Morfologia Indo-europeia I os nomes

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Morfologia Indoeuropeia I
os nomes
HL353 - LINGUÍSTICA INDO-EUROPEIA II
MÁRCIO R. GUIMARÃES
14.09.16
Generalidades sobre a declinação dos nomes
• Nas línguas indo-europeias mais antigas (védico, grego, latim) os nomes
apresentavam declinações de gênero (masculino, feminino, neutro), número
(singular, dual e plural) e caso (nominativo, genitivo, acusativo, vocativo, num
nível básico, e dativo, ablativo, locativo, instrumental).
• A análise comparativa tradicionalmente (desde Franz Bopp) considera a flexão
como uma característica mais recente da língua, que apresenta sérios vestígios
de ter estágios mais antigos não flexionais.
• Bopp, por exemplo, via o –s do final dos nominativos como a aglutinação do
pronome *so.
Os casos básicos
N.
*djéus “céu”
dyáus
Ζεύς
diē
Ac.
*djém, *dijém
dyám
Ζῆν
diem
V.
*djeu
dyáu
Ζεῦ
Iu-(piter)
G.
*diwós
divás
ΔιϜός
Iouis
N.
*gwōus “boi”
gāus
Βοῦς
bōs
Ac.
*gwóm
gám
Βῶν
bouem
G.
*gwóu-s
gós
ΒοϜός
bouis
Origem dos casos
• Os estudiosos não estão em acordo com relação à origem dos casos.
• Com relação aos gêneros, em geral há acordo de que o feminino é mais recente
secundário e que a língua mais antiga tinha uma oposição entre animado e
inanimado.
• Alguns estudiosos veem no fato de que o neutro apresenta as mesmas desinências
para o nominativo e o acusativo um vestígio de uma fase “ergativa” (de resto, o hitita
apresenta um sistema de oposição ergativa para nomes inanimados). Adrados (p.
141) acha que o argumento mais forte contra a hipótese ergativa é o fato de que não
há o mínimo vestígio de um tratamento diferente para verbos transitivos e
intransitivos.
Origem dos casos – ergativo?
• Línguas ergativas fazem uma distinção entre sujeitos de verbos transitivos
(marcados com o caso ergativo), por um lado, e sujeitos de verbos intransitivos e
objetos diretos de verbos transitivos (marcados com o caso absolutivo). Veja-se
os exemplos abaixo, do ávaro, uma língua do Cáucaso (extraídos de Anderson,
1976: 4):
(1)
vas
v-eker-ula
menino
m-correr-PRES
"o menino corre"
Origem dos casos – ergativo?
(2)
šiša
b-ek-ana
garrafa
n-quebrar-PASS
"a garrafa quebrou"
(3)
vas-as
šiša
b-ek-ana
menino-ERG
garrafa
n-quebrar-PASS
"o menino quebrou a garrafa"
Origem dos casos – ergativo?
• As línguas de nominativo opõem, de um lado, sujeitos de verbos transitivos e
intransitivos (marcados com o caso nominativo) a objetos diretos de verbos
transitivos (marcados com o caso acusativo). É o que ocorre em latim:
(4)
ciue-s
curri-t
cidadão-NOM correr-3.sg.
"o soldado corre"
Origem dos casos – ergativo?
(5)
dominu-s
ciue-m
uedi-t
senhor-NOM
cidadão-AC
ver-3.sg.
"o senhor vê o cidadão"
(6)
ciue-s
dominu-m
cidadão-NOM senhor-AC
"o cidadão vê o senhor"
uedi-t
ver-3.sg.
Origem dos casos – ergativo?
• A desinência //-m// marca o nominativo neutro, que na prática não se distingue do
acusativo; na prática, é como se os nomes neutros seguissem o caso absolutivo:
(7)
ciue-s
saxu-m
moui-t
cidadão-NOM
pedra-AC
mover-3.sg.
"o cidadão move a pedra"
(8)
saxu-m
moui-t
pedra-NOM
mover-3.sg.
“a pedra se move”
Origem dos casos – ergativo hitita?
• O Hitita parece guardar vestígios mais antigos de um período em que o PIE era
uma língua de ergativo. Na verdade, o Hitita é comumente descrito (cf.Hoffner
& Melchert, 2008: 67) como uma língua que mescla os dois sistemas – o chamado
split de ergativo. Em hitita, os nomes recaem sobre duas grandes categorias de
gênero: animado e inanimado. Os nomes do gênero animado distinguem um
nominativo (marcado com uma desinência //-aš//) e um acusativo (marcado com
uma desinência //-an//):
Origem dos casos – ergativo hitita?
(9)
*att-aš
antuḫš-an
kuenzi
pai-NOM
pessoa-AC
matar3.sg.
"o pai matou uma pessoa"
(10)
*antuḫš- aš
att-an
kuenzi
pessoa-NOM
pai-AC
matar3.sg.
"uma pessoa matou o pai"
Origem dos casos – ergativo hitita?
• Por outro lado, os nomes do gênero inanimado não recebem marca diferente quando são
sujeitos de verbos intransitivos ou objetos diretos de verbos transitivos:
(11)
*tuppi
kuedani tuwarnizzi
tablete
este
quebrar3.sg.
"este tablete quebrou"
(12)
kaša-kan kī
tuppi
kuedani UD-ti
dia-LOC
REL
tablete
este
"no dia em que eu enviei este tablete para ti"
neḫḫun
para ti
enviar-1sg..
Origem dos casos – ergativo hitita?
• Porém, quando um nome inanimado figura como sujeito de um verbo transitivo,
ele recebe uma terminação //-anza//, que marca o caso ergativo:
(13)
maḫḫan-ta kāš
tuppi-anza
anda
wemiyazzi
quando
tablete-ERG
2.sg.AC
atingir3.sg.
"quando este tablete chegar a ti"
Origem dos casos
• De acordo com dados de todas as línguas, os temas puros (sem –s) podiam funcionar
tanto como acusativo como nominativo. Isso demonstraria uma origem secundária,
mais recente para essa desinência.
• Para grande parte dos autores, -s e –m seriam derivados de antigos demonstrativos
aglutinados aos nomes. Adrados observa que os demonstrativos que se quer
enxergar nesses pronomes em geral tinham mais corpo fonético. Além disso, não há
uma teoria que explique a passagem dos demonstrativos para os casos.
• Adrados entende que a origem do –s seria um alargamento “não semântico” que
podia ou não ocorrer ao final dos temas, e que depois seria generalizado como
marcação de nominativo singular, genitivo e plural.
Origem dos casos
• A noção de “alargamento não semântico” me parece mais obscura que a de um
demonstrativo ou uma marca de ergativo. Talvez a ligação com esses
significados deva ser excluída, mas provavelmente estamos diante de um
elemento que teve uma significação diferente dos casos e que passou a ter essa
significação por força do contexto em que se encontrava.
• Mas é muito estranha a ideia de “alargamentos não-semânticos”. Via de regra,
um elemento pequeno colocado em uma posição (partícula), com função
gramatical provém de um elemento maior que era colocado nessa posição e que
tinha um significado mais lexical (teoria da gramaticalização).
Origem dos casos
• Partículas incluídas ao final do nome sempre têm uma função. As partículas do
grego, às vezes, podiam ser traduzidas por advérbios, mas na maior parte das
vezes tinham o efeito de marcas de expressão, conseguidas em outras línguas
com modulações de voz:
• gr. γέ:
• εὖ γέ! καλόν γέ! “ótimo!”, “excelente”
• al. doch, mal:
• Komm doch mal! “Venha! (enfatizando o convite)”
Origem dos casos
• Marcadores de foco do latim:
- Tu-te
vidisti?
“Tu mesmo viste?”
- Egomet, inquam.
“eu mesmo, eu te digo”
(Plauto, Mo. 369)
• Marcador de foco *-p e *-se e -pse:
• nempe, quippe
• id+-p-se:
ipse (eapse, eōpse, sapsa, sumpse)
Origem dos casos
• Partículas enfáticas, marcadores de foco (ou até de foco) são candidatos
interessantes para morfemas que viriam a se tornar as desinências dos casos
nucleares em PIE.
• De qualquer forma, o argumento contra uma origem demonstrativa dos
morfemas //-s// e //-m// não está excluída.
Origem dos casos
• Lehmann (1958) propõe que a origem das marcações de caso (e gênero) provêm
de sufixos derivacionais:
*-s:
um objeto único, especificado
*-m:
objeto não ativo, resultado da ação (tb. “lugar onde”)
*-h:
coletivo (ou aumentativo)
*-:
extrassintático (origem do vocativo)
Origem dos casos
• Há vários casos de oposição entre uma forma em –m e uma forma em –s de uma
mesma raiz:
Skt. mitrás “amigo”
mitrám “amizade”
parśus “costela”
pārśvám “região das costelas”
padám “pegada” da raiz pad- [< *ped- “pé”]
Origem dos casos
• O genitivo [originalmente também em –s] se originaria de uma forma
acentualmente diferente, utilizada primeiramente como atributivo:
φόρος
“tributo, pagamento”
φορός
“um carregante [um vento favorável]”
Forma nuclear:
V-V-s
Forma atributiva:
V-V-s
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