise constitucional da ortotanásia: o direito de morrer com dignidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9645>. Acesso em 06 out. 2015. 125 DINIZ, Maria Helena Diniz. O estado atual do biodireito. 3ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2006. p. 648-649. 126 WU, Linda Luiza Johnlei; ALVES, Bruna Aline Roque. Questões jurídicas e bioéticas acerca da terminalidade da vida. Revista Jus Populis, Barretos, v. 01, n. 01, jan./jun. 2015. Disponível em: 51 3.2.2 Do testamento vital A doutrina traz um conceito. Nas palavras de Borges: O testamento vital é um documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal e incapaz de manifestar sua vontade. Visa-se, com o testamento vital, a influir sobre os médicos no sentido do não tratamento, como vontade do paciente, que pode vir estar impedido de manifestar sua vontade em razão de doença 127. Contudo, poderão ocorrer casos em que o paciente não terá condições de exprimir a sua vontade, seja em decorrência da própria doença, por efeitos de medicamentos, ou pelo fato do paciente estar em estado de inconsciência, em coma, ou vegetativo. Situações como estas citadas devem ser rigorosamente analisadas, pois, nestes casos caberá a família decidir pela manutenção ou não dos tratamentos direcionados ao paciente terminal 128. Através da pesquisa é possível perceber que, além do Brasil, outros países também utilizam o testamento vital como forma do paciente expressar sua última vontade. Este assunto será abordado posteriormente, mas antes disso é preciso evidenciar alguns requisitos para que se tenha uma situação ortotanásica. 3.3 REQUISITOS INDISPENSÁVEIS PARA QUE HAJA UMA SITUAÇÃO ORTOTANÁSICA Para a constatação de um paciente que se encontra em estado terminal e a aplicação da prática ortotanásica, é preciso que este se enquadre em alguns requisitos, no qual será tratado a seguir, conforme as palavras de Santoro: <http://revistadigital.unibarretos.net/index.php/JusPopulis/article/download/58/43>. Acesso em: 10 set. 2015. p. 142. 127 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e autonomia privada. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 240. 128 BOMTEMPO, Tiago Vieira. Análise constitucional da ortotanásia: o direito de morrer com dignidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10386>. Acesso em: 04 out. 2015. 52 a) vida do paciente deve estar em perigo, sendo a morte iminente e inevitável [...]; b) existência do consentimento, do paciente ou de seus familiares, na supressão ou interrupção do tratamento e na sua conversão em cuidados paliativos, propiciando um completo estado de bem-estar, e, finalmente; c) atuação do médico e demais profissionais da saúde sempre visando o bem do paciente, razão pela qual não poderá deixar de ampará-lo, prestando-lhe os cuidados paliativos. Portanto, é no desdobramento da ortotanásia que surge o conceito de cuidados paliativos acolhido pela Organização Mundial de Saúde e entendido como sendo: [...] a abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e do alivio do sofrimento, com meios de identificação precoce, avaliação correta, tratamento da dor, e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual 129. A partir desses dados, será feita uma análise da prática da ortotanásia em outros países. 3.4 A ORTOTANÁSIA EM OUTROS PAÍSES 3.4.1 Alemanha Existem três formas de eutanásia permitidas. A eutanásia passiva, que é a abdicação a todos os procedimentos de prorrogação da vida, neste caso o paciente deve ter deixado declarado expressamente. A prática do suicídio assistido também é permitida. Mas nesse caso o médico pode ser punido por possível infração da lei que regulamenta a prescrição de medicamentos no país, pois o próprio paciente toma o medicamento letal disponibilizado por outra pessoa. A terceira prática permitida no país é a chamada ortotanásia ou também conhecida como eutanásia indireta, ou seja, o paciente recebe do médico, analgésicos para aliviar suas dores. O médico assume o risco de que estes remédios possam levar a uma morte mais rápida, pois provocam a desaceleração da respiração, e em alguns casos até a parada respiratória. Na Alemanha apenas a indução ativa à morte é punível do ponto de vista jurídico, “o paciente pede a outra pessoa que o ajude a morrer, por exemplo, através de uma injeção letal”. Assim é definida a prática130. 129 SANTORO, Luciano de Freitas. Morte digna: o direito do paciente terminal. Curitiba: Juruá, 2010. p 162. 130 ERDMANN, Kathrin. Europa debate participação do Estado em eutanásia assistida. Disponível 53 3.4.2 Estados Unidos Sobre eutanásia passiva nos EUA os debates são antigos e seu primeiro registro tem data de 1906. Lá, cada estado tem sua própria legislação, diferente do Brasil que abrange todo o território nacional. O Estado da Califórnia reconhece o direito do paciente recusar o tratamento que o mantinha com vida – the Natural Death Act – desde 1976. Oregon, Massachussets e Conecticut também acondicionam neste sentido, mas todas elas não preveem o suicídio assistido ou a conduta ativa, mas tão somente a suspensão do suporte vital artificial, mediante manifestação prévia do paciente ou sua família (no caso deste não poder manifestar sua vontade). “No mesmo sentido de seus compadres americanos filia-se a common law britânica, permitindo a suspensão do tratamento a doentes incuráveis e terminais”. Mas, essa conduta ocorre mediante rigorosos requisitos e condições extremas, entre as quais a perícia técnica sobre a anamnese do paciente e a sua disposição legítima de vontade 131. A Suprema Corte Americana admite a aplicação do ato da morte com dignidade. Tiago, em seu artigo apud Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p.36-37) traz a existência da PSDA (Pacient Self-Determination Act) ou Ato de Autodeterminação do Paciente, é uma lei aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos que entrou em vigor a partir de 1º de dezembro de 1991. Esta lei reafirma a autonomia do paciente, reconhece a recusa de tratamento médico pelo mesmo, por sua vontade. No momento da sua entrada nos centros de saúde, serão registradas as objeções e opções de tratamento em caso de incapacidade superveniente do doente. As manifestações de vontade são realizadas de três maneiras: “o living will (testamento em vida), documento o qual o paciente dispõe em vida os tratamentos ou a recusa destes quando estiver em estado de inconsciência”; a segunda opção é o durable power of attorney for health care “(poder duradouro do representante para cuidados com a saúde), documento no qual, por meio de um mandato, se estabelece um representante para decidir e tomar providências em relação ao paciente”; e por último “o advanced core medical directive (diretiva do centro médico em <http://dw.com/p/15axo>. Acesso em: 16 set. 2015. 131 PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. O direito de morrer: eutanásia, ortotanásia e distanásia no direito comparado. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 21 Mar. 2012. Disponível em: investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-constitucional/232395. Acesso em: 16 Set. 2015. 54 avançado), que consiste em um documento mais completo, direcionado ao paciente terminal”. Este último é o que reúne as disposições do testamento em vida e do mandato duradouro, é basicamente a união dos outros dois documentos 132. 3.4.3 Holanda A prática da eutanásia é discutida desde a década de 1970. Como ocorreram várias situações com pacientes, médicos realizavam questionamentos relacionados com a questão moral e ética, até que a conduta passou a ser legalizada. Médicos explicaram ao parlamento do país que se tratava de uma prática benéfica ao paciente e tal lei foi aprovada em 10 de abril de 2001, entrando em vigor um ano depois. Esta lei tornou a prática da eutanásia em sentido estrito e eutanásia assistida como procedimentos legalizados no País, de acordo com o ordenamento jurídico local. Estando essas condutas de acordo com o ordenamento jurídico, não se tem notícias de que haja algum conflito quanto à prática da ortotanásia, mesmo não estando a terminologia expressamente mencionada. Nas palavras de André em seu artigo “entende-se que a ortotanásia é perfeitamente aplicável ao ordenamento holandês” 133. 3.4.4 Colômbia O Congresso da Colômbia regulamentou a Lei 1.733 de 2014 que regula a ortotanásia, prática que é equivalente a minimizar o esforço terapêutico para qualquer paciente que sofre de efeitos secundários de doença terminal. Também chamado de cuidados paliativos, “um tratamento médico que dignifica a vida de quem vai inevitavelmente morrer, mas sua vontade não é mais uma morte bem natural”. Houve um debate sobre a constitucionalidade da lei sobre cuidados paliativos. No Acórdão C-233 de 2014, o Tribunal Constitucional declarou a 132 BOMTEMPO, Tiago Vieira. A ortotanásia e o direito de morrer com dignidade: uma análise constitucional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9645>. Acesso em: 16 set. 2015. 133 SANTO, André Mendes Espírito. Ortotanásia e direito à vida digna. Mestrado em Direito. São Paulo, 2009, 229 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp086624.pdf>. Acesso em: 10 set. 2015. 55 constitucionalidade da norma acusada, expondo que “os cuidados paliativos são tratamentos médicos que protegem certos e indiscutíveis direitos de passagem de fundamento constitucional”. O procedimento é considerado também como uma alternativa intermediária à eutanásia e distanásia, resumindo, não prolonga a vida desnecessariamente, mas também não a termina deliberadamente porque o paciente não quer isso. “O objetivo é orientar o tratamento médico de alívio da dor, em vez de procurar a cura do doente”. Quando os pacientes não querem causar sua morte, há procedimentos médicos para morrer da maneira mais digna possível, este é o caso da ortotanásia ou cuidados paliativos 134 . É notório destacar que a reflexão sobre a legalidade das práticas supracitadas é uma temática de intensa discussão em diversos países. “Nos países que, explicitamente, tutelam o direito à ortotanásia, ela é praticada com extrema segurança jurídica, obedecendo a etapas de protocolos elaborados” na tentativa de garantir, efetivamente, o elemento volitivo do paciente e o afastamento da responsabilidade do profissional médico e da instituição de saúde 135. Entre os protocolos elaborados e validados para a liberação da prática da ortotanásia, destacam-se o Consentimento Informado e o Testamento Vital, que, são considerados documentos seguros e válidos. Para que seja efetuada a prática da ortotanásia por meio desses instrumentos, é necessário que o paciente manifeste sua vontade, preferencialmente, antes que ele perca sua capacidade civil. O Testamento Vital é um documento amplamente utilizado nos Estados Unidos, que corresponde a uma formalidade rígida, em que a pessoa determina, expressamente, o tratamento a que vai se submeter ou não, no momento em que se encontre em estado incurável ou terminal, para não ter sua vontade impedida caso não possa mais manifestá-la, além do que, tem como objetivo evitar a instalação de uma 134 COLÔMBIA, Tribunal Constitucional. Base normativa do direito de morrer com dignidade na Colômbia. Disponível em: <https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=ptBR&prev=search&rurl=translate.google.com.br&sl=es&u=http://www.corteconstitucional.gov.co/relator ia/2014/t-970-14.htm&usg=ALkJrhhrLJnUPNTqiw732ldj3hyeAjXgaQ>. Acesso em: 27 set. 2015. 135 FELIX, Z. C.; COSTA, S. F. G.; ALVES, A. M. P. de M.; ANDRADE, C. G.; DUARTE, M. C. S.; BRITO, F. M. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, p. 2733-46, set. 2013. Disponível em: <http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=23989581&lang=pt-br&site=ehostlive>. Acesso em: 10 set. 2015. 56 terapia fútil e uma morte indigna e sofrida. No Brasil, atualmente, não existe o emprego do Testamento Vital normatizado 136. Diante disso, nota-se que diversos países são favoráveis a conduta da ortotanásia. No Brasil a prática é considerada lícita como já mencionado anteriormente, mas há também quem seja contrário à prática da ortotanásia na doutrina. 3.5 OPINIÕES DESFAVORÁVEIS E FAVORÁVEIS À PRÁTICA DA ORTOTANÁSIA 3.5.1 Opiniões desfavoráveis à ortotanásia O autor Júlio Mirabete se posiciona contra a ortotanásia e a compara com o crime de homicídio privilegiado: A motivação do crime de homicídio pode fazer com que se caracterize o homicídio privilegiado. Atuando o agente motivado por relevante valor social, que diz respeito aos interesses ou fins da vida coletiva (humanitários, patrióticos, etc.), ou moral, que se refere aos interesses particulares do agente (compaixão, piedade etc.) praticará um homicídio privilegiado. A eutanásia (ação ou omissão que causa a morte, com a finalidade de evitar a dor) e a ortotanásia (em que se ministram remédios paliativos e se prevê acompanhamento médico, presença amiga e conforto espiritual até o óbito) têm sido reconhecidas como homicídio praticado por relevante valor moral, já tendo sido considerada lícita, em certas circunstâncias, p. ex., na Corte Constitucional da Colômbia137. Leciona Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha Filho, no mesmo sentido e “entende pela inclusão da ortotanásia, assim como da eutanásia, na prática do crime de homicídio na forma privilegiada por relevante valor moral” 138 . Nas palavras de Vinícius Lopez: A eutanásia configura homicídio na figura privilegiada por relevante valor moral, conforme já explicado, entretanto, a ortotanásia não deve ser entendida como prática de ato homicida, vez que a morte já é certa. O médico, respeitada a vontade do paciente ou de seu 136 FELIX, Z. C.; COSTA, S. F. G.; ALVES, A. M. P. de M.; ANDRADE, C. G.; DUARTE, M. C. S.; BRITO, F. M. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, p. 2733-46, set. 2013. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=mdc&AN=23989581&lang=pt-br&site=ehostlive. Acesso em: 10 set. 2015. 137 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. 4ª ed. Atlas: São Paulo. 2003. p. 43. 138 ARANHA FILHO, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo. Direito penal: crimes contra a pessoa: arts. 121 a 154. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 242. 57 representante legal, apenas deixaria de adotar ou limitaria os procedimentos e tratamentos que prolongariam artificialmente a vida do enfermo portador de doença incurável, em estado terminal e irremediável 139. Como já havia mencionada a opinião de Roxana Borges no segundo capítulo, é evidente a contrariedade à prática: Há algumas objeções na doutrina. O principal argumento contrário é o de que, com o intenso desenvolvimento do conhecimento médico, a determinação da irreversibilidade de um quadro de saúde pode ser falha. Além disso, há casos em que a determinação da morte como já ocorrida é falha e algumas pessoas, dadas como mortas, despertam durante o velório ou até mesmo depois que o enterro já finalizou. São riscos próprios dos limites do conhecimento tecnológico que exigem cuidado nos critérios sobre a morte 140. Com base no artigo de Renato Flávio Marcão, que considera tal prática como homicídio, tem-se que “a ortotanásia não passa de um artifício homicida; expediente desprovido de razões lógicas e violadoras da Constituição Federal”. Ressalta ainda que ao praticar a ortotanásia, o homem está agindo com uma autonomia que não é pertencente a ele e violando a Constituição Federal, pois, acredita que o homem não tem esta liberdade de escolha 141. O Autor Alexandre de Moraes também se posiciona contrário à ortotanásia pelo que discorre: O ordenamento jurídico-constitucional não autoriza, portanto, nenhuma das espécies de eutanásia, quais sejam a ativa ou passiva (ortotanásia). Enquanto a primeira configura o direito subjetivo de exigir de terceiros, inclusive do próprio Estado, a provocação de morte, para atenuar sofrimentos (morte doce ou homicídio por piedade), a segunda é o direito de opor-se ao prolongamento artificial da própria vida, por meio de artifícios médicos, seja em caso de doenças incuráveis e terríveis, seja em caso de acidentes gravíssimos (o chamado direito à morte digna) 142. 139 LOPEZ, Vinicius Kobayashi Angulo. Ortotanásia no direito brasileiro. Disponível em: http://vinicius384.jusbrasil.com.br/artigos/169254839/ortotanasianodireitobrasileiro. Acesso em: 10 ago. 2015. 140 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 871, 21 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7571>. Acesso em: 25 ago. 2015. 141 MARCÃO, Renato Flávio. Eutanásia e ortotanásia no anteprojeto de código penal brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=633>. Acesso em: ago. 2015. 142 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 8. ed. atualizada até a EC nº 67/10. São Paulo: Atlas, 2011.p. 62. 58 Apresentadas as contradições frente à prática da ortotanásia, é possível observar que a maioria dos doutrinadores citados faz comparação desta prática com o homicídio. Mas o próximo tópico tratará das opiniões a favor, de doutrinadores e magistrados que acreditam ser uma prática compatível a dignidade da pessoa humana e de acordo com a vontade do indivíduo nos casos em que a morte for inevitável. 3.5.2 Opiniões favoráveis à ortotanásia Ao longo da pesquisa foram encontradas opiniões desfavoráveis de doutrinadores, as favoráveis partiram da doutrina e também dos Tribunais de Justiças. Como já mencionado no segundo capítulo, o autor Ricardo Alves assim leciona: A ortotanásia pode ser admitida, desde que compreendida num sentido muitíssimo restrito, isto é, desde que não se cogite de antecipar o desfecho letal, tal qual ocorreria com apura e simples desconexão de aparelhos que mantém a pessoa viva, mas simplesmente de profligar o encarniçamento terapêutico, adotando métodos de amparo ao moribundo menos agressivo que uma cirurgia inútil, ou um tratamento quimioterápico rigorosamente inócuo 143. No mesmo viés, o autor Luciano Santoro leciona: O comportamento do médico que, frente a uma morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e a um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os cuidados paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade, faz-se também necessário o consentimento do paciente ou, quando impossibilitado, de seus familiares 144. E, ainda, o autor evidencia que deve ser considerada lícita a atuação da ortotanásia do médico ao paciente, conforme suas palavras: [...] a tendência é reconhecer, expressamente, a licitude da ortotanásia no ordenamento jurídico brasileiro, possibilitando a sua realização sem deixar os médicos à mercê de um entendimento 143 ALVES, Ricardo Barbosa. Eutanásia, bioética e vidas sucessivas. Sorocaba: Brazilian Books, 2001. p. 405. 144 SANTORO, Luciano de Freitas. Morte digna: o direito do paciente terminal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 162. 59 equivocado dos aplicadores do direito. Confere-se, então a almejada segurança jurídica, diferentemente da eutanásia, que vem merecendo dos projetos recentes tratamento incriminador (...) 145. Além de ser considerada uma prática lícita pelo ordenamento jurídico, esta deve ser tratada como emergência. Damião Alexandre Tavares Oliveira traz em seu artigo, a opinião de um magistrado do Estado de Minas Gerais, a visão dele após análises ao caso concreto da ortotanásia, destacando ser esta conduta uma aliada aos cuidados paliativos e observa a necessidade de ser tratada com emergência: [...] A decisão para o caso dos pacientes terminais irreversíveis (existindo lide) é a que acolher a ortotanásia aliada aos cuidados paliativos. Nesses institutos prepondera o equilíbrio da balança entre a vida e a morte, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana, ao contrário da distanásia (obstinação terapêutica), que provoca falsas expectativas nos pacientes e familiares, prolongamentos de sobrevida sempre dolorosos e desnecessários. [...] A qualquer instante o juiz pode se deparar com um caso concreto, litigioso (ou de jurisdição voluntária), de extrema complexidade envolvendo a morte de pacientes terminais irreversíveis. A decisão, certamente, terá de ser célere e eficaz, tendo em vista que se relaciona à saúde, vida e morte, dor, agonia e angústia, não apenas do paciente, mas de seus familiares. Nesse passo, deve-se considerar esse caso concreto como de ‘emergência’, e não apenas ‘urgente’. Afinal de contas, pode envolver menores, recém-nascidos, idosos e pessoas vivenciando extrema dor. Prioridade absoluta, assim, é questão de ordem, apesar do ‘turbilhão’ de processos que provavelmente já aguardam por solução em seu gabinete, o que é rotina em praticamente todo o Judiciário no Brasil 146. Para ilustrar, cita-se a decisão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgamento realizado em 20/11/2013, refere-se à Apelação 70054988266. Em primeiro grau um médico pediu auxílio ao Ministério Público em busca de decisão judicial para um enfermo que necessitava de amputação de membro inferior por apresentar necrose, pois o paciente se negava a fazer o procedimento, pedido foi indeferido, alegado que se refere a paciente capaz, tendo livre escolha de agir. O Ministério Público apelou, alegando que ao idoso possa acarretar uma infecção generalizada caso não realize o ato cirúrgico e que o mesmo não tem condições psíquicas de se negar ao procedimento, pois apresenta depressão no quadro clínico. O Relator Irineu Mariani fez análise dentro do biodireito 145 SANTORO, Luciano de Freitas. Morte digna: o direito do paciente terminal. 2010. p 170. OLIVEIRA, Damião Alexandre Tavares. Dignidade da pessoa humana, cuidados paliativos e ortotanásia: a visão de um juiz. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/portal/documentos/documentos-1968.htm>. Acesso em: 05 set. 2015. 146 60 sobre a eutanásia, a ortotanásia e a distanásia. O relator analisou o caso considerando o quadro de depressão, porém o paciente estava lúcido e sua decisão oposta a amputação mesmo desistindo de sua própria vida, mas para o alívio de sofrimento, refere-se à ortotanásia. Com votação unânime dos demais desembargadores desproveram apelação, entendem que o Estado não pode invadir essa esfera e praticar um ato cirúrgico mutilatório contra a vontade do paciente mesmo que seja com o objetivo de salvar a vida do mesmo: APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico encontra-se em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013) 147. Em outro julgado do Tribunal de Justiça do Rio grande do Sul, agora da 21ª Câmara Cível, Relator Armínio José Abreu Lima da Rosa, há uma disputa entre a aplicação da ortotanásia e da distanásia. Uma senhora internada necessitando de hemodiálise, o neto responsável pela internação autoriza o tratamento. Porém, o 147 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70054988266 (1ª Câmara Cível do Rio Grande do Sul). Relator: Irineu Mariani. Data do Julgado: 20/11/2013. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=ortotan%C3%A1sia&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_in dex&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF8&ie=UTF8&ud=1&lr=lang_pt&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&as_qj=&site=ementario&as_epq=&as_o q=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris>. Acesso em 06 set. 2015. 61 filho diz-se responsável pela mãe e não autoriza o procedimento por não apresentar possibilidade de cura, apenas prolongamento desnecessário, alegando, inclusive, ser este o desejo da mãe. Manifestou-se o Ministério Público pelo deferimento da liminar, ao que sobreveio sentença de indeferimento da inicial, a entidade responsável pela internação apela pelo tocante à responsabilidade objetiva e pede que seja autorizada a realização do procedimento de hemodiálise. Os votos são em desprovimento e unânimes, entendem que a aplicação da ortotanásia é mais favorável à senhora internada, a fim de não prolongar o sofrimento dela, tratamento não visa cura, observado neste caso a dignidade da pessoa humana pela vontade da mesma. Decisão em favor à vontade do filho: CONSTITUCIONAL. MANTENÇA ARTIFICIAL DE VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PACIENTE, ATUALMENTE, SEM CONDIÇÕES DE MANIFESTAR SUA VONTADE. RESPEITO AO DESEJO ANTES MANIFESTADO. Há de se dar valor ao enunciado constitucional da dignidade humana, que, aliás, sobrepõese, até, aos textos normativos, seja qual for sua hierarquia. O desejo de ter a "morte no seu tempo certo", evitados sofrimentos inúteis, não pode ser ignorado, notadamente em face de meros interesses econômicos atrelados a eventual responsabilidade indenizatória. No caso dos autos, a vontade da paciente em não se submeter à hemodiálise, de resultados altamente duvidoso, afora o sofrimento que impõe, traduzida na declaração do filho, há de ser respeitada, notadamente quando a ela se contrapõe a já referida preocupação patrimonial da entidade hospitalar que, assim se colocando, não dispõe nem de legitimação, muito menos de interesse de agir. (Apelação Cível Nº 70042509562, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 01/06/2011) 148. No Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação n. 0003009- 12.2010.8.26.0004 da 5ª Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 12/06/2013, um senhor, portador de câncer, com recidiva esteve internado e a doença evoluiu a óbito. A esposa e os filhos entraram com ação pedindo danos morais e materiais alegando responsabilidade por parte dos médicos. Os pedidos foram negados e recorreram alegando ter o hospital e médicos tratados o senhor com descaso. Laudos periciais foram realizados e não foram apontadas 148 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação n. 70042509562. 21ª Câmara Cível do Rio Grande do Sul. Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa. Data do Julgado: 01/06/2011. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=ortotan%C3%A1sia&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_in dex&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF8&ie=UTF8&ud=1&lr=lang_pt&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&as_qj=&site=ementario&as_epq=&as_o q=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris>. Acesso em: 06 set. 2015. 62 condutas culposas por parte dos médicos. O laudo aponta que o enfermo faleceu de forma ortotanásica, recebia tratamentos paliativos e o médico sugeriu tratamento em casa se houvesse condições, fato que não ocorreu. Logo, ficaram afastadas condutas culposas excluindo responsabilidade civil e indenizações, foi negado provimento ao recurso: RESPONSABILIDADE CIVIL DANOS MORAIS E MATERIAIS Hospital- Paciente que faleceu após período de internaçãoResponsabilidade do hospital que decorre da comprovação de conduta culposa do médico Conjunto probatório que não logrou demonstrar a existência de negligência ou imperícia no tratamento do paciente- Morte que decorreu do avanço incontrolável da doença, e não de qualquer conduta do corpo médico. Ausência do dever de indenizar Sentença mantida - Recurso desprovido 149. O Tribunal de Justiça de São Paulo se posiciona favorável e é possível localizar uma lei que regulamenta tal prática. O estado de São Paulo possui lei que autoriza os médicos, com o consentimento dos familiares, a praticarem a ortotanásia. Promulgada por Mário Covas. Lei ESTADUAL N. 10.241, de 17 de março de 1999, que dispõe o seguinte: Artigo 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo: VII - consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados; XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida 150. Contudo, analisando os julgados e a lei do Estado de São Paulo, há os que defendem a ortotanásia, que acreditam que tal prática está em comum acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana e a liberdade que o indivíduo tem de fazer suas escolhas. Diante disso, o próximo tópico será de análise sobre a relação do princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade a partir da ideia de Sartre com a ortotanásia. 149 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 0003009-12.2010.8.26.0004 da 5ª Câmara do Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Relator: Moreira Viegas. Data do Julgado 12/06/2013. Disponível em: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acesso em 06/09/15. 150 SÃO PAULO. Lei Estadual N. 10.241, de março de 1999. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/dh/volume%20i/saudelei10241.htm>. Acesso em: 22 set.2015. 63 3.6 A ORTOTANÁSIA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A LIBERDADE A PARTIR DO CONCEITO DE SARTRE Vale relembrar o que já foi mencionado no capítulo anterior. Dissertam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona, sobre o princípio da dignidade da pessoa humana: Princípio solar do nosso ordenamento, a sua definição é missão das mais árduas, muito embora arrisquemo-nos a dizer que a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimonial e afetiva, indispensável à sua realização pessoal e à busca da felicidade. Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver plenamente 151. De viver plenamente, sim. E, quando a morte for inevitável, como já visto nos capítulos anteriores, essa deve ser garantida como digna também. Segundo Maria Luíza e Reinaldo: A morte nada mais é do que o fim natural do processo da vida. Não se trata de fenômeno alheio à vida, mas a ela intrínseco. O direito à vida, como afirmado, não é um direito absoluto, vez que os princípios constitucionais, notadamente o princípio da dignidade humana, permeiam a interpretação de todos os direitos e garantias fundamentais. Assim, a vida protegida pela Constituição Federal é a vida digna. Pelo fato de a morte natural integrar a vida humana, conclui-se que ao proteger a vida o Constituinte protegeu também a morte digna, conformando esse valor em direito. Deste modo, enquanto há o direito à vida digna, pode-se igualmente falar em direito à morte digna 152. Vale ressaltar, que este princípio é inerente a todas as pessoas e de suma importância a cada indivíduo, Paulo Lobo destaca: A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade 153. 151 GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2013, 76 p. 152 CRUZ, Maria Luiza Monteiro da; OLIVEIRA, Reinaldo Ayer de. A licitude civil da prática da ortotanásia por médico em respeito à vontade livre do paciente. Rev. Bioét. 2013, vol. 21, n. 3, pp. 405-411. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n3/a04v21n3.pdf>. Acesso em: ago. 2015. 153 LÔBO, Paulo. Famílias. Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, 61 p. 64 Trata-se de um respeito que abrange todos os indivíduos, sem distinção. Ingo Sarlet salienta: Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana 154. Contudo, a dignidade da pessoa humana está ligada à condição humana de cada indivíduo, devendo esta ser respeitada e protegida pelo Estado a favor de todos os indivíduos, sendo estes possuidores de consciência racional e moral 155. Elias Farah, corroborando com este assunto, faz uma relação positiva entre a ortotanásia e a moralidade: A ortotanásia quer ser um novo modelo de moralidade; um novo sistema unificado ético da vida e da morte. Busca priorização da pessoa doente e não mais o tratamento da doença. Atenuar a obsessão de sustentar sempre a vida biológica, levada a obstinação diagnóstica e terapêutica. Esta batalha se torna fútil, porque, ao defender o direito sagrado à vida, equivale à negação da sua própria dignidade. Esta ênfase humanística não tem sido dada pelas cátedras médicas, mais voltadas para as questões técnicas e científicas. A ortotanásia gira em torno do tema trágico da morte, mas tem a grandeza de defender a dignidade humana 156. Nessa esteira, Ingo Sarlet traz sua lição, como já mencionada no capítulo primeiro: Para quem mesmo o monarca deveria respeitar a dignidade da pessoa humana, considerada esta como a liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e agir conforme o seu entendimento e sua opção 157. A liberdade que o indivíduo tem de expressar sua vontade está evidenciada pelas ideias de Sartre, a liberdade vinculada a ação do homem sobre si mesmo: 154 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2009, 65 p. 155 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2012, 117 p. 156 FARAH, Elias. Ortotanásia: longo tema e conflituoso debate. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 37, fev 2007. Disponível em: <http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1902>. Acesso em: 08 out. 2015. 157 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 2009, 32 p. 65 Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporaliza-se como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser 158. Como já mencionado no primeiro capítulo, a ideia de liberdade por Sartre implica na ação que o indivíduo tem sobre suas decisões: O conceito Sartriano de liberdade não afirma que um homem cativo é livre porque pode “pensar o que quiser”, mas sim que ele é livre para agir dessa ou daquela forma, seja para tentar uma fuga, seja para resignar-se ao cativeiro. {“A vida de um escravo que se rebela e morre no curso da sublevação é uma vida livre”}. Em outras palavras, a liberdade de escolha implica já um fazer 159. Contudo, é possível observar que o indivíduo tem a proteção do Estado diante do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo todos os cidadãos inerentes sem distinção. E, ainda pode-se observar que, quando se encontra em uma situação complicada como o fim da vida, quando não há mais condições físicas, morais e psicológicas, o indivíduo é capaz de fazer suas próprias escolhas através de sua liberdade. Como é o caso da prática da ortotanásia, objeto da pesquisa. Ele tem liberdade de agir em suas decisões. 158 SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada. Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998, 542-543 p. 159 PERDIGÃO, Paulo. Existência & liberdade: Uma introdução à filosofia de Sartre. Ed. L&PM, Porto Alegre. 1995, 55-56 p. 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa teve como objetivo analisar como a prática da ortotanásia é vista diante do princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade do indivíduo. Considerações foram alcançadas, porém, dúvidas ainda irão persistir por se tratar de um assunto bastante controverso. Verificaram-se, diante da pesquisa, que a doutrina e a jurisprudência se mostram muito divergentes. Vale ressaltar que o tema escolhido possui relevância porque se trata de um tema polêmico e a pesquisa apresentada foi de grande valia para o conhecimento e aprendizado acadêmico da autora. Tema relevante porque se trata, primeiramente, dos direitos humanos, que desempenham um papel de extrema importância para a sociedade e no desenvolvimento humano, em vista das diversas culturas existentes. Alguns autores tratam como sinônimos os direitos humanos e os direitos do homem e acreditam ser uma ideia de que os direitos são necessários para que se possa falar de ser humano e dignidade humana. Em 10 de dezembro de 1948 surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma manifestação histórica, que resultou no reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, isso em âmbito universal. Com o tempo, os direitos humanos se transformaram em direitos fundamentais, consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, especialmente em seu art. 5º, trazendo direitos e garantias, estes, inerentes a todos os indivíduos sem distinção. Garantias de que, quando um direito for violado pelo Estado, o indivíduo possa recorrer aos tribunais para fazer valer seus direitos. Quanto aos direitos fundamentais abordou-se, primeiramente, o direito à vida, um direito importantíssimo, porque sem ele não há o que se falar em outro direito. Todo indivíduo é um ser dotado de vida. Verificou-se nesse contexto que não basta só viver ou existir, é fundamental que a vida seja digna, entendida como qualidade essencial à condição do homem. Essa dignidade da vida fez-se um direito do homem. De tal modo, analisou-se que o direito à vida, adquirido pelo titular de direito, persiste até ser interrompido o processo vital pela morte inevitável. Enquanto tiver vida impõe a elasticidade do direito, o direito de estar vivo, de o indivíduo poder lutar 67 pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. Para tanto, na pesquisa ficou claro que, quando o indivíduo não puder mais lutar pela sua vida, no momento em que se encontre diante da morte, por apresentar uma doença incurável ou estar em fase terminal, com o fim da vida previsto e inevitável a todos os seres humanos, que ele possa pelo menos ter a liberdade de optar por uma morte digna. A liberdade humana está na autonomia da escolha, está na ação do homem, na materialização do que o indivíduo quer, é dar provas de si. Constatou-se que o indivíduo é capaz de fazer suas próprias escolhas e essa liberdade é mais um direito elencado na Constituição da República Federativa do Brasil. Posteriormente, analisados os principais direitos do indivíduo relacionados à pesquisa, fez-se uma abordagem dos princípios constitucionais, especialmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, positivado no ordenamento jurídico. Trata-se de princípio importante ao ordenamento, pois os homens podem ser vistos como seres livres e responsáveis pelos seus atos e destino, iguais em dignidade. Ao homem é rejeitada toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano, por ser titular da dignidade, de valor intrínseco, superior a qualquer preço, faz dele um ser dotado de consciência racional e moral. Portanto, o indivíduo é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. O direito à vida é fundamental e esta deve ser vivida dignamente por todos os indivíduos. Baseando-se na dignidade da pessoa humana, faz-se necessário que o indivíduo tenha uma morte digna também. Esse é o objetivo do trabalho, motivo pela qual se abordou o tema ortotanásia. Prática que consiste na morte ao seu tempo certo, sem abreviação do período vital (conceituado como eutanásia) nem prolongamentos irracionais (distanásia). A ortotanásia é uma mediana entre dois vícios, de um lado a eutanásia abrevia o ciclo vital para fugir do padecimento, de outro, a chamada distanásia prolonga o processo de morte, causando sofrimento desnecessário. Na doutrina verificou-se que há quem discorde que a prática da ortotanásia seja digna, pois autores desfavoráveis a tal prática equipararam o termo ortotanásia ao crime de homicídio privilegiado. Já outros autores, favoráveis, entendem que a prática dá amparo ao paciente, no momento em que ele necessite, no caso de doença sem cura, situação em que 68 não há para ele outra opção mais digna. Acreditam ser uma possibilidade para o ser humano de morrer dignamente, o que humaniza o processo da morte. Na sequência, fez-se uma pesquisa sobre a licitude da prática da ortotanásia. Ficou constatado que, no Brasil, o Conselho Federal de Medicina prevê a prática da ortotanásia, na Resolução de nº 1805-2006, visando ser uma ação por intervenção médica, juntamente com o consentimento do paciente, garantindo ao paciente em estágio terminal cuidados paliativos. E, no Código Penal não há intrusão da prática da ortotanásia como crime, pois é uma prática lícita, adequada ao direito à morte digna. Igualmente, foi constatada essa prática em outros países e considerada lícita, assim como no território brasileiro. No estado de São Paulo foi possível localizar uma lei que regulamenta esta prática, a fim de dar ao paciente que se encontra em estado terminal uma morte mais digna, sem sofrimento. Em continuidade, com base na pesquisa realizada nos Tribunais Brasileiros a opinião não foi diferente, a prática da ortotanásia é tida como lícita. A vontade do paciente, através de testamento vital ou de seu representante legal, é válida e respeitada, bem como sua liberdade de escolha e a dignidade da pessoa humana. Conclui-se que o processo da vida deve ser pautado pelo respeito à dignidade e, sem sombra de dúvidas, o processo de morte também deve ser conduzido pelo respeito à dignidade. Assim, utilizando-se da intervenção médica de ortotanásia, como uma finalidade, tem-se a prevenção da dignidade humana e o respeito à vontade do indivíduo, responsável pelas suas escolhas através de sua liberdade. 69 REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: 2008. ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria geral dos direitos humanos. Porto Alegre: Editor Sérgio Antônio Fabris, 1996. ALVES, Ricardo Barbosa. Eutanásia, bioética e vidas sucessivas. Sorocaba: Brazilian Books, 2001. AMIEL, Anne. 50 grandes citações filosóficas explicadas. Os autores e as correntes de pensamento. 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O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente; CONSIDERANDO o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil; CONSIDERANDO o art. 5º, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; CONSIDERANDO que cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes; CONSIDERANDO que o art. 1° da Resolução CFM n° 1.493, de 20.5.98, determina ao diretor clínico adotar as providências cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu médico assistente responsável, desde a internação até a alta; CONSIDERANDO que incumbe ao médico diagnosticar o doente como portador de enfermidade em fase terminal; CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em reunião plenária de 9/11/2006, RESOLVE: Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário. 76 Brasília, 9 de novembro de 2006 EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE Presidente LÍVIA BARROS GARÇÃO Secretária-Geral 77 ANEXO II LEI ESTADUAL Nº 10.241, DE 17 DE MARÇO DE 1999- Lei Mário Cóvas. Diário Oficial do Estado; Poder Executivo, São Paulo, SP, n.51, 18 mar. 1999. Seção 1, p.1 (Projeto de lei nº 546/97, do deputado Roberto Gouveia - PT) Dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado e dá outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei: Artigo 1º - A prestação dos serviços e ações de saúde aos usuários, de qualquer natureza ou condição, no âmbito do Estado de São Paulo, será universal e igualitária, nos termos do artigo 2º da Lei Complementar nº 791, de 9 de março de 1995. Artigo 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo: I ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso; II - ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome; III não ser identificado ou tratado por: a) números; b) códigos; ou c) de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso; IV - ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais, através da manutenção do sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública; V - poder identificar as pessoas responsáveis direta e indiretamente por sua assistência, através de crachás visíveis, legíveis e que contenham: a) nome completo; b) função; c) cargo; e d) nome da instituição; VI - receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre: a) hipóteses diagnósticas; b) diagnósticos realizados; c) exames solicitados; d) ações terapêuticas; e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas; f) duração prevista do tratamento proposto; g) no caso de procedimentos de diagnósticos e terapêuticos invasivos, a necessidade ou não de anestesia, o tipo de anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, as partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e conseqüências indesejáveis e a duração esperada do procedimento; h) exames e condutas a que será submetido; 78 i) a finalidade dos materiais coletados para exame; j) alternativas de diagnósticos e terapêuticas existentes, no serviço de atendimento ou em outros serviços; e 1) o que julgar necessário; VII - consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados; VIII - acessar, a qualquer momento, o seu prontuário médico, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 791, de 9 de março de 1995; IX - receber por escrito o diagnóstico e o tratamento indicado, com a identificação do nome do profissional e o seu número de registro no órgão de regulamentação e controle da profissão; X vetado: a) vetado; b) vetado; c) vetado; d) vetado; e) vetado; e f) vetado; XI receber as receitas: a) com o nome genérico das substâncias prescritas; b) datilografadas ou em caligrafia legível; c) sem a utilização de códigos ou abreviaturas; d) com o nome do profissional e seu número de registro no órgão de controle e regulamentação da profissão; e e) com assinatura do profissional; XII - conhecer a procedência do sangue e dos hemoderivados e poder verificar, antes de recebê-los, os carimbos que atestaram a origem, sorologias efetuadas e prazo de validade; XIII - ter anotado em seu prontuário, principalmente se inconsciente durante o atendimento: a) todas as medicações, com suas dosagens, utilizadas; e b) registro da quantidade de sangue recebida e dos dados que permitam identificar a sua origem, sorologias efetuadas e prazo de validade; XIV - ter assegurado, durante as consultas, internações, procedimentos diagnósticos e terapêuticos e na satisfação de suas necessidades fisiológicas: a) a sua integridade física; b) a privacidade; c) a individualidade; d) o respeito aos seus valores éticos e culturais; e) a confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal; e f) a segurança do procedimento; XV - ser acompanhado, se assim o desejar, nas consultas e internações por pessoa 79 por ele indicada; XVI - ter a presença do pai nos exames pré-natais e no momento do parto; XVII vetado; XVIII - receber do profissional adequado, presente no local, auxílio imediato e oportuno para a melhoria do conforto e bem estar; XIX ter um local digno e adequado para o atendimento; XX - receber ou recusar assistência moral, psicológica, social ou religiosa; XXI - ser prévia e expressamente informado quando o tratamento proposto for experimental ou fizer parte de pesquisa; XXII receber anestesia em todas as situações indicadas; XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida; e XXIV optar pelo local de morte. § 1º - A criança, ao ser internada, terá em seu prontuário a relação das pessoas que poderão acompanhá-la integralmente durante o período de internação. § 2º - A internação psiquiátrica observará o disposto na Seção III do Capítulo IV do Título I da Segunda Parte da Lei Complementar nº 791, de 9 de março de 1995. Artigo 3º I II III Parágrafo único - Vetado. Artigo I II Parágrafo único - Vetado. 4º Artigo Parágrafo único - Vetado. 5º vetado; vetado; - Vetado: vetado; e vetado. Vetado: e vetado. Vetado. Artigo 6º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Palácio dos Bandeirantes, 17 de março de 1999. MÁRIO COVAS José Secretário da Saúde da Silva Guedes Celino Secretário-Chefe da Casa Civil Cardoso Antonio Secretário do Governo e Gestão Estratégica Angarita Publicada na Assessoria Técnico-Legislativa, aos 17 de março de 1999. Diário Oficial do Estado; Poder Executivo, São Paulo, SP, n.51, 18 mar. 1999. Seção 1, p.1. 80