A PSICOLOGIA CLÍNICA APLICADA EM UM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO1 Autor: Rafael Felippe Follador 2 Professor orientador: Nancy Greca Carneiro 3 1. Introdução O estágio profissionalizante realizado em uma Unidade Feminina de Internamento em um Hospital Psiquiátrico, localizado na cidade de Curitiba, permitiu refletir quais os efeitos em uma estrutura de internamento psiquiátrico a partir da implantação do projeto psicossocial desejado pela reforma psiquiátrica vigente no Brasil. Nesta experiência elaborou-se o Programa de Acompanhamento a Pacientes em Internamento Psiquiátrico, que objetivou o acompanhamento destes pacientes, desde a entrada na Unidade até o momento de alta. O programa estruturou-se conforme três momentos essenciais identificados e presentes na lógica de internamento de tempo limitado e que se nomeou como: Entrada, Permanência, e Alta. Em cada momento realizou-se atividades individuais ou em grupo, conforme objetivos e técnicas específicas. A clientela foi composta por mulheres, com idade entre 18 e 80 anos. A seguir apresenta-se o programa desenvolvido. MOMENTOS DO INTERNAMENTO 1º MOMENTO 2º MOMENTO 3º MOMENTO ENTRADA PERMANÊNCIA ALTA Acolhimento Arteterapia Terapia de Grupo Orientação à Alta Quadro 1: momentos do internamento e atividades aplicadas. 2. Resultados e Discussão Durante a condução do programa observou-se que uma prática da clínica psicológica ampliada em contexto institucional deve ter suas ações apoiadas em 3 níveis: psicoterapêutico, psicopedagógico, psicoprofilático (LIMA, 1994 apud BELLKISS, 1999). Acrescenta-se a isso que o serviço de Psicologia deve centrar-se num trabalho em equipe multidisciplinar, contemplando a proposta da clínica ampliada. Se de um lado há o serviço clínico, do outro esta a gestão em saúde, e ambos necessitam ser integrados. Quanto a isso se afirma que a clínica ampliada é o conceito de integração entre a clínica e a gestão em saúde, sendo a integração realizada por equipe multidisciplinar com a co-responsabilidade do usuário (FALK, 2006) e seus familiares. Assim, as intervenções do psicólogo clínico nesse contexto entrelaçam-se com a responsabilidade em possibilitar ao paciente psiquiátrico acolhimento, integração e inserção social. A seguir serão apresentados alguns resultados obtidos através das intervenções em cada momento do internamento. 1 Trabalho desenvolvido durante o Estágio Profissionalizante, do 5º ano de Psicologia, com colaboração dos acadêmicos Leandro de Andrade e Loa Nadny Alves. 2 Acadêmico do curso de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Campus Curitiba. Email: [email protected] 3 Professor, Supervisor de Estágio Profissionalizante do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Email: [email protected] O Acolhimento foi realizado no momento de Entrada das pacientes na Unidade, através de entrevista psicológica individual. Observou-se que algumas pacientes recém internadas encontravam-se desorientadas, inseguras, em estados delirantes e confusionais, necessitando de medidas que as acolhessem e as preparassem para o contexto terapêutico posterior. Verificou-se que acolher o paciente em diferentes estados emocionais tem efeitos favoráveis, tais como: maiores cuidados pessoais, maior integração social e engajamento na rotina diária da Unidade. Uma rotina diária estabelecida à pacientes psiquiátricos é importante, pois se por um lado a rotina institucional pode ter um efeito de degradação geral da personalidade e dos hábitos pessoais no internamento a longo prazo, conforme já o demonstrou Erving Goffman em Manicômios, prisões e conventos (1992), o paciente recém internado necessita de uma rotina institucional que o oriente no sentido de conhecer e se integrar na unidade em que deverá conviver para poder se “adaptar e participar de atividades com as outras pessoas – dias, horas e minutos precisam ser levados em conta novamente” (FIERZ, 2007, p.51). E ainda, “é somente quando o tempo relativo, a medida horária, entra em vigor que o paciente pode realizar alguma coisa ou participar de uma atividade que o liberte de seu autismo, estabelecendo contato com as outras pessoas” (FIERZ, 2007, p.51). Destaca-se que a aplicação desta atividade foi fundamental para a realização do Programa, pois possibilitou a algumas pacientes, maior segurança para a adesão ao tratamento psicológico e medicamentoso, facilitando as intervenções posteriores. Referindo-se ao acolhimento, conclui-se que esse exato primeiro momento de contato pode ser decisivo na tomada posterior de decisões (STREY et al., 2004). A Arteterapia foi realizada durante o momento de Permanência das pacientes na Unidade, através de intervenções em grupos abertos de 10 pacientes. Teve como proposta facilitar a expressão de conteúdos psíquicos através da arte. Foram realizadas atividades de desenho livre e de colagem através de cartazes, giz de cera, canetinhas coloridas, entre outros. Verificou-se que esta atividade pode gerar efeitos, tais como: a organização e o reconhecimento de certas emoções, sentimentos e pensamentos. As técnicas da Arteterapia se baseiam no conhecimento de que cada indivíduo, treinado ou não em arte, tem capacidade latente de projetar seus conflitos internos de forma visual (ANDRADE, 2000). A percepção de algumas pacientes em relação a certas emoções, sentimentos e pensamentos, não estava presente e após a visualização do desenho passou a ser reconhecida. A Terapia de Grupo também foi realizada na Permanência das pacientes na Unidade, através de grupos abertos de 10 pacientes. Esta atividade objetivou a reflexão sobre certos temas, ora determinados pelos estagiários, ora pelas pacientes, e também o desenvolvimento de habilidades sociais específicas. Verificou-se que certas questões apareceram com mais freqüência, tais como: família; emprego; preconceito e como lidar com isso; ajudar e ser ajudado pelo próximo; certos problemas pessoais não são únicos; reconhecimento de conteúdos psíquicos projetados em outras pessoas; e integração social. Referindo-se à terapia de grupo, afirma-se que a psicoterapia tem se mostrado um importante recurso terapêutico associado ao tratamento farmacológico na reabilitação e recuperação, podendo atuar na promoção de educação, suporte, desenvolvimento emocional ou treinamento de habilidades sociais e vocacionais (KANAS, 1996). A Orientação à Alta foi realizada no momento de Alta das pacientes, através de entrevista psicológica individual. Buscou oferecer as pacientes uma reflexão acerca das situações que envolvem a alta. Verificou-se que esta atividade, em comunhão com as outras atividades do programa, pode gerar efeitos de autoconhecimento. Algumas pacientes relataram experiências que geraram sofrimento para si e para outras pessoas. Comentaram então, que naquela ocasião se encontravam cientes de determinadas maneiras específicas de agir e pensar que podem gerar sofrimento. A melhor maneira de compreender a própria identidade é examinar a sua experiência pessoal (ROLLO MAY, 1995, p.75). Verificou-se que a experiência pessoal era valorizada por algumas pacientes, mesmo tendo sido uma experiência dolorosa. A superfície psíquica esta sujeita a perturbações e reações emocionais que são criadas por colisões entre um indivíduo, seus conteúdos psíquicos internos, e o ambiente externo; onde essas colisões têm função positiva (STEIN, 2006, p. 40). No caso de algumas das pacientes essa positividade significou autoconhecimento. 3. Conclusão O Programa desenvolvido possibilita a realização de um trabalho eficaz, situandose num ponto de comunhão entre os princípios éticos, clínicos e de tratamento propostos pelo Hospital e pelos desafios implícitos no processo da Reforma Psiquiátrica. Embora a Lei Federal 10.216 preveja “a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos”, verificou-se que o internamento, em ambiente hospitalar, pode ser útil e mesmo necessário em casos específicos e que este serviço articula-se à rede de atenção em Saúde Mental. Verificou-se também que a clínica psicológica aplicada às Instituições Psiquiátricas se apresenta ampliada, transcendendo a situação/relação psicoterapeuta-paciente. Surgem, nesse contexto, situações que exigem envolvimento das famílias e a necessária intervenção às mesmas; situações que levem em conta: a duração limitada do processo terapêutico; o planejamento dos atendimentos individuais ou em grupo, de acordo com a estrutura física do local; e a sintonia com a equipe multidisciplinar e seus diferentes referenciais teóricos, com os objetivos propostos pelo Hospital, e pela Reforma Psiquiátrica. Por fim, destacou-se a importância do olhar, da escuta e do pensar clínico, como fundamento para a formação do Psicólogo. A aplicação do método clínico possibilitou o surgimento de uma racionalidade clínica, tornando apta a extensão dessa prática a outras áreas da Psicologia, sem fixar tal método apenas em ambiente institucional. REFERÊNCIAS ANDRADE, L. Q. Terapias expressivas. São Paulo: Vector, 2000. BELLKISS, Wilma Romano. A tarefa do psicólogo na Instituição Hospitalar. In: _________. Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo: Casa do psicólogo, 1999. (p. 25-45). FALK, Maria Lúcia Rodrigues. Contextualizando a Política Nacional de Humanização: a experiência de um hospital universitário. Boletim da saúde, Porto Alegre, volume 20, número 2, jul./dez, 2006. FIERZ, Heinrich Karl. Psiquiatria Junguiana. 2º ed. São Paulo: Paulus, 2007. GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. KANAS, N. Psicoterapia de Grupo com Esquizofrênicos. In: KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J. (Orgs). Compêndio de Psicoterapia de Grupo. 3 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. 21º ed. Petrópolis: Vozes, 1995. STEIN, Murray. Jung – o mapa da alma: uma introdução. 5º ed. São Paulo: Cultrix, 2006. STREY, M. N.; RUWER, M. P.; JAEGER, F. P. (Orgs.). Violência, Gênero e Políticas Públicas. 1 ed. Porto Alegre: Editora da PUCRS, 2004.