A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: ESTUDOS SOBRE A COMPLEXIDADE NAS RELAÇÕES ENTRE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO ESCOLAR Cláudia Furtado de Miranda – PUCPR Pura Lúcia Oliver Martins - PUCPR Resumo: Com o objetivo de estabelecer relações entre o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano na perspectiva da complexidade que envolve o processo de construção do conhecimento, o presente estudo apóia-se em Morin, Maturana, Assmann, Zabala, Demo, entre outros autores que se aproximam da perspectiva do Pensamento Complexo e da Inteligência Geral como sistema aberto na construção epistemológica da aprendizagem. O ponto de partida do estudo são as necessidades práticas de um grupo de professores que atuam na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental de um Colégio particular da cidade de Curitiba. Estes educadores vêm desenvolvendo intervenções educativas em sala de aula por meio de encaminhamentos metodológicos e avaliativos, focalizando as características dos alunos de cada série no tocante ao aprender/saber pensar, ser e agir. Estes estudos buscam trazer maior autonomia e segurança aos educadores – dentro e fora de sala de aula – no sentido de relacionar e compreender os múltiplos cenários de aprendizagem do contexto histórico e a constituição de novas metalinguagens no processo de alfabetização contínua nos diversos campos do conhecimento. O texto inclui uma discussão sobre o desenvolvimento do cérebro/mente nas múltiplas dimensões de sua constituição; a análise da Inteligência Ativa - pensar e pensamento, conhecer e conhecimento - e sua relação com a concepção de Aprendizagem Ativa e Significativa. O texto é parte de um processo de formação continuada do grupo de professores do colégio que semestralmente se reúne para socializar experiências e aprofundar os estudos em torno do Projeto Pedagógico da Instituição. Palavras-chave: Formação continuada; Aprendizagem Significativa; Complexidade. 2793 Introdução “Ensinar inexiste sem aprender e foi aprendendo socialmente que, historicamente, homens e mulheres descobriram que era possível ensinar” (Paulo Freire, 1996, p.26). O presente artigo referenda os estudos que os educadores de um Colégio particular da cidade de Curitiba (PR), que atuam na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, vêm desenvolvendo sobre a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos. A sustentação dos estudos nos seminários internos e nas reuniões de área (disciplinas) e de série tem como base à concepção transdisciplinar comum alicerçada na visão de mundo – realidade histórica macro e micro -, na utopia e horizonte de pessoa e sociedade desejadas, na concepção de conhecimento e método centrada na dialética da complexidade e na interdependência entre educando e educador. Nesta perspectiva, os educadores transitam por esta concepção de conhecimento e pela intervenção educativa nos encaminhamentos metodológicos e avaliativos em sala de aula e fora dela. Durante os anos de 2005 e 2006, em um processo de formação continuada, temos estudado e referendado nossa prática educacional procurando analisar e descrever o que entendemos por aprendizagem ativa e significativa, enfatizando as características dos alunos de cada série no tocante ao aprender/saber pensar, ser e agir, ou seja, como os alunos aprendem e se desenvolvem em cada disciplina (linguagem, conceitos e informações específicas) e no conjunto da série. Estes estudos buscam maior autonomia e segurança dos educadores – dentro e fora de sala de aula – em relacionar e compreender o contexto histórico e seus múltiplos cenários de aprendizagem. Enfocam ainda, a constituição de novas metalinguagens no processo de alfabetização contínua dos diversos campos do conhecimento. Entendemos que a ação educativo-formativa necessita de um trabalho diagnóstico do processo de aprendizagem e de desenvolvimento dos alunos, da turma e da série, nas dimensões do aprender/saber pensar, ser e agir. Nessa perspectiva, aprender e ensinar fazem parte de um processo dialógico que coloca o educador e o educando em situação de interação e reciprocidade diante da ação de aprender. A aprendizagem é significativa quando o conhecimento em construção estabelece uma rede de relações com a realidade/contexto histórico e social na qual os sujeitos se constituem. Desse ponto de vista, educar é um ato político que orienta desde a seleção dos conteúdos até a preocupação de como os alunos pensam e aprendem. Isso nos coloca a necessidade 2794 de reavaliar constantemente nossas práticas pedagógicas no tocante às dimensões formativa e diagnóstica do processo de ensino-aprendizagem e de aprendizagem-desenvolvimento. Assim, os estudos teóricos e a investigação prática/metodológica do(a) educador(a) que atua na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental do Colégio têm destacado os conceitos de Aprendizagem Significativa1 e Aprendizagem Ativa2. O grupo entende que quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento e quanto mais desenvolvimento, mais aprendizagem, pois a aquisição do conhecimento é simultaneamente uma atividade cognitiva e cultural. A propósito, Morin (2001) lembra que o aprendizado da auto-observação, da compreensão e da lucidez faz parte de uma busca contínua das pessoas pelo conhecimento e esta aprendizagem se inicia também na escola. Desta forma, defendemos que a necessidade de aprender perpassa pelo ato de ensinar, como argumenta Paulo Freire (1996, p.81) “ensinar a aprender só é válido quando os educandos aprendem a aprender ao aprender a razão de ser do objeto ou do conteúdo”. Portanto, aprender a aprender está ligado a aprender a ensinar, que também se relaciona a compreender como os alunos pensam, aprendem e se desenvolvem por meio do conhecimento e das estratégias que os educadores planejam. O presente artigo é parte de um contexto pedagógico específico acima relatado para situar o leitor a respeito das motivações e cenário de sua produção. Entretanto, a nossa proposta não é fazer um relato de experiência desta produção, mas sim apresentar o estudo teórico que resultou desse processo de formação continuada do grupo envolvido. Este processo vem focalizando o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano na perspectiva da complexidade que envolve o processo de construção do conhecimento. As discussões em torno do processo de construção do conhecimento na perspectiva da complexidade (Pensamento Complexo de Morin) incluem, inicialmente, a plasticidade e autoorganização do cérebro humano. Em seguida trata da Inteligência Ativa que envolve elementos como o pensar e o pensamento, o conhecer e o conhecimento. Pela ótica da Aprendizagem Ativa, este enfoque procura ainda sistematizar a relação dialógica entre o aprender e o conhecer nas 1 Para David Paul Ausubel, psicólogo da aprendizagem, a Aprendizagem Significativa ocorre quando o conhecimento faz sentido para o aluno. Isto acontece quando a nova informação apóia-se nos conceitos relevantes já existentes na estrutura cognitiva do sujeito. Neste processo, a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento específica que Ausubel chama de conceito “subsunçor”. 2 Identificamos o conceito de Aprendizagem Ativa com o conceito de Inteligência Ativa que Edgar Morin também chama de Inteligência Geral: “a educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular, ou, caso esteja adormecida, de despertar”. (MORIN, 2000, p.39) 2795 dimensões do saber pensar, ser e agir. Finalmente, traz uma reflexão sobre a importância de a escola desenvolver estudos sobre a epistemologia da aprendizagem na relação dialógica entre alunos e educadores como eternos aprendizes. O Cérebro Humano: plasticidade e auto-organização Numa perspectiva mecanicista, o cérebro/mente é concebido como um sistema compartimentado e fechado nos seus aparatos de transformação interna e de interação com as informações e estímulos percebidos do meio. O cérebro como sistema engavetado possui funções previsíveis e lineares. Ao contrário da concepção cartesiana, o cérebro/mente desafia os estudos científicos – estudos das ciências cognitivas – pela sua fantástica plasticidade de interagir com lógicas multivariantes e sistemicamente abertas que permeiam seus processos complexos, os processos ordenadores e a capacidade de relacionar diversos níveis emergentes de novidades vitais (surpresa, imprevisto), que se misturam e entrelaçam à atividade neural. O sistema dinâmico do desenvolvimento cerebral humano transita entre estados caóticos e estados ordenados, entre o equilíbrio e o desequilíbrio que garantem a flexibilidade e a criatividade para as diversas formas de aprender. (ASSMANN, 1998, p.144-145) O cérebro humano é um sistema funcional complexo e que, segundo Morin (1986, p.83-104) e Roger (1999, p. 90-93), pode ser denominado de hipercomplexo, por entendê-lo como uno e múltiplo. Portanto, a hipercomplexidade do cérebro humano é explicada pelos princípios: o dialógico, o recorrente e o hologramático. O princípio dialógico consiste em manter a unidade dentro da diversidade dos processos criadores e organizadores. O processo dialógico garante a inter-relação entre os dois hemisférios e a relação que estabelece as regras bio-antropológico-hereditárias, sociais e culturais como seres individuais e coletivos. De certa maneira, o cérebro humano é uma construção indissociada de três termos: espécie, sociedade e indivíduo. O princípio recorrente pode ser entendido como processos em circuitos em que efeitos e produtos são simultaneamente causadores e produtores. Este princípio rege a capacidade do cérebro humano de autoprodução e auto-organização. O princípio hologramático trata da totalidade do patrimônio genético que está em cada célula individualmente, pois o todo está nas partes como estas fazem parte do todo complexo e organizado. O cérebro humano é singular (indivíduo) e ao mesmo tempo é social e cultural. A tríade 2796 cérebro-mente-cultura deve ser entendida na relação que se estabelece entre indivíduo, espécie e sociedade. Inteligência Ativa: pensar e pensamento; conhecer e conhecimento. Perseguindo o conceito e as características do cérebro humano descritos acima, Morin também fundamenta que é “próprio da inteligência humana permanecer ao mesmo tempo viva, animal, individual, tornando-se espiritual e cultural, desenvolver-se aos níveis intercorrelacionados da linguagem, do pensamento, da consciência, e entender-se em todas as esferas das atividades e pensamentos humanos” (MORIN, 1986, p.166-167). Assim, a inteligência humana está interligada com redes complexas que interagem com um grande número de atores humanos, biológicos e técnicos. É esta habilidade interativa da inteligência humana que fundamenta a capacidade de aprendizagem e desenvolvimento humanos, ou seja, a capacidade de aprender na medida em que desenvolve suas habilidades de cognição-pensamento e vice-versa. Em outras palavras, as emergências podem retroagir sobre as partes, pois a cultura retroage sobre os sujeitos por meio da linguagem e do saber, e o indivíduo transforma a cultura, numa relação de simultaneidade. O ser humano é produto-produtor em relação à aprendizagemconhecimento-desenvolvimento. Este pensamento em espiral é essencial na dinâmica entre o pensar e o pensamento, entre o aprender e o desenvolvimento do processo de auto-eco-organização da construção do conhecimento na perspectiva do pensamento complexo (auto-reparar, autotransformar, auto-reproduzir...). A perspectiva da aprendizagem ativa e significativa defende entre outros princípios uma nova epistemologia da aprendizagem como explica Cachapuz (2000 p. 9-25): [...] sob o ponto de vista educacional um aluno não é uma ilha e a aprendizagem não se pode esgotar na compreensão dos processos cognitivos de como se pensa. O aluno, quer queira quer não, vive e aprende num sistema socialmente organizado, imerso em contextos e culturas que, quer ele queira quer não, mediam e condicionam a sua aprendizagem. O que está, pois, em jogo, é a construção de uma nova epistemologia da aprendizagem que seja marcada por tais novas dimensões, ou seja, em que a aprendizagem seja agora entendida (ou, numa formulação menos comprometida, também entendida) como um processo social e culturalmente mediado. A complexidade da realidade atual enfatiza a necessidade política de reconstrução do conceito de epistemologia da aprendizagem no contexto educacional. A educação precisa, nesta 2797 perspectiva, educar para a autonomia intelectual e reflexiva da práxis. Eis aqui a principal missão da educação e de seus educadores, como indica Paulo Freire (1983, p. 40): “a práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. A Aprendizagem Ativa e Significativa desloca a investigação para as relações do aluno com o mundo – signos, informações, linguagens, conceitos – e como a aprendizagem se processa pela relação do sujeito com as pessoas e consigo mesmo. Morin (1986, p.168-169) e Demo (2002, p.43-44) destacam algumas características da inteligência e da aprendizagem humanas, que adaptamos e citamos em alguns dos itens abaixo: • Capacidade de aprender por si mesmo utilizando os ensinamentos de uma experiência anterior; • Aptidão de hierarquizar o importante do secundário; • Tirar vantagens de situações fortuitas; • Capacidade de definir os meios para resoluções de problemas e desafios; • Dar sentido a mensagens ambíguas e contraditórias no contexto em que surgem; • Perceber similitudes entre situações, apesar das diferenças que possam separá-las; • Construir novos conceitos a partir da relação com conceitos anteriores e pelas possibilidades de reordená-los de maneiras novas; • Reconstruir uma configuração global, um acontecimento ou um fenômeno a partir de marcas e indícios de fragmentos da realidade; • Capacidade de agir diante do inesperado e do acaso criando situações de aprendizagem e, portanto, de desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, relacionais, organizativas e emocionais; • Capacidade de enriquecer, desenvolver, modificar a estratégia em função da experiência adquirida; • Capacidade para enfrentar, ultrapassar e inovar diante de situações inéditas; • Discernimento para reconhecer o impossível do possível e criar possibilidades de ação diante de desafios. A inteligência ativa contempla as múltiplas possibilidades de conhecer, pensar e aprender. Segundo Demo (2002, p.124): [...] o ser humano é capaz de armar contextos de oportunidades que ele mesmo pode potencializar, dependendo de saber pensar. Embora seja comum reduzir o saber pensar ao domínio do raciocínio lógico, hoje estamos longe dessa simplificação, porque já não basta observar na inteligência apenas domínios de conteúdo ou o sentido reprodutivo de 2798 informações copiadas. Saber pensar começa: 1º - Com a habilidade de auto-crítica: saber quão pouco sabe, reconhecer os limites do conhecimento[...] formular sentido de responsabilidade ética das intervenções feitas pelo conhecimento. 2º - desenvolver o pensamento crítico, para poder vislumbrar além das aparências, ideologias[...] 3º - O saber pensar precisa incluir habilidades como saber cuidar, inovar, acreditar, comunicar. Por fim, precisa incluir também a habilidade lógica. A coerência lógica da crítica do conhecimento está sempre na auto-crítica – caso contrário constrói-se um conhecimento cego – pois o conhecimento se reconstrói pela capacidade de se rever e auto-avaliar. Neste caso, o caráter reconstrutivo do conhecimento se destaca pela sua provisoriedade e possibilidade de constante aprendizagem. Para Maturana (2001, p.29), a ação de conhecer e de como se validam nossas coordenações cognitivas pertencem à vida cotidiana, desta forma, o ser humano (observador) é ponto central da reflexão e ponto de partida da reflexão. O discurso que explica algo se dá na linguagem, pois o ser humano existe na linguagem. Assim, explicar é sempre uma reformulação da experiência que se explica. Para o autor, “as explicações são reformulações da experiência, mas nem toda reformulação da experiência é uma explicação. Uma explicação é uma reformulação da experiência aceita por um observador”. De certa maneira, conhecer é saber mais do que se vê, é a capacidade de receber e dar sentido, de produzir sentido e de reconstruir novos sentidos. Para Edgar Morin (1986), pensar é pensar em movimento, que se revela por meio de um processo dinâmico e espiral de construção e reconstrução. A ação de conhecer está ligada simultaneamente às ações biológica, cerebral, espiritual, social, política e histórica. A criatividade e a criticidade são componentes fundamentais do pensamento reflexivo que busca a união das diversas dimensões de uma mesma realidade e, neste caso, o processo de reflexão e de criticidade é aprendido e ensinado pela dialógica que se estabelece no processo de ensino-aprendizagem. Para Paulo Freire (1992, p.27-28), a interação dialógica entre educador e educando é fundamental para o processo de quem “ensina aprende” e quem “aprende ensina”. Daí a importância de despertar no educando a curiosidade e a necessidade de investigação e pesquisa. A aprendizagem está integrada à vida e ao conhecimento, pois “[...] só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, com o que pode, por isto mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas”. 2799 Aprendizagem Ativa: relação dialógica entre o aprender e o conhecer nas dimensões do saber pensar, ser e agir. A união entre o conhecido e desconhecido é que estabelece o ato de conhecer e de aprender. De acordo com Morin (1986, p.61): Aprender não é apenas reconhecer o que, de maneira virtual, já era conhecido. Não é apenas transformar o desconhecido em conhecimento. É a conjunção do reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta a união do conhecido e do desconhecido. Aprender e conhecer fazem parte da dinâmica de questionar e questionar-se, de argumentar e confrontar sobre o próprio conhecimento e a realidade presente e viva neste processo dialógico do pensamento-conhecimento-realidade. Não se aprende sem rever o que já foi aprendido e só se aprende desgarrando-se do que já se aprendeu. Segundo Morin, o conhecimento constrói-se num contexto que é simultaneamente global e complexo. A educação deve tornar evidente, no processo de construção do conhecimento, o contexto, o global, o multidimensional e o complexo. Num contexto permeado pela crise de identidade, de valores, de modelos, de ética, de mercantilização da educação e de desconstrução das metanarrativas, a responsabilidade dos educadores na formação de alunos reflexivos, indagadores e pesquisadores da realidade em que vivem são sem dúvida fundamentais e imprescindíveis. Ainda segundo Morin (2001), a Educação deve estimular os alunos a formular e resolver hipóteses e problemas que estimulem o uso da Inteligência Geral, ou seja, da curiosidade, da criatividade, da capacidade de estabelecer relações, análises e sínteses, para que seja possível superar o conhecimento fragmentado e especializado (falsa racionalidade e inteligência cega). Daí novamente a necessidade e urgência de que a Educação e os educadores levem seus alunos a aprenderem, reconhecendo a realidade e o conhecimento de forma contextualizada e multidimensional. Quando captamos uma informação na televisão ou nos jornais, para conhecê-la, para compreendê-la, temos que contextualizá-la, globalizá-la. Nós a compreendemos a partir do seu contexto, e se ela faz parte de um sistema, tentamos situá-la neste sistema. Contextualizar e globalizar são procedimentos absolutamente normais do espírito e, infelizmente, a partir de certo nível de especialização, que passa a ser hiperespecialização, o fechamento e a compartimentalização impedem contextualizar e globalizar [...]. (MORIN, 1999, p. 25) 2800 Uma questão central é colocada por Assmann (1998, p.134) no tocante à aprendizagem e ao desenvolvimento do ser humano no processo de construção do conhecimento: “o que é que acontece no cognoscente ou aprendente, considerando-o como sistema dinâmico de processos vitais, quando ele vive a experiência de conhecer?” Para o autor, fomos tão acostumados que o conhecimento vem de fora, que a palavra aprender, para o senso comum, passou a significar quase à mesma coisa que receber ensinamentos. Para a Educação isto significou somente ensinar. Aprender significa saber pensar de forma autônoma e emancipada e isto também faz parte de um processo de aprendizagem, principalmente no que se refere ao contexto educacional. Por isto é fundamental aprender a aprender. Todo processo de aprendizagem manifesta-se por um processo de desenvolvimento que é simultaneamente individual e coletivo. A pessoa aprende pela interação com o outro ao mesmo tempo em que elabora individualmente esquemas e representações mentais dos conceitos, informações e da linguagem – gestual, imagética, corporal, escrita, icônica – da realidade que a cerca. De acordo com Zabala (2002), a estrutura cognitiva do ser humano é uma rede de conhecimentos que se configuram como representações que uma pessoa possui num dado contexto de sua existência sobre algum objeto de conhecimento. Este autor explica que: [...] a natureza dos esquemas de conhecimento de um aluno (a) depende de seu nível de desenvolvimento e dos conhecimentos prévios que tenha podido construir; a sua situação de aprendizagem pode ser contextualizada como um processo de contraste, revisão e construção de esquemas de conhecimentos sobre os conteúdos escolares [...] É necessário que os alunos possam atualizar seus esquemas de conhecimento, contrastá-los com o que é novo, identificar semelhanças e discrepâncias, integrá-las em seus esquemas, comprovar que o resultado têm uma certa coerência[...]. Quando isto acontece, podemos dizer que está sendo produzida uma aprendizagem significativa. (ZABALA, 2002, p.102) Para Zabala (2002, p. 103), a natureza da intervenção pedagógica estabelece os parâmetros em que se pode desenvolver a atividade mental dos alunos, passando por momentos sucessivos de equilíbrio, desequilíbrio e reequilíbrio. A intervenção pedagógica cria zonas de desenvolvimento proximal (Vygosky, 1979) que permitem aos alunos superarem desafios e desenvolverem capacidades cognitivas na construção de novos conhecimentos por meio da experiência e da atribuição de significados. Entretanto, é necessário revisitar a teoria de Piaget de forma a evitar interpretações modelizadoras, estáveis e previsíveis da aprendizagem e desenvolvimento humanos, como explica Pedro Demo (2002, p. 136): 2801 A reconstrução como tal ocorre em sua dimensão não linear, quando, de uma base dada, é possível ir muito além dela, agregando contribuição própria. O lado propriamente reconstrutivo está na contribuição própria, na inovação como tal. Reconstruir não pode reduzir-se a repor tal qual o que havia antes. Implica desbordar os limites do dado. Não se trata apenas de rearrumar, mas de, sabendo desarrumar, arrumar de outra forma, de tal sorte que o processo determina resultados criativos. Na verdade, a natureza assim procede igualmente: não inventa novos elementos do nada, mas, tomando os dispositivos, rearranja-os de tal sorte que os saltos criativos ocorrem... Piaget manejava esquema similar, ainda que hoje sofra inúmeras críticas de estruturalismo ou cognitivismo: chamava de equilibração o processo pelo qual, a cada nova fase, a pessoa reorganiza o que já aprendeu e lança para outro patamar mais elevado e complexo. Em termos hermenêuticos, temos a referência cultural – não se aprende sem rever o que já se aprendeu – e, de outro, o salto para o futuro – não se aprende sem deixar para trás o que já aprendeu. A reconstrução supõe a desconstrução, que pode ser mais ou menos violenta, mas não escapa tanto da referência cultural, quanto da quebra de rotina. A aprendizagem ativa enfatiza a experiência que permite desenvolver os processos cognitivos e estabelecem as relações necessárias na atribuição de significados. A necessidade de intervenção no contexto da aprendizagem precisa enfatizar o desenvolvimento de esquemas mentais e capacidades cognitivas – em suas infinitas dimensões que busquem a autonomia, a reflexibilidade, a criatividade e a criticidade na formação das crianças e jovens, contemplando segundo Zabala (2002 pp. 113-126): • O que sei e o que penso: auto-reflexão e metacognição; • Aprender a aprender; • O sentido e o significado: atitude favorável e motivação; • O conceito que temos de nós mesmos (auto-conceito) e a estima que temos por nós (autoestima); • As características da tarefa proposta: saber o que se pretende e sentir que aquilo atende a uma necessidade; • O conhecimento sobre a própria aprendizagem; • A avaliação que se fará do conhecimento construído. Assim, é preciso promover uma educação problematizadora que integre o conhecimento educacional com o estudo da realidade em que se vive – almejando ação e reflexão sobre a mesma – e que promova a integração entre educador e educando. As relações de identidade que criamos sobre nós mesmos e o mundo são fabricadas multidimensionalmente pelas referências afetivas, imaginárias e representativas que temos em relação a nós mesmos e em relação ao nosso próximo. Referências que se justapõem, fabricando assim uma compreensão e uma inteligibilidade que orientam o nosso processo auto-referencial contínuo: ser, pensar e sentir fundam uma unidade dialógica, tecida por 2802 uma multidão de fios da complexidade subjetiva e da complexidade de compreensão do mundo real. (SÁNCHEZ, 1999, p.182-183) O processo de construção do conhecimento implica em esforço, dedicação, desconstrução, emoção e prazer – sem cair no reducionismo da motivação pela motivação – e envolve também um processo de avaliação e auto-avaliação para que se possa reagir, entender, contestar e reconstruir o processo de aprendizagem e de desenvolvimento desta relação dialógica entre o aprender e o conhecer nas dimensões do saber pensar, ser e agir. Conclusão “Daí que seja profética e, como tal, esperançosa. Daí que corresponda à condição dos homens como seres históricos e a sua historicidade. Daí que se identifique com eles como seres mais além de si mesmos – como ‘projetos’ - como seres que caminham para frente, que olham para frente; como seres a quem o imobilismo ameaça a morte; para quem o olhar para trás não deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro. Daí que se identifique com o movimento permanente em que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem inconclusos; movimento que é histórico e que tem o seu ponto de partida, o seu sujeito, o seu objetivo. O ponto de partida deste movimento está nos homens mesmos [...] o movimento parte das relações homens-mundo”. (FREIRE, 1983, p.84-85) A criatividade e a criticidade são as principais marcas do conhecimento e dos seus sujeitos de interação. Não existe um modelo para a criação e reflexão sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humano em relação ao conhecimento e a realidade em que vivemos. A construção do conhecimento por si só carrega a dúvida porque não elimina o inesperado e as certezas passageiras. Como pensar a educação nos meios acadêmicos cercados por métodos e modismos que aprisionam as diferentes possibilidades de criação e inovação, de aprendizagem e desenvolvimento? Durante muito tempo, os métodos únicos e fechados foram redentores das soluções para os problemas pedagógicos e se configuravam como modelos pelo atestado de cientificidade. Os critérios que cercavam a aprendizagem e as ‘metas a serem atingidas’ eram – e ainda são - uniformizados pela relação monológica entre ensino-aprendizagem, portanto, a concepção de ensino e de aprendizagem está diretamente relacionada com a concepção cartesiana de conhecimento e de educação. A concepção de educação permeia a visão que se tem de mundo, de vida, de pessoa, de conhecimento e de utopia. Todos os educadores se formam continuamente diante destas perspectivas e dilemas em relação às suas concepções e práticas enquanto sujeitos-educadores. É 2803 neste contexto e perspectivas que os alunos também são “formados”, “educados” e se relacionam com a sociedade. A Escola atual tem cometido equívocos, principalmente por não conseguir se afastar de uma educação conservadora e bancária, como já disse Paulo Freire. Hoje, a educação tem se assemelhado cada vez mais a um mercado de consumo, cuja mercadoria principal é o conhecimento, muitas vezes dissociado da realidade e estéril em criticidade. Assim, o conhecimento educacional perde o seu caráter transformador e emancipatório, pois se desvincula do seu caráter formativo e humano e, principalmente, se desvincula dos diversos processos de aprendizagem e de desenvolvimento das trajetórias individuais e coletivas das pessoas que fazem parte do contexto educacional. Este tipo de formação e de conhecimento, na escola, mata nos educadores/educandos a curiosidade, o espírito investigador e a criatividade. A epistemologia da aprendizagem está intimamente ligada à perspectiva da construção de um projeto social e educacional que envolve a dimensão de tempo presente, passado e futuro, não numa perspectiva linear, mas de envolvimento com o próprio presente. É fundamental que a educação esteja voltada para a formação de educadores e de educandos que compreendam a relação entre a realidade vivida, a concepção de ciência nos seus pressupostos de complexidade, a concepção de educação como sistema aberto, o conhecimento transdisciplinar e a relação dialógica entre alunos e educadores como eternos aprendizes. Estes princípios contemplam a relação política entre conhecimento e educação emancipatória na formação de educadoreseducandos com compromisso de cidadania e integridade social. São estas referências que acreditamos ser fundamentais no processo de aprendizagem ativa e significativa que precisamos perseguir nas escolas e na trajetória de formação e atuação profissional como educadores. 2804 REFERÊNCIAS ASSMANN, Hugo. Metáforas para reencantar a educação – epistemologia e didática. 2. ed. Piracicaba, SP: Unicamp, 1998. CACHAPUZ, Antonio F. A procura da excelência na aprendizagem. Série Estudos. Periódicos do Mestrado em Educação da UCDB. Campo Grande, n. 10, pp. 9-25, dezembro, 2000. COLL, César et al. Desenvolvimento, Psicologia e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. DEMO, Pedro. Complexidade e Aprendizagem: A dinâmica não linear do conhecimento. Ed. Atlas. São Paulo. 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1983. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. 10 ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992. P.27 e 28. 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