Relato de Caso Trombo Pedunculado com Aspecto de Rato Branco ao Nível da Transição entre a Aorta Ascendente e o Arco Aórtico. Importância da Janela Supraesternal ISSN 1984 - 3038 Rev bras ecocardiogr imagem cardiovasc. 2010; 23(3):116-118 Pedunculated Thrombus Liked “white mouse” at the Transition of Ascending Aorta to the Aortic Arch. The Importance of Suprasternal Views Rudyney EU Azevedo1, Cláudio H Fischer2, Orlando Campos Filho3 RESUMO Neste relato, é apresentado um caso de placa aterosclerótica complicada, com trombo móvel pedunculado ao nível da transição da aorta ascendente para o arco aórtico, demonstrando a importância da realização da investigação ecocardiográfica, com a inclusão da janela supraesternal, muitas vezes, negligenciada nos exames ecocardiográficos transtorácicos de rotina. O termo rato branco deve-se ao fato de a estrutura adquirir esse aspecto ao exame em tempo real. Descritores: Aterosclerose, Trombose, Aorta, Ecocardiografia SUMMARY We demonstrate here an atheromatous plaque with intimal erosion and pedunculated mobile thrombus at the transition of the ascending aorta to the aortic arch. This case reinforces the importance of echocardiography investigation with suprasternal views in conventional transthoracic echocardiographic studies. The expression “white mouse” is due to a thrombus aspect with a highly mobile. Descriptors: Atherosclerosis; Thrombosis; Aorta; Echocardiography Introdução Relato de Caso A presença de placa aterosclerótica com erosão da camada íntima arterial cria substrato para fenômenos tromboembólicos frequentes, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. O objetivo deste relato de caso é demonstrar a importância da realização da janela supraesternal, muitas vezes, negligenciada nos exames ecocardiográficos transtorácicos de rotina, capaz de detectar essa grave complicação da aterosclerose aórtica. Homem de 64 anos de idade, hipertenso, com hepatopatia alcoólica e história prévia de acidente vascular cerebral. Admitido no pronto socorro referindo dispneia aos esforços, hematúria, sem novas queixas neurológicas na ocasião. O ritmo cardíaco era regular e não apresentava sinais evidentes de insuficiência cardíaca congestiva. Os exames de laboratório mostraram leucocitose e distúrbio de coagulação (INR 3,98). O exame Instituição Universidade Federal de São Paulo. São Paulo-SP – Brasil Serviço de Ecocardiografia do Hospital São Paulo. Disciplina de Cardiologia da Escola Paulista de Medicina. Correspondência Rudyney E. U. Azevedo Disciplina de Cardiologia - Hospital São Paulo Rua Napoleão de Barros, 715 - 10º andar – Vila Clementino 04024-002 – São Paulo-SP – Brasil Telefone e Fax: 55 11 55710047 [email protected] Recebido em: 27/01/2010 - Aceito em: 28/01/2010 116 1. Médico Cardiologista. Pós-Graduando da Disciplina de Cardiologia da UNIFESP–EPM (Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina). São Paulo-SP 2. Doutor em Ciências da Saúde. Médico Assistente do Setor de Ecocardiografia da UNIFESP– EPM. (Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina). São Paulo-SP 3. Médico. Professor Adjunto e Doutor em Cardiologia. Chefe do Laboratório de Ecocardiografia da UNIFESP-EPM. (Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina). São Paulo-SP Azevedo REU, et al.Trombo Pedunculado com Aspecto de rato branco ao Nível da Transição entre a Aorta Ascendente e o Arco Aórtico. Importância da Janela Supraesternal. ecocardiográfico transtorá- Figura - 1: Janela supraesternal (plano longitudinal). Seta: trombo. cico evidenciou ventrículo esquerdo com função sistólica preservada, no limite inferior da normalidade (fração de ejeção: 0,55) e disfunção diastólica leve (alteração do relaxamento do ventrículo esquerdo), com discreta hipertensão pulmonar (pressão sistólica arterial pulmonar: 45mmHg). Porém, na realização da janela supraesternal (Figuras 1 e 2 e vídeo), foi evidenciada imagem sugestiva de trombo pedunculado, ao Figura - 2: Janela supraesternal (plano transversal) nível da aorta ascendente, na transição para o arco aórtico, com aspecto de rato branco, extremamente móvel. Após o exame, o paciente evoluiu com rebaixamento do nível de consciência e parada cardíaca em assistolia, culminando em óbito. À necropsia, a estrutura móvel no arco aórtico foi descrita à macroscopia como formação polipóide, irregular, escura, friável, medindo 3,8 x 2,4 x 1,0cm. A microscopia revelou hemáceas e fibrinas (Legendas: Ao: aorta, AP: artéria pulmonar direita, AE: átrio esquerdo, seta: trombo) aderidas a fragmento de arté- Legenda do vídeo: Janela supraesternal, plano longitudinal; imagem sugestiva de trombo pedunculado, ao nível da aorta ascendente, na transição para o arco aórtico, com aspecto ria elástica, compatível com de rato branco, extremamente móvel trombo, além de aterosclerose nas camadas íntima e média e presença de eroda, na região do arco aórtico, foi o fator desencasão na camada íntima. deante da formação do trombo mural, cuja mobilidade já pressupunha o alto potencial embolígeno Discussão dessa estrutura. O termo rato branco apenas descreve de maneira ilustrativa a configuração peculiar A presença de trombo pedunculado é rara em do trombo à ecocardiografia. Uma embolização de conduto arterial de alta pressão e fluxo. Entretanum fragmento desse trombo, provavelmente, relato, suas complicações são graves, decorrentes dos cionou-se com o acidente vascular cerebral prévio eventos tromboembólicos recorrentes ou não, mare com o evento fatal, uma vez que não havia, apa1 cados com sequelas extracardíacas e/ou cardíacas . rentemente, outros fatores tromboembólicos como No presente caso, a placa aterosclerótica ulceraa presença de disfunção ventricular esquerda, com 117 Rev bras ecocardiogr imagem cardiovasc. 2010; 23(3):116-118. ou sem áreas discinéticas ou fibrilação atrial. O tratamento da trombose associada à úlcera aterosclerótica, complicada por embolia encefálica ou periférica, pode ser feito com anticoagulação plena nos pacientes com alto risco para procedimentos cirúrgicos, considerado, por alguns, como tratamento preferencial, seguro e eficaz, com a realização de circulação extracorpórea associada à hipotermia profunda e parada circulatória total2. Neste caso específico, a anticoagulação com heparina ou dicumarínicos estaria limitada e contraindicada, pela alteração de coagulação resultante da hepatopatia crônica. Contudo, a rápida evolução do paciente para óbito impediu adotar as medidas terapêuticas cabíveis, em tempo hábil. A ecocardiografia é um método essencial na avaliação das patologias da aorta, podendo revelar lesões ulcerativas na camada íntima e trombos, sobretudo com a realização do ecocardiograma transesofágico, caracterizando as placas ateroscleróticas complexas complicadas por trombos móveis (debris) de alto poder emboligênico3. A realização de tomografia computadorizada e ressonância magnética também devem ser consideradas, quando houver dúvidas. Como parte integrante do exame ecocardiográfico transtorácico, a janela supraesternal pode ser obtida, posicionando-se o transdutor acima do manúbrio, estando o paciente confortavelmente posicionado com o pescoço em hiperextensão, com o índice do transdutor direcionado para o lado esquerdo do paciente, com o feixe de ultrassom em posição de 2h. 118 Múltiplos planos longitudinais podem ser obtidos dessa projeção, pela simples inclinação anterior e posterior do feixe de ultrassom (Figura 1). O plano transverso (Figura 2) é obtido pela rotação antihorária do transdutor em 90°4. Esse caso reforça a importância da realização da janela supraesternal de rotina, nos exames ecocardiográficos transtorácicos, devido à grande quantidade de informações da aorta ascendente, arco aórtico e vasos da base obtidos através dessa janela acústica. Agradecimentos Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Ecocardiografia, Disciplina de Cardiologia, Escola Paulista de Medicina – Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Referências 1. Lozano P, Gomez FT, Julia J, M-Rimbau E, Garcia F. Recurrent embolism caused by floating thombus in thoracic aorta. Ann Vasc Surg. 1998;12(6):609-11. 2. Stollberger C, Kopsa W, Finsterer J. Resolution of na aortic thrombus under anticoagulant therapy. Eur J Cardiothorac Surg. 2001;20(4):880-2. 3. Gabelmann M, Geibel A, Redecker M, Fraedrich G, Just H. The aortic arch as source of thromboembolism events: significance of echocardiography diagnosis. Z Kardiol. 1995;84(9):729-32. 4. Feigenbaum, H. Feigenbaum’s echocardiography. 6th ed. Philadelphia:Lippincott Williams & Wilkins;2005.