PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Aroldo José Washington O ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA NO ORDENAMENTO PÁTRIO – A BUSCA DA CLASSIFICAÇÃO COMO SEGURADO DA PREVIDENCIA SOCIAL MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP SÃO PAULO 2013 Aroldo José Washington O ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA NO ORDENAMENTO PÁTRIO – A BUSCA DA CLASSIFICAÇÃO COMO SEGURADO DA PREVIDENCIA SOCIAL MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção de título de Mestre em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Miguel Hovart Júnior. SÃO PAULO 2013 BANCA EXAMINADORA Dr. Miguel Horvath Júnior (PUC/SP) Dr. Otacílio Pedro de Macedo (USCS) Dr. Antonio Márcio da Cunha Guimarães (PUC/SP) Dedico este trabalho à Violeta, em memória. A Eliane, com amor e carinho eternos. AGRADECIMENTOS A Deus, pela bondade e misericórdia que me acompanham todos os dias. À minha esposa Eliane, pela compreensão, carinho, dedicação e ajuda em todas as horas. Ao Professor Miguel Horvath Júnior, pela compreensão, paciência e pela sabedoria demonstrada em todos os momentos da orientação. RESUMO O presente trabalho será analisado à luz da Teoria da Argumentação Jurídica, da ponderação de princípios constitucionais, atinentes ao Direito Previdenciário. O objetivo será demonstrar que o trabalhador rural volante, denominado também de “bóia–fria”, é segurado da Previdência Social; buscar-se-á sua classificação como segurado da Previdência Social: consequentemente, tem o trabalhador, direito ao Seguro Social, apesar de não haver expressa previsão legal, pois o mesmo não se enquadra na definição de empregado, na definição dada pelo Direito do Trabalho, por se tratar de trabalhador eventual. Na prática cotidiana, o trabalhador volante não recolhe a contribuição previdenciária; diante dessa realidade, não estaria enquadrado como segurado da Previdência Social. Demonstrar-se-á que este encargo é de atribuição do tomador de serviços; portanto, enquadra-se o trabalhador volante, como segurado, com fundamentos de princípios e regras constitucionais que regem a matéria entendimento acatado em âmbito administrativo e judicial. O método de investigação é trabalhado de maneira descritiva, e será desenvolvido com a pesquisa das doutrinas trabalhista e previdenciária, com visão dogmática organizada, e ainda pesquisa da Jurisprudência dos Tribunais que tratam desta matéria, pretendendo trazer clareza à lacuna legislativa que rege a matéria. Palavras-Chaves: Classificação; Previdência Social; Segurado Obrigatório e Trabalhador Volante. ABSTRACT This work will be examined in the light of the Theory of Legal Argumentation , the weighting of constitutional principles relating to the Social Security Law . The goal will be to demonstrate that the rural worker flywheel , also called " float - cold ," Social Security is insured , and will seek classification as held Social Security therefore has the worker entitled to Social Security , despite there is no express legal provision , because it does not fit the definition of employee in the definition given by the Labor Law , as it is possible worker . In everyday practice , the employee steering wheel does not collect social security contributions , and consequently face this fact would not be insured framed as Social Security . Will demonstrate that this task is the assignment of borrower services , and therefore fits the employee steering wheel, as insured , with foundations of constitutional principles and rules governing the matter in understanding complied with the administrative and judicial . The research method is worked in a descriptive way , and will be developed with the research of labor and social security doctrines , organized with dogmatic and even search the Jurisprudence of the Courts dealing with this matter, which will bring clarity to the legal loophole which governs the matter . Keywords: Classification; Social Security; Mandatory Insured and Worker Steering Wheel. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11 2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO TRABALHO RURAL ........................ 13 2.1 História do trabalho rural ................................................................................................ 13 2.2 Evolução Legislativa do Trabalho Rural ......................................................................... 17 3 PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS E O TRABALHADOR RURAL ........ 23 3.1 Definição de Princípios e Regras .................................................................................... 23 3.2 Princípio da solidariedade ............................................................................................... 29 3.3 Princípio da obrigatoriedade da filiação .......................................................................... 31 3.4 Princípio da uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos ..................................... 34 3.5 Princípio da equidade nas fontes de custeio .................................................................... 35 3.6 Princípio in dubio pro operário (ou in dubio pro-misero) .............................................. 37 3.7 A Regra do mínimo existencial ....................................................................................... 38 3.8 Regra da Contrapartida .................................................................................................... 43 4 DA DIFICULDADE DO ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA ENQUANTO SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL ....................................................................... 45 4.1 Aspectos diferenciais na conceituação do trabalhador rural no Direito Trabalhista e Previdenciário........................................................................................................................ 51 4.1.1 Definição do trabalhador rural sob a perspectiva do Direito Trabalhista ..................... 52 4.1.2 Definição do trabalhador rural, sob a ótica do Direito Previdenciário ......................... 54 4.1.3 Definição de trabalhador rural na legislação ................................................................ 56 4.2 Conceito de trabalhador rural volante na doutrina ......................................................... 59 4.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência ................................................ 64 4.3.1 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ............................................................................................................................................... 65 4.3.2 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ............................................................................................................................................... 65 4.3.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais ................................................................................................................................. 68 4.3.4 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização ....................................................................................................................... 72 4.3.5 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho ................................................................. 74 4.4 Conceito de trabalhador rural volante no âmbito administrativo. A autarquia previdenciária ........................................................................................................................ 76 5 ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA DENTRO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 79 5.1 Classificação dos segurados ............................................................................................ 79 5.2 Seguridade Social ............................................................................................................ 81 5.2 Classificação dos segurados - Posicionamento da doutrina e da jurisprudência ............. 86 6 PROPOSIÇÃO DE ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR RURAL BÓIA-FRIA ............................................................................................................................................... 91 CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 94 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 95 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Seguridade Social ................................................................................................. 81 Figura 2: Filiados da Previdência Social ............................................................................... 82 Figura 3: Conjunto dos integrantes da Previdência Social .................................................... 83 Figura 4: Classificação dos segurados da Previdência Social ............................................... 84 Figura 5: Classificação dos empregados ............................................................................... 87 11 1 INTRODUÇÃO Passados quase 200 anos de independência, o Brasil, país de dimensão Continental, de vasta área agrícola, tem muito ainda a proteger sua população rural, em termos de Previdência Social. Grande avanço ocorreu, em termos legislativos, com a Constituição de 1988, quando houve a equiparação entre trabalhadores urbanos e rurais no que diz respeito aos direitos previdenciários. Antes disso, a Previdência Rural, estava imersa em um grande sistema de assistência social. Com a Constituição Federal, esta migrou, definitivamente, para a Previdência Social, igualando os trabalhares rurais e urbanos, em benefícios e prestações. Em contrapartida, determinou que, a partir de 1988, “deve o trabalhador rural contribuir para o custeio da previdência social.” De toda a gama de trabalhador rural, estuda-se, na presente dissertação, as condições específicas do trabalhador rural chamado volante: figura que faz parte da própria formação cultural do Brasil, antiga e esquecida pelos donos do poder. Em relação a esse trabalhador, há um vazio legislativo. Será adotada, neste trabalho, a nomenclatura de trabalhador rural volante, sinônimo de bóia-fria. Esses são eventuais, exercendo sua atividade num pequeno período de tempo para os pequenos proprietários rurais, arrendatários, sitiantes, sem vínculo de continuidade, ganhando pouco, na condição de diaristas. Essa atividade é sua única fonte de renda: a venda do seu trabalho braçal. Via de regra possuem um grau bastante baixo de escolaridade, já´que foram excluídos do acesso à educação formal e vivem de propriedade rural em propriedade rural, em busca de trabalho para seu sustento e o de sua família. De todo o cipoal legislativo, nada o ampara em relação à proteção previdenciária. Na dicção do artigo 11, da Lei 8.213/91, que preceitua quem são os segurados obrigatórios da Previdência Social, em uma leitura singela, sem se ater aos princípios e regras que regem a matéria, o mesmo está excluído. Excluído porque não é empregado, não exerce seu labor de forma contínua, sim eventual em relação ao empregador. Exerce atividade laborativa de forma contínua, mas para diversos tomadores de serviços; assim, não fica caracterizada a relação de emprego, nos termos do Direito de Trabalho. Segundo o entendimento do senso comum, esse trabalhador não pode ser considerado contribuinte individual (artigo 12, g, da Lei 8212/91), pois presta serviço de natureza rural, a tomadores de serviços, que não se enquadram no conceito de empresa, definido no artigo 15, 12 da Lei de Custeio (Lei.8.212/91), nem na equiparação prevista no parágrafo único deste malsinado dispositivo legal. Apesar da lacuna legislativa, demonstra-se que todos aqueles que exercem atividade laborativa no meio rural tem assegurada a obrigatoriedade de estar sob a Previdência Social, considerando que a ordem social tem como o primado o trabalho, e como objetivo o bem estar social. Aliam-se a isso os princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, com o que se tenta construir uma sociedade solidária: um dos objetivos fundamentais da República. Inicia-se a dissertação na busca de subsídios históricos e evolução do trabalho rural, no Capitulo 2. A seguir, estuda-se os Princípios e as Regras Constitucionais aplicados em relação ao trabalhador rural volante, na busca da classificação do bóia-fria como segurado da Previdência Social: princípios da solidariedade, obrigatoriedade da filiação, uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos, equidade nas fontes de custeio, princípio in dubio pro misero. Finalmente, neste capítulo, as regras do mínimo existencial e contrapartida. Salienta-se a dificuldade do enquadramento do bóia-fria enquanto segurado da Previdência Social face à ausência normativa que rege a atividade do trabalhador volante. Acrescem-se os aspectos diferenciais da conceituação do trabalhador rural no Direito Trabalhista e Previdenciário e estuda-se a definição do trabalhador rural na perspectiva do Direito Trabalhista e Previdenciário. Dando prosseguimento, analisa-se o conceito de trabalhador rural volante na doutrina e Jurisprudência dos Tribunais que julgam a matéria. Finalmente, da análise destes conceitos, dá-se o enquadramento do bóia-fria e a sua classificação dentro do contexto do Direito Previdenciáro. O tema foi escolhido diante do problema social que envolve esta grande camada da população rural que, em pleno século XXI, está, ainda, a aumentar o seu número, de trabalhadores rurais volantes, excluidos do progresso social, e desemparados pela legislação. Quando atingem a idade avançada, já incapazes de exercer o seu mister, ou quando apresentam impossibilidade de trabalhar, não estão acobertados pela Previdência Social, em têm que buscar, nas vias judiciais, tutela jurisdicional, para o reconhecimento de seus direitos. 13 2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO TRABALHO RURAL É importante estudar a historia e evolução legislativa do trabalho rural no Brasil, subsidios fundamentais para saber o motivo de tanto abandono e falta de capacidade politica, deste importante segmento da sociedade brasileira, os trabalhadores rurais volantes, também alcunhados de bóia fria, “pau de arara”, trabalhador independente rural. A dificuldade do trabalho rural, seu esquecimento remota priscas eras. A legislação é o espelho da história, e a sua evolução demonstra toda a característica de nossa sociedade, em sua constate mutação no tempo. 2.1 História do trabalho rural Desde o início da civilização, o homem retira o seu sustento por meio da interação do seu trabalho com a terra, produzindo alimentos para a sua própria sobrevivência. Se for levada em conta o tempo, nestes últimos 2000 anos, constatamos que o fenômeno da industrialização é recente: praticamente nos últimos 250 anos. Quando se pensa na origem do Direito para iluminar essa questão, surge logo a ideia de buscar subsídios nas origens no Direito Romano, como era a vida em Roma antiga e como aquele povo, em sua visão pragmática do Direito, fez em prol destes trabalhadores. Jerzy Kolendo, em seu estudo sobre o trabalhador rural romano, traz importante esclarecimento, para termos a noção de como era em Roma antiga, em suas várias fases de desenvolvimento, o trato e a vida do rurícula. Aduz que: [...] tradicionalmente, os camponeses viviam no fechado mundo da autosuficiência. Eles se colocavam às margens da economia mercantil, limitando-se a vender os produtos de seu sítio, nos mercados locais e nas pequenas cidades, muito numerosas, da Itália Central. (...) Proverbiais eram a pobreza dos trabalhadores rurais e o seu modo de vida primitivo. No obra “Moretum”, atribuída a Virgilio, se extrai um camponês que se levanta muito cedo, perto de um fogo apagado, se veste com um casaco de pele de cabara e começa o seu trabalho fatigante, em torno de um moinho de pedra. Para aliviar o seu trabalho , entorna cantos campestres.1 1 KOLENDO, Jerzy. “Il Contadino”. In: L´uomo Romano – a cura di Andrea Giardina. Roma: Editori Laterza, 1996, p.218/219. 14 Feijó Coimbra leciona que: [...] inicialmente, o povo romano no amanho da terra, pelo trabalho do conjunto familiar, em granjas de vinte geiras, onde criavam gado, com auxilio de escravos. Posteriormente, as guerras arruinaram os cidadãos que abandonavam as lavouras durante as campanhas. Os campos, despovoados, foram sendo absorvidos pelos grandes proprietários, dando azo à formação de latifúndios que, explorados com métodos de avançada técnica, ao menos para à época, e com o emprego maciço de mão de obra servil, atingiram notável produtividade2. E continua, [...] essa propriedade alicerçada no braço escravo teve seu ocaso quando a paz, assegurada pelo Império, fez escassear a oferta de cativos, mais frequentemente recrutados entre os prisioneiros de guerra.” E Finaliza; ao lado do retrocesso econômico decorrente do abandono da cultura em grande extensão e realizada com métodos que facultavam uma produtividade maior, nenhum foi o progresso social. O proletariado, chamado a condição de arrendatário, acabou fixado a terra, em condição semelhante ao elemento servil que viera substituir.3 Pode-se comparar, a grosso modo, o que aconteceu em Roma com o que aconteceu no Brasil, desde o seu descobrimento. A história se repete. Jacob Corender, escreve sobre o modo de economia do escravismo colonial, durante o Brasil Colônia, a economia com base no trabalho escravo4, e sua extinção, com a abolição da escravatura, em 1888, com a Edição da Lei Aurea, promulgada pela Princesa Isabel. Observa Laura Vasconcelos Neves da Silva que: [...] trabalho rural, quase tão antigo quanto o homem, não deu ensejo ao surgimento de um direito que protegesse os trabalhadores do campo. A explicação para isso é que, sendo escravos, os trabalhadores rurais lutavam pelo bem maior da liberdade e, ademais, não possuíam força política para reivindicações de direitos. Assim sendo, depreende-se que a formação da massa trabalhadora nas cidades ocorreu porque se tratava de homens livres. Já a disciplina do Direito do Trabalho Rural surgiu no meio intelectual e político, como um reflexo natural do avanço do direito social surgido após a Segunda Guerra Mundial.5 O surgimento dos trabalhadores rurais, comumente denominados boias-frias, trabalhadores volantes, está ligado à própria transformação do Estado brasileiro, na libertação 2 COIMBRA, J.R. Feijó. O Trabalhador Rural e a Previdência Social. Rio de Janeiro: Editora José Konfino. 1968, p.8. 3 IDEM, p.9. 4 GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. 5ª edição, 2011. 5 SILVA, Laura Vasconcelos Neves da. “Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores Rurais da Cana-deAçúcar”. In: Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário. Ano V, Número 26, Setembro – Outubro/2008, p.44. 15 dos escravos e com o desamparo total dessa grande camada da população, em uma sociedade rural, com o início do desenvolvimento urbano. Evaristo de Moraes Filho, em nota introdutória ao clássico Apontamentos de Direito Operário, de Evaristo de Moraes, escreveu que Os primeiros anos da República foram de grande agitação neste país. E a explicação é fácil. 1888 significou, por si só, a primeira grande lei social entre nós, acabando com a escravidão e instituindo o regime do trabalho livre. As conseqüências que acarretou já foram minuciosamente estudadas por um sem-número de historiadores, economistas e sociólogos. Faltou-lhe uma complementação necessária, como já à época se haviam dado conta alguns espíritos mais atentos, convindo destacar, entre êles, Silva Jardim, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Pregavam uma lei de reforma agrária, que fixasse o homem à terra, lhe tornasse proprietário, dividisse os latifúndios, com radical alteração do sistema rural até então vigente, a fim de que, com o nôvo regime, não se desorganizasse a produção dos campos.”6 Conclui o mestre: Os fazendeiros — o que equivale dizer, os políticos que apoiavam o Imperador — voltaram-se contra êle, aderindo à República. Por isso mesmo, coube a essa, infelizmente, herdar todos os problemas oriundos da Abolição: campo desorganizado; quebra da produção; ausência de braço livre para substituir, de repente, o trabalho escravo; migração para os centros urbanos dessa mão- de-obra desempregada e faminta, quando não se deixava ficar pelos próprios campos, como fantasmas a perambular em tôrno das antigas fazendas. Tudo isso se transformou em fator sociopático nas cidades, principalmente na Capital Federal: mendigos, vagabundos, prostitutas, desabrigados; mão-de-obra despreparada e desqualificada, sem aprendizado nem formação profissional para os novos trabalhos mecânicos que iam surgindo. Empregavam-se por qualquer salário e para todo o serviço.7 Estes fantasmas, no dizer de Evaristo de Moraes Filho, pode ser considerada a origem remota dos atuais trabalhadores boias frias ou volante. Como bem observado por Júlio Barata: [...] a situação social do homem do campo, sua integração real, pela produtividade, na força do trabalho do País, o atendimento de suas necessidades básicas, as garantias exigidas para a segurança da população rural e sua fixação na terra, o controle das migrações para a cidade, a proteção à saúde, e o direito à tranquilidade na velhice para os que mourejam na lavoura constituem, desde 13 de maio de 1888, o mais velho, MORAES, Evaristo de. Apontamentos de Direito Operario. 2ª edição – Comemorativa do Centenário do nascimento do autor, acompanhada de introdução feita por Evaristo de Moraes Filho. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, LTr, 1971, p. XXXII. 7 IDEM, p. XXXIII. 6 16 o mais constante, e, talvez, o mais sério desafio à clarividência do estadista e do legislador.8 A situação descrita acima se perdura até hoje em relação aos trabalhadores volantes, comumente chamados boias-frias, o vácuo legislativo que impera nesta matéria. Mas a vida no campo, no seu cotidiano, ainda é de penúria, em sua grande maioria, existindo trabalhadores à margem da Previdência Social, verdadeiros excluídos, como é o caso dos trabalhadores boias-frias ou volantes que, mesmo tendo direito — é essa nossa tese — estão excluídos dentro da proteção previdenciária, como será visto mais adiante. A realidade social, o contexto em que vivem esses rurícolas é de extrema miséria, e quando atingem a idade avançada, incapazes de exercer atividade laboral, encontram mecanismos de proteção, como aposentadoria por idade rural, e outros benefícios previdenciários, desde que se possa classificá-los como segurado obrigatório da previdência social. Em situação assim, considerando a idade avançada como uma etapa da vida, encontrase o fundamento da proteção a todo trabalhador, no risco e na contingência e, na situação de necessidade, tendo em conta os valores sociais, culturais e éticos da República, bem como, utilizando-se do instrumental da Teoria da Argumentação Jurídica, dentro de todos os princípios e de todas as regras que regem a Previdência Social, são segurados obrigatórios da Previdência Social. A necessidade de proteção do rural, em idade avançada, sobressai considerando os princípios magnos da Carta da República, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, e o mínimo existencial. Em termos históricos, Mary del Priore e Renato Venâncio9 fazem um quadro realista da vida rural no Brasil, descrevendo as mudanças que ocorreram desde a época do descobrimento até os dias atuais. Mostram a influência das alterações de paradigmas, do modelo escravista para a liberdade de mão de obra, a necessidade de uma reforma agrária, o surgimento da mecanização agrícola no século xx, com a migração do trabalho rural para o urbano e o efeito nefasto desta mecanização. A forma como essa se deu resultou em crescente onda de desemprego no campo e aumento dos trabalhadores volantes, fato este constatado por Luiz Sérgio Pires Guimarães, Ney Rodrigues Innocencio, Sebastiana BARATA, Júlio. Apresentação – Barros Jr, Cássio de Mesquita – Previdência Social- Urbana e Rural. 1981, São Paulo: Editora Saraiva, p. XI. 9 DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato. Uma História da Vida Rural no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro. 2006. 8 17 Rodrigues de Brito10, em estudo estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), realizado em 1984. A mecanização da agricultura, em especial, na indústria canavieira, ocasiona uma enorme onda de desemprego, conforme constata André Cabette Fábio, em reportagem publicada em 29 de novembro de 2013, no site da UOL11. Nessa reportagem, é dada uma ideia falsa de que o trabalhador volante só exerce suas atividades na indústria canavieira; ao contrário, se esta utiliza o trabalhador volante, no corte manual da cana, sob sua supervisão, o mesmo deixa de ser bóia-fria, e passa a ser empregado. Mas, um argumento é correto: o uso da tecnologia e maquinário extingue mão de obra braçal. Uma máquina agrícola substitui muitos obreiros, mas faltam estatísticas sobre o assunto, como reconhecido nesta reportagem. O problema do aumento do número dos trabalhadores volantes é extremamente complexo, envolvendo a economia nacional, a mecanização da agricultura, o desemprego que ocasiona esta mecanização, face à dispensa de mão de obra não qualificada, com a consequente informalidade desta mão de obra. 2.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO TRABALHO RURAL A evolução legislativa, visando à proteção e integração do trabalhador rural à Previdência Social, está intimamente ligada à economia nacional, envolvendo todo um problema de modelo econômico, atrelado ao movimento político de cada período vivido por nossa sociedade. Em termos legislativos, a atenção a esse trabalhador é recente: da segunda metade do Seculo XX. Nesse trabalho, será dada ênfase a partir da década de 40, no século passado. Para tanto, foram colecionadas os preceitos normativos que dizem respeito à Previdência Social do Trabalhador Rural, e temas correlatos, em especial sobre as fontes de custeio. GUIMARÃES, Luiz Sérgio Pires; INNOCENCIO, Ney Rodrigues; BRITO, Sebastiana Rodrigues de. “O Trabalhador Volante na agricultura” R. br as. Geo gr., Rio de Janeiro, 46(1) :5-78 jan./mar. 1984. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20%20RJ/RBG/RBG%201984%20v46_n1.p df> Acesso em 18 de abril de 2013. 11 <http://economia.uol.com.br/agronegocio/noticias/redacao/2013/11/29/bóia-fria-da-lugar-a-operador-decolhedora-de-cana-que-ganha-ate-r-26-mil.htm#fotoNav=1> Acesso em 06 de dezembro de 2013. 10 18 Em plena II Guerra Mundial, surge a Consolidação das Leis do Trabalho, de nítida tendência fascista, quando Getúlio Vargas exclui do campo de aplicação os trabalhadores rurais, de um modo geral. 1. O DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 7º, letra b, exclui do campo de incidência os preceitos constantes nessa lei, salvo quando for expressamente determinado em contrário [...] aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais. A determinação em contrário, na própria CLT, prevê na aplicação do salário mínimo ao trabalhador rural, nos termos do artigo 76, na definição do salário mínimo: Art. 76. Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. Passados 13 anos, em período de grande turbulência histórica, com o surgimento da Guerra Fria entre União Soviética e Estados Unidos - as duas grandes superpotências - o avanço do Comunismo, surge a Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960. Trata-se da Lei Orgânica de Previdência Social que, já em seu artigo 3º, II, excluiu os trabalhadores rurais do campo de sua incidência. Já antecedendo a Revolução de 1964, foi promulgada a Lei nº. 4.214 de dois de março de 1963 que dispôs sobre o Estatuto do Trabalhador Rural, criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural, em seu artigo 158 e seguintes. Esse Estatuto, na realidade, nunca chegou a ser efetivo, devido à edição do Decreto 61.554, de 17 de outubro de 1967, a seguir transcrito. O Decreto Lei nº 286, de 28 de fevereiro, de 1967, criou fonte de custeio para tentar implementar a Lei 4214/63, já em pleno Regime Militar. 5. DECRETO Nº 61.554, DE 17 DE OUTUBRO DE 1967. Aprova o Regulamento do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural e dá outras providências. 19 O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o item II do art. 83 da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 6º do Decreto-lei nº 276 de fevereiro de 1967. DECRETA: Art. 1º Fica aprovado, sob a denominação de Regulamento do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural , o Regulamento que a este acompanha, assinado pelo Ministro do Trabalho e Previdência Social. Art. 2º A concessão das prestações a que se referem os arts. 55, alínea b e § 2º, e 164, alíneas b, c, d, e f, da Lei nº 4.214, de 2 de março de 1963, fica sustada até que o Poder competente disponha sôbre sua fonte de custeio. O primeiro Estatuto do Trabalhador Rural, promulgado no Governo de João Belchior Goulart criou benefícios sem a correspondente fonte de custeio, e teve seus efeitos sustados, pelo Decreto 61.554/67; portanto, nunca deu efeito prático algum. O Decreto-lei 564, de 1º de maio de 1969, criou o Plano Básico de Previdência Social, visando aos trabalhadores não abrangidos pelo LOPS, incluindo nele os trabalhadores rurais do setor canavieiro. Efetivamente, a proteção ao trabalhador rural começou a partir da LC 11, de 25 de maio de 1971, lei esta que criou o Prorural. Esse deu a definição do que a lei considerou trabalhador rural e, desta definição, deixou de fora o trabalhador volante. O PRORURAL, criado pela LC 11, foi regulamentado pelo Decreto 69.919, de 11 de janeiro de 1972. É interessante observar a função didática que exerce este Decreto, definindo o conceito de trabalhador rural, com maior precisão, porém, também deixou de normatizar o trabalhador volante, deixando-o fora da previdência rural. Da dicção da lei, constata-se que o trabalhador volante não foi contemplado na proteção previdenciária, por exercer atividade agrícola, em caráter eventual, para proprietários e arrendatários rurais. A Lei Complementar 11/71 foi alterada pelo LC 16/71, dando a definição legislativa de produtor rural. A Lei 5.889, de 08 de junho de 1973, começa a dar melhor de finição ao trabalhador rural, estando ainda hoje em pleno vigor, com as modificações da Lei 11.718, de 20 de junho de 2008, não tendo sido derrogada pelos diplomas que a sucederam, por não ser incompatível com a atual ordem jurídica vigente e por ter havido mudanças que a adequaram à sociedade atual. A definição legislativa de trabalhador rural é didática, nesta lei: “Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”. A 20 Lei 6195, de 19 de dezembro de 1974, institui a concessão de prestações devidas, em decorrência do acidente do trabalho rural. O Decreto 73.617, de 12 de fevereiro de 1974, regulamentou o PRORURAL. Com a criação do Funrural, autarquia, com personalidade jurídica de direito público, foi dado um passo fundamental para a criação de uma Previdência Social Rural, desfeito na Constituição de 1988, com a equiparação de trabalhadores rurais e urbanos. Esse Órgão possuía, na realidade, nítida natureza assistencialista, e seus benefícios ficaram aquém do esperado, pois excluíam os direitos da mulher à aposentadoria rural. A Constituição de 1988 fez Justiça, eliminando esta desigualdade. Dando continuidade à legislação infraconstitucional, o Decreto 76.022, regulamentou a Lei 6.195. A Lei 6260, de 06 de novembro de 1975, por sua vez, institui benefícios da previdência e assistência social aos empregadores rurais, regulamentada pelo Decreto 77.514, de 29 de abril de 1976. Por fim, o grande divisor de águas do direito dos trabalhadores rurais, foi a Constituição de 1988, que equiparou trabalhadores rurais e urbanos. A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, em suas sucessivas modificações, é o que hoje rege a matéria, em conjunto com a Lei de Custeio, Lei 8.212, da mesma data. Finalmente, a Lei 11.718, que acrescentou artigo à Lei 5.889, de 08 de junho de 1973, já descrita acima, mas que não contemplou a atividade de trabalhador volante. Assim, lenta foi a legislação visando à proteção do trabalhador rural. Constata-se que, nesta perspectiva legislativa, a Lei 4.214/61 foi a primeira a elaborar, sistematicamente, os direitos do homem do campo, mas não teve alcance prático, no mundo fenomênico, em virtude da não previsão da fonte de custeio. O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, a Lei Complementar 11/71, em pleno Regime Militar, iniciou uma programa de proteção a esse trabalhador, dando um caráter híbrido, assistencialista e, ao mesmo tempo, contributivo ao trabalhador, prevendo aposentadoria apenas ao arrimo de família por idade, face às atividades desenvolvidas pelo mesmo e excluindo a mulher do benefício de aposentadoria por idade, caso o marido já fosse aposentado ou o arrimo de família, dando ênfase ao caráter assistêncial da previdência rural. Deixou de fora grande parte dos trabalhadores rurais, destacando-se os trabalhadores volantes. A verdadeira mudança, resgatando todo um passado de exclusão do trabalho desenvolvido no meio agrário, fez-se pela Constituição de 1988: um divisor de águas. 21 Ela unificou a Previdência Social Urbana e Rural e equiparou os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, estando assim normatizado em seu artigo 7ª, em sua redação original: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua condição social:”12 ........................ Em nível de organização da Seguridade Social, o Constituinte de 1988, em consonância com o artigo 7º, preceituou que: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; [grifo do autor] III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.13 (Grifo meu) No subnível previdenciário, destacou a aposentadoria diferenciada por idade dos trabalhadores rurais e reconheceu, pela primeira vez, em nível constitucional, o regime de economia familiar, normatizado na legislação infraconstitucional, incluindo o pequeno produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória [grifei], observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (...)14 Neste contexto de nivelamento constitucional é que todas as normas de hierarquia inferior devem ser interpretadas. Sobressai o princípio da dignidade da pessoa humana em consideração à natureza diferenciada da atividade desenvolvida pelo trabalhador rural, 12 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 7º, caput. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 13 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 194 e incisos. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 14 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 201, caput. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 22 destaca-se, neste sentido, o trabalhador volante e a dificuldade cultural de arrecadação das contribuições previdenciárias, decorrentes da atividade laborativa exercida por ele, em relação à fonte de custeio da previdência social. Em termos legislativos, de legislação infraconstitucional, frisa-se a Lei 11.718, de 20 de junho de 2008, que acrescentou artigo à Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, criando o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo. A Lei 5.889 define trabalhador rural e empregador rural. De especial importância é o artigo 11, da Lei 8.213/91, que possibilita a realização cientifíca de uma classificação dos segurados da previdência social. Tendo como ponto de partida a legislação, em vigor, em especial o artigo 11, da Lei 8.213/91, é possível estabelecer e classificar os vários tipos de trabalho rural, para um melhor enquadramento, em relação aos benefícios que os mesmos fazem jus, bem com delimitar a proteção previdenciária que o ordenamento jurídico lhes deferem. Estabelece o artigo 11, da Lei 8.213, quem são os filiados obrigatórios da Previdência Social e, neste preceito normativo, devemos alocar o trabalhador volante para fins de classificação e sistematização. Na evolução legislativa, dentro de contexto histórico, depreende-se que, apesar da evolução no sentido de proteção previdenciária, o trabalhador volante ficou à margem; no entanto, contextualizando a aplicação dos princípios e das regras constitucionais, infere-se que, em decorrência da atividade laborativa exercida, são segurados obrigatórios da Previdência Social, pois quem trabalha, goza do seguro social obrigatório. Com o resumo das principais normas em relação ao trabalhador rural, serão estudados, a seguir, os Princípios e as Regras constitucionais, atinentes à matéria. 23 3 PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS E O TRABALHADOR RURAL 3.1 Definição de Princípios e Regras A palavra princípio é carregada de ambiguidade. Tem múltiplos significados, conforme assevera Nicola Abbagnamo.15 Far-se-á um corte metodológico, delimitando o significado de princípio, de que este é norma do sistema jurídico, que, ao lado das regras, formam o sistema normativo. Adota-se a lição de Humberto Ávila16, de que princípios são normas. Sérgio Sérvulo da Cunha, em acurado estudo sobre o tema, observa que: [...] de uns tempos para cá na doutrina e no foro em tudo se veem princípios, aos quais — como na descoberta de terra ignota — se vão dando nomes, que na sua profusão se sobrepõem. No Dicionário Compacto do Direito (doravante citado como DCD) listei parcimoniosamente 135 “princípios” que freqüentam as páginas da literatura jurídica nacional, enquanto nos sessenta volumes do seu Tratado de Direito Privado, desde (em ordem alfabética) o princípio “civiliter uti” (§ 2.202,5, tomo 18) até o “princípio de moralidade” (§ 3.658, 2, tomo 32), Pontes de Miranda nomina, aplica, ou estuda 576 dos mais variados princípios.17 O estudo sobre princípios é um dos mais complexos dentro do panorama da Teoria Geral do Direito. Em uma visão tradicional sobre a definição de princípio, partindo de linha metodológica de que princípio aparece como linha diretiva que ilumina a compreensão e interpretação, doutrina Celso Antonio Bandeira de Mello, para delinear o conceito de princípio, diz: Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tónica que lhe dá sentido harmónico”. Eis porque: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. E a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, 15 ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 5ª ed. 2007, p.928. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 13ª edição, 2012, p. 203. 17 CUNHA, Sérgio Sérvulo. Princípios constitucionais. São Paulo: Editora Saraiva. 2. ed., 2013, p. 11/12. 16 24 conforme o escalão do principio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”18 Esta definição tradicional, repetida milhares de vezes, não traz a essência de princípio e de regra, servindo mais como vetor de interpretação. Assim, na esteira do pensamento de Roque Antonio Carraza19, que completando as lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, que, de forma concisa , afirmou generalidade, de que princípio ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. Adverte Carraza que: os princípios são encontrados em todos os escalões da pirâmide jurídica, havendo princípios constitucionais , legais, e ate infralegais,, e dentro da pirâmide jurídica, os mais importantes são os constitucionais, que irradiam sobre todo os sistema jurídico.20 Paulo de Barros Carvalho, dentro da Teoria do Construtivismo Lógico Semântico, traz a definição perfeita sob o ponto de vista lógico. Assevera o mestre: Princípio é palavra que frequenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o “início”, o "ponto de origem”, o “ponto de partida”, a “hipótese-limite” escolhida como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se movimentam as meditações filosóficas (“ser”, “não-ser”, “vir-a-ser” e “dever-ser”), além do que tem presença obrigatória ali onde qualquer teoria nutrir pretensões científicas, pois toda ciência repousa em um ou mais axiomas (postulados). Cada “princípio”, seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é sempre susceptível de expressão em forma proposicional, descritiva ou prescritiva.21 Assim, na esteira de pensamento de Canotilho, chega-se à conclusão de que “princípios são normas do sistema jurídico, que convivem ao lado das regras, sendo a 18 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso do de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 29. ed. 2012, p. 54. 19 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros Editores. 26 ed., 2010, p. 44/45. 20 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros Editores. 26 ed., 2010, p. 46. 21 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses. 2011, 4.ed., p. 264. 25 Constituição um sistema aberto de regras e princípios”22, acrescentando-se a doutrina de Paulo de Barros Carvalho, de que princípios iluminam e direcionam a compreensão do aspecto de todo o ordenamento jurídico. Neste sentido, doutrina Wagner Balera: [...] princípios são normas que descrevem o que se poderia chamar o estado ideal a ser alcançado pelo sistema. Deles derivam as regras que concretizarão, a partir das concretas situações da vida, os plano de programas tracejados pela Lei Suprema.[...] As regras, por seu turno, comandam comportamentos humanos. Estão dirigidas de modo imperativo a alguém. Impõem , proíbem ou permitem determinada conduta. São concretizações do querer do direito.23 Assim, a Constituição se vale de princípios e regras. Ambos são conteúdos de normas constitucionais. A esse respeio, interessante é a lição de Tercio Sampaio Ferraz, ao lecionar que, teoricamente, pode-se dizer o seguinte: [...] princípios são pautas de segundo grau que presidem a elaboração de regras de primeiro grau. Isto é, princípios são prescrições genéricas, que se especificam em regras. Essa distinção, formulada em tese, não é fácil, porém, de ser sustentada na análise do texto constitucional. A terminologia, mesmo teoricamente, não é pacífica - o que exige um esclarecimento terminológico 24. E o preclaro mestre reconhece que não é fácil sustentar teoricamente a distinção entre princípios e regras, de maneira que propõe os seguintes critérios para auxiliar o intérprete: 1. os princípios não exigem um comportamento específico, isto é, estabelecem ou pontos de partida ou metas genéricas; as regras, ao contrário, são específicas em suas pautas; 2. os princípios não são aplicáveis à maneira de um “tudo ou nada”, pois enunciam uma ou algumas razões para decidir em determinado sentido sem obrigar a uma decisão particular; já as regras enunciam pautas dicotômicas, isto é, estabelecem condições que tornam necessária sua aplicação (conseqüências que se seguem automaticamente); 3. os princípios têm um peso ou importância relativa, ao passo que as regras têm uma imponibilidade mais estrita; assim, princípios comportam avaliação sem que a substituição de um por outro de maior peso 22 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Portugal: Almedina Coimbra, 7. ed., 2007, p. 1160 e ss. 23 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin., 2. ed., 2010, p. 103. 24 FERRAZ JR, Tércio Sampaio. “Sistema Tributário e princípio federativo”. In: Direito Constitucional. São Paulo: Editora Manole.2007, p. 337. 26 signifique exclusão do primeiro; já as regras, embora admitam exceções, quando contraditadas provocam a exclusão do dispositivo colidente; O conceito de validade cabe bem para as regras (que ou são válidas ou não o são), mas não para os princípios, que, por serem submetidos a avaliação de importância, mais bem se encaixam no conceito de legitimidade.25 Como leciona Luis Roberto Barroso: Nos últimos anos, todavia, ganhou curso generalizado uma distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio a se tornar um dos pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, onde as normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das idéias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria26 Assim, princípio é de espécie normativa, que contém relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo de situações. Em uma democracia, os princípios frequentemente entram em colisão, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá dar-se mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na solução do caso concreto, mediante concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do possível. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato Por outro lado, Regras são normas jurídicas, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do colisão entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. “Sistema Tributário e princípio federativo”. In: Direito Constitucional. São Paulo: Editora Manole. 2007, p. 338. 26 BARROSO, Luís Roberto. “O começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro”. In: Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, Vol. III, 2 ed., pp. 14/15. 25 27 Feita esta digressão sobre princípios e regras, e partindo da premissa de que princípios são normas e, ao lado de regras, formam todo o arquétipo normativo de um sistema jurídico, será estudado e desenvolvido os princípios da obrigatoriedade da filiação, da solidariedade, da uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos, in dubio pro misero, a equidade nas fontes de custeio, as regras do mínimo existencial e regra da contrapartida em relação ao trabalhador volante, dando consistência jurídica ao enquadramento do bóia-fria no ordenamento jurídico Todo o estudo do conceito de trabalhador rural denominado volante, ou bóia-fria, dentro do universo da Previdência Social, deve partir da irradiação desses princípios e regras. Deve-se conciliar os princípios que regem a Previdência Social, em especial, os ditados pelo caput do artigo 201, da Constituição Federal, que diz que a Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, com os princípios previstos no artigo 194, II e V, da Constituição Federal, da uniformidade de tratamento entre os trabalhadores rurais e urbanos , e a equidade nas fontes de custeio da previdência social, tendo em consideração os princípios maiores, esculpidos na Carta Magna, em seus artigos 3º e 4º, que são o de construir uma sociedade solidária (art. 3º, I, e artigo 4º, II, da CF), tendo como prevalência os direitos humanos, para se buscar o enquadramento do trabalhador volante, como segurado da Previdência Social. Delimitado o que se entende por princípio e regra constitucional, serão analisados doutrinadores da área de Direito Previdenciário que especificam os princípios previdenciários reconhecidos em relação à Previdência Social, a partir da Constituição de 1988. Observa Miguel Hovarth Júnior: Os sistemas de seguridade social têm por objetivo único a erradicação das necessidades sociais, assegurando a cada um dos integrantes da comunidade o mínimo essencial para a vida em comunidade, tendo seus recursos geridos por órgãos públicos. Sua legislação tem caráter cogente e natureza de ordem pública, posto que intimamente ligada à estrutura do Estado e aos direitos do indivíduo como meio de assegurar a paz social. 27 Neste contexto, surge a necessidade de se preservar o mínimo existencial, ou mínimo vital, visando à preservação da dignidade da pessoa humana. Assim, complementando os princípios e as regras constitucionais, bem como a necessidade de ser preservar o mínimo existencial, aliado à posição da Jurisprudência dominante 27 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 79. 28 sobre a matéria, que reconhece o trabalhador volante como segurado da Previdência Social, far-se-á a classificação do trabalhador volante em relação à Previdência Social. Dentre os princípios constitucionais, previstos no artigo 194, da Carta Magna, podemos aferir sete: a) universalidade da cobertura e do atendimento; b) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; c) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; d) irredutibilidade do valor dos benefícios; e) equidade na forma de participação no custeio; f) princípio da diversidade da base de financiamento; g) caráter democrático da gestão do sistema. Estes são aplicados em todas as relações jurídicas da Seguridade Social (Assistência Social, Saúde e Previdência Social). Com enfoque no Direito Previdenciário, Miguel Horvath Júnior elenca oito princípios28: 1) Obrigatoriedade de filiação; 2) da solidariedade ou da compensação nacional; 3) da unicidade das prestações; 4) da compreensibilidade; 5) da automaticidade das prestações; 6) da imprescritibilidade do direito ao benefício; 7) da expansividade social; 8) princípio do in dubio pro operário. Serão analisados os princípios da solidariedade, da obrigatoriedade da filiação, in dubio pro operário, também alcunhado, in dúbio pro misero, e, finalmente, o princípio da equidade nas fontes de custeio. Em complementação, será esplanada a regra do mínimo existencial e a regra da contrapartida. São princípios e regras atinentes à própria gênese do trabalhador 28 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 80. 29 volante, em busca de sua classificação como segurado obrigatório da previdência social, independentemente dele, trabalhador volante, nestas condições, não recolher a devida contribuição previdenciária em decorrência de seu labor. Não recolhe a contribuição previdenciária, face à miséria em que, comumente, vive; baixa escolaridade. Possui, como único meio para sobreviver e sustentar a sua família a venda de sua mão de obra braçal, considerada de baixa qualidade, pelos tomadores de serviços rurais, como os pequenos sitiantes, donos de pequenas propriedades rurais, fazendeiros que fazem uso de sua mão de obra, por pequenos períodos de tempo e para pequenas tarefas rurais. No nosso entendimento, o trabalhador volante que trabalha na indústria canavieira que, segundo noticia André Cabette Fábio29, só no estado de São Paulo, em 2007, havia 163 mil cortadores de cana, e que o mesmo denominou de bóia-fria, não pode ser assim enquadrado. Ele trabalha para empresa canaviera e, na pior das hipóstese, assim, seria contribuinte individual (art.11, V, g, da Lei 8213/91), mas, como exerce atividade subordinada, mesmo por pequeno período de tempo, adquire a condição de empregado, estando assim , enquadrado no artigo 11, letra a, da Lei 8.213/91. Na aplicação destas normas constitucionais (princípios e regras), será deduzido que o trabalhador volante, por exercer atividade laborativa contínua para si, embora de forma eventual para o tomador de serviços, é segurado obrigatório da Previdência Social. 3.2 Princípio da solidariedade Este é um dos princípios mais importantes, que deve nortear todo o Direito Previdenciário na sua aplicação e extensão. A solidariedade é a essência da humanidade. Ser solidário com o próximo, em um momento de necessidade. O princípio é abrangente e irradia sobre todo o sistema jurídico, encontrando guarida no Direito Previdenciário. Tem normatividade constitucional explícita, nos termos dos artigos 3º, I, da Constituição Federal, sendo um dos objetivos da República Federativa do Brasil. 29 Disponível em: <http://economia.uol.com.br/agronegocio/noticias/redacao/2013/11/29/bóia-fria-da-lugar-aoperador-de-colhedora-de-cana-que-ganha-ate-r-26-mil.htm#fotoNav=5> Acesso em em 5 de dezembro de 2013. 30 Preceitua ainda o artigo 195, da Carta Magna que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, e, dentro do sub sistema, está englobado a Previdência Social. Conforme doutrina Wladimir Novaes Martinez: A origem da solidariedade referida no seguro social provém da assistência berço comum de quase todas as técnicas de proteção social. O mutualismo encampou a idéia e ela adquiriu funcionalidade. Contribuiu para isso a forma facultativa. A obrigatoriedade foi o passo seguinte na consolidação. No seguro privado, como no seguro social, a solidariedade é exigência lógica, técnica matemático-financeira. A Previdência Social surgiu no momento em que o homem compreendeu que, sozinho, ou mesmo em família, isoladamente, não poderia suportar o peso dos encargos produzidos pelos riscos sociais.30 Desde o surgimento da Previdência Social, o princípio da solidariedade aparece como direcionador de todo o sistema: princípio fundante. Superou o sistema mutualista e passou a ser gerido pelo Estado, na sua concretude, em busca da Justiça Social e banimento da miséria. Ensina Mattia Persiani que: [...] através desse sistema, efetiva-se, de fato, a solidariedade de todos que estão em condições de trabalhar e de todos que extraem do trabalho alheio uma utilidade no caso dos trabalhadores incapacitados de extrair do próprio trabalho os meios de sustento e que, de uma forma ou outra, encontram-se em situações de necessidade. Essa solidariedade não pode ser expressa por uma estrutura mutualista, na qual também se efetiva, de fato, uma solidariedade, mas que é limitada, quer quantitativamente, no âmbito dos próprios expostos a um risco, quer qualitativamente, por força da essencial característica da reciprocidade. A solidariedade efetivada com a previdência social, ao contrário, supera essas limitações. Trata-se de uma solidariedade entre quem trabalha e quem, não podendo mais fazê-lo ou não tendo podido trabalhar, encontra-se em situação de necessidade; entre quem produz e quem contribuiu com seu trabalho para essa produção.31 Em relação ao trabalhador rural volante, comulmente chamado de bóia-fria, a solidariedade complementa sua integração à Previdência Social. Quem tem mais contribui com quem tem menos; no momento da contingência e risco social, este é dividido por todos. Como doutrina Miguel Horvath Júnior: [...] solidariedade social significa a contribuição do universo dos protegidos em benefício da minoria (...) o sistema protetivo visa a amparar necessidades sociais que acarretem a perda ou a diminuição de recursos, bem como em situações que provoquem aumento de gastos. No momento da contribuição, é a sociedade quem contribui, no momento da percepção 30 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. São Paulo: Editora LTr. 1983, pp. 57/58. 31 PERSIANI, Mattia. Direito da previdência social. São Paulo: Quartier Latin, 14ª edição, 2008, pp. 92/93. 31 quem usufrui. Daí vem o pacto de gerações ou princípio de solidariedade entre gerações. Os não necessitados de hoje, contribuintes, serão os necessitados de amanha, custeados por novos não necessitados que surgem.32 A solidariedade é a espinha dorsal do arquétipo da Previdência Social. Constata Jane Lucia Wilhelm Berwanger, em relação à Previdência Rural: [...] o princípio que fundamenta com maior profundidade a Previdência Rural é o da solidariedade, na medida em que desvincula o acesso aos benefícios da contribuição, pois o direito é garantido ainda que não tenha havido qualquer contribuição durante toda a vida do segurado. Esse princípio assume maior relevância tendo em vista que está expresso na nossa Constituição e implícito ao determinar que a seguridade será financiada por toda sociedade.33 O trabalhador volante, exercendo sua atividade rural de forma contínua – ora para um tomador de serviços, por curto período de tempo, ora para outro – deveria, em tese, recolher sua contribuição previdenciária, ou alguém por ele. No caso da aplicação do princípio da solidariedade, em tese, se não houver o recolhimento, mas ocorrendo o exercício de atividade laborativa, na aplicação deste princípio, em conjunto com os demais princípios elencados acima, deve a sociedade dividir este ônus: quem contribui com mais ajuda o equilíbrio do sistema. Este princípio deve ser ponderado com os demais, principalmente com a fonte de custeio. Esse é um problema de extrema importância e gravidade, pois é dever de todos contribuir para a seguridade social, e só se torna filiado, participante do seguro social, quem contribui. No caso dos trabalhadores volantes, em decorrência da solidariedade social, deve o mesmo ser enquadrado como segurado, fazendo jus à proteção previdenciária, à luz da conjugação deste princípios. 3.3 Princípio da obrigatoriedade da filiação A origem da obrigatoriedade da filiação está no próprio surgimento do Seguro Social, que se deu na Alemanha, a seguir na Inglaterra; posteriormente, alastrou-se por todos os 32 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, pp. 81-82. BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência rural: inclusão social. Curitiba: Juruá editora, 2. ed., 3ª Reimpressão, 2011, p. 175. 33 32 países que têm um seguro social. Está ligada à própria origem da Previdência Social. Noticia Augusto Venturi que “Na Alemanha, e um pouco mais tarde, em proporções menores, na Inglaterra, foram constituídos, portando, os lugares de origem, da Previdência Social Obrigatória.”34 A obrigatoriedade é fundamental para a própria existência da Previdência Social, transferindo para o Estado a gestão e manutenção do sistema protetivo, levando-se em consideração que o trabalhador, que vende sua mão de obra, não tem, em sua maioria, possibilidade material de poupar, não prevendo as contingências, riscos e a necessidade futura. Vende sua mão de obra para a manutenção do dia a dia. Quando, na terceira idade, a saúde definha, o mesmo ficará desamparado se não contar com o seguro social. Sobressai este fenômeno, em relação ao trabalhador rural volante. Observa Miguel Horvath Júnior que o princípio da obrigatoriedade da filiação “fundamenta-se na necessidade do cálculo atuarial e do caráter cogente da relação jurídica previdenciária em relação aos segurados que desenvolvem relação de trabalho. A obrigatoriedade é essencial para caracterização do seguro social, que é custeado por contribuições dos trabalhadores, empregadores e Estado (fórmula tripartite de custeio). A adoção do princípio da obrigatoriedade de filiação ao sistema surge em decorrência da convicção de que as formas voluntárias de seguro resultaram inadequadas para a solução dos problemas decorrentes dos riscos fisiológicos e econômicos que atingiam os trabalhadores. A obrigatoriedade de filiação decorre da natureza do seguro social como forma de garantir a todos a proteção social no momento da ocorrência dos eventos geradores das necessidades sociais. É necessária a formação de um lastro contributivo que garanta segurança ao sistema.35 Complementando a ideia de necessidade e da própria natureza humana, Daniel Machado da Rocha observa que: [...] a maior parte das pessoas retira o necessário para a sua sobrevivência do seu trabalho. Como esses rendimentos são, em geral, consumidos na sua totalidade para a satisfação de necessidades materiais prementes, pouco sobra para ser poupado, não sendo possível a constituição de reservas para o enfrentamento dos riscos sociais. Outros, embora pudessem separar parte do salário para a constituição de um fundo, preferem consumir imediatamente tudo o que auferem. Caso as pessoas pudessem optar por se 34 VENTURI, Augusto. I Fondamenti Scientifici dela Sicurezza Sociale. Milano. Dott.A. Giuffrè Editore, 1954, pp. 97/98: “la Germania e, se pure assai piü tardi e in proporzioni minori, l’lnghilterra, costituirono quindi i luoghi di origine dell’assicurazione sociale obbligatoria. Da questi paesi essa prese il cammino del suo incessante sviluppo in tutto il resto del mondo e soprattutto il sistema tedesco acquistò, per la durata della sua esperienza e per l’accuratezza tecnica che lo caratterizzava, un immenso prestigio, cosicchè esercitò una predominante, anche se non esclusiva, influenza sulle successive legislazioni straniere. Questo elemento comune originário è rilevabile a qualsiasi esame dello svolgimento delia legislazione comparata dell’assicurazione sociale, nella quale si riscontra nei diversi paesi 1’esistenza di una particolare identità di principí e di metodi, anche quando i paesi stessi appartengono a sistemi giuridici difíerenti” 35 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 81. 33 filiarem ou não na previdência social, essa não teria se consolidado. Uma das razões que propiciou o êxito da iniciativa com os trabalhadores subordinados, indubitavelmente, foi a possibilidade de repassar o dever do desconto e do recolhimento das contribuições para os empresários mediante o emprego da técnica da substituição tributária - pois seria materialmente impossível fiscalizar o cumprimento dessa obrigação por parte de cada um dos trabalhadores 36 Destarte, visando à proteção do trabalho, em lenta evolução legislativa, mas desde sua origem, foi instituída a obrigatoriedade de filiação, direito cogente. De acordo com toda a evolução histórica da Previdência Social, o único modo de tornar viável o gigantesco seguro social é pela compulsoriedade da filiação e, por ser seguro, o outro lado do binômio, o dever de contribuir que dela decorre, operada pela intervenção estatal, a qual permite a transferência dos riscos individuais para toda a coletividade. Esse fato é confirmado pela análise da situação dos países europeus e latinos desde o final do Século XIX, sobressaindo a necessidade premente de ser obrigatório, a partir do término da Segunda Guerra Mundial. Atualmente, de lege lata, o fundamento constitucional encontra-se no caput do artigo 201, da Constituição Federal: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial 37 Se o regime é obrigatório, de caráter contributivo, sobressai que o trabalhador rural, denominado volante, é necessariamente filiado ao mesmo, em decorrência de sua atividade laborativa, e a falha ocorre justamente no recolhimento de sua contribuição. Cabe saleintar que, no binômio filiação obrigatória e caráter contributivo, reside, justamente, o ganho da qualidade de segurado, no caso de todos aqueles que exercem atividade laborativa. No caso dos segurados facultativos – outro é o princípio atendido –, que é o da universalidade do seguro social e dá-se ênfase à contribuição previdenciária, para que a pessoa se torne segurado da Previdência, visando a universalidade do seguro social, sem se ater à atividade laborativa desenvolvida, como autônomos, e aqueles que não exercem tal atividade. 36 ROCHA, Daniel Machado. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 152. 37 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 201, caput.. São Paulo: Vade Mecum. 7. Ed. RT, 2012. 34 Para atender ao caráter contributivo do Seguro Social, e face à pouca cultura do trabalhador rural volante ou bóia-fria, não tendo este consciência do dever de recolher a contribuição social, pois mal ganha para o seu sustento diário, estando mais assemelhado ao trabalhador empregado, caberia à pessoa que se beneficia do trabalho do mesmo, o tomador de serviços, o recolhimento da contribuição previdenciária, sendo, portanto, o trabalhador volante, face a obrigatoriedade de filiação, vinculado ao regime geral da Previdência Social. Essa é a posição majoritária da Jurisprudência dominante e o entendimento da autarquia previdenciária. Cabe, no aperfeiçoamento do sistema previdenciário, à autarquia previdenciária, por meio da Receita Federal do Brasil, aprimorar a fiscalização do recolhimento destas contribuições previdenciárias, como já tem decidido a jurisprudência. Neste sentido, confira acórdão de lavra do Desembargador Sérgio Nascimento: A trabalhadora designada “bóia-fria” deve ser equiparada à empregada rural, uma vez que enquadrá-la na condição de contribuinte individual seria imputar-lhe a responsabilidade contributiva conferida aos empregadores, os quais são responsáveis pelo recolhimento das contribuições daqueles que lhe prestam serviços . 38 O princípio da obrigatoriedade da filiação atende à universalidade de cobertura do seguro social. E sobressai, assim, a primeira classificação que se faz, entre os segurados da Previdência Social: a) segurados obrigatórios – todos aqueles que trabalham, e, em tese, recolhem a contribuição previdenciária, incidindo o princípio da obrigatoriedade de filiação b) Segurados facultativos – dar-se ênfase a contribuição previdenciária, para que a pessoa se torne segurado da Previdência, sem se ater a atividade laborativa desenvolvida, como autônomos, e aqueles que não exercem atividade laborativa, incidindo no caso o princípio da universalidade da cobertura. 3.4 Princípio da uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos Somente com a Constituição de 1988 foi normatizada a igualdade entre trabalhadores rurais e urbanos, estando esses últimos sempre à frente na conquista de direitos sociais, em face de questões históricas e sociais. Esse princípio está expresso no art. 7º, da Constituição Federal: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria 38 TRF3, AC 200703990057062, Relator Sérgio Nascimento, Décima Turma, DJU 04/07/2007, p. 340. 35 de sua condição social...”39, que, combinado com o preceituado no artigo 194, II, da Carta Magna, dá a dimensão exata do significado e reconhecimento desta igualdade. Com isso, a Constituição quis igualar todos os trabalhadores, fazendo um nivelamento normatizado de realidades díspares. Este princípio é corolário do princípio fundamental da igualdade, tendo em vista que, no regime precedente, as populações urbanas e rurais estavam sujeitas a regimes previdenciários/assistenciais distintos. Asseveram Simone Barbisan Fortes e Leandro Pausen que: [...] enquanto os trabalhadores urbanos estavam sujeitos ao regime previdenciário da CLPS, os trabalhadores rurais encontravam-se sujeitos a um regime mais propriamente assistencial do que previdenciário, o Regime do Prorural. Aos trabalhadores rurais garantia-se menor número de benefícios, e em valor menor do que aqueles prestados pela Previdência urbana. Assim, com a vinda da Constituição Federal de 1988 , determinouse a unificação dos regimes previdenciários urbano e rural, o que, na legislação inf ra cons tit ucional , foi operacionalizado na Lei 8.213/91 . Unificados os regimes previdenciário urbano e assistencial rural, operou-se se a uniformidade enquanto igualdade sob o aspecto objetivo, isto é, no que se refere aos eventos cobertos, e a equivalência enquanto igualdade sob o aspecto econômico, isto é, quanto ao valor das prestações40 Esse princípio aplica-se ao trabalhador volante, estendendo ao mesmo todos os benefícios que recebem o trabalhador urbano, como auxílio doença, uma vez reconhecida a sua atividade, e cabe aquele que se beneficia do seu trabalho o recolhimento da contribuição previdenciária. O fundamental é o reconhecimento da qualidade de segurado do trabalhador volante, que vive no meio rural; estendendo ao mesmo, todos os benefícios recebidos pelo trabalhador urbano. 3.5 Princípio da equidade nas fontes de custeio É dever de toda a sociedade financiar a seguridade social, na medida de sua capacidade econômica. É lição de Wagner Balera: A equidade na forma de participação do custeio, prevista no art. 194, V, da Carta Magna, surge como corolário do princípio da isonomia, 39 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 7º, caput. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 40 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,. 2005, p. 32. 36 estampado no artigo 5o da Constituição Federal. Apresentada sob diversos prismas ao longo do texto constitucional, a isonomia exige que a lei tanto quando editada quanto da sua aplicação não contenha quaisquer discriminações em relação às situações jurídicas em que haja equivalência de enquadramento. A contrario sensu, devem merecer tratamento diferenciado todos quantos se encontrem em situação jurídica diversa, na medida das suas desigualdades. 41 Na aplicação dos princípio, Fortes e Paulsen asseveram que: [...] por este princípio, o Estado e toda a sociedade deveriam participar, de forma direta ou indireta, do financiamento do Sistema de Seguridade Social. Além disto, a eqüidade na participação do custeio determina que ao eleger a forma como isso vai ocorrer, o legislador ordinário deve estabelecer padrões justos e razoáveis para todos os participantes. 42 É de fundamental importância, diferenciar o Sistema Previdenciário, de cunho contributivo, do Sistema Assistencial, onde as prestações são devidas independentemente de qualquer contribuição. Em relação a isso, o trabalhador volante, para que possa ser integrado ao Sistema Previdenciário, tem de contribuir para o sistema, para estar coberto pelo Seguro Social. Na medida, porém, que a Constituição exige que, no custeio, haja participação equitativa, isto é, como expressão de justiça distributiva, cada um, dentro de suas possibilidades, deve-se encontrar mecanismos para que o trabalhador bóia-fria seja integrado ao sistema, pois, em decorrência de seu trabalho, torna-se segurado da previdência social. O caminho proposto é de médio e longo prazo. Em primeiro lugar, em médio prazo, criar mecanismo legal que obrigue o tomador de serviços a recolher a contribuição previdenciária, mesmo que o trabalho do volante seja por um curto período, incentivando-o a tal prática, como se faz hoje com o empregador doméstico, do qual ocorre à isenção do imposto de renda desta contribuição previdenciária, com direito à redução do imposto de renda devido. Em segundo lugar, a longo prazo, é aumentar a educação previdenciária para todos aqueles que façam uso desta mão de obra, inclusive conscientizando, por meio da educação, o próprio trabalhador volante, a necessidade de que o empregador recolha a contribuição previdenciária devida, em decorrência do seu trabalho. 41 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin 2. ed, 2010, p. 117. 42 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 36. 37 3.6 Princípio in dubio pro operário (ou in dubio pro-misero) Já advertia, nos idos de 1983, Wladimir Novaes Martinez, que: [...] de todos os princípios de interpretação do Direito Previdenciário, o deste tópico (ao comentar o princípio in dubio pro-misero) é o que provoca maiores dissenções. Nem sempre aplicado mas muitas vezes referido, produz estupefação entre os estudiosos que, a rigor, não têm opinião firmada sobre o assunto, preferindo acostar-se nesta ou naquela posição, não resistindo à tentação de acolher o ponto de vista dos juslaboristas. 43 E esclarece o mestre: “A primeira dificuldade consiste em transportar o postulado, por inteiro , do Direito do Trabalho para o Direito Previdenciário, identificando as relações entre estes ramos do Direito Social”44 Em verdade, pela definição que é dada neste trabalho sobre princípio, de que é norma jurídica, o chamado princípio in dubio pro operário ou in dubio pro-misero, não é princípio, mas, sim critério de interpretação. Sendo assim, não deve ser aplicado no Direito Previdenciário, pois a relação previdenciária é totalmente diversa, neste aspecto, da relação laboral, pois é seguro social e tem direito ao mesmo, quem, em essência, recolhe a devida contribuição previdenciária, seja em decorrência do trabalho, seja o facultativo (que não trabalha), ou seja ainda o segurado especial, através do talonário do produtor rural. Neste sentido, é a posição do Professor Miguel Hovarth Júnior : [...] constata-se que o princípio do in dubio pro segurado ou favor operarii não deve ser utilizado extensivamente, posto que, como o sistema é contributivo, o que se concede inadequadamente a um segurado será retirado dos outros, que podem estar numa situação de necessidade social mais extrema.45 Ressalta-se que este critério de interpretação é intensamente empregado pelo Superior Tribunal de Justiça, em matéria de bóia-fria, conforme pode-se aferir do voto da Ministra Laurita Vaz, no julgamento AÇÃO RESCISÓRIA Nº 3.005 - SP (2003/0228326-2): Ressalte-se, a princípio, que esta Terceira Seção, levando em consideração as condições desiguais que se encontram os trabalhadores rurais e, adotando a solução pro misero, entendeu que deve ser considerado para efeito do art. 485, inciso VII, do CPC, o documento colacionado aos autos, mesmo que preexistente à propositura da ação originária. 43 MARTINEZ, Vladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. São Paulo: Editora LTr, 1983, p. 199. MARTINEZ, Vladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. São Paulo: Editora LTr, 1983, p. 199. 45 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8. Ed., 2010, p. 88. 44 38 Nesse diapasão, os seguintes precedentes deste Tribunal: AR 551/SP, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ de 02/02/2004; AR 1.603/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 04/08/2003; e AR 1.418/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 05/08/2002.) Este critério de interpretação deve ser repensado em matéria previdenciária, sobejado, e face às características próprias da Previdência Social, enquanto seguro social, onde existe uma grande camada da população que é miserável, abaixo da linha de pobreza, entende-se que este critério foge das diretrizes da Previdência Social, que é um sistema contributivo. Pode-se aplicar em matéria de assistência social e saúde, mas não em matéria de previdência social, que é, repita-se, seguro social. 3.7 A Regra do mínimo existencial O mínimo existencial, ou o mínimo vital, está ligado à própria sobrevivência do homem e, em seu desenvolvimento histórico, é uma matéria muito abrangente. Será feito um corte epistemólogico, o qual analisar-se-á apenas a corrrelação entre o mínimo existencial e o Direito Previdenciário. Como método, apenas será estudado o mínimo existencial, como vetor para o adequado enquadramento do trabalhador volante, ou bóia-fria no ordenamento pátrio e será util na busca da classificação do trabalhador volante, como segurado da Previdência Social. Serão mencionados os direitos positivados no rol abrangente do artigo 6º da Constitituição Federal, bem como os artigos 194 e seguintes, que tratam da Seguridade Social, temas que estão intimamente ligados ao mínimo existencial. As lições do Professor Ricardo Lobo Torres46 são de fundamental importância para se compreender a amplitude e profundidade do tema. O problema do mínimo existencial confunde-se com a questão da pobreza e tem importância muito grande na história e na afirmação dos Direitos Humanos. No Estado Patrimonial, os pobres não eram imunes aos tributos. Daí resultava uma estrutura impositiva essencialmente injusta, prejudicial à liberdade e à dignidade do homem e, permanentemente, deficitária, pelo pequeno aporte de recursos dos impostos indiretos pagos pela população carente. A Igreja incumbia aos cristãos ricos, com uma parcela dos 46 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. 39 dízimos, dar assistência social aos pobres, o que acabou por gerar o estímulo à mendicância. O relacionamento entre a fiscalidade eclesiástica e os pobres estava intimamente ligado ao elogio da pobreza e à condenação da riqueza feitos pela Escolástica. Tal atitude foi invertida a partir do iluminismo e do liberalismo, transferindo-se a assistência à pobreza para o Estado, imunizando-se o mínimo existencial contra os tributos e incentivando-se a riqueza suscetível de imposição fiscal. No Estado Social Fiscal, correspondente à fase do Estado de Bem-estar Social ou Estado-Providência, a proteção ao mínimo existencial faz-se por mecanismos paternalistas e a respectiva ideologia se aproxima da concepção de justiça social. Hoje, no Estado Democrático de Direito, aprofunda-se a meditação sobre o mínimo existencial, sob a ótica da teoria dos direitos humanos e do constitucionalismo. Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas. O direito ao mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. A Constituição de 1988 não o proclama em cláusula genérica e aberta, senão que se limita a estabelecer que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” 47, além de imunizá-lo em alguns casos contra a incidência de tributos.48 No art 6o da CF 88, que define os direitos sociais, há espaço para o mínimo existencial, tendo em vista que este se aproxima dos direitos fundamentais sociais ou, em outro giro, o mínimo existencial marca a jusfundamentalidade dos direitos sociais. Mas só o caráter topográfico da Constituição de 1988, que abre no Título II, dedicado aos direitos e às garantias fundamentais, o capítulo II, que disciplina os direitos sociais (arts. 6o a II), separando-os, entretanto, dos direitos individuais e coletivos, de que trata o capítulo I (art. 5o), não autoriza a assimilação dos direitos sociais pelos fundamentais, como bem observado por Ricardo Lobo Torres (2009). Jorge Reis Novais observa que: [...] há uma estratégia de último reduto que identifica o mínimo social con o mínimo existencial a que deveriam poder aceder todos os que, por sí sós, por incapacidade próprias ou razões circunstancias, não disponham do necessário a uma sobrevivência condigna e que, de reto, reduz a esse 47 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 3o, III. São Paulo: Vade Mecum. 7. Ed. RT, 2012. 48 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5o, itens XXXIV, LXXII, LXXIII, LXXIV, art. 153, § 4o, etc. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 40 mínimo prestações materias e de estruturação de estabelecimentos e serviços públicos essenciais todo o alcance jusfundamental, positivo e negativo, dos direitos sociais. 49 Preceitua o artigo 6ª de Constituição Federal 50 : Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição Sendo Direitos Sociais o trabalho e a Previdência Social, o núcleo mínimo para a dignidade da pessoa humana, sobressai como integrante da Previdência Social, obedecido ao mínimo existencial, o trabalhador volante rural, aquele que exerce atividade temporária e eventual, para os fazendeiros, arrendatários e donos de terra, pois caberia a estes o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas. Em termos de História recente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)51 afirma o seguinte: Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem-estar e o de sua família, especialmente para a alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle" (art. XXV); “todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelos menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnica profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito (art. XXVI). O homem do campo, trabalhador volante, carece de educação e tem como único meio de sobrevivência vender a sua mão de obra para quem quiser, para o fazendeiro, por exemplo, que a utiliza de forma eventual, embora do plano do trabalhador, seja de forma contínua e com subordinação por apenas um dia, ou um pequeno período de tempo. Como houve o trabalho, caberia ao tomador de serviços, quem se beneficiou da utilização de seu trabalho, de sua mão de obra, recolher a contribuição previdenciária, já que surge uma vinculação obrigatória ao regime da Previdência Social, obedecida a regra implícita do mínimo existencial. Desenvolvendo a ideia, a proteção do mínimo existencial, sendo pré-constitucional, 49 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Sociais: Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 194. 50 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 6º. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 51 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar. 2009, p.10. 41 está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e dignidade humana e do primado do trabalho, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. As mais importantes características da Teoria do Mínimo Existencial, da mesma maneira que acontece com a dos Direitos Fundamentais, encontram-se as de ser normativa, interpretativa, dogmática e com liame moral.52 A Teoria do Mínimo Existencial é normativa porque não se preocupa com a explicação de fenômenos, à moda das ciências sociais da realidade, mas com a concretização, a eficácia e a validade do mínimo existencial. Não é uma teoria filosófica, tampouco eis que alia aos aspectos axiológicos os deontológicos; e interpretativa, pois funciona como um dos vetores para a interpretação dos direitos fundamentais. A natureza interpretativa acompanha hoje, de um modo geral, a própria ciência do direito. Por ser interpretativa, deve-se levar em consideração que o trabalhador rural volante, face as característica do seu trabalho, sempre eventual, indo de um sítio para outro, de uma propriedade rural para outra, prestando serviços para terceiros, sempre no meio rural, é filiado obrigatório da Previdência Social, nos termos do artigo 201, da CF: 53 “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória [grifo meu], observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.” A estrutura normativa do mínimo existência é de regra; não é valor e nem princípio. Embora esteja impregnado pelos valores e princípios jurídicos os mais relevantes. O mínimo existencial não é um valor, por não possuir a generalidade e a abstração de ideias como as de liberdade, justiça e igualdade. Além disso, o mínimo existencial pode traduzir-se, para a sua garantia, em regra jurídica, o que jamais acontece com os valores. Mas o mínimo existencial deixa-se tocar e imantar permanentemente pelos valores da liberdade, da justiça, da igualdade e da solidariedade. O mínimo existencial também não é princípio jurídico por não exibir as principais características dos princípios, que são as de ser objeto de ponderação e de valer prima facie. De feito, o mínimo existencial não pode ser ponderado e vale, definitivamente, porque constitui o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, que é irredutível por definição e 52 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar. 2009, p. 26. BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 201. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 53 42 insuscetível de sopesamento. O mínimo existencial não pode ser ponderado. É tudo ou nada, conforme diz Dworkin. Sendo assim, o mínimo existencial é regra, porque se aplica por subsunção, constitui direitos definitivos e não se sujeita à ponderação. Como bem observado por Ana Paula de Barcellos54 em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo vital: [...] há um núcleo de condições materiais que compõe a noção de dignidade de maneira tão fundamental que sua existência impõe-se como uma regra um comando biunívoco, e não como um princípio. Ou seja: se tais condições não existirem, não há o que ponderar ou otimizar, ao modo dos princípios; a dignidade terá sido violada, da mesma forma como as regras o são. O conteúdo essencial é o núcleo intocável e irrestringível dos direitos fundamentais (da liberdade ou sociais). Constitui limite para a atuação dos poderes do Estado. O tema do conteúdo essencial desenvolve-se, sobretudo, em torno das questões ligadas às restrições a direitos fundamentais. A fixação do "mínimo vital" variará de acordo com o conceito que se tiver de necessidades básicas. O problema é tormentoso, pois concerne à decisão política do legislador. Este deverá basear-se, à falta de normas constitucionais específicas, no que, numa sociedade dada, razoavelmente se reputar "necessidades fundamentais do indivíduo e de sua família". Concluise este que o mínimo existencial é um conteúdo do direito fundamental, e é uma proteção pré-constituicional, inerente à pessoa humana, cujo fundamento reside na dignidade da pessoa humana e nas condições da liberdade e varia de acordo com o espaço e o tempo. Em relação ao trabalhador volante, a regra do mínimo existencial é diretriz de intepretação para o reconhecimento do mesmo como segurado da Previdência Social, em virtude da sua atividade atividade laborativa, vender sua mão de obra para terceiros: consequentemente, ser remunerado. Esta regra, pode muito bem substituir o falso princípio do in dubio pro misero, ou in dubio pro-operário, na aplicação da Jurisprudência dos Tribunais, criando a norma concreta e individual, na aferição e enquadramento do trabalhador volante, junto a previdência social. Exerce o trabalhador bóia-fria sua atividade laborativa no meio rural em caráter eventual em relação ao empregador, mas, para si, em caráter permanente. Ao exercer seu labor, tem-se que o trabalho, como valor social, é sua única forma de sobrevivência, e todos aqueles que trabalham – em tese – são filiados da previdência social; portanto, devem ser 54 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 3.ed, 2011, p. 245. 43 cobertos pelo seguro social. Prestigia-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana e a regra do mínimo existencial funcionará perfeitamente, para a interpretação sistemática, do que o mesmo é Segurado da Previdência Social, substituindo assim o falso princípio do in dubio pro misero, que é estranho ao Seguro Social, pois, na realidade, engloba um grande número de necessitados e miseráveis. A maioria dos segurados rurais da previdência social é pobre, quase abaixo da linha da miséria, recebendo, em média, um salário mínimo para a sua sobrevivência e a de sua família. Assim, a regra do mínimo existencial vem ao encontro dos desígnios dos Objetivos da Seguridade Social, e em especial, da Previdência Social. Como regra, deve ser aplicada, sem nenhuma ponderação, em busca da proteção do trabalhador volante rural. 3.8 Regra da Contrapartida Completando o princípio da equidade nas fontes de custeio, temos a regra da contrapartida, ou também denominada de regra da precedência de custeio. Essa está prevista, constitucionalmente, no artigo 195, § 5º, da CF55: “Nenhum beneficio ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total” Asseveram Wagner Balera e Cristiane Miziara Mussi 56: Há necessidade de que primeiro exista a fonte de custeio para depois ser criado o benefício. Neste passo, a criação, majoração ou extensão de benefício está condicionada à existência da correspondente fonte, que concorra para o custeio total. Com isso, quer o constituinte proteger o equilíbrio financeiro do sistema, elemento sem o qual não será possível o cumprimento das finalidades da seguridade social. Toma-se necessária ampla avaliação técnica e atuarial do sistema. A regra da contrapartida é componente fixo a ser considerado, assim no plano plurianual, como no orçamento da seguridade social. Nenhum seguro - e a seguridade é expressão maior do seguro - pode existir sem previsão. Sobressai desta regra, complementada pelo princípio da equidade das fontes de custeio, sobre a necessidade do recolhimento da contribuição do trabalhador volante ou bóiafria. Na realidade, o benefício já existe, e o trabalhador volante tem que recolher a 55 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, art. 195, § 5º. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 56 BALERA, Wagner; MUSSI, Cristiane Miziara. Direito previdenciário. São Paulo: Editora Método, 2009, p. 40. 44 contribuição previdenciária, por algum mecanismo, levando em consideração todos estes princípios estudados. E o melhor mecanismo, neste caso, de lege ferenda, é que seja o tomador de serviços, em substituição tributária, encarregado de recolher a contribuição previdenciária do mesmo. Devem ser criado, para tanto, incentivos para que isso aconteça, como no caso dos empregadores domésticos, a quem é dado abatimento do imposto de renda, sobre as contribuições recolhidas de seu empregado. No caso do trabalhador volante ou bóia-fria, com as ferramentas de informática disponíveis, a Receita Federal do Brasil tem condições de elaborar e executar um projeto desta magnitude, com a criação de Cadastro Nacional de Trabalhadores Rurais Volantes, possibilitando ao tomador um mecanismo de fácil uso, para que o mesmo recolha a contribuição previdenciária devida. De posse dos princípios da solidariedade, da obrigatoriedade da filiação, a uniformidade entre trabalhadores rurais e urbanos, aliado ao princípio da equidade nas fontes de custeio, afastando o chamado princípio in dubio pro-misero, e aplicando a regra do mínimo existencial e regra da contrapartida, constata-se a dificuldade do enquadramento do bóia-fria enquanto segurado da previdência social, que será estudado a seguir. 45 4 DA DIFICULDADE DO ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA ENQUANTO SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL A grande dificuldade do enquadramento do bóia-fria, ou trabalhador volante, enquanto segurado da previdência social, é decorrente da falta de recolhimento da contribuição previdenciária por parte do trabalhador volante, que o torne segurado obrigatório, apesar de exercer atividade laborativa. Para resover tal situação, falta disposição normativa expressa. O que disciplina a matéria, em primeiro lugar, é o artigo 11, da Lei 8.213/91 57– que determina quais são os segurados obrigatórios da Previdência Social. Na dicção legal, o que melhor se aproxima da definição de trabalhador volante é: Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: V - como contribuinte individual: g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego. Em uma primeira leitura deste disposto, sem a devida sistematização, poder-se-ia enquadrar o trabalhador rural volante como contribuinte individual. Dissecando a norma, para ser contribuinte individual, o trabalhador eventual deve prestar serviço a uma ou mais empresas, sem relação de emprego; na maioria dos casos, não é o que acontece: o trabalhador volante presta serviços para pessoas físicas, fazendeiros, arrendatários, ou mesmo para sitiantes, que não podem ser considerados empresas, logo não se enquadra no conceito de contribuinte individual. O bóia-fria, em um primeiro momento, não é empregado, não se enquadrando na letra “a”, do artigo 11, da Lei 8.213/91, do dispositivo acima, pois falta o elemento de trabalho permanente em relação ao empregador, pois em relação a ele, exerce atividade rural eventual. Muitas vezes, ao prestar serviço rural eventual para um fazendeiro, a figura do empregador desaparece, na definição dada pelo Direito do Trabalho: se não há empregador, fica desfigurada a relação trabalhista. 57 Não é contribuinte individual, pois presta serviço de BRASIL Lei 8.213/91. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 46 natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a proprietários de imóveis rurais, e não somente à empresas, além de não ter relação de emprego. Agora, o denominado trabalhador bóia-fria, na indústria canavieira, no nosso entendimento é empregado. Não é contribuinte individual, pois exerce atividade permanente, em relação à empresa canaviera, mesmo por um pequeno lapso de tempo, e sob subordinação. Interessante é a definição dada pela Legislação Previdenciária, no artigo 15, da Lei 8.212/91: Art.15. Considera-se: I – Empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta ou indireta e fundacional Comentando este artigo, Wagner Balera esclarece que “o conceito de empresa aproxima-se daquele estabelecido pela Consolidação das Leis de Trabalho, Art.2º, mas mostra-se mais amplo do que aquele firmado pelo diploma laboral 58” Já o artigo 2º, da Consolidação das Leis de Trabalho preceitua que: “Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço59”. Como adverte Amauri Mascaro Nascimento, “a empresa, sob o ângulo trabalhista, interessa apenas de um modo: como organização que tem empregados e que portanto deve cumprir não apenas fins econômicos mas também sociais60” Do ponto de vista Previdenciário, apesar de o conceito de empresa ser bastante amplo, não existindo uma definição diferenciada do que seja empresa, no Direito Civil Comercial e previdenciário deve-se ater ao conceito de empresa do Direito Civil, e, nesta diapasão, é a lição de Simone Barbisan Fortes e Leandro Pausen61, lição esta que se adere. Grande é a problemática do conceito de empresa no Direito Previdenciário, e atinge diretamente a classificação do trabalhador rural volante, ou seja, se presta serviço para BALERA, Wagner. Legislação Previdenciária Anotada – Leis 8212/91 e 8213/91. São Paulo: Conceito Editora, 2011, p. 44”. 59 Consolidação das Leis de Trabalho art. 2º. 60 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, 19ª edição, p. 607. 61 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 377. 58 47 empresa, na dicção da letra g, do artigo 11, da Lei 8.213, vem a ser enquadrado como contribuinte individual, se não, outra será a classificação adotada. Art. 11, da Lei 8.213: São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas física: .................................. g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego. A Lei 8.212/91, por sua vez, dá a definição do que se entende por empresa: Art. 15. Considera-se: I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional; Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço(destaquei), bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras. Neste cipoal legislativo, entendemos que o trabalhador volante não se enquadra na dicção normativa do artigo 11, V, g, da Lei 8.213/91. Expliquemos nosso raciocínio. Partimos do pressuposto que o Direito deve ser interpretado e aplicado sistematicamente. Um determinado instituto, ou conceito, consagrado em uma disciplina, não pode ser moldado, com definição totalmente diversa, na aplicação de outra disciplina. É o que acontece, por exemplo, com o instituto da propriedade. Esta, é definida no Código Civil, e não poder ter outra definição em outro ramo do Direito. O conceito de propriedade, é o mesmo no Direito Civil, penal, tributário, etc. Por isso, a norma do artigo 110 do Codigo Tributário Nacional: Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado (destaquei), utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal (destaquei), pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. 48 O conteúdo axiológico desta norma se encaixa como uma luva, no Direito Previdenciário. Este não pode alterar conceito de Direito Privado já consagrado, modificando a essência de institutos, com o objetivo de criar, modificar, para alargar o conceito de abrangência , visando o alargamento e responsabilidade tributária dos contribuintes. Exemplo notório é o conceito de empresa. Se a lei define – com inteira propriedade – o que se entende por contribuinte individual, no caso aqui estudado, é aquele “quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego”, o conceito de empresa tem que ser aqui tomada restritivamente, na sua definição de Direito Privado, porque, ser contribuinte individual, tem o ônus, dele, recolher sua contribuição previdenciária, para ter direito as prestações da Previdência Social. A Lei 8.212, no artigo 15, I, já dá um conceito bastante abrangente de empresa “(I empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional)”. O seu parágrafo único, é uma aberração: equipara empresa a contribuinte individual, em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras. Esta equiparação, que quer dizer igualdade, equivalência, sinônimo de equivalente, foge totalmente ao sistema jurídico. Vejamos: O artigo 11, da Lei 8.213/91, em seu inciso V, arrola sete hipóteses de contribuintes individuais: a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§ 9o e 10 deste artigo; b) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade de extração mineral - garimpo, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos, com ou sem o auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua; c) o ministro de confissão religiosa e o membro de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa; ................................. 49 e) o brasileiro civil que trabalha no exterior para organismo oficial internacional do qual o Brasil é membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social; f) o titular de firma individual urbana ou rural, o diretor não empregado e o membro de conselho de administração de sociedade anônima, o sócio solidário, o sócio de indústria, o sócio gerente e o sócio cotista que recebam remuneração decorrente de seu trabalho em empresa urbana ou rural, e o associado eleito para cargo de direção em cooperativa, associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, bem como o síndico ou administrador eleito para exercer atividade de direção condominial, desde que recebam remuneração; g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego; h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não; Transformar todos estes em empresa, simplesmente pelo fato de ter segurado que lhe preste serviços, mesmo de forma eventual, é modificar totalmente o conceito de empresa. Exemplo típico , que conduz ao absurdo, por exemplo, é um pastor evangélico, proprietário de um pequeno sítio, contratar mão de obra de um trabalhador volante, para fazer uma cerca. Pela dicção do parágrafo único do artigo 15, da Lei 8.212/91, ele estaria assemelhado a empresa. Assim, esta equiparação é de toda inverossímil. Na letra g, teríamos então , uma definição assim: será contribuinte individual quem presta serviços de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a um ou mais contribuintes individuais, sem relação de emprego. A equiparação de empresa, com pessoas físicas, para fins previdenciários, para fins de enquadramento, visando, em ultima ratio, à arrecadação tributária das contribuições previdenciárias, em relação ao trabalhador volante, não se encaixa. Primeiro, esta equiparação foge a toda a sistemática do Direito: Empresa, tem um sentido no Direito Privado, que não pode ser modificado pelo Direito Previdenciário. Hoje o conceito de empresa atingiu nível constitucional. Destaca-se, entre outros, a previsão da empresa como fonte de custeio da Seguridade Social (artigo 195, I, da CF). Foi previsto regime jurídico distinto para micro empresas e empresas de pequeno porte (art,146, III, d, artigo 170, IX, 179 e artigo 47, § 1da ADCT), e assim, não pode a legislação previdenciária criar um conceito próprio de empresa, equiparando, simplesmente como pessoa física contribuinte individual. O conceito de empresa deve seguir a definição do Código Civil: 50 a) São pessoas jurídicas de direito privado as empresas individuais de responsabilidade limitada (artigo 44, VI, do CC); b) Deve seguir todo o preceituado no Livro II, do Direito de Empresa, previsto no Código Civil. A atividade empresarial é rica em detalhes, e a sua legislação é coerente. Simplesmente, equiparar para os efeitos das Leis 8.212/8.213, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, é fazer tabula raza de toda a sistematização do Direito, é criar definição nova, em instituto já consagrado, e fere de morte a unidade do Direito. O direito não deve fugir da linguagem natural. Pequenos proprietários rurais, em regime de economia familiar, não pode ser confundido com empresa, pois tem sua conceituação delineada pela Constituição e não são contribuintes individuais. No caso, o trabalhador volante, em sua maioria, presta serviços, de forma permanente para si, mas, eventual para o tomador de serviços, que em muitos casos, são arrendatários, pequenos sitiantes, fazendo cercas e trabalhos braçais rurais esporádicos, e assim, como não prestam serviços para empresas, no sentido dado pelo Código Civil, não são contribuintes individuais. A equivalência prevista no parágrafo único, do artigo 15, da Lei 8.212/91, do conceito de empresa, não pode ser de forma por demais elástica, sob pena de ofensa ao sistema jurídico, e não atinge ao trabalhador volante. No nosso entendimento, não pode ser considerado empresa, a pessoa física pequeno proprietário rural, ou arrendatário, ou qualquer pequeno tomador de serviços rurais, que não foram constituídos por empresas, nos moldes do Código Civil. Evidentemente não pode ser enquadrado como segurado especial, pela própria definição se segurado especial , que encontra guarida na Constituição Federal 62. 62 BRASIL Constituição Federal art. 195 § 8º: O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei), e explicitado pelo § 1º, do artigo acima transcrito: § 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 51 A definição dada para trabalhador rural volante, comumente chamado de “bóia-fria”, segue a lição de Almir Pazzianoto Pinto 63: O trabalho rural que é formado pela prestação autônoma e temporária de serviços braçais onde ao invés de um contrato empregatício completo, apresenta-se uma relação triangular ou bilateral, quase sempre informal, e da qual participam: 1) o trabalhador; 2) o intermediário, também conhecido como "turmeiro" ou "gato" (podendo este estar presente ou não); e 3) o tomador de serviços, um fazendeiro, um pequeno ou médio sitiante e até o mero arrendatário. Se o prestador de serviços, for empresa, e não tiver a intermediação do turmeiro (conhecido vulgarmente como gato), estaremos diante de contribuinte individual, conforme visto acima, caso não se enquadre na figura de empregado, como acontece na indústria canavieira, onde o cortador de cana, erroneamente denominado bóia-fria, trabalha sob ordens e subordinação de seu empregador, que no caso, é empresa. Aflora a dificuldade do enquadramento do trabalhador volante, pois o mesmo está em um limbo jurídico, mas, com fundamento nos princípios acima estudados e nas decisões jurisprudenciais, chega-se à conclusão de que o mesmo é segurado obrigatório da previdência social, na qualidade de segurado empregado, devendo, aquele que é beneficiário do serviço (o tomador de serviço), recolher a contribuição previdenciária devida. Para se chegar a esta conclusão, parte-se da premissa do Professor Wagner Balera: “Quem quer que trabalhe, no Brasil, deve ser enquadrado como segurado obrigatório.”64 Desenvolvendo-se a ideia, face aos princípios e regras constitucionais, e aplicando-se a Teoria da Argumentação Jurídica, dos precedentes jurisprudenciais, enquadra-se o trabalhador rural volante como segurado obrigatório da Previdência Social. 4.1 Aspectos diferenciais na conceituação do trabalhador rural no Direito Trabalhista e Previdenciário Esclarece Wagner Balera: [...] há conceitos previdenciários que são, a seu modo, decisivos para a correta compreensão de certas modalidade de relações de trabalho. Sem embargo, os próprios conceitos previdenciários podem derivar da tipicidade normativa, descritos de modo cabal pelo legislador, sem que se lhes possa PINTO, Almir Pazzianotto. “O Trabalhador Rural Volante”. In: Revista LTr Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo: Ano 48, nº 06, junho, 1984. 64 BALERA, Wagner. “Conceitos Previdenciários e Direito do Trabalho”. In: Doutrinas Essenciais – Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Vol V. 2012, p.324. 63 52 ampliar o conteúdo e o alcance .65 Assim, primeiramente, serão buscados subsídios na doutrina e jurisprudência trabalhista, para ver como ela se posiciona em relação ao trabalhador volante ou bóia-fria. Também procurar-se-a constatar a diferenciação e o modo de interpretação da Jurisprudência Trabalhista, em relação ao reconhecimento do vínculo trabalhista, e a interpretação dada pelos Tribunais Federais, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça e da Turma Nacional de Uniformização, para o reconhecimento do vínculo previdenciário, com a proteção do trabalhador rural bóia-fria. O âmago da questão está na definição de trabalhador rural, para fins de proteção da relação de emprego: enquanto a doutrina e jurisprudência trabalhista dão ênfase à figura do empregador, a jurisprudência dos Tribunais Federais dá ênfase à do empregado, bem como no âmbito administrativo, da atividade do trabalhador rural. 4.1.1 Definição do trabalhador rural sob a perspectiva do Direito Trabalhista O Direito Trabalhista definiu e sempre estudou o trabalhador rural, como uma exclusão do regime da Consolidação das Leis do Trabalho, levando-se em consideração o artigo 7ª, “b”, da CLT66: Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais. Russomano, ao comentar este artigo da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1955, defendeu a ideia de exclusão dos trabalhadores rurais desta legislação, afirmando não haver BALERA, Wagner. “Conceitos Previdenciários e Direito do Trabalho”. In: Doutrinas Essenciais – Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, Vol V. 2012, p.323. 66 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Art. 7º. Vade Mecum. 7. Ed. São Paulo: RT, 2012. 65 53 lide no campo, e que a vida rural, face a sua simplicidade, seria de difícil legislação, pois, em um verdadeiro paradoxo, o que é simples, não é fácil de ser legislado.67 Já no evoluir de seu pensamento, Russomano68 reconhece que só, penosamente, pouco a pouco, o trabalhador rural, em princípio excluído da CLT, conquistou direito na ordem jurídica nacional, e que o clima de tensão chegou ao campo, surgindo o Estatuto do Trabalhador Rural, em 1962, revogado pela Lei 5.889/73. Russumano sempre foi contra a unificação uniforme e a extensão dos direitos dos trabalhadores urbanos aos rurais, acreditava que viria um dia em que se faria uma regulamentação específica para o trabalho rural. Interessante é a sua visão, ao destacar que: E quando se legislar, a fundo, sobre a matéria, será necessário que se tenha em vista a grande extensão territorial do país. Os preceitos trabalhistas são sempre recebidos com reservas pelos detentores dos meios de produção, pois aqueles preceitos limitam suas oportunidades de arbítrio econômico e jurídico. De modo que tais preceitos, revestidos de caráter imperativo ou proibitivo, necessitam ser, quando preciso, rapidamente, postos em movimento, ou a priori, pela fiscalização administrativa do Ministério do Trabalho, ou a posteriori, através da ação judicial perante a Justiça do Trabalho. Ora, para que isso se torne possível, será indispensável que se estenda, pelo país, uma rede imensurável e eficiente de polícia administrativa de fiscalização judiciária, para fiel cumprimento das leis. 69 Já Arnaldo Süssekind dá a definição de trabalhador rural, ou melhor, empregado rural, levando em consideração a Lei 5.889/93, com as alterações da Lei 11.718/2008, mas dando ênfase a figura do empregador, com destaque para o princípio da uniformidade entre trabalhador urbano e rural: O art. 7o da Constituição enfatiza, no seu caput, que os direitos nele relacionados são igualmente aplicáveis aos trabalhadores urbanos e rurais. Mas o trabalhador rural é beneficiário de algumas disposições especiais. Obviamente, só no campo pode haver trabalho rural; mas nem todos os que nele trabalham são rurícolas. Os empregados de hotel, armazém, farmácia, bar, indústria de transformação etc., ainda que os respectivos estabelecimentos se localizem no campo, não são trabalhadores rurais. O conceito destes decorre da circunstância de prestarem serviços em empreendimentos agroeconômicos. Daí a importância da definição legal de empregador rural: “a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente 67 RUSSOMANO, Victor Mozart. Comentários à consolidação das leis do trabalho. Rio de Janeiro: José Konfino , Vol. I, 3 ed., 1955, p. 66/67. 68 RUSSOMANO, Victor Mozart. O empregado e o empregador no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 7 ed, 1984. 69 RUSSOMANO, Victor Mozart. O empregado e o empregador no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 7 ed, 1984. pp 136/137. 54 ou temporária, diretamente, ou através de prepostos e com auxílio de empregados” (art. 3o, caput, da Lei n° 5.889/73). Por via de consequência, empregado rural é [...] a pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviço s de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário” (art. 2o da Lei n° 5.889/73)70 Amauri Mascaro Nascimento, doutrina que : [...] sujeitos do contrato de trabalho rural são, de um lado, o empregador, assim entendida toda pessoa que exerce atividade agroeconômica, inclusive a exploração industrial em estabelecimento agrário, e, de outro lado, o empregado rural. Empregado rural é o trabalhador que presta serviços em propriedade rural, continuadamente e mediante subordinação . Assim, será considerado como tal o trabalhador que cultiva a terra, que cuida do gado, e o pessoal necessário à administração da empresa ou atividade rural 71. Portanto, da análise da doutrina trabalhista, dá-se ênfase à figura do empregador rural, partindo-se da definição do artigo 2ª, da Lei 5889/73, para se chegar a conceituar o empregado rural: “Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”. Onde não houver empregador rural (artigo 3º, da Lei 5889/73) não haverá empregado rural. O enfoque do Direito Previdenciário é diverso, dando-se ênfase à atividade desenvolvida pelo trabalhador rural e traz consequências interessantes, possibilitando o reconhecimento do trabalhador volante, como segurado da previdência social, mesmo não havendo na relação jurídica material a figura do empregador rural. 4.1.2 Definição do trabalhador rural, sob a ótica do Direito Previdenciário Miguel Horvath Júnior define trabalhador rural, da perspectiva previdenciária, aduzindo que: [...] com a edição da Lei 8.213/91, baseada no princípio da universalidade de cobertura e atendimento, e que cumpriu o princípio constitucional da uniformização e equivalência dos benefícios entre a população urbana e 70 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar. 4.ed. 2010, pp. 125/126. 71 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Saraiva. 19 ed. 2004, p. 944. 55 rural, é trabalhador rural todos os que exercem atividade rural e podem ser enquadrados nas seguintes categorias: empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial, levando-se em conta a forma do exercício de atividade. 72 E o preclaro professor, levando em consideração a atividade dos trabalhadores rurais, classifica-os como segurados obrigatórios da previdência social, pois exercem atividade remuneradas, de natureza rural, de forma efetiva ou eventual. Assim se manifesta: [...] são trabalhadores rurais, segurados obrigatórios da Previdência Social, em decorrência da atividade exercida, o tirador de leite, vaqueiro, empregado de agroindústria e agropecuária que atua no setor agrário, safrista, volante, eventual, temporário, etc. 73 Observa Marcel Cordeiro, que “a delimitação previdenciária do trabalhador rural está centrada na atividade do profissional e não na natureza econômica do empregador”74. Fortes e Paulsen, ao comentar o artigo 11, I, da Lei 8.213/91 e o artigo 12, I, da Lei 8.212/91, em relação aos segurados obrigatórios, classificam que empregado (art. 11, a, da Lei 8213/91: “é aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado)”75, e aduzem que: [...] trata-se de empregado no conceito trabalhista: aquele que presta serviço, urbano ou rural, com os típicos caracteres da pessoalidade, não eventualidade, subordinação e remuneração. Exemplos de segurado empregado, no meio rural, seriam o capataz de fazenda, o vaqueiro, o bóia-fria, o tirador de leite, o safrista. 76 (grifo meu) A ênfase dada é de que há relação com a atividade de trabalhador no meio rural, mesmo que esse indivíduo não seja empregado, na definição trabalhista do termo, pois falta o vínculo de permanência, a não eventualidade. Conforme esclarece Jane Lucia Wilhelm Berwanger: [...] importância da definição correta e justa do empregado rural deve-se a duas questões: primeiro, porque até novembro de 1991 o trabalhador rural 72 HORVATH Júnior, Miguel. Dicionário analítico de previdência social. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 206. 73 HORVATH Júnior, Miguel. Direito previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 8 ed. 2010, p.158. 74 CORDEIRO, Marcel. Previdência social rural. São Paulo: Millenium Editora Campinas, 2008 p. 127. 75 FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 59. 76 IDEM 56 comprova tão somente a atividade rural, ou seja, não se lhe exige contribuição referente ao período anterior à Lei 8.213/91; segundo, porque essa lei prevê redução de idade em cinco anos para os trabalhadores rurais. As interpretações equivocadas resultam que o trabalhador rural acaba por não conseguir acesso especialmente à aposentadoria por idade. Em geral essa questão acaba sendo dirimida na Justiça, que, em regra, tem reconhecido a qualidade de empregado rural a esses trabalhadores.77 (grifo meu) No âmbito administrativo, temos o Parecer/CJ Nº 2.522, de 09 de agosto de 2001, DOU de 16/08/200178, de Carlos Augusto Valenza Diniz, encapado pela Administração Previdenciária que conclui que: [...] Assim, temos que os trabalhadores que, comprovadamente, desempenham atividades rurais, independentemente da natureza da atividade do empregador, têm direito ao prazo reduzido, previsto no art. 201, § 7º, inciso II da Constituição Federal, para fins de concessão de aposentadoria por idade.” Assim, é nítida a diferença conceitual utilizada entre o Direito do Trabalho, e o Direito Previdenciário: enquanto o Direito do Trabalho dá ênfase à figura do empregador para definir a relação jurídica do trabalho, o Direito Previdenciário dá ênfase à atividade desenvolvida pelo trabalhador. Por isso que Wagner Balera aduz que “quem trabalha no Brasil, é segurado obrigatório da Previdência Social”. Isso traz consequências jurídicas para se conceituar o segurado obrigatório da Previdência Social. 4.1.3 DEFINIÇÃO DE TRABALHADOR RURAL NA LEGISLAÇÃO O Estatuto do Trabalhador Rural, Lei 4.214, de 2 de março de 1963, em seu artigo 2ª, foi pioneiro, em termos legislativos, na tentativa de definir o conceito de trabalhador rural. Está assim vazado: “Art. 2.°. Trabalhador rural, para os efeitos desta lei, é tôda pessoa física que presta serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro.” 77 BERWANGER, Jane Lucia, op. cit, pag. 88. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/60/2001/2522.htm>. Acesso em: 1º de setembro de 2013. 78 57 Esta definição recebeu severas críticas. Uma delas é de Russomano que, ao comentar este artigo, anotou o desvirtuamento do conceito de empregado rural e como este preceito normativo se distanciou do conceito adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho. Observou que: [...] O trabalhador rural que presta serviços eventuais não está ao abrigo do Estatuto. Essa é a regra geral. Esse é o princípio. Apenas, por exceção, quando o serviço eventual se estender por prazo superior a um ano (incluídas as prorrogações), o trabalhador eventual será considerado permanente, passando, então, a ser protegido pelas normas do Estatuto. E’ o que declara, de modo expresso, o art. 6.° do Estatuto. Se foi necessário um dispositivo expresso para declarar que o trabalhador rural provisório, avulso ou volante, só se equipara ao trabalhador permanente, para os efeitos do Estatuto, quando sua atividade na emprêsa ultrapassar o prazo de doze meses, é claro que, fora da exceção legal, os trabalhadores eventuais (provisórios, avulsos ou volantes) não terão os benefícios da lei em vigor. 79 Constata-se que o Estatuto do Trabalhador rural traz, sem dar a definição, pela primeira vez, colocando a margem de proteção, o trabalhador volante. Em seu Artigo 6º diz: “Desde que o contrato do trabalhador rural provisório, avulso ou volante [destaquei] ultrapasse um ano, incluídas as prorrogações, será o trabalhador considerado permanente, para todos os efeitos desta lei.” O Estatuto do Trabalhador Rural reconheceu a existência do rural volante, mas, devido ao seu caráter provisório de trabalho rural em relação ao empregador, não lhe deu proteção. É justamente a marca de provisoriedade em relação ao empregador, e o trabalho desenvolvido frente a fazendeiros, a proprietários de terra rural, que caracterizam o trabalhador volante, com a intermediação ou não de terceiros, também conhecidos como turmeiros, ou gatos. Muitos trabalhadores volantes desenvolvem a sua atividade rural, prestando serviços em caráter temporário, para proprietários rurais, não necessariamente produtor rural, podendo haver ou não intermediação desta mão de obra. Nova definição legislativa foi dada pela Lei 5.889 de 8 de junho de 1973, que estatuiu novas normas reguladoras do trabalho rural e deu outras providências, deixando de fora da proteção, os trabalhadores volantes: Art. 1º As relações de trabalho rural serão reguladas por esta Lei e, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. ................... 79 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários ao estatuto do trabalhador rural. 2. ed.. São Paulo: Editora Revisa dos Tribunais, 1969, vol. 1. p. 16/17. 58 Art. 2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. (destaquei) Analisando este dispositivo legal, constata-se a exclusão do trabalhador volante, pois o mesmo presta serviços de natureza eventual, hoje em uma propriedade rural; na semana que vem, ou um lapso curto de tempo, em outra propriedade rural, a proprietário de terra, não necessariamente empregador rural. Observa Hugo Gueiros Bernardes, um dos juristas que ajudaram na confecção da Lei 5889/73: Interessa-nos aqui, porém, principalmente, o conceito de empregado e de empregador rural (arts. 2.°, 3.° e 4.° da Lei 5.889/73). A rigor, distingue-se o trabalhador rural do trabalhador urbano por prestar serviços em “propriedade rural ou prédio rústico”. Ao contrário do trabalho urbano, o que realmente vai distinguir a relação de trabalho rural é o conceito de empregador rural . O conceito de trabalhador rural, nesses termos, é mais abrangente que o de empregado: não contém exigência tão enfática no tocante a subordinação e a continuidade: a exigência de ser permanente ou temporária a prestação de serviços pode conter ou não a continuidade, admitida sempre a intermitência; a exigência de existir um explorador econômico da propriedade apenas induz a subordinação, sem torná-la condição essencial do vínculo. O empregador não o é apenas em razão de possuir propriedade rural, mas, principalmente, de explorá-la profissionalmente, mesmo que por conta de terceiros (art. 4.° da Lei 5.889/73). Mais se reforça, pois, a certeza de que o empregador rural é que é importante para a existência da relação de emprego: de sua definição é que derivam as exclusões cabíveis, segundo a lei. Quais seriam, pois, essas exclusões? Locação de serviços, parceria, empreitada, trabalho doméstico, safrista urbano (que é empregado urbano), autônomos e avulsos (Volantes ou provisórios). Trabalhadores em propriedade familiar — são um caso à parte )80 (destaquei) Interessante observar a Jurisprudencia trabalhista: para definir a relação de empregado, a própria proteção trabalhista, leva em consideração a figura do empregador, enquanto que a jurisprudência dos Tribunais Federais, bem como do Superior Tribunal de Justiça, leva em consideração a atividade do trabalhador, como visto na doutrina previdenciária, do emprego, a nível previdenciário, para a real proteção do trabalhador rural bóia-fria. Para finalizar este tópico, chama a atenção à dicção do artigo 17, da Lei 5.889/73: 80 BERNANDES, Hugo Gueiros. São Paulo, LTr, 1989, pp 151/152. 59 “As normas da presente Lei são aplicáveis, no que couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição do art. 2º, que prestem serviços a empregador rural” Amauri Mascaro Nascimento aduz que: “A Lei 5.889 é aplicável a todo trabalhador rural e não apenas aos empregados rurais (artigo 17). Amplia-se, assim, o âmbito de proteção jurídica ao campo do eventual. Há base legal, portanto, para a construção de uma jurisprudência protecionista do bóia-fria”. 81 (destaquei) Com fundamento neste artigo, Eva Regina Turano Duarte da Conceição desenvolveu argumentação de que o bóia-fria pode ser enquadrado como segurado empregado: Repete-se assim, na esfera previdenciária, a mesma polêmica que ocorre na esfera trabalhista com relação aos denominados “bóias-frias”, “paus-de-arara”, volantes ou diaristas, assim considerados aqueles trabalhadores que desempenham a sua atividade em várias localidades rurais, para empregadores rurais diversos. Levando-se em conta que o artigo 17 da Lei 5.889, de 08 de junho de 1973, manda aplicar, “no que couber”, os seus dispositivos aos trabalhadores não empregados, a jurisprudência de nossos tribunais trabalhistas tem caracterizado a relação de trabalho como de emprego, na medida em que esteja presente o pressuposto da subordinação, mormente naquelas situações em que a prestação do trabalho é continuada, no mesmo serviço, por mais de 30 dias82 Com esta constatação de que há possibilidade da interpretação abrangente do artigo 17 da Lei 5.889, passar-se-á ao próximo tópico. 4.2 Conceito de trabalhador rural volante na doutrina O trabalhador rural volante, também conhecido como trabalhador independente, bóiafria, pau-de arara, tem recebido pouco estudo dos estudiosos do Direito de Trabalho, pelo fato de ser eventual, e não ser considerado assim, empregado. No Direito Laboral, interessante é a doutrina de Valentin Carrion, demonstrando a nova tendência do Justiça Laboral: Trabalhador eventual rural: está protegido pelo direito do trabalho, isto é, pela doutrina mais recente sobre o que se deva entender por trabalhador eventual, e porque a exigência de “não eventualidade” anunciada pela lei (L. 5.889/73, art. 2º) ficou superada por outro dispositivo (art. 17 da mesma lei). Não há como negar ao eventual o que lhe for aplicável: salário mínimo, descanso remunerado proporcional, jornada de 8 horas diárias e 44 semanais, além de adicional por horas extraordinárias ou noturnas. Sem 81 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Iniciação do direito do trabalho. LTr, São Paulo, 25ª edição, 1999, p. 180. CONCEIÇÃO, Eva Regina Turano Duarte da – “Aspectos da Previdência Social Rural”. In: Revista de Direito Social. Ano 1, 2001, número 1, RS: Editora Notadez, p. 45. 82 60 prejuízo de que a repetida contratação venha transformar a prestação eventual em contrato de trabalho por tempo determinado ou indeterminado, quando serão devidos aviso prévio, férias proporcionais e FGTS (v. art. 3“/l3, infra). O diarista ocasional faz jus a descanso semanal remunerado se prestou serviços em todos os dias úteis da mesma semana. Pela natureza de seu pacto não recebe aviso prévio, nem qualquer outra verba rescisória. Entretanto, o diarista ocasional deixa de sê-lo pela continuidade no mesmo serviço (após 30 dias, mesmo que contratado “no ponto”, como os “boias-frias”). Depois desse prazo serão devidos aviso prévio, 13 a salário e férias. O trabalho do eventual ou safrista por intermédio de empreiteiros de mão de obra, sem capacidade econômica, leva à aplicação da responsabilidade solidária do empresário rural, com apoio no princípio inserido no art.9º da CLT (v. art. 455/1)83. (destaquei) Porém, em relação aos boias-frias, ou paus de araras, foi claro: Paus de arara” ou “boias-frias”: Estes trabalhadores permanecerão teoricamente protegidos, mas abandonados na prática, enquanto a lei não determine que seu aproveitamento nos imóveis rurais se faça mediante controle dos sindicatos, prefeituras, casas de lavoura ou de outras autoridades delegadas, devendo sua contratação e pagamentos ser realizados por intermédio destas, sob pena de sua repetição. O transporte em veículos, sem proteção, clama aos céus pela frequência de desastres que se repetem; a legislação deveria aumentar a responsabilidade civil indenizatória, solidariamente, abrangendo o transportador, o intermediário da mão de obra, o proprietário rural, o tomador da mão de obra; e a fiscalização rodoviária, tolerando o desrespeito à regulamentação sem rigor, é conivente com as mortes, incapacidades e sofrimentos resultantes. Ainda se impõe a proibição de intermediários à mão de obra, mais um elemento a explorar o trabalhador, a descaracterizar, a dificultar a prova da relação; a proibição da marchandage existe em inúmeras legislações estrangeiras 84. É no Direito Previdenciário que surge a preocupação, visando a sua integração à previdência social como segurados obrigatórios. O grande divisor de aguas, para o estudo do trabalhador rural, visando à caracterização como segurado obrigatório da Previdência Social é a Constituição de 1988, que uniformizou o tratamento entre os empregados urbanos e rurais, entre trabalhadores urbanos e rurais. Antes disso, o trabalhador volante – integrante da Previdência Rural – sua proteção era de cunho nitidamente assistencialista, sem a necessidade da competente contribuição para o custeio da Previdência Social. Como já afirmado, todos aqueles que trabalham têm que fazer parte, necessariamente, da Previdência Social; fazendo parte do Seguro Social, por ser seguro, tem que contribuir, de alguma forma, para o custeio do mesmo. Todos os princípios e as regras constitucionais 83 CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. São Paulo: Editora Saraiva, 36 ed., p.66. 84 IDEM. 61 estudados, em harmonia, dão suporte para a interpretação de que o trabalhador volante é segurado obrigatório da Previdência Social. Almir Pazzionoto Pinto , enquanto Secretário de Estado de Relações de Trabalho do Estado de São Paulo, em 1984, escreveu artigo85, reconhecendo o vazio legislativo que rege a matéria. Nele, apresentou resultado de um grupo de trabalho, para que a matéria fosse legislada pelo Governo Federal, visando a garantir direitos trabalhistas aos denominados trabalhadores boias-frias. Explicou ainda a origem do termo, que não é pejorativa, e, na visão do direito trabalhista, explicou com profundidade toda a problemática do trabalhador volante. Ele é um volante, viajando de trabalho em trabalho, de fazenda em fazenda, de tarefa em tarefa, porque nenhum tomador de serviços o quer como empregado, nem mesmo safrista, utilizando-se do intermediário para fugir a isso e se desobrigar dos chamados “encargos sociais", bem como de outras responsabilidades que fatalmente emergem da relação de em- prego. Em outros casos, o tomador de serviços, sendo um pequeno proprietário rural, ou arrendatário, não está em condições de manter um quadro de empregados, mesmo durante pequeno período, e a sua safra, de curtíssima duração, só pode ser realizada economicamente com o concurso dos volantes. ..... Das suas condições de vida não há necessidade de se comentar, pois são conhecidos os problemas que o bóia-fria enfrenta quando tem trabalho, e a miséria indiscutível em que mergulha quando não o tem. Figura tradicional da nossa história, onde aparece no início da colonização, quando implantados os pequenos engenhos, foi ele abandonado pelo Estado e pela sociedade, e esquecido pela moderna tecnologia. Tanto que sua ferramenta principal ainda é o facão, folhão ou podão, e, se adotada a máquina colhedeira de cana, que, por sinal, oferece resultados sabidamente insatisfatórios, a conseqüência será a dispensa de numerosa mão-de-obra. 86 Suas colocações continuam atuais, e o panorama legislativo infraconstitucional pouco mudou. A renovação veio com a Constituição de 1988; porém, na prática, ainda é lenta a evolução legislativa, visando sua integração à Previdência Social. Elisabete Maniglia, em 2007, bem observou o problema do trabalhador rural bóiafria que, praticamente, não mudou nada, em relação ao descrito por Almir Pazzianotto, em 1984, do ponto de vista da realidade social em que se vive o Brasil: PINTO, Almir Pazzianotto. “O Trabalhador Rural Volante”. In: Revista LTr Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo: Ano 48, nº 06, junho, 1984. 86 PINTO, Almir Pazzianotto. “O Trabalhador Rural Volante”. In: Revista LTr Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo, Ano 48, nº 06, junho , 1984, p. 649/652. 85 62 A realidade do bóia-fria é de desalento. O contexto muda de acordo com as regiões, sendo que no Sul, a organização sindical toma menos penoso o esforço dos trabalhadores em ver os seus direitos respeitados. A população do meio rural encontra-se abandonada às margens das grandes propriedades, que fazendo olhos nus a função social da propriedade e pior com apoio estatal, mantém as raízes históricas do poder, que impedem o acesso à terra. O trinômio latifúndio, monocultura e economia de exportação reinante desde a colonização, perpetuam a miséria e a concentração da terra, com a conseqüente concentração de riqueza que acumula miséria, desemprego, degradação ambiental e a má qualidade de vida social87. Nas relações trabalhistas, face à globalização e ao uso da tecnologia, em todos os setores da economia, o cenário mundial vem sofrendo transformações que, no Brasil, já se fazem notar há algum tempo. Com o aumento de encargos trabalhistas, carga tributária altíssima em relação a folha de salários, mecanização da lavoura, modificou-se sensivelmente o panorama social no campo. O empregador rural depreende que não necessita do empregado prestando-lhe serviços, continuamente, em sua terra. Sobressai este fenômeno na indústria canavieira onde a modernização no corte de cana de açucar, que hoje não pode ser mais considerado como safra, ocorre em todos os períodos do ano, com crescente redução de mão de obra: uma colhedeira substitui mais de 80 cortadores de cana manual, como nos dá conta André Cabette Fábio88 O desemprego no campo direciona muitas famílias para a vida na cidade. Muitos destes trabalhadores, quando dispensados, formaram um mercado informal do campo, um verdadeiro exército de desempregados. De certa forma, trata-se da continuidade da escravidão, já que, a partir da libertação dos escravos, surge o trabalhador eventual ou volante, notoriamente conhecido por bóia-fria, que é uma constante no meio rural, como mão-de-obra barata, descartável, sem vínculo algum com o proprietário rural. Sem castigos físicos aparentes, esses, mas tão desprotegidos da lei quanto o foram aqueles. O volante, nesta relação jurídica em que se enquadra, depara-se, apenas, com os direitos limitados em contratos de trabalho previamente estabelecidos. Movimenta-se entre a cidade e o campo, assimilando valores entre um e outro, criando conflitos em sua entidade, tentando sobreviver nas safras rurais, com seus ganhos obtidos em trabalho penoso e deixando seus créditos no consumo urbano, sem ao menos estabelecer uma relação empregatícia MANIGLIA, Elisabete. “O Trabalhador Rural perante a Jurisprudência”. In: Trabalhador Rural - Uma análise no contexto sociopolítico, jurídico e econômico brasileiro, em Homenagem a Fernando Ferrari. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 213/215. 88 Disponível em: <http://economia.uol.com.br/agronegocio/noticias/redacao/2013/11/29/bóia-fria-da-lugar-aoperador-de-colhedora-de-cana-que-ganha-ate-r-26-mil.htm#fotoNav=5>. Acesso em 05 de novembro de 2013. 87 63 definida. Frente a direitos garantidos constitucionalmente, mas sem o instrumental legislativo infraconstitucional adequado, o volante fica excluído da Previdência Social, por não recolher a competente contribuição previdenciária. Fica à margem do seguro social. Em tempo de intensa informatização, devem ser criados mecanismos de controle e arrecadação destas contribuições previdenciárias, por parte da Receita Federal do Brasil, incentivando o tomador de serviços a recolher a contribuição previdenciária e integrando o trabalhador rural volante ao Seguro Social. Além da ausência de proteção previdenciária, outro problema grave enfrentado pelo trabalhador volante, mas que foge à sua integração à Previdência Social, é a ausência de empregadores. Com a modernização do campo, os latifundiários ligados às monoculturas investem na modernização do corte de cana, conforme referido acima, e de outras culturas, além de se utilizarem de outros recursos que suprem o trabalho outrora realizado pelos trabalhadores do campo. Interessante é o posicionamento de José Antonio Savaris, que não coincide com a argumentação apresentada nesta dissertação, em relação ao trabalhador rural volante: Se do segurado especial não se exige contribuição para a seguridade social, visto que a contribuição obrigatória incidente sobre o produto de sua comercialização (CF/88. Art 195,§ 89 e Lei n 8 212, art 25,1) pode não existir na hipótese de inexistência de excedente a comercializar, não se justificaria, sob o prisma da isonomia, a dispensa de um tratamento previdenciárío mais restritivo ao bóia-fria, que só exerce esta profissão porque não tem acesso a qualquer outra que lhe confira alguma segurança, encontrando-se em uma situação de inferioridade econômica em relação ao segurado especial “89 Na realidade, a Constituição exige fonte de custeio para a Previdência Social, e o segurado especial que não tem produção, por criação jurisprudencial, se equipara ao que tem produção, recolhendo a contribuição previdenciária e se reconhecendo na qualidade de segurado. É uma exceção e criação jurisprudencial. Entende-se que deve-se criar mecanismos que possibilitem o recolhimento da contribuição previdenciária, de todo o trabalhador rural volante que exerce atividade laborativa. Hoje, com o uso da informática, a Receita Federal tem condições de criar estes mecanismos, como, por exemplo, criar um Cadastro Nacional de Trabalhadores Volantes, SAVARIS, José Antonio. “Aposentadoria por idade ao trabalhador rural independente: A questão do bóia fría”, In: Revista de previdência social. RPS. Ano XXX, nº 309, agosto de 2006, pp. 523/525. 89 64 com se fez com o Cadastro de Pessoa Física (CPF), que é utilizado para toda e qualquer atividade econômica. Aquele que é beneficiário do trabalho do volante tem que ser incentivado a recolher a contribuição previdenciária, mesmo se for em alíquota menor a ser estabelecida por lei, com incentivos, como se faz no caso dos empregadores domésticos. O que não pode acontecer é reconher o direito de segurado da Previdência Social, sem o pagamento da devida contribuição, senão, estaremos diante não mais do Seguro Social; sim, transmudando-se para um regime assistencialista. Assentado na doutrina, a necessidade de proteção do trabalhador volante, face a todos os princípios e todas as regras que regem a Seguridade Social, em especial, a Previdência Social, que no dizer de Ana Paula Oriola de Raeffray, “a seguridade social esta fundada na solidariedade e na universalidade. É união solidária entre todos os indivíduos para enfrentar os riscos gerados pela própria sociedade moderna”90, deve-se buscar a integração do trabalhador volante na rede protetiva da Previdência Social. O próximo passo é trazer a posição dos Tribunais, em relação aos trabalhadores volantes. A jurisprudência sempre esteve um passo a frente, em matéria previdenciária, na proteção do trabalhador volante. Na ausência, lacuna, ou vazio legislativo, buscando dentro dos princípios constitucionais que regem a matéria, deu um passo importante para proteção do trabalhador rural, em especial, trabalhador volante ou bóia-fria. 4.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência Foram pesquisadas as jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, da Turma Nacional de Uniformização e do Tribunal Superior do Trabalho. 90 RAEFFRAY, Ana Paula Oriola de. O bem estar social e o direito de patentes na seguridade social. Florianópolis: Conceito Editorial, 2011, p. 80. 65 4.3.1 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Especificamente sobre a definição de trabalhador rural volante, não foi encontrado acórdão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. 4.3.2 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça O Superior Tribunal de Justiça adotou como metodologia e critério de aplicação da legislação federal, fazendo uma conjugação entre o princípio da reserva do possível com a regra do mínimo existencial, conforme lemos abaixo: [...] a partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais91 Fundamentando-se neste pensamento, acima noticiado, já está assentado o entendimento, através de sua Terceira Seção, de que: [...] considerada a condição desigual experimentada pelo trabalhador volante ou bóia-fria nas atividades rurais, é de se adotar a solução pro misero para reconhecer como razoável prova material o documento novo, ainda que preexistente à propositura da ação originária92 O precedente citado é o voto proferido pelo Ministro Paulo Galotti, na AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2.515 - SP (2002/0108260-5)93, assim transcrito: No que diz com o mérito, a matéria inúmeras vezes posta ao crivo desta Terceira Seção resultou no entendimento de que, considerada a condição 91 Resp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 16.9.2009. Voto proferido pelo Ministro Paulo Galotti, na AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2.515 - SP (2002/0108260-5”). 93 IDEM 92 66 desigual experimentada pelo trabalhador volante ou bóia-fria nas atividades rurais, é de se adotar a solução pro misero para reconhecer como razoável prova material o documento novo, ainda que preexistente à propositura da ação originária. No caso, como se vê à fl. 87, o documento novo, consubstanciado na certidão de casamento da autora, expedida em 26 de abril de 1979, da qual consta que seu marido tinha a profissão de lavrador, circunstância corroborada pela prova testemunhal, torna certo o exercício do labor agrícola. Há precedentes: A - PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. RURÍCOLA. APOSENTADORIA. CERTIDÃO DE CASAMENTO COM A PROFISSÃO DE LAVRADOR DO MARIDO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CARACTERIZAÇÃO. DOCUMENTOS NOVOS. ART. 485, VII, DO CPC. DOCUMENTOS PREEXISTENTES AO ACÓRDÃORESCINDENDO. SOLUÇÃO PRO MISERO. ADOÇÃO. 1. Certidão de casamento constando a profissão de lavrador do marido caracteriza documento novo capaz de atestar o início de prova material da atividade rurícola. 2. Nos termos da assentada jurisprudência da Corte, considerando as condições desiguais vivenciadas pelo trabalhador rural, e adotando a solução pro misero, a prova, ainda que preexistente à propositura da ação originária, deve ser considerada para efeito do art. 485, VII, do CPC. 3. Ação procedente. (AR nº 1.268/SP, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 7/11/2000) B – "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, VII, DO CPC. DOCUMENTO NOVO. TRABALHADOR RURAL. A certidão de casamento da autora referindo-se ao marido desta como lavrador atesta, documentalmente, a atividade de rurícola, o que afasta a aplicação da Súmula nº 149/STJ. Esta Seção, considerando as condições desiguais vivenciadas pelo trabalhador rural e adotando a solução pro misero , entendeu que a prova, ainda que preexistente à propositura da ação, deve ser considerada para efeitos do art. 485, VII, do CPC. Precedentes. Ação rescisória procedente. (AR nº 1.062/SP, Relator o Ministro FELIX FISCHER , DJU de 24/4/2000) Ante o exposto, julgo procedente a presente ação para, rescindindo o acórdão proferido no REsp nº 212.519/SP, não conhecer do recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. Afere-se deste acórdão, e da posição que o Superior Tribunal de Justiça adotou, da falta de técnica científica, e da adoção de parâmetros incorretos, para o reconhecimento do 67 direito do trabalhador volante. O acórdão fala em bóia-fria, mas não define o que é, se está ou não enquadrado no artigo 11, da Lei 8.213/91. Simplesmente adota o princípio in dubio pro-misero, que é incompatível com a Previdência Social, conforme visto acima. Uma vez decidido em um determinado sentido, repete-se o entendimento, sem se pensar na cientificidade da decisão, na construção dogmática, de acordo com a melhor doutrina. Como repetição, temos ainda o entendimento de que, considerada a condição desigual experimentada pelo trabalhador volante ou bóia-fria nas atividades rurais, é de se adotar a solução pro misero, para reconhecer como razoável prova material o documento novo, ainda que preexistente à propositura da ação originária. O Tribunal preocupa-se em dar o direito ao caso concreto, com questões processuais, como início de prova material, mas não vai a fundo na conceituação do direito a ser tutelado. Esquece, por completo, no entanto, que Seguro Social depende de custeio: não se preocupa com este importante aspecto. Como exemplo de interpretação e aplicação de direito processual, o Superior Tribunal de Justiça considera como aptas como início de prova material as certidões de nascimento dos filhos da autora, que revelariam que seu marido era lavrador, constituindo prova material suficiente do exercício da atividade agrícola, a teor do disposto no art. 485, VII, do Código de Processo Civil, uma vez que "a qualificação profissional do marido como rurícula, constante de atos do registro civil, se estende à esposa, assim considerada como razoável início de prova material complementado por testemunhos94 Critica-se a falta de cientificidade da decisão, mas podemos extrair desse posicionamento: 1) O bóia-fria, ou trabalhador volante, é segurado obrigatório da previdência social, pois, uma vez provado este fato, preenchido os requisitos legais, tem direito ao beneficio previdenciário. À evidência, somente segurado da previdência social tem direito ao seguro social. Este fato, o STJ reconheceu. 2) Levou-se em consideração o conceito para se determinar o que seja trabalhador rural, não o conceito do Direito do Trabalho, em relação ao empregado, mas sim à atividade desenvolvida pelo trabalhador rural. 94 REsp nº131.765/SP, relator o Ministro José Dantas, DJU de 1/12/97. 68 4.3.3 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais O Tribunal Regional Federal da 1ª Região segue à risca a orientação do Superior Tribunal de Justiça. Pode-se conferir o seguinte julgado: Reconhecimento de tempo de serviço prestado na condição de trabalhador rural exige início razoável de prova material. É inadmissível prova exclusivamente testemunhal. 2. Requisito etário: 18.11.2003 (nascimento 18.11.1943). Carência: (11 anos). 3. A carteira de filiação ao sindicato rural desprovida de homologação e a certidão do cartório eleitoral não constituem início de prova material. 4. CNIS no qual consta que o autor exerceu atividade rural no período 09/10/2000 a 18/10/2000, corroborado pelo depoimento pessoal e testemunhal no sentido de que o autor exerce atividade rural de diarista é início de prova material suficiente, uma vez que é cediço que o trabalhador volante ou bóia-fria experimenta situação desigual em relação aos demais trabalhadores (STJ, AR2515 / SP) uma vez que, em regra, ou não tem vínculos registrados ou os tem por curtíssimo período, como ocorreu na espécie, devendo ser adotada solução pro misero. 5. A prova oral produzida nos autos confirma a qualidade detrabalhador rural da parte autora.95 O Tribunal Regional Federal da Segunda Região tem o mesmo posicionamento, seguindo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Atesta-se no seguinte acórdão: A condição de diarista, bóia-fria ou safrista está enquadrada no conceito de trabalhador rural para efeitos previdenciários. – Os documentos acostados aos autos consubstanciam o início de prova material a que alude a lei para fins de comprovação do exercício atividade rural pelo falecido. – A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no tocante à comprovação da condição de rurícola, é assente no sentido de que a certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do segurado constitui início razoável de prova documental para fins de comprovação de tempo de serviço, desde que a prova testemunhal amplie a sua eficácia probatória, de modo que a prova testemunhal, aliada à Certidão de Casamento, é considerada apta a comprovar a atividade rural, inclusive pelo período de carência, considerando que a lei previdenciária não exige que o início de prova material se refira precisamente ao período de carência do art. 143 da Lei 8.213/91, diante da dificuldade do rurícola na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, servindo apenas para convalidar a prova oral, que deve, no entanto, ampliar a sua eficácia probatória ao TRF-1ª, AC – APELAÇÃO CIVEL – 200701990274217, 2ª Turma, Rel. Juiz Federal convocado Cléberson José Rocha, v.u., e-DJF1 DATA:14/03/2013 p. 61. 95 69 tempo da carência, entendimento este também aplicado ao trabalhador volante ou bóia-fria (STJ, 3ª Seção, AR3005, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ de 25/10/2007). Ademais, foi juntada CTPS do falecido constando vínculo de 12/11/1990 a 15/09/1992 em Fábrica de Aguardente/Fazenda Côrrego D’Água e de 17/09/1997 a 30/09/1997 como trabalhador rural, com remuneração de R$ 4,00 (quatro reais) por dia na Fazenda Vida Mansa; certidão de óbito, constando a profissão de lavrador do de cujus e CTPS da autora na qualidade de safrista, com remuneração de R$ 3,00 (três reais) por dia de 01/05/2004 a 05/07/2004. – Os depoimentos das testemunhas que foram uníssonos no sentido de que o falecido sempre trabalhou na roça nas atividades de capina e colheita de café e também como bóia-fria e que também a autora sempre trabalhou na roça, sendo, portanto, claros e precisos o suficiente para firmar a convicção do Juízo acerca da qualidade de trabalhador rural do de cujus 96. Depreende-se que o acórdão já parte de um conceito pré-determinado: “A condição de diarista, bóia-fria ou safrista está enquadrada no conceito de trabalhador rural para efeitos previdenciário”97, mas sem fundamentar e dizer o motivo pelo qual o diarista, ou trabalhador bóia-fria, ou o safrista, estaria no conceito de trabalhador rural para fins previdenciários, e deveriam estar como segurados obrigatórios. Em relação ao safrista, há determinação legal expressa, em decorrência da Lei 11.718/2008. Mas, em relação ao diarista e bóia-fria, advém de interpretação constitucional, integradora com os princípios e regras acima deduzidos. Depreende-se que o Tribunal considera como segurado obrigatório da Previdência Social, o trabalhador volante ou bóiafria. Rica e criativa é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, que engloba São Paulo e Mato Grosso do Sul que, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 0048493-18.2007.4.03.9999/SP, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento, a Terceira Sessão do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, deixou assentado que: VIII – O próprio INSS considera o diarista ou bóia-fria como empregado. De fato, a regulamentação administrativa da autarquia (ON 2, de 11/3/1994, artigo 5, item "s", com igual redação da ON 8, de 21/3/97), considera o trabalhador volante, ou bóia-fria, como empregado. Destarte, não há como afastar a qualidade de rurícola da demandante e de segurada obrigatória da Previdência Social, na condição de empregada, nos termos do disposto no artigo 11, inciso I, a, da Lei nº 8.213/91. IX – A responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias relativa à atividade rural exercida pela autora, na condição 96 AC 201302010039006, Relator Desembargador Federal Messod Azulat Neto, 2ª Turma, E-DJ2R, de 09/07/2013, v.u. 97 IDEM 70 de empregada, cabia aos seus empregadores, não podendo ter seu direito ao benefício cerceado em face de erros cometidos por outrem. 98 Assim, o Tribunal Regional Federal da Terceira, que é composta pelos juízes integrantes das quatros Turmas especializadas em Direito Previdenciário (da 7ª a 10ª Turmas), à unanimidade, entendeu que trabalhador volante ou bóia-fria é segurado empregado, dando ênfase ao trabalho desenvolvido pelo obreiro e afastando a definição de relação empregatícia, utilizada pelo Direito do Trabalho que – repita-se – dá ênfase à definição, levando em conta o trabalho não eventual desenvolvido pelo trabalhador, junto ao empregador. Neste mesmo sentido, já vinha decidindo a Desembargadora Vera Jucovsky, da 8ª Turma, dando um conceito do que se entende por trabalhador rural bóia-fria: Trabalhador rural que desenvolve seu mister como diarista, quer-se dizer, aquele que, a cada dia, exercia atividade campestre em local diferente, via de regra, arregimentado em praças públicas, casas do trabalhador ou outros logradouros quaisquer, de comum conhecimento dos moradores da localidade, por parte dos chamados "gatos", v. g., mediadores entre os proprietários rurais e os rurícolas propriamente ditos. Não obstante isso, cite-se, o próprio Instituto Previdenciário tem o bóia-fria como segurado empregado, de acordo com as Instruções Normativas INSS/DC 68/2002 (art. 27), 71/2002 (alínea c, inc. I, art. 4º) e 95/2003 (alínea c, inc. I, art. 2º). De forma semelhante, não se confunde com a hipótese daqueles pequenos proprietários que, juntamente com o núcleo familiar, exploravam a terra (segurados especiais) e dela obtinham seu sustento. 99 No mesmo sentido do decidido pelo TRF da 2ª Região é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Acórdão prolatado pelo Juiz Federal Hermes Siedler Conceição Júnior, que reflete o posicionamento daquela Corte: Procede o pedido de aposentadoria rural por idade quando atendidos os requisitos previstos nos artigos 11, VII; 48, § 1º; 106; 142 e 143, todos da Lei nº 8.213/91. 2. Comprovado o implemento da idade mínima (55 para a mulher e 60 anos para o homem), e o exercício de labor rural em regime de economia familiar, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao 98 TRF3- 3ª Sessão. Embargos Infringentes nº 0048493-18.2007.4.03.9999/SP Rel, Desembargador Sérgio Nascimento, vu., j. em 27.09.2012, DE de 09.10.2012. 99 TRF3–EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 002354590.1999.403.9999/SP- Rel. Desembargadora Federal Vera Jucovsky, 8ª Turma, j. em 22.03.2010, DJ-E 28.04.2010. 71 período de carência exigido, é devido o benefício de aposentadoria rural por idade. 3. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início razoável de prova material contemporânea ao período laboral, corroborada por prova testemunhal idônea e consistente, sendo dispensável o recolhimento de contribuições. 4. Tratando-se de trabalhador rural conhecido como bóia-fria, diarista ou volante, considerando a informalidade da profissão no meio rural, dificultada é a comprovação documental da atividade, de modo a ensejar o início de prova a que se refere a lei. Seguindo a orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, o entendimento desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada. Precedente do STJ.”100 A crítica deste acórdão é que cai na vala comum o segurado especial, que trabalha em regime de economia familiar, e o trabalhador volante. No mesmo sentido, é a posição do Tribunal Regional da 5ª Região: Comprovado o exercício do labor rural, no período que se pretende ver reconhecido, através de início de prova material idôneo e contemporâneo (Certidão de Casamento no ano de 1974, constando a qualificação do esposo como agricultor, fl 11; Cópia do cartão bancário referente ao benefício percebido pelo esposo da autora, por aposentadoria especial, fl. 144; Declaração de exercício de atividade rurícola, fls. 08 ), corroborado pela prova testemunhal, há de se reconhecer o tempo de serviço pleiteado. 2. Está consolidado, no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que, considerada a condição desigual experimentada pelo trabalhador volante ou bóia-fria nas atividades rurais, há de ser suavizada a incidência da súmula 149 do STJ, de modo a se admitir, para a comprovação da atividade campesina, o início de prova material idôneo e contemporâneo aliado à prova oral harmônica e sem contradita.101 Depreende-se da Jurisprudência dominante dos Tribunais Regionais Federais que o Superior Tribunal de Justiça tem, efetivamente, uniformizado o entendimento, pois, praticamente, todos seguem a sua orientação, no sentido in dubio pro misero, e o TRF3, por outros fundamentos, mais aprimorados, também. TRF4 – Rel Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior. Remessa de Oficio 200670990006236, 5ª Turma, vu, j, em 04.05.2010, DE 10.05.2010. 101 TRF – AC 00011549620134059999, 4ª Turma, Rel. Desembargador Federal Hélio Sílvio Ourem Campos,vu, DJE - Data:14/06/2013 - p. 205. 100 72 4.3.4 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização A Turma Nacional de Uniformização tem fixado entendimento que: Em se tratando de trabalhadores rurícolas volantes, diaristas, safristas ou ‘boias-frias’, a análise dos pressupostos necessários à concessão dos benefícios previdenciários há de ser menos rigorosa no que concerne à prova da sua atividade laboratícia, pois, na maioria das vezes, aqueles não possuem meios de comprová-la. 102 A posição da TNU, segue também a jurisprudência do E. STJ: No PEDILEF 200370040001067, Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, TNU -Turma Nacional de Uniformização, DJU 30/06/2004, ficou assentado que: A demonstração do tempo de serviço do trabalhador rural bóia-fria, diante da informalidade da relação que estabelece com o proprietário das terras onde labora e com o chamado ‘gato’ que o recruta, poderá ser obtida mediante substanciosa prova testemunhal, lastreada em mínima ou indiciária prova material. 2. A exigência legal de apresentação de prova material, enquanto instrumento à demonstração do implemento das condições ao gozo do benefício, deve adequar-se ao objeto da prova. Se o tempo de serviço do diarista rural, pela natureza da atividade, não é documentado, e se o legislador constitucional não o excluiu da proteção previdenciária, imperativo que se relativize a exigência, admitindo-se mínima prova documental e adotando-se a solução pro misero, para que a forma não se sobreponha ao direito material. 3. Documentos em nome de familiares podem servir como início de prova material do tempo de serviço rural. 4. Pedido de uniformização conhecido e provido.103 Assim, predomina o entendimento de que não se deve aplicar rigor excessivo na comprovação da atividade rurícola, para fins de aposentadoria, sob pena de tornar-se infactível, em face às peculiaridades que envolvem o Trabalhador do campo. No PEDILEF 200670950107534, Juíza Federal Daniele Maranhão Costa, TNU Turma Nacional de Uniformização, DJU 24/01/2008 – ficou consignado que: 1 - Considerando-se a condição desigual experimentada pelo trabalhador volante ou ‘bóia-fria’ nas atividades rurais, o Superior Tribunal de Justiça tem adotado a solução pro misero no reconhecimento da prova material, entendendo válida a prova testemunhal quanto à atividade de ‘bóia fria’ TNU – PEDILEF n.º 200570510019810, Juiz Federal Marcos Roberto Araujo dos Santos, DJU 4 abr. 2008; PEDILEF n.º200770550012380, Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, DJU 8 abr. 2011. 103 PEDILEF 200370040001067, Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, TNU –Turma Nacional de Uniformização, DJU 30/06/2004. 102 73 quando apoiada em início razoável de prova material, assim considerada a certidão de casamento onde consta expressamente a profissão de lavrador do marido da autora. 2 - Aplicação da Questão de Ordem n. 20 desta TNU. 3 - Acórdão anulado, determinando-se o retorno dos autos à Turma Recursal do Paraná para que nova decisão seja proferida, após a valoração da referida prova. 4 – Incidente de uniformização conhecido e parcialmente provido104 A mesma crítica que se faz das decisões do STJ, também se faz das decisões de uniformização da TNU: falta critério cientifico e não se leva em consideração o aspecto de custeio, para se reconhecer que o trabalhador volante é segurado obrigatório da Previdência Social. O princípio in dubio pro misero não deve ser aplicado, em hipótese alguma, pois estamos diante de uma grande massa populacional que está além da faixa de pobreza. Como visto, este pseudo princípio in dubio pro misero, não é princípio, não é norma jurídica. Em seu lugar, deve-se aplicar a regra do mínimo existencial, aliado a outros princípios e a regra da contrapartida. O problema do in dubio pro misero foge ao aspecto jurídico, pois estamos diante de uma grande massa de miseráveis, pessoas que vendem sua mão de obra e lhes faltam de tudo. Desde educação, saúde e saneamento básico, além de estarem abaixo, praticamente, da linha de pobreza. Nesta situação, aplicar este falso princípio não leva à solução alguma. É ativismo judicial. Tem-se que criar mecanismos, caminhos, para a solução equilibrada deste problema histórico brasileiro, do trabalhador rural volante, pensando nas futuras gerações. Como o sistema é contributivo, estes trabalhadores têm que recolher a contribuição previdenciária, de uma forma ou outra. Uma solução, de lege ferenda, é a criação de um Cadastro Nacional de Trabalhadores Volantes, a ser gerido pela Receita Federal do Brasil, incentivando os tomadores de serviços a recolherem a contribuição previdenciária devida. O que não se pode admitir é o reconhecimento de um direito previdenciário, sem a correspondente fonte de custeio. PEDILEF 200670950107534, Juíza Federal Daniele Maranhão Costa – Turma Nacional de Uniformização, DJU 24/01/2008. (grifos meus) 104 74 4.3.5 Conceito de trabalhador rural volante na Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho A Jurisprudência Trabalhista tem levado também em consideração a atividade desenvolvida pelo obreiro, visando ao reconhecimento do vínculo empregatício. E o faz porque conhece a realidade do campo, as dificuldades dos trabalhadores volantes, e, na medida da possibilidade fática, reconhece o vínculo trabalhista entre o volante e o proprietário de terra. Exemplo típico, foi o julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho, o recurso de Revista, TST-RR-2782/2006-242-09-00.4, do Ministro Emmanuel Pereira, assim vazado: I.1 – VÍNCULO DE EMPREGO RURAL – BÓIA-FRIA O reclamado, em suas razões de revista (fls. 216-218), sustenta não ter ocorrido o vínculo, posta a não-habitualidade do labor, pois constatado em apenas 75 dias do ano. Indica violação do art. 2º, da Lei nº 5.589/73 e colaciona aresto. Sem razão. O Tribunal Regional decidiu, amparado em um amplo conjunto probatório, tanto oral quanto documental, inclusive prova emprestado acordada entre as partes para o feito, havendo, inclusive, consonância nos depoimentos das testemunhas do autor (Cláudio) e do réu (“Tinão”). Ademais, da análise dos aspectos probatórios, o colegiado a quo verificou que o empregador admitiu a prestação de serviços, atraindo para si, portanto, o ônus de provar que o serviço não era subordinado e de tal não se desincumbiu. Firme no art. 131 do Código de Processo Civil, o Regional deu a valoração que reputou válida a cada um dos elementos colhidos, inclusive segundo as regras de distribuição do ônus da prova, que se revelaram desfavoráveis ao reclamado, já que admitiu a prestação de serviços, embora sem os traços do art. 2º, da Lei 5.589/73. Note-se, ademais, que o próprio atravessador de mão-de-obra, de alcunha “tinão”, admitiu que os trabalhadores eram “‘angariados’ por tinão, mas que isso se dava em cumprimento a ordens do réu e sob a supervisão do administrador Ricardo.” Assim, a tentativa do reclamado de infirmar a decisão recorrida com premissas fáticas diversas esbarra no óbice instransponível da Súmula nº 126 do TST. Assim, não há que se falar em violação a texto de lei ou em divergência de teses. 105 Quando fica caracterizado que o vínculo empregatício é eventual, reconhecendo assim, que o trabalhador é volante ou bóia-fria, o mesmo fica sem proteção, por descaracterizar a figura de empregado. 105 Tribunal Superior do Trabalho, TST-RR-2782/2006-242-09-00.4, do Ministro Emmanuel Pereira, v.u. 75 Valentin Carrion traz algumas ementas sobre a jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas: – Bóia-fria. Contrato de trabalho. Para a configuração do contrato de trabalho não se exige a prestação diária de serviços, basta que haja o estado de subordinação (TRT-PR, 9.a R, RO 873/78, José Luiz M. Cacciari, ac. 556/79, 5.4.79, DJPR 16.4.79).106 A simples circunstância de ter sido o autor registrado como empregado do turmeiro, durante certo período, não afasta a responsabilidade da fazenda se demonstrado resultou tratar-se de manobra tendente a fraudar a aplicação da legislação trabalhista (TRT-SP, RO 131/84, Marcondes Machado, Ac. 3.* T. 16.535/85)107. – Enquadra-se como trabalhador rural o empregado que trabalha na safra dos produtos a serem industrializados pela empresa, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 14 da Lei 5.889/73 (TRT-RS, RO 1.725/86, Fernando Silva, Ac. 2.* T.). – Relação de emprego — Trabalhador rural. A relação de emprego no meio rural deverá ser observada sob o prisma dos costumes regionais, princípios gerais do direito e a natureza do objeto do trabalho executado pelo obreiro (TRT, 10.“ Reg., RO 2.392/86, Franklin de Oliveira, Ac. 2.* T. 382/87). – Trabalhador rural. Trabalho continuado em propriedade rural, onde pontificam atividades de fim lucrativo, merece a proteção da Lei 5.889/73. Não é a destinação da propriedade mas a atividade nela desenvolvida que conduz à identificação do vínculo empregatício (TRT, 10.“ Reg., RO 174/86, Câmara Portocarrero, Ac. 2“ T. 509/87)108 106 CARRION, Valentin. Nova jurisprudência em direito do trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 273. 107 CARRION, Valentin. Nova jurisprudência em direito do trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 464. 108 CARRION, Valentin. Nova jurisprudência em direito do trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 497. 76 Com fundamento no entendimento de que para a configuração do contrato de trabalho não se exige a prestação diária de serviços, basta que haja o estado de subordinação. É que a Justiça do Trabalho tem entendido que os trabalhadores chamados bóias-frias, que exercem atividade no corte de cana, na indústria canavieira, são empregados, e assim classificados; deve-se enquadrá-los como empregados, de acordo com o artigo 11, letra a, da Lei 8.213/91, pois seus empregadores são as Usinas de Cana de Açúcar, empresas. 4.4 Conceito de trabalhador rural volante no âmbito administrativo. A autarquia previdenciária No âmbito administrativo, a autarquia previdenciária, através da INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 45, DE 6 DE AGOSTO DE 2010 - DOU DE 11/08/2010, em seu artigo 3º 109, reconhece o trabalhador rural volante, como segurado obrigatório. Atenta-se para o artigo 3º, da IN 45/2010: Art. 3º É segurado na categoria de empregado, conforme o inciso I do art. 9º do Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999: ... IV – o trabalhador volante, que presta serviço a agenciador de mão-de-obra constituído como pessoa jurídica, observado que, na hipótese do agenciador não ser pessoa jurídica constituída, este também será considerado empregado do tomador de serviços (destaquei) Já o Regulamento da Previdência Social – Decreto nº 3.048 - de 06 de maio DE 1999 - DOU de 7/05/1999110, repete os dizeres do art. 11, da Lei 8.213/91: Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas: I – como empregado: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural a empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado; 109 INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 45, DE 6 DE AGOSTO DE 2010 - DOU DE 11/08/2010, artigo 3º. 110 - DECRETO Nº 3.048 - DE 06 DE MAIO DE 1999 - DOU DE 7/05/1999. 77 ...... V-como contribuinte individual: j) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego; Em função didática, o Ministério da Previdência Social elaborou o “Manual de Orientação da Previdência Social na Área Rural”111, que traz o entendimento no âmbito administrativo, aduzindo que empregado rural é todo aquele que trabalha de forma não eventual na atividade rural para empregador rural sob sua subordinação e mediante remuneração. Confunde conceitos, pois se trabalha de forma não eventual, não pode ser bóiafria ou trabalhador volante. Logo, na realidade, o trabalhador volante, é considerado empregado do tomador de serviço, sendo este equiparado a empregador, dono da terra, arrendatário, dando uma característica própria para o conceito de empregador. Sendo empregado, caberá, então, ao tomador do serviço (empregador lato sensu, o recolhimento da contribuição previdenciária devida). No âmbito administrativo, reconhecese a existência do trabalhador volante, e se enquadra o mesmo como segurado empregado. A Administração Previdenciária cria uma nova figura de empregado (surgindo assim uma nova classificação, no inciso a, do artigo 11: empregado em stricto senso e trabalhador eventual) por ato infralegal e Instrução Normativa, quando afirma que ambos – trabalhador volante e agenciador – quando este não estiver constituído como pessoa jurídica- serão considerados empregados, e, portanto, deverá o tomador de serviços recolher a contribuição previdenciária devida pelo empregado. Uma visão pragmática, para um tentativa de resolver este impasse, do trabalhador volante, considerando-o como empregado do tomador de serviços. Concluindo este capítulo, na análise crítica da jurisprudência, em especial o STJ, os Tribunais Federais reconhecem o trabalhador rural volante, conhecido como bóia-fria, como segurado da previdência social. O Tribunal Regional Federal da Terceira Região, de maneira mais científica, classifica-o com contribuinte empregado. O Superior Tribunal de Justiça não se preocupa com esta classificação, e, muitas vezes, como no caso da 4ª Região, misturam conceitos, como trabalhador rural em economia familiar e trabalhador rural volante. 111 Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/77/senar/2006/cidadania_rural.htm> Acesso em 18 de novembro de 2013. 78 O que preocupa os Tribunais é a situação de fato, o caso concreto, em dizer o Direito e proteger o mais desvalido, o mais desfavorecido, na aplicação do princípio in dubio pro misero. Não há preocupação com o custeio, ao se agir assim. Passamos agora à sistematização e ao enquadramento do trabalhador bóia-fria. 79 5 ENQUADRAMENTO DO BÓIA-FRIA DENTRO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO Uma vez equacionado o problema de que o bóia-fria, ou trabalhador volante, é segurado da Previdência Social, apesar de, em alguns casos, não recolher a contribuição previdenciária, conforme tem decidido a Jurisprudência, reiteradamente, sem se preocupar com o custeio, pois a Jurisprudência cria a norma individual e concreta. Com isso ela confere e reconhece que o trabalhador volante tem a proteção estatal; sendo, portanto, segurado da previdência social, busca-se, visando ao não disvirtuamente do seguro social, mecanismos que resolvam esta problemática de falta de recolhimento. Mas, utilizando-se de um critério científico, deve-se buscar a classificação dos segurados, e onde podemos inserir o bóia-fria nesta classificação. 5.1 Classificação dos segurados Classificar é uma operação lógica. Serão dados alguns conceitos básicos das Teoria das Classes, também denominada Teoria dos Conjuntos, com fundamentos nas lições de Irving Copi112, Cesar A. Mortari113 e Vicente Ferreira da Silva114 Para entender-se o que é uma classe, deve-se partir do raciocínio de que os objetos individuais isolados são conhecidos como indivíduos, têm-se as Classes que são os agrupamentos desses objetos individuais em conformidade com determinada propriedade. As classes são estudadas pela Lógica através da Teoria das Classes. Em outras palavras, a Classe é o conjunto de indivíduos que preenchem alguns requisitos de admissão e que fazem com que entre eles haja identidade em determinado aspecto. É a liçao de Irving M. Copi.115 Deve-se deixar claro que a lógica admite que toda função proposicional que possua uma variável livre represente uma classe, que terá por elementos somente os objetos que satisfaçam a função proposicional dada. A classe que corresponde a esta função conterá, pois, como elementos, todos os objetos possuidores da citada propriedade e nenhum outro. Desta 112 COPI, Irving M. Introdução à lógica. São Paulo: Editora Meste JOU, 3ª ed. 1981, p.140 e ss. MORTARI, Cesar A. Introdução à lógica. São Paulo: Editora Unesp, 2001, p. 40 e ss. 114 SILVA, Vicente Ferreira da. Lógica simbólica. São Paulo: Realizações Editora, 2009, p. 96 e ss. 115 COPI, Irving M. Introdução à Logica. São Paulo: Editora Meste JOU, 3ª ed. 1981, p.140. 113 80 forma, a toda propriedade de objetos poderá corresponder a uma classe univocamente determinada. Agora, também é verdade a recíproca: toda a classe pode assinalar uma propriedade constituída exclusivamente pelos elementos da referida classe; a propriedade de pertencer a ela. Por isso não é necessário, na opinião de muitos lógicos, distinguir os conceitos de classe e propriedade; em outras palavras, uma “teoria de propriedades” em especial seria desnecessária, sendo suficiente a teoria de classes. Conforme Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano: Classe : (...) Pode-se definir uma classe enumerando os membros que a compõem (definição extensiva) ou indicando a propriedade comum de todos os seus membros (definição intensiva), como quanto se fala “gênero humano” ou dos “habitantes de Londres”. Russell considerou fundamental a definição intensiva porque a extensiva pode ser reduzida a ele, sem que ocorra o inverso. Portanto, reduziu a C. a uma função proposicional (v.), ou seja, a um predicado ou a um atributo. (grifos no original)”.116 Ao se tentar definir o que é subclasse e se as normas jurídicas são subclasses das normas morais, também se as normas individuais são subclasses das normas gerais, a própria teoria das classes traz a noção de subclasse, como sendo um conjunto inserto em outro conjunto de maior dimensão, conjunto maior esse que abrange todos os elementos do conjunto menor. A classe envolve todos os elementos que compõem as subclasses nela insertas. Entre duas classes arbitrárias K e L, podem existir diversas relações. Pode ocorrer, por exemplo, que todo elemento da classe K seja, ao mesmo tempo, um elemento de classe L; dizemos, então, que a CLASSE K é uma SUBCLASSE DA CLASSE L ou está incluída na CLASSE L ou que tem a RELAÇÃO DE INCLUSÃO com a CLASSE L; e dizemos que a CLASSE L inclui a CLASSE K como SUBCLASSE. Expressaremos com fórmula: K c L ou L 3 K: 116 ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 171. 81 As normas morais e as normas jurídicas são subclasses da Classe “normas”, todavia, são disjuntas. Da mesma forma, as normas individuais também não são subclasse das gerais, todavia não é o caso de afirmar que são disjuntas e sim que elas se interseccionam, pois ambas colhem o mesmo acontecimento no mundo, a diferença é que na norma geral esse acontecimento é chamado de evento e na norma individual é fato, e produz seus efeitos. Sintaticamente, as normas jurídicas e as normas morais formam classes disjuntas. Pelo ponto de vista semântico, as normas morais e as normas jurídicas são classes cruzadas (vejase que a norma que prescreve: “não matarás” é tanto jurídica quanto moral). Feita esta introdução de classes, podemos classificar a Seguridade Social como sendo constituída pela Sáude, Assistencial Social, e Previdência Social, nos termos da Constituição da República, nos termos do artigo 194, caput. Temos o seguinte esquema lógico: Seguridade Social Saúde Assistênci a Social Previdência Figura 1: Seguridade Social 5.2 Seguridade Social É um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Do ponto de vista lógico, a Previdência Social, é subclasse da Seguridade Social. É organizada sob a forma de regime geral, de caráter 82 contributivo e de filiação obrigatória ou facultativa, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. É seguro social, visando cumprir o artigo art. 193, da Constituição Federal: A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociail. A base é o primado do trabalho, mas dentro desta subclasse, o que a caracteriza, e a diferencia da outras sub classes (Saude e Assistência Social), é o regime contributivo. Assim, como primeira grande classificação da Previdência Social, levando em consideração os princípios constitucionais estudados, temos aqueles que são filiados ao regime da Previdência Social, contribuindo para o seguro social, estando inseridos nesta subclasse os dependentes destes segurados obrigatório e aqueles que não o são. Esquematicamente representado assim: Segurados que contribuem Universo dos Nãofiliados – os que Dependentes dos não contribuem Segurados Figura 2: Filiados da Previdência Social E aqueles que trabalham e são filiados obrigatórios da Previdência; aqueles que não trabalham, porém podem fazer a opção de serem segurados, estando neste conjunto os segurados facultativo. 83 Previdência Social Filiados Filiados Obrigatórios Facultativos Figura 3: Conjunto dos integrantes da Previdência Social Em tese, todos os que trabalham devem ser filiados, face ao princípio da obrigatoriedade, representando os não filiados, embora trabalham, um conjunto vazio. Porém, face a exigência do caráter contributivo, e ao mesmo tempo o primado do trabalho, o artigo 11, da Lei 8.213/91, elenca aqueles que trabalham, sem a devida classificação, de forma casuística , quem são os segurados obrigatórios. Cabe a doutrina fazer esta classificação, frisando que classificações são, conforme frisado por Vicente Ferreira da Silva, “meras ficções, meios usados pelo pensamento a fim de unificar a infinita verdade dos Cosmos 117”. Nesta diapasão, torna-se um desafio classificar o trabalhador rural volante, uttilizando-se os instrumentos da Lógica, mas tarefa não impossivel. Passa-se a fazer a classificação, considerando o artigo 11, da Lei 8.213/91. Dentro do critério lógico, e atendendo a lição de Paulo de Barros Carvalho, que que toda classe é susceptivel de ser dividida em outras classe118. Podemos classificar o trabalhador como urbano ou rural. Mas levando em consideração que aqueles que trabalham são segurados , em tese, da Previdência Social, classifica-se os empregados em duas classes: o primeiro em sentido estrito, que tem vinculo trabalhista, propriamente dito, e na outra 117 SILVA, Vicente Ferreira da. Lógica simbólica. São Paulo: Realizações Editora, 2009, p. 96 e ss. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses, 2013, 5ª ed., p.119. 118 84 subdivisão, o trabalhador eventual que exerce sua atividade de forma continua, mas, para tomadores de serviço diversos, inserindo neste quadro, o trabalhador volonte. Referido enquadramento é perfeitamente possível dentro da Teoria da Argumentação Jurídica, face às reiteradas decisões judiciais neste sentido. E, como já visto, do ponto de vista do Direito Previdenciário, fundamental distinção é a classe dos segurados e não segurados. Dentro da classe dos segurados, sobressai a classificação entre o segurado obrigatório e facultativo, classificação esta que leva em consideração o custeio da Previdência Social. No contexo dos segurados obrigatórios, que exercem atividade remunerada, temos o seguinte esquema gráfico: Empregados Trabalhador Eventual Empregados Sentido Trabalhador Stricto Eventual Domésticos Trabalhadores Contribuintes Avulsos Individuais Segurados Especiais Figura 4: Classificação dos segurados da Previdência Social 85 A propriedade comum que nos interessa é a qualidade de segurado, de todos os membros, a definição intensiva. Isso está previsto no artigo 11, da Lei 8213/91. Diante do quadro normativo do artigo 11, da Lei 8.213/91, é possível classificar os trabalhadores rurais, nos seguintes termos: a) empregado: artigo 11, I, “a” e “b” (rural temporário) b) contribuinte individual: artigo 11, V, “a”: rural produtor rural com utilização de empregados, titula de firma individual rural –(f), e a letra do inciso g: quem presta serviço de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego . c) trabalhador avulso: inciso VI, do artigo 11: quem presta serviço, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra ou do sindicato da categoria. d) segurado especial: artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/91. Em relação ao rural, tratase do pequeno produtor rural, que vive do seu trabalho no campo, a renda auferida com isso é para a sua própria sobrevivência. A definição do segurado especial vem do Texto Constitucional, em sua longa evolução, e foi detalhado na Lei de Beneficio (Lei 8.213) em seu artigo 11, § 1o119 . A classificação acima apontada é de fundamental importância para se aferir da qualidade de segurado do trabalhador rural, junto a Previdência Social. Em relação ao empregado quem tem que recolher a contribuição previdenciária devida, é o empregador. Cabe ao mesmo a prova apenas do trabalho rural, nos termos do § 5º, do artigo 33, da Lei de Custeio (Lei. 8.212/91)120: O desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo com o disposto nesta lei destaquei). Doutrina Marly A. Cardone: Conforme já indicamos, o empregador fica investido do poder-dever de descontar da remuneração do empregado de 8% a 11 %, que deverá recolher à instituição previdenciária. Assim, pelo simples lato de se ter formado, ope legis, a relação de previdência social, o empregador, figura resultante do contrato de trabalho, passa a ter um novo poder em relação ao empregado e BRSAIL. Lei 8213/91, artigo 11, § 1o : “Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”. 120 BRASIL. § 5º, do artigo 33, da Lei de Custeio (Lei. 8.212/91). 119 86 um dever em lace da entidade previdenciária.121 Em relação ao contribuinte individual, este deve recolher a contribuição previdenciária, não bastando a mera atividade. É seu dever recolher a contribuição previdenciária, nos termos da lei. Não o recolhendo, não fará jus a nenhum beneficio previdenciário. Em relação ao trabalhador avulso, deve a contribuição ser recolhida pelo Sindicato da Categoria, ou do órgão gestor de mão de obra. Mas, trabalhador avulso, no meio rural, é raro. Conforme leciona Miguel Horvath Júnior: [...] são trabalhadores avulsos, dentre outros: o que exerce atividade portuária de capazia, estiva, conferência e conserto de carga, vigilância de embarcação e bloco; trabalhador de estiva de mercadoria de qualquer natureza inclusive carvão e minério; o trabalhador em alvarenga (embarcação para carga e descarga de navios), o amarrador de embarcação, o ensacador de café, cacau e similares, o trabalhador da indústria de extração de sal; o carregador de bagagem em porto, o prático de barra em porto (pessoa que conhece os acidentes hidrográficos de determinada área e conduz as embarcações por meio dessas áreas), o guindasteiro, o classificador e o empacotador de mercadorias em porto122 Depreende-se assim, que praticamente não existe trabalhador avulso, no meio rural. É um sistema de emprego mais utilizado na zona portuária. Mas a lei deixa aberta a possibilidade de vir a ser utilizado este tipo de método de contratação no meio rural. 5.2 Classificação dos segurados - Posicionamento da doutrina e da jurisprudência O conjunto é composto, pela subclasse dos segurados obrigatórios de um lado; na outra subclasse, segurado facultativo. Aqui o elemento de identificação é o custeio da Previdência Social: Quem contribui é segurado da Previdência Social. São segurados obrigatórios todos que exercem atividade remunerada, de natureza urbana ou rural, com ou sem vínculo empregatício, e podem ser divididos em subclasses: empregado (esta sub classe dividida em empregado em sentido strito, e trabalhador eventual), 121 CARDONE, Marly A. Previdência social e contrato de trabalho-relações. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, 2ª edição, p. 85. 122 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Dicionário, op. cit. p. 206. 87 empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial. É o rol do artigo 11, da Lei 8.213/91. Conforme esquema lógico: Empregados Em Trabalhador Sentido Eventual Stricto Figura 5: Classificação dos empregados Marisa Ferreira dos Santos, leciona que: O rol dos segurados obrigatórios na condição de empregados está contido no inciso I, a a j, do art. 11 da Lei n. 8.213/91, e no art. 12,1, a a j, da Lei n. 8.212/91: a) Aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação (destaquei) e mediante contribuição, inclusive como diretor empregado. O art. 9o, § 4o, do RPS considera o serviço prestado em caráter não eventual como aquele relacionado direta ou indiretamente com as atividades normais da empresa. O trabalhador rural foi incluído na categoria dos segurados obrigatórios empregados. Não era assim no regime jurídico anterior à Lei n. 8.213/91, em que os rurícolas não eram segurados obrigatórios e, por isso, tinham dificultada a proteção previdenciária. ....... Especial atenção merece a situação dos trabalhadores rurais denominados bóias- frias, até hoje excluídos do emprego formal. Para fins previdenciários, a jurisprudência os tem qualificado como “segurados empregados.123 Do ponto de vista lógico, surge , assim, uma nova classificação, sendo adicionado mais um item, em relação ao trabalhador volante. 123 SANTOS, Marisa Ferreira. Direito previdenciário esquematizado. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 126127. 88 Assim, nos termos do artigo 11, a classe dos segurados obrigatórios se subdivide em cinco: a) empregados (subdividido em empregado em sentido estrito, e trabalhador eventual); b) empregados domésticos; c) contribuintes individuais; d) trabalhadores avulsos; e) segurados especiais. Porém, face a toda orgumentação desenvolvida, dos princípios e das regras estudados, corroborada pelas decisões da Jurisprudência, o item a, se subdivide. a) Trabalhador empregado b) Trabalhador eventual (exerce , na realidade, atividade laborativa de forma continua, para si , e em relação ao tomador de serviços, de forma eventual) Assim , classifica-se o trabalhador volante: trabalhador eventual que faz parte do sub classe empregado, que esta comprendido no conjunto maior , de segurados obrigatórios, exercentes de atividade remunerada: Neste mesmo sentido, doutrina Wladimir Novaes Martinez: O rurícola, conhecido como bóia fria, é empregado, convindo verificar, em cada caso, para quem são prestados os seus serviços: se para o agenciado ou pra o empreendedor rural. Em princípio, presumidamente, é para empresa rural, e só na cisrcunstancia de o intermediário possuir idoneidade comercial – hipótese rara – o vínculo se estabelece. Caso o intermediário não detenha personalidade jurídica, entende a Orientação Normativa SPS 2/4 que: ele e os trabalhadores são empregados do tomador de serviços. Tal inteligência é simplificação de problema complexo. O agenciador nem sempre se subordina ao proprietário da fazenda.124 Há posicionamento doutrinário que classifica o bóia-fria como contribuinte individual, posição esta que discorda-se nesta monografia: Carlos Alberto Pereira de Castro e Joao Batista Lazzari, são desta corrente: Boias-frias: trabalhadores volantes que são contratados por um “agenciador” de mão de obra rural para fazer serviçoes típicos de relação de 124 MARTINEZ, Vladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. LTr, Tomo II, 2ª edição, 2003, p. 127. 89 emprego rural; se o trabalho for de natureza não eventual e o agenciador não estiver constituído como pessoa jurídica, entender-se-á o vínculo de emprego com o tomador dos serviços, para fins de aplicação das normas de arrecadação e benefícios, inclusive na condição de safrista (contratação por prazo determinado); se a prestação laboral do bóia-fria for eventual, o enquadramento previsto é o de contribuinte individual. 125 Como referido no Capitulo 4, a Jurisprudência não tem se preocupado em classificar o trabalhador volante, se é como empregado, ou com contribuinte individual, ou ainda como segurado especial. Pensa apenas em sua proteção, em ampará-lo, sem levar em consideração a Ciência do Direito e a Metodologia Jurídica. Interessante é o posicionamento do Juiz Paulo Ricardo de Arena Filho, quando foi titular na Turma Nacional de Uniformização, ao julgar o PEDILEF 201072640002470, (DOU 20/09/2013 pág. 142/188), criando uma nova classificação, para o trabalhador volante: segurado especial individual O trabalho individual que possibilita o reconhecimento da qualidade de segurado especial é, primeiramente, aquele realizado por produtor que trabalha na propriedade em que mora e não possui família. Isso porque a legislação não poderia prejudicar ou punir, de forma desarrazoada, aquele que não pertence a grupo familiar algum, excluindo-o da possibilidade de ser abrigado pelo Regime Geral de Previdência na qualidade de segurado especial. Também se caracteriza como segurado especial individual o trabalhador avulso, conhecido como “bóia-fria” ou “volante”, que independentemente de não possuir produção própria, é absolutamente vulnerável, encontrando proteção na legislação de regência. 126 Na realidade, o trabalhador rural volante, do ponto de vista dogmático, não pode ser classificado como segurado especial por fugir totalmente a essa definição. É, conforme visto acima, trabalhador eventual que faz parte do subclasse empregado, que está comprendido no conjunto maior de segurados obrigatórios, por exercer atividade remunerada. Face aos princípios constitucionais já delineados, e levando sempre em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se como acertada, a posição majoritária do Tribunal Regional Federal da Terceira Região. A posição majoritária do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, é no sentido de reconhecer o trabalhador volante, como empregado, como tem feito a autarquia previdenciária, no âmbito administrativo, conforme visto no tópico anterior. 125 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. LTr, São Paulo: 5ª edição, p. 149. 126 Juiz Paulo Ricardo de Arena Filho, quando foi titular na Turma Nacional de Uniformização, ao julgar o PEDILEF 201072640002470, (DOU 20/09/2013) p. 142/188. 90 Neste sentido, já decidiu o preclaro Desembargador Walter do Amaral: Verifica-se que a legislação previdenciária obrigou os contratantes do lavrador diarista a recolherem as contribuições previdenciárias correspondentes, em substituição ao trabalhador bóia-fria, certamente tendo em vista as peculiaridades desta espécie de labor. V. Por essas razões, mesmo no tocante ao labor posterior a 31-12-2010, não se exige do lavrador diarista a comprovação do recolhimento de contribuições previdenciárias para a obtenção de benefício previdenciário, uma vez que a legislação atribuiu essa obrigação aos contratantes de seus serviços, cujo descumprimento não pode prejudicar o trabalhador bóia-fria. VI. O cômputo do labor do trabalhador rural diarista posterior a 31-12-2010, para fins de aposentadoria por idade, requer tão somente a comprovação da prestação de serviço de natureza rural, em caráter eventual, a um ou mais contratantes. Admite-se a comprovação dessa circunstância mediante apresentação de início razoável de prova material, corroborado por prova testemunhal, conforme o disposto nos artigos 55, § 3º, 106 e 108 da Lei nº 8.213/91 e de acordo com jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em circunstâncias análogas (AgRg no REsp n.º 1083346/PB, Processo nº 2008/0195662-9, 6ª T., Rel. Min. Og Fernandes, D: 27/10/2009, DJe 16/11/2009).127 No mesmo sentido, agora como juíza, cumprindo seu mister de julgadora, e defensora da aplicação dos desígnios Constitucionais, a Desembargadora Marisa Ferreira dos Santos já decidiu que : Quanto ao cumprimento do período de carência e à condição de segurado da Previdência Social, os trabalhadores rurais que exerçam atividade na qualidade de empregado, diarista, avulso ou segurado especial da Previdência Social não necessitam comprovar o recolhimento das contribuições previdenciárias, mas sim o exercício da atividade laboral no campo por período superior a doze meses (arts. 39, 48, § 2º, e 143 da Lei 8.213/91). V - Era entendimento antigo que a atividade do "bóia-fria" não caracterizaria relação de emprego formal, melhor se enquadrando às disposições do art. 11, V, da Lei nº 8.213/91 (contribuinte individual), obrigado a comprovar as contribuições. Porém, como o próprio INSS, na regulamentação administrativa ON2, de 11.3.94, artigo 5º, "s" e ON8, de 21.3.97, considera como empregado o trabalhador volante (ou bóia-fria), para fins de concessão de benefício previdenciário, deve ser assim considerado, razão pela qual não lhe cabe comprovar o recolhimento das contribuições previdenciárias, que constitui ônus do empregador, cabendolhe, tão somente, a comprovação do exercício da atividade laboral no campo por período equivalente ao da carência exigida por lei. 128 TRF3 – AC 00275587820124039999, 10ª Turma, Rel. Desembargador Walter do Amaral, v.u, j. em 12.03. 2013, in e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2013. 128 TRF3 – AC 00041332920014036112 ,9ª Turma, Rel. Desembargadora Marisa Santos, v.u, j. 28.02.2005 , in DJU DATA:20/04/2005. 127 91 6 PROPOSIÇÃO DE ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR RURAL BÓIAFRIA Para o enquadramento correto do trabalhador volante, parte-se das seguintes premissas: 1. Tem-se como ponto de partida, o Artigo 193, da Constituição Federal: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”129 2. A República Federativa do Brasil fundamenta-se aindam ressaltando o princípio da dignidade da pessoa humana, e os valores sociais do trabalho 3. Dos objetivos fundamentais da República faz parte construir uma sociedade solidária . De posse destes fundamentos, e considerando que a Previdência Social é seguro obrigatório, devendo ser incluídos, entre outros, todos aqueles que trabalham de um lado, equalizando a necessidade do custeio e contribuição de cada participante, enquadra-se o trabalhador volante como empregado: artigo 11, I, “a” e “b” (rural temporário), e nunca como contribuinte individual, pois não presta serviços para empresas, e sim para diversas propriedades rurais, que não podem ser consideradas empresas. Foi enfrentada a questão do artigo 15, da Lei 8212/91, que dá o conceito de empresa, mas, por maior que seja o elastério e amplitude que se dê, não pode fugir do conceito do Código Civil atual. Pequenos fazendeiros, arrendatários e outros pequenos sitiantes, que são tomadores de serviços, não se enquadram no conceito de empresa, sendo aberração jurídica a alegada equiparação, para fins previdenciários, o parágrafo único do artigo 15, da Lei 8.212, repetido no artigo 14, da Lei 8.213/91. Com efeito, regime contributivo exigível no sistema previdenciário brasileiro, (CF/88, art 201. caput) deve ser interpretado e orientados pelos principios elencados no item 2, como o princípio da solidariedade, a obrigatoriedade de filiação de todos aqueles que exercem atividade laborativa, a uniformidade de tratamento entre trabalhadores rurais e urbanos, balanceados de outro lado com a princípio da equidade da fonte de custeio, e com a aplicação de um lado com a regra do mínimo existencial e da regra da contrapartida. Chegar-se-á à conclusão de que os trabalhadores volantes são filiados obrigatórios à 129 BRASIL. Constiuição Federal. art. 193. 92 Previdência Social. Sua classificação foi desenvolvida no sentido de ser trabalhador eventual que faz parte da subclasse empregado, que esta comprendido no conjunto maior, de segurados obrigatórios, exercentes de atividade remunerada Essa estrutura calcada na solidariedade e na igualdade tem como traços mais marcante os ideais de universalidade e uniformidade. Já a uniformidade da Previdência Social brasileira, a igualdade buscada pela Constituição, em termos de proteção social, é aquela que busca promover equiparação na concessão de benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, estendendo aos trabalhadores rurais a proteção previdenciária já existente para os trabalhadores urbanos Ocorre que a mencionada extensão do campo de aplicação da Previdência Social aos trabalhadores rurais pressupõe não apenas a possibilidade de contribuição para a seguridade social como condicionante para a cobertura previdenciária correspondente, mas todo um processo de educação e cultura, para aqueles trabalhadores que desempenham suas atividades rurais na mais pura informalidade e que se encontram distantes das informações que lhe são caras, mesmo para reivindicar direitos assegurados por lei. A melhor posição não é eximir o trabalhador volante da contribuição previdenciária, mas sim, considerá-lo como trabalhador eventual que faz parte do subclasse empregado, que está comprendido no conjunto maior: de segurados obrigatórios, exercentes de atividade remunerada. Esse encargo deveria ser passado ao tomador de serviços, como se tem feito a nível administrativo; já reconhecido pela Jurisprudência dominante. Um caminho a trilhar é criar um Cadastro Nacional de Trabalhadores Volantes a ser gerido pela Receita Federal do Brasil, que possibilita ao tomador de serviços o recolhimento da contribuição previdenciária do trabalhador volante, mesmo se este trabalhasse um curtíssimo período, com incentivos fiscais ao Tomador, como isenção de Imposto de Renda, como acontece com os empregadores domésticos. Deve-se, portanto, em pleno século XXI, dispor dos meios tecnológicos disponíveis e aumentar a fiscalização; com isso a autarquia previdenciária poderá cumprir seu mister, através agora da Receita Federal do Brasil. Diante dessa argumentação, pode-se extrair a proposição de que o trabalhador rural volante, comumente chamado de bóia-fria, faz jus aos benefícios por incapacidade, saláriomaternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão e, independentemente do período em que completar o requisito etário, aposentadoria por idade. Para tanto, deve, apenas, provar a atividade rural; o recolhimento de contribuição para a seguridade social deverá ser feito pelo tomador de seus serviços, cabendo à autarquia previdenciária, através da Receita Federal do 93 Brasil, a fiscalização deste recolhimento, de molde a se assegurar ao mais hipossuficiente dos rurícolas a satisfação de seu direito fundamental à previdência. 94 CONCLUSÕES O direito da seguridade social deve buscar a realidade: a previdência social formal é inapta para cumprir sua finalidade de proteção da sociedade contra os riscos de subsistência a que estão expostos seus integrantes mais vulneráveis. Cumpre ao intérprete do direito da seguridade social a desafiadora missão de tornar efetiva a proteção previdenciária, destacadamente aos trabalhadores que sempre foram e continuam sendo excluídos do raio de preocupação do legislador ordinário. A Jurisprudência tem cumprido o seu papel protetor, mesmo de forma atécnica, fazendo justiça ao trabalhador volante, reconhecendo-o como segurado empregado, para fins de Previdência Social. Por sua parte, a própria autarquia previdenciária encontra mecanismos e enquadra o trabalhador volante, como segurado emprego. Quando se toma em conta a realidade do campo, percebe-se que a via hermenêutica que faz sopesar valores fundamentais de nossa Constituição é a única hábil a responder, satisfatoriamente, as questões ligadas à sobrevivência dos que se encontram com a subsistência ameaçada, sem que tal operação constitua rejeição aos mais caros valores de nossa dogmática . A solução, de lege ferenda, é criar um Cadastro Nacional de Trabalhadores Volantes, a ser gerido pela Receita Federal do Brasil, que possibilita-se ao tomador de serviços o recolhimento da contribuição previdenciária desse trabalhador, mesmo se esse trabalhasse um curtissimo período, com incentivos fiscais ao tomador, como isenção de Imposto de Renda, como acontece com os empregadores domésticos. Do ponto de vista lógico, classifica-se o trabalhador volante: trabalhador eventual que faz parte do subclasse empregado, que está comprendido no conjunto maior, de segurados obrigatórios, exercentes de atividade remunerada Assim, tanto do ponto de vista humano como do legal e pecuniário, conclui-se pelo enquadramento do trabalhador volante, como segurado da Previdência Social. 95 REFERÊNCIAS ABBAGNAMO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BARATA, Júlio. Apresentação – Barros Jr, Cássio de Mesquita. Previdência Social- Urbana e Rural. 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