299 Artigo Original/Original Article/Artículo Original DIFICULDADES DIAGNÓSTICAS NA ESPONDILODISCITE BACTERIANA DIAGNOSTIC DIFFICULTIES IN BACTERIAL SPONDYLODISCITIS DIFICULTADES DE DIAGNÓSTICO EN ESPONDILODISCITIS BACTERIANA Vinicius Orso¹, Afrane Serdeira1, Marcus Ziegler1, Erasmo Zardo2 RESUMO Objetivo: Analisar os aspectos relacionados com as dificuldades diagnósticas de pacientes portadores de espondilodiscite bacteriana. Métodos: Estudo observacional transversal com coleta retrospectiva de dados no período de março de 2004 a janeiro de 2014. Foram analisados 21 pacientes com diagnóstico de espondilodiscite bacteriana. Resultados: O sexo feminino foi o mais acometido, assim como indivíduos mais velhos. A dor na região comprometida foi o sintoma inicial em 52% dos pacientes, sendo que 45,5% dos pacientes apresentavam lombalgia, os pacientes com discite dorsal tiveram como queixa principal dorsalgia, e os com discite toracolombar apresentaram dor nessa região, sendo que apenas um paciente apresentou discite sacroilíaca. O tempo médio entre o início dos sintomas e o tratamento foi de cinco meses. O segmento lombar foi o mais acometido com 11 casos (52%), seguido pelo toracolombar 24%, pelo dorsal com 19% dos casos e um caso no segmento sacroilíaco. Apenas sete pacientes apresentaram febre. A dor no nível comprometido foi, coincidentemente, o sintoma mais comum. Conclusões: O diagnóstico precoce da espondilodiscite bacteriana continua sendo um desafio devido à inespecificidade de sinais e sintomas referidos pelo paciente e à grande variabilidade dos resultados laboratoriais e de imagem. A base para o diagnóstico precoce continua sendo a suspeita clínica no momento do atendimento inicial. Descritores: Discite; Coluna vertebral; Disco intervertebral; Infecção. ABSTRACT Objective: To analyze aspects related to the diagnostic difficulty in patients with bacterial spondylodiscitis. Methods: Cross-sectional observational study with retrospective data collected in the period from March 2004 to January 2014.Twenty-one patients diagnosed with bacterial spondylodiscitis were analyzed. Results: Women were the most affected, as well as older individuals. Pain in the affected region was the initial symptom in 52% of patients, and 45.5% of the patients had low back pain, and those with dorsal discitis had back pain as the main complaint; the patients with thoracolumbar discitis had pain in that region, and only one patient had sacroiliac discitis. The average time between onset of symptoms and treatment was five months. The lumbar segment was the most affected with 11 cases (52%), followed by thoracolumbar in 24%, dorsal in 19% of cases and a case in the sacroiliac segment. Only seven patients had fever. Pain in the affected level was coincidentally the most common symptom. Conclusions: Early diagnosis of bacterial spondylodiscitis remains a challenge due to the nonspecific signs and symptoms reported by the patient and the wide variability of laboratory results and imaging. The basis for early diagnosis remains the clinical suspicion at the time of initial treatment. Keywords: Discitis; Spine; Intervertebral disc; Infection. RESUMEN Objetivo: Analizar los aspectos relacionados con las dificultades de diagnóstico en pacientes con espondilodiscitis bacteriana. Métodos: Estudio observacional transversal con datos retrospectivos recopilados en el período comprendido entre marzo de 2004 y enero de 2014. Se analizaron 21 pacientes diagnosticados de espondilodiscitis bacteriana. Resultados: Las mujeres fueron las más afectadas, así como las personas de mayor edad. Dolor en la región afectada fue el síntoma inicial en el 52% de los pacientes, el 45,5% de los pacientes tenían dolor lumbar, los pacientes con discitis dorsal tenían dolor dorsal como la principal queja y las con discitis toracolumbar tenían dolor en esa zona, y sólo un paciente tuvo discitis sacroilíaca. El tiempo promedio entre el inicio de los síntomas y el tratamiento fue de cinco meses. El segmento lumbar fue lo más afectado, con 11 casos (52%), seguido por el 24% toracolumbar, dorsal con 19% de los casos y un caso en el segmento sacroilíaco. Sólo siete pacientes tenían fiebre. El dolor en el nivel afectado fue, por coincidencia, el síntoma más común. Conclusiones: El diagnóstico temprano de espondilodiscitis bacteriana sigue siendo un desafío debido a los signos y síntomas inespecíficos reportados por el paciente y la amplia variabilidad de los resultados de laboratorio y de imágenes. La base para el diagnóstico precoz sigue siendo la sospecha clínica en el momento del tratamiento inicial. Descriptores: Discitis; Columna vertebral; Disco intervertebral; Infección. INTRODUÇÃO As patologias infecciosas da coluna vertebral são condições de elevada morbidade, e se o diagnóstico é tardio podem apresentar um elevado número de complicações. A discite infecciosa ou séptica é a infecção do disco intervertebral, e frequentemente há, pela própria fisiopatogenia, comprometimento dos corpos vertebrais contíguos, ocasionando a osteomielite, também denominada de doença infecciosa da coluna vertebral ou espondilodiscite.¹ A patologia infecciosa da coluna vertebral representa um desafio ao médico, quanto ao seu diagnóstico, e consequentemente para o tratamento. Trata-se de patologia que cursa com dores difusas, vagas, oligossintomáticas, geralmente sem febre ou indícios de infecção, dificultando o diagnóstico e elevando o número de comorbidades, bem como as complicações.1,2 Na maioria das vezes, a espondilodiscite é diagnosticada em fa- 1. Serviço de Ortopedia e Traumatologia – SOT da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. 2. Disciplina de Ortopedia e Traumatologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS-HSL, Porto Alegre,RS, Brasil. O trabalho foi realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia – SOT da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. Correspondência: Avenida Ipiranga 6690, sala 208, Centro Clínico PUC, Porto Alegre, RS, Brasil. 90619900. [email protected] http://dx.doi.org/10.1590/S1808-185120151404132593 Coluna/Columna. 2015;14(4):299-303 Recebido em 17/12/2014, aceito em 01/08/2015. 300 ses avançadas devido à inespecificidade dos sinais e sintomas.1-3 A investigação complementar com exames laboratoriais é, paradoxalmente, de pouco valor, com exceção do Volume de Sedimentação Globular (VSG) e Proteína C Reativa (PCR) que podem sinalizar a presença desse quadro infeccioso. Entre os exames de imagem, a ressonância nuclear magnética (RNM) é a mais sensível para detecção precoce. O estudo radiográfico e mesmo a tomografia computadorizada não costumam revelar o diagnóstico nas primeiras semanas de evolução da doença. O diagnóstico precoce apurado e a instituição precoce da terapêutica são fatores decisivos ao desfecho favorável para afastar a intervenção cirúrgica e sequelas.3,4 A incidência de espondilodiscite infecciosa tem sido crescente, o que pode ser reflexo do aumento da população idosa imunocomprometida e do aumento de procedimentos invasivos da coluna vertebral. Na área gineco-urológica, o retorno venoso da pelve e retroperitônio, através do plexo venoso de Batson5 que é avalvular e faz comunicação com o retorno venoso da coluna vertebral, propicia a disseminação de germes. A maior acessibilidade à RNM da coluna, que é o método diagnóstico mais sensível para este tipo de afecção, também tem colaborado para o aumento do diagnóstico 6. Os principais patógenos envolvidos são: Staphylococcus aureus, identificado em mais de 50% dos casos, e também bacilos entéricos Gram negativos, Candida spp, Pseudomonas aeruginosa, Streptococus Grupos B e G, e Mycobacterium tuberculosis, esse último com elevada prevalência em nosso meio.7 O objetivo desse trabalho foi analisar os fatores que dificultam o diagnóstico da espondilodiscite bacteriana. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizado um estudo observacional transversal com coleta retrospectiva de dados no período de março de 2004 a janeiro de 2014. Seguiram-se as normas e determinações do Comitê de Ética da instituição. Realizou-se coleta de dados em prontuários médicos de nossa instituição e dados armazenados em arquivos computadorizados com auxílio do gerenciador de patologias da Sociedade Brasileira de Coluna (SBC). Os dados e as informações de identificação dos pacientes estão protegidos através de um termo de confidencialidade. Quanto às alterações do exame físico neuro-ortopédico, foram valorizados os seguintes aspectos: dor à dígito-pressão das apófises espinhosas, postura antálgica (cifótica ou escoliótica), cifose focal e gibosidade assim como exame neurológico alterado e alterações de marcha. Foram analisados todos os prontuários médicos de pacientes portadores de espondilodiscite no período de março de 2004 a janeiro de 2014. Como critério de inclusão, foram considerados todos os pacientes com diagnóstico de espondilodiscite bacteriana e dados completos no referido período. Considerou-se como critério de exclusão do presente estudo todos pacientes sem documentação completa e diagnóstico confirmado de espondilodiscite de etiologias fúngica e tuberculosa (TBC). Também foram excluídos do estudo pacientes com contato prévio com TBC, mantoux elevado e anatomo-patológico sugestivo de tuberculose. Os dados coletados levaram em consideração o tempo de evolução dos sintomas, sendo considerada a unidade de tempo em meses. Também foram coletados dados referentes à localização principal e secundária da dor, presença de sinais sistêmicos (emagrecimento, calafrios, astenia, inapetência, febre, sudorese noturna e dificuldade para marcha), alteração do exame físico, seguimento vertebral comprometido (dorsal, lombar, transição toracolombar e sacroilíacas). Também foram considerados dados referentes a comprovação do diagnóstico bacteriológico obtido através de punção biópsia com agulha, hemocultura ou cultura de secreção pós-operatória. Outros dados relativos a manifestações hematológicas também foram coletados (hemograma, VSG e PCR). Foram analisados os exames de imagem aos quais o paciente foi submetido e identifi- cado qual ou quais os que, primariamente, sugeriram o diagnóstico (radiografia, tomografia computadorizada, RNM e cintilografia). Análise estatística Os dados foram analisados no SPSS versão 18. Os dados quantitativos foram descritos por suas médias e desvio padrão e os dados qualitativos por suas frequências. A diferença de idade entre os gêneros foi analisada pelo teste de ANOVA. A diferença do tempo de evolução dos sintomas entre os sexos foi analisada pelo teste de Mann-Whitney. A presença de diferença na distribuição do nível de acometimento da espondilodiscite entre os diferentes gêneros foi analisada pelo teste de Gamma. RESULTADOS Foram revisados 66 prontuários médicos de pacientes com espondilodiscite de etiologias variadas. Vinte e um pacientes preencheram os critérios de inclusão, sendo diagnosticados com espondilodiscite bacteriana com documentação completa. As características do grupo estudado estão descritas na Tabela 1. O tempo médio de evolução dos sintomas até o momento do diagnóstico foi de cinco meses, não havendo diferença estatística no tempo de evolução dos sintomas entre os sexos (p=0,75). A idade média dos pacientes foi de 48±25,3 anos (média±desvio padrão), também não sendo encontrada diferença estatística de idade entre os gêneros. O sexo masculino com 52,8± 27,9 anos e o sexo feminino 40±26 anos (p=0,295). A distribuição da população estudada foi igualitária: 52% dos pacientes eram do sexo feminino e 48% do sexo masculino. Com relação ao segmento da coluna vertebral acometido, a lombar foi o segmento mais comum com 52% dos casos, seguido pela toracolombar 24%, dorsal 19% e apenas um paciente com acometimento sacroilíaco 5%. Houve diferença estatística da distribuição em relação ao nível acometido entre os sexos, sendo que nas mulheres houve uma maior preponderância do segmento toracolombar e nos homens do segmento dorsal (p≤0,001). (Tabela 2) A Tabela 3 apresenta as características clínicas dos pacientes com espondilodiscite bacteriana do estudo. No que tange à sintomatologia, a queixa mais comum foi dor lombar em 11 dos 21 pacientes (52%), seguido por dor irradiada para flancos e glúteos (33%). Cinco pacientes apresentaram dor em região abdominal e baixo-ventre (24%), sendo que quatro pacientes (19%) apresentaram dor na pelve posterior; apenas um paciente Tabela 1. Características dos pacientes com espondilodiscite bacteriana. Característica (n=21) Idade, anos Média±DP 48,3±25,3 (Mínimo a máximo) (1,7 a 83,0) Sexo feminino, nº (%) 11 (52) Tempo de evolução, meses 5 (1 a 16) Segmento comprometido Dorsal 4 (19) Toracolombar 5 (24) Lombar 11 (52) Sacroilíaco 1 (5) Os dados são apresentados como contagens (percentuais) ou especificados de modo diferente. DP: desvio-padrão. Tabela 2. Nível de acometimento na coluna vertebral em relação ao gênero. Gênero Sacroilíaca Lombar Toracolombar Dorsal Feminino 1 8 2 0 Masculino 0 3 3 4 Total 1 11 5 4 Teste Gamma (p≤0,001) Coluna/Columna. 2015;14(4):299-303 DIFICULDADES DIAGNÓSTICAS NA ESPONDILODISCITE BACTERIANA com dor em membros inferiores (5%) e um paciente (5%) com dor em região dorsal. Em relação aos sinais sistêmicos, 48% apresentaram emagrecimento e astenia associada, nove pacientes (43%) apresentaram calafrios, sendo 33% com manifestações de febre (37,8º) e dificuldade de marcha. Cinco pacientes (24%) apresentaram inapetência e apenas três pacientes (14%) demonstraram sudorese noturna isolada. No que tange às alterações do exame físico, a manifestação clínica predominante foi dor à dígito-pressão das apófises espinhosas, presentes em 15 pacientes (71%), postura antálgica em nove pacientes (43%), seguida por alteração da marcha, presente em cinco pacientes (24%) e exame neurológico alterado, bem como cifose focal em quatro pacientes (19%) respectivamente. Estas alterações foram constatadas pelo cirurgião sênior que elaborou a hipótese diagnóstica no seu primeiro atendimento na evolução da doença. (Tabela 4) Analisando o subgrupo de pacientes que apresentaram comprometimento infeccioso lombar (n=11) apenas 5 (45%) referiram como queixa principal a lombalgia. (Tabela 5) No subgrupo de pacientes com comprometimento em coluna dorsal (n=4) apenas um paciente (25%) localizou sua queixa principal nessa região, ao passo que no subgrupo de pacientes comprometidos em região de transição tóraco-lombar (=5) apenas dois pacientes (40%) localizaram sua queixa principal de dor nessa região. (Tabela 6) O primeiro exame por imagem realizado foi o estudo radiográfico em 4 pacientes (19%). A tomografia computadorizada em cinco pacientes (24%), a RNM em oito pacientes (38%) e a cintilografia óssea foi primeiro exame que sugeriu o diagnóstico em 4 pacientes (19%). Quatro pacientes submeteram-se à investigação radiográfica previamente, mas essa não possibilitou alcançarmos o diagnóstico ou sugeri-lo, o que foi possibilitado tardiamente com auxílio dos outros métodos acima descritos. (Tabela 7) Em relação à comprovação do agente etiológico essa foi obtida em 15 pacientes (71%). Desse percentual, 12 pacientes através de Tabela 3. Características clínicas dos pacientes com espondilodiscite bacteriana. Característica (n=21) Dor nº (%) Lombar 11 (52) Flancos 7 (33) Glúteos 7 (33) Costal 5 (24) Abdominal 5 (24) Baixo ventre 5 (24) Torácica anterior 4 (19) Pelve posterior 4 (19) Dorsal 1 (5) Membros inferiores 1 (5) Sinais sistêmicos Emagrecimento 10 (48) Astenia 10 (48) Calafrios 9 (43) Febre 7 (33) Dificuldade de marcha 7 (33) Inapetência 5 (24) Sudorese noturna 3 (14) Os dados são apresentados como contagens (percentuais) ou especificados de modo diferente. Coluna/Columna. 2015;14(4):299-303 301 Tabela 4. Características do exame físico. Característica (n=21) Exame Físico nº (%) Dor à dígito- pressão das apófises espinhosas 15 (71) Postura antálgica cifótica-escoliótica 9 (43) Cifose focal- gibosidade 4 (19) Exame neurológico alterado 4 (19) Alteração marcha 5 (24) Os dados são apresentados como contagens(percentuais) ou especificados de modo diferente. Tabela 5. Queixa principal e secundária quanto a localização da dor em relação ao nível da coluna comprometido. Discitelombar (n=11) Queixa principal nº (%) Lombalgia 5 (45) Queixa secundária Dor em flanco 3(27) Dor em outras regiões* 3(27) *abdômen, baixo- ventre, glúteos e pélvica posterior. Tabela 6. Queixa principal e secundária quanto a localização da dor em relação ao nível da coluna comprometido. Discite dorsal (n=4) Queixa principal nº (%) Dorsalgia 1(25) Queixa secundária Dor costal 1(25) Dor torácica anterior 1(25) Discite toracolombar (n=5) Queixa principal Dor em flancos 2(40) Queixa secundária Lombalgia 2(40) Dor em outras localizações 1(20) Tabela 7. Primeiro exame que possibilitou o diagnóstico, nº (%). RNM 8 (38) CT 5 (24) Radiografia 4 (19) Cintilografia 4 (19) RNM: Ressonância Nuclear Magnética;CT: Tomografia Computadorizada. punção biópsia com agulha e três por meio de hemoculturas seriadas. A punção biópsia com cultura foi realizada em 19 pacientes, dos quais 12 (63%) foram positivas. A hemocultura foi realizada em treze pacientes, dos quais três possibilitaram a identificação do agente bacteriano, sendo esses os mesmos que apresentaram hipertermia. (Tabela 8) Dez pacientes (48%) apresentaram leucocitose moderada (9000 leucócitos totais), sendo que os demais não apresentaram alterações. A análise laboratorial, avaliando os marcadores de atividade inflamatória dos 21 pacientes, 20 (95%) apresentaram 302 PCR alterado e 21(100%) com alteração do VSG. A média do VSG foi de 68,5mm/h variando de 5 a 120mm/h e a média do PCR foi de 5,1mg/dl variando entre 1,5 e 7,2mg/dl. (Tabela 9) DISCUSSÃO Nesse estudo, confirmamos que as lesões infecciosas da coluna vertebral não produzem um grande número de sinais e sintomas clínicos característicos, evoluindo, em geral, com poucos sintomas que indiquem o diagnóstico, sendo dor inespecífica a queixa predominante, o que condiz com achados de outros autores.8-12 No trabalho dos presentes autores, a queixa principal de dor coincidiu com a localização do nível comprometido apenas em cinco (45%) dos pacientes com comprometimento infeccioso lombar, um paciente (25%) da coluna dorsal e apenas dois (40%) localizaram suas queixas principais em coluna tóraco-lombar. Conforme Skaf et al.,3 Citak et al.4 e Zarghooni et al.¹ a suspeita clínica é a base para o diagnóstico da espondilodiscite bacteriana, mais que a apresentação clínica, uma vez que o paciente frequentemente é assintomático e o exame físico geralmente é pobre. Estudos demonstram que cerca de 50% dos pacientes já apresentam sintomas cerca de 3 meses antes da definição diagnóstica, e a apresentação mais comum é a dor (90%),13 geralmente exacerbada pelo movimento e que pode irradiar para abdômen, quadril, perna, genitália e períneo; febre não é frequente, mas em algumas séries esteve presente em até 52% dos casos.3,4 Estes aspectos estão em concordância com nossos achados e descritos como queixas principal e secundária nas Tabelas 5 e 6. A investigação complementar também é inespecífica, o hemograma, na maioria das vezes, não demonstra nenhuma alteração como leucocitose importante ou desvio à esquerda. Raramente observa-se uma leucocitose maior que 12000 leucócitos totais. Os exames de VSG e PCR apesar de inespecíficos, paradoxalmente acabam sendo os mais valiosos ao sinalizar a possibilidade de quadro infeccioso. O VSG frequentemente apresenta-se com valores muito elevados acima de 40mm/h, esses aspectos também foram concordantes com nossos resultados, onde observamos alterações importantes do VSG e PCR. As hemoculturas também devem ser solicitadas, e estão positivas em cerca de 50% dos pacientes, situação em que se torna relevante para a escolha adequada do tratamento.3,13 Nossa pesquisa evidenciou que no subgrupo de pacientes que apresentavam hipertermia (33%), três pacientes tiveram hemocultura positiva. A investigação complementar por exames laboratoriais e de imagem é fundamental, sendo a ressonância magnética o método de imagem mais sensível para identificar as patologias infecciosas Tabela 8. Comprovação do diagnóstico etiológico. Nº Pacientes Técnica Positividade (%) 19 Punção biópsia 12*(63) 13 Hemocultura 3**(23) * Um paciente cultura de material trans-operatório. ** Pacientes que apresentaram febre. CONCLUSÃO Tabela 9. Exames laboratoriais alterados. Hemograma Leucocitose 10 (48) Anemia 5 (24) VSG mm/h Mediana (mínimo a máximo) 68,5 (5 a 120) PCR mg/dl Mediana (mínimo a máximo) da coluna vertebral. A punção por biópsia com agulha é o exame mais importante para obtermos o diagnóstico de certeza, porém com frequência o resultado é negativo em um valor percentual de 30 a 50% dos casos.2,14 Esses percentuais estão inferiores aos do presente estudo, onde o autor sênior alcançou 63% de diagnóstico guiado por tomografia computadorizada ou radioscopia. A anatomia patológica também tem um grande índice de fracasso, e deve ser reservada aos casos onde há dúvida entre etiologia séptica ou tuberculosa, ou ainda malignidades.2,3,9 Exame cultural coletado a partir da punção biópsia por agulha do disco infectado é definitivo, mas os resultados podem ser negativos, mesmo em condições ideais. Da mesma forma, todos os estudos de imagem e laboratoriais podem ser inconclusivos, dependendo do momento em que eles são feitos em relação ao início da infecção. Na investigação por imagens, o estudo radiográfico também é frequentemente normal, não mostrando alterações na fase aguda, aspectos esses concordantes com nossa pesquisa, onde cinco pacientes (24% dos casos) apresentaram raio-X normal na evolução da doença. Alterações radiográficas surgem de quatro semanas a três meses após o início do quadro infeccioso.¹² A ressonância magnética e a cintilografia são os exames que sugerem o diagnóstico da espondilodiscite com maior precocidade, por isso são os mais importantes. A CT acrescenta achados adicionais aos exames radiográficos revelando o grau de comprometimento dos corpos vertebrais.¹² O diagnóstico definitivo de espondilodiscite está estabelecido quando pacientes apresentam quadro clínico e exames de imagens típicos, e hemocultura ou a cultura focal obtida através da punção biópsia positivas para patógenos.2 No presente trabalho, seis pacientes (28%) receberam o diagnóstico de espondilodiscite bacteriana e foram tratados com antibióticoterapia baseado no contexto da situação clínica, imagens e laboratório mesmo sem comprovação etiológica. Todos apresentaram queda marcante dos marcadores inflamatórios na quarta e sexta semanas, sendo considerados assintomáticos e curados no sexto mês de evolução do tratamento. Nenhum dos mesmos apresentavam alterações sugestivas de doença de POTT. Em algumas situações, tais como a evolução da doença, apesar da terapêutica instituída, o tratamento cirúrgico é indicado e o material obtido deve ser encaminhado para estudo microbiológico e anatomia patológica, como forma de aumentarmos a chance de identificação do agente etiológico. No presente estudo, somente o material coletado no trans-operatório possibilitou a identificação do germe, uma vez que a punção e hemoculturas foram normais. Conforme Howard et al.¹² os fatores predisponentes para infecção devem ser pesquisados e valorizados na elaboração da hipótese diagnóstica. Na presente série de pacientes estudados identificamos antecedentes de diabetes melitos, infecção urinária de repetição, terapia com corticosteroides, história de procedimentos cirúrgicos prévios na área gineco-urológica, discectomia lombar, imunodeficiência e drogadição em 12 (57%) dos 21 casos estudados. O diagnóstico precoce acurado e a instituição precoce da terapêutica são fatores decisivos para o desfecho favorável e para afastar a necessidade de intervenção cirúrgica e sequelas.8 5,1 (1,5 a 7,2) Os dados são apresentados como contagens (percentuais) ou especificados de modo diferente. DP: desvio-padrão, VSG: velocidade de sedimentação glomerular, PCR: proteína C reativa. O diagnóstico precoce da espondilodiscite bacteriana continua sendo um desafio devido a inespecificidade de sinais e sintomas referidos pelo paciente. A base para o diagnóstico é a suspeita clínica no momento do atendimento inicial. A espondilodiscite bacteriana deve ser sempre suspeitada no diagnóstico diferencial de lombalgia, febre de origem desconhecida e pacientes com sinais e sintomas de comprometimento constitucional, principalmente quando acompanhada de alterações dos marcadores laboratoriais inflamatórios. Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo. Coluna/Columna. 2015;14(4):299-303 DIFICULDADES DIAGNÓSTICAS NA ESPONDILODISCITE BACTERIANA 303 REFERÊNCIAS 1. Zarghooni K, Röllinghoff M, Sobottke R, Eysel P. Treatment of spondylodiscitis. Int Orthop. 2012;36(2):405-11. 2. Sexton DJ, McDonald M. Vertebral osteomyelitis and discitis. In: UpToDate. Waltham, MA; 2012. Disponível em: www.uptodate.com/contents/vertebral osteomyelitis-and-discitis?source=search_result&search=vertebralosteomyelitis&selectedTitle=1~57. 3. Skaf GS, Domloj NT, Fehlings MG, Bouclaous CH, Sabbagh AS, Kanafani ZA, et al. Pyogenic spondylodiscitis: an overview. J Infect Public Health. 2010;3(1):5-16. 4. Citak M, Backhaus M, Kälicke T, Hilal Z, Muhr G, Frangen TM. Myths and facts of spondylodiscitis: an analysis of 183 cases. Acta Orthop Belg. 2011;77(4):535-8. 5. Herkowitz HN, Garfin SR, Eismont FJ, Bell GR, Balderston RA. Rothman-Simeone. The spine. 6th ed. 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