60 Case Report Spontaneous spondylodiscitis - always an etiological Struggle Espondilodiscite espontânea – sempre uma dificuldade etiológica Marcelo Motta Zanatelli1 Filipe Mota Zanatelli2 Alexandro Roberto Galassi2 RESUMO A espondilodiscite é uma enfermidade incomum no adulto 1-6, associada ao risco aumentado de morbidade e mortalidade devido à dificuldade diagnóstica, com aumento de incidência na infância e na fase adulta, representando de 2 a 4% dos casos de osteomielite2-4 e até 15% de todos os casos de infecção da coluna vertebral. Insuficiência renal crônica em paciente realizando hemodiálise, diabetes melitus, obesidade (principalmente IMC >30), etilismo crônico, uso de drogas injetáveis, neoplasias ou qualquer outro fator imunossupressor aumentam os riscos de desenvolver a doença. Entre os principais patógenos piogênicos, o Staphilococos aureus é o mais frequente. Nas formas de apresentação granulomatosa, o Mycobacterium tuberculosis é o mais frequente, seguido de Brucella millitensis (em regiões endêmicas), espiroquetas e fungos2,4. Os exames de imagem ajudam na formulação do diagnóstico etiológico2,3,4, sendo a ressonância nuclear magnética o exame mais sensível. Antibioticoterapia direcionada ao patógeno encontrado é o tratamento de escolha. Relatamos o caso de um paciente internado com quadro de paraparesia crural (FMG II) secundária a discite D7/D8 que foi submetido à descompressão cirúrgica da medula e artrodese antero-lateral. Houve controle da doença com uso de esquema antibiótico clindamicina/ciprofloxacino por 12 semanas. Palavras Chave: Espondilodiscite, discite espontânea, discite. ABSTRACT Spondylodiscitis is a rare condition in adult patients, associated to increased risk of complication when not early detected. 2-4% of all osteomyelitis cases are discitis. Chronic renal insufficiency, Diabetes Mellitus, obesity, alcohol and E.V. drug addiction, and cancer increases the chances of development of this pathology. Staphilococus aureus is the most common pyogenic agent, followed by Mycobacterium tuberculosis (most common granulomatous agent). Image exams are helpful on diagnoses the disease, primarily MRI. Antibiotic therapy according to culture findings are the gold-standard treatment. We present a 64 yearsold male case with progressive evolution to crural paraplegia. During his hospital investigation, dorsal (D7/D8) discitis was found associated to epidural empiema. An antero-lateral approach was performed to medullary decompression, and vertebral stabilization using cage and plate. Plus, 12 weeks of antibiotics was prescribed (ciprofloxacin and clindamicin). Keywords: Spondylodiscitis, spontaneous discitis, discitis. I ntrodução A espondilodiscite é uma enfermidade incomum no adulto1-6, associada ao risco aumentado de morbidade e mortalidade devido à dificuldade diagnóstica, muitas vezes pelos sintomas inespecíficos e evolução insidiosa. Atualmente, devido ao aumento de procedimentos invasivos da coluna vertebral, o aparecimento de discite como complicação pós-operatória está aumentando3,4. É preciso alto grau de suspeição do médico para se conduzir uma investigação adequada2,5,6. A discite espontânea é uma patologia rara1-6, com aumento de incidência na infância e na fase adulta3,4 entre 40 a 60 anos. Há predileção pelo sexo masculino na proporção aproximada de 2:14. Representa de 2 a 4% dos casos de osteomielite2,3,4 e até 15% de todos os casos de infecção da coluna vertebral3,4. Acomete mais comumente a coluna lombar, seguida da coluna dorsal e cervical4,5,6. Apresenta sintomatologia variada, sendo a dor de caráter inflamatório o sintoma mais presente. Febre baixa, contratura muscular paravertebral com limitação álgica do movimento, palidez cutaneomucosa, emagrecimento, déficit motor e sensitivo podem estar presentes em graus variáveis e por longo período de tempo antes do diagnóstico definitivo. Staff do serviço de neurocirurgia da Santa Casa de Santos Residente do serviço de neurocirurgia da Santa Casa de Santos. 1 2 Received, Feb 27, 2013. Accepted, Sept 24, 2013. Zanatell MM, Zanatelli FM, Galassi AR. - Spontaneous spondylodiscitis - always an etiological Struggle J Bras Neurocirurg 24 (1): 60-63, 2013 61 Case Report Entre os fatores de risco4 para espondilodiscite infecciosa espontânea estão a insuficiência renal crônica em paciente realizando hemodiálise, diabetes melitus, obesidade (principalmente IMC >30), etilismo crônico, uso de drogas injetáveis, neoplasias ou qualquer outro fator imunossupressor. A espondilodiscite primária decorre de outros fatores etiológicos, entre ele, a manipulação cirúrgica previa3,4. Na literatura, a discite espontânea é dividida entre piogênica e granulomatosa1,2,3, tendo alguns autores as dividido em infantis, primárias ou hematogênica4. Entre os principais patógenos piogênicos, o Staphilococos aureus é o mais frequente, atingindo de 45 a 80% dos casos em diversas séries2,3,4, exceto quando se considera os agentes gram negativos. Proteus, E. coli, p. aeruginosa, Klebsiella são encontradas em menor numero2. Nas formas de apresentação granulomatosa, o Mycobacterium tuberculosis é o mais frequente, seguido de Brucella millitensis (em regiões endêmicas), espiroquetas e fungos2,4. Hemocultura é positiva na identificação do agente em até 35% dos casos2. Velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C reativa (PCR), urocultura, cultura de suco gástrico (BK), cultura de escarro (BK), PPD, IgG e IgM no soro para Brucella, raio-x (RX) de tórax e ecocardiograma devem estar no rol de exames solicitados para conduzir o tratamento. A biópsia direta do disco encontra o agente em cerca de 50% dos casos2 e tem indicação plena, mas, na prática, só é usada em casos duvidosos ou frente a uma resposta negativa ao tratamento empírico instituído. Os exames de imagem ajudam na formulação do diagnóstico etiológico2,3,4, sendo a ressonância nuclear magnética o exame mais sensível e que fornece o maior numero de informações a respeito de coleção extra vertebral, compressão medular e extensão da doença nos corpos vertebrais, com precocidade. O RX simples somente demonstra alterações dos platôs vertebrais após três semanas e a tomografia computadorizada em prazo de tempo semelhante. A cintilografia já mostra sinais de alterações entre 1 a 3 semanas, mas tem baixa especificidade. Não há um consenso na literatura acerca do tratamento ideal2. Antibioticoterapia direcionada ao patógeno encontrado é o tratamento de escolha. Pela dificuldade em se encontrar tal patógeno, outros sinais e modos de apresentação da doença conferem hipóteses para o tratamento empírico mais indicado nos casos de suspeita piogênica hematogênica ou granulomatosa. Vancomicina endovenosa por um período não Zanatell MM, Zanatelli FM, Galassi AR. - Spontaneous spondylodiscitis - always an etiological Struggle inferior a 6 semanas, associada a droga com espectro de ação sobre gram negativos, quando necessário é de uso rotineiro quando se procura combater S. aureus ou bactérias gram negativos mais freqüentes2 e agentes tuberculostáticos por 6 a 9 meses quando é suspeitada a discite por BK. Imobilização externa pode ser requerida para alívio da dor ou estabilização temporária do segmento até cicatrização da lesão. Abordagem cirúrgica apenas raramente é necessária e inclui casos de sepse, déficit neurológico progressivo, deformidade severa da coluna vertebral, empiema epidural. No caso relatado, demonstramos a dificuldade encontrada no tratamento de um paciente com queixas subjetivas que só foi encaminhado ao serviço de neurocirurgia após desenvolver quadro motor progressivo em membros inferiores. R elato de Caso J.F.A., 64 anos, natural de Pimenta, MG, aposentado, foi trazido ao serviço de urgência de nossa instituição com quadro de paraparesia crural. Hemodinamicamente estável, apresentavase hipocorado, emagrecido, queixando de dorsalgia de longa data que se agravara após viagem de carro entre Santos e Belo Horizonte. Neurologicamente se observou força muscular grau II em MMII, com nível sensitivo próximo a D10. O paciente referiu que já estivera internado recentemente com queixa de parestesias em MMII, quando RNM cranioencefálica demonstrou imagem hipodensa pontinha que foi tratada como AVCI de tronco cerebral. A piora no quadro motivou nova consulta médica. Devido ao nível sensitivo, foi submetido à RNM de coluna dorsal que evidenciou extensa área com alteração de sinal sugestivo de processo inflamatório acometendo o disco D7/D8 estendendo-se para os corpos vertebrais adjacentes e redução da altura dos mesmos (Figuras 1 e 2). Havia severa compressão medular no nível da lesão. Provas inflamatórias colhidas nos exames pré-operatórios estavam muito elevadas. O paciente foi submetido a acesso transtorácico anterolateral direito com ressecção ampla da lesão, descompressão medular e sustentação com cage dorsal expansível preenchido por osso autólogo e contido por placa lateral (Figuras 3 e 4). J Bras Neurocirurg 24 (1): 60-63, 2013 62 Case Report O material retirado foi enviado para o laboratório, mas não houve crescimento de microrganismos. Culturas de sangue, escarro e urina também não isolaram o agente causador. Exame de PPD não foi positivo para exposição/reação ao BK. Discutido o caso com a equipe de infectologia, foi iniciado esquema antibiótico composto por ciprofloxacino e clindamicina EV durante 6 semanas e complementação via oral por mais 6 semanas. Lenta e progressivamente o paciente experimentou melhora da força motora até evoluir para vida independente em 60 dias, com FMG IV+/V (Figura 5). As provas de atividade inflamatória (VHS e PCR) apresentaram queda de seus valores, porém sem alcançar os níveis normais. Um mês após a finalização do tratamento via oral, houve um quadro inicialmente interpretado como AIT. A evolução para disfasia de expressão e rebaixamento do nível de consciência fez necessária melhor investigação cerebral, sendo encontrada área sugestiva de encefalite frontal esquerda e líquor compatível com meningoencefalite linfocitária crônica. Culturas novamente foram negativas no líquor. Com os novos achados, foi iniciado tratamento anti-TB com esquema COXIP-4. Figura 2:Extensa alteração de sinal em corpos vertebrais de D8 e D9, com formação de coleção epidural a partir do espaço discal. Discussão Devido à raridade da espondilodiscite, seu diagnóstico depende de suspeição por parte do médico. O atraso na descoberta do patógeno, levando a atraso na instituição da terapia apropriada, pode agravar o prognóstico do paciente ou mesmo colaborar para um desfecho ruim. Esta dificuldade nos estimulou a descrever este caso clínico. Procurando casos similares na literatura, encontramos muitos casos descritos por ortopedistas, infectologistas e reumatologistas, o que explica o número relativamente pequeno de trabalhos a respeito do tema em periódicos de neurocirurgia. Os casos, na maioria das vezes, têm avaliação do neurocirurgião, porém, com poucos casos de intervenção cirúrgica. Figura 1: Compressão medular severa e destruição de corpos vertebrais de D8 e D9. Zanatell MM, Zanatelli FM, Galassi AR. - Spontaneous spondylodiscitis - always an etiological Struggle J Bras Neurocirurg 24 (1): 60-63, 2013 63 Case Report Conclusão O diagnóstico de discite deve sempre ser aventado em pacientes com queixa de dor em coluna vertebral com evolução arrastada, de característica inflamatória e sem fator causador prontamente evidente, principalmente em pacientes imunodeprimidos. R eferências Figura 3: Descompressão medular completa com retorno da coluna de líquor com ressecção dos corpos de D8 e D9 e do tecido inflamatório associado. 1. Avanzi O,Chih LY,Neves R,Mattos C. Tratamento da discite na criança. São Paulo: Rev. Assoc. Med. Bras. Apr 2005.Vol 51, n°2. 2. Faria R,Borges C,Carrondo H,Banza MJ. Espondilodiscite – Que Etiologia? Leiria/Portugal: Acta Med. 2011.Port. 24: 1059/64. 3. Greenberg MS. Handbook of neurosurgery. 7.ed.New York: Thieme, 2010. Figura 4: Cage em gaiola expansível com enxerto autólogo de costela contido por placa anterolateral. 4. Leal FSC,Tella Jr OI,Bonatelli APF,Herculano MA,Aguiar PHP. Espondilodiscites sépticas :diagnóstico e tratamento. São Paulo: Arq.Neuro-psiquiatria.Sep.2003. Vol.61, n°3. 5. Rivero MG,Salvatore AJ,deWouters L. Spontaneous Infectious Spondilodyscitis in adults: analysis of 30 cases. Buenos Aires: Medicina(B.Aires).1999. 59(2) 143/50. 6. Romano A,Giordano S,Abbagnatol L,Scarlata F,Miceli S,Scaglione V,Odierno Contino A,Politi F,Pele A,Agostara B. Reports of nine cases of spondilodyscitis. Italy: Infez.Med. Jun.2008.16(2)-103/7. Autor Correspondente Alexandro Roberto Galassi Neurosurgery and Neurological Intensive Care Irmandade da Santa Casa da Misericordia de Santos Santos- São Paulo - Brazil Figura 5: Paciente independente após 60 dias de cirurgia, em uso de colete de Jewett, com FMG IV+ em MMII Zanatell MM, Zanatelli FM, Galassi AR. - Spontaneous spondylodiscitis - always an etiological Struggle J Bras Neurocirurg 24 (1): 60-63, 2013