A união faz a força1 Ricardo Seitenfus2 « O tom que ganharem os organismos internacionais ao longo do tempo definirá o que pode ser e o que podemos fazer com aquilo que chamamos de globalização ». Caetano Veloso Aplica-se igualmente às relações internacionais o dito popular evocado no título deste artigo. A cooperação, ao contrário da autarquia, permite aos Estados e sociedades uma gestão compartilhada dos bens coletivos, capaz de concretizar objetivos inalcançáveis isoladamente. Ao organizar-se em sociedade, o homem obteve bens como o alimento e a segurança graças à associação. O surgimento do Estado traz consigo essa experiência milenar. Muitas formas de cooperação, particularmente alianças militares, foram estabelecidas. Todavia, até o século XIX, a história é marcada pelo que poderíamos denominar de « cooperação negativa », empenhada em manter o status quo ou a subjugar outros grupos humanos. As alianças e os tratados contendo cláusulas secretas encontram-se na gênese da maioria das guerras. Durante a segunda metade do século XIX, surgem os indícios de que as relações internacionais poderiam vir a ser algo distinto de um rosário de conflitos. Os organismos de cooperação técnica internacional, em particular na área das comunicações e do comércio, dão inicio a uma fase extraordinária tanto pelo seu alcance quanto pela agenda positiva que a caracteriza. É, porém, no século passado que se desenvolve o potencial das organizações internacionais (OI). Apos uma primeira tentativa fracassada em 1 Artigo elaborado com exclusividade para o Jornal do Comércio por ocasião do I Congresso Euroamericano de Direito e Relações Internacionais : OMC, ALCA, MERCOSUL e os interesses nacionais, Recife 20 à 22 de maio de 2004. 2 Doutor em Relações Internacionais pelo Institut Universitaire des Hautes Etudes Internationales da Universidade de Genebra (Suiça) e Professor Titular de Direito Internacional Público e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (RS, Brasil). Diretor da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA) e autor, entre outra obras, do Manual das Organizações Internacionais, Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2003, 3a. edição, 316 p. Suas mais recentes obras são O Brasil vai à Guerra, Editora Manole, São Paulo, 2003, 3a. edição, 365 p., Relações Internacionais, Editora Manole, São Paulo, 2004, 267 p. e Legislação Internacional (org.), Editora Manole, São Paulo, 2004, 1960 p. 1928, com o Pacto de Paris, finalmente a Carta das Nações Unidas (1945) consagra o princípio da segurança coletiva e, sobretudo, considera ilegal a guerra de conquista. Pela primeira vez na história da Humanidade, a conquista territorial – motivada pela malfadada colonização – deixa de ser um dos atributos da política externa dos Estados. Na área político-diplomática, as OI participam da construção de regras que permitem o convívio entre sistema políticos rivais e impedem uma Terceira Guerra Mundial que teria efeitos catastróficos, em razão da sempre possível utilização de armas nucleares. O processo de descolonização, que multiplica por quatro o número de Estados, foi possível graças às OI. Contudo, estas não conseguem evitar uma sucessão de conflitos, considerados de baixa intensidade e de alcance regional, que vitimam, no entanto, 50 milhões de pessoas entre mortos, feridos e refugiados. Os desequilíbrios internacionais nos campos econômico, social e cultural constituem grandes desafios para as OI. Elas os enfrentam com os meios que os Estados desenvolvidos concordam em lhes oferecer. Por essa razão, escassos são os resultados. O desenvolvimento desigual e assimétrico permanece sendo a tônica das relações internacionais e ele somente poderá ser vencido com a participação ativa das OI. As OI públicas são aquilo que os Estados, seus criadores, desejam que elas venham a ser. Portanto, sua suposta autonomia de vontade está condicionada ao bem (ou ao mal) querer dos Estados-membros. Elas refletem uma estágio determinado da historia da Humanidade. Elas tanto podem indicar um patamar superior da civilização quanto podem conceder previsibilidade às relações internacionais, ou ainda dar aparente legitimidade à força dos Estados mais fortes. Não surpreende, portanto, que as OI sejam objeto de virulentos ataques da ala mais radical do Partido Republicano dos Estados Unidos e de parte ponderável de sua opinião pública, bem como dos movimentos contrários à globalização reunidos no Fórum Social de Porto Alegre. Sendo a única superpotência que restou após o final da Guerra Fria, é compreensível que a atual administração dos Estados Unidos se oponha às OI e às regras basilares do convívio internacional. Ao monopolizar a força, Washington repudia o Direito. A recente vitória brasileira na OMC contra os subsídios agrícolas dos Estados Unidos é mais um indicador dos limites do superficialismo maniqueísta dos movimentos supostamente de esquerda quando analisam o papel das OI nas relações internacionais. A ignorância da maioria junta-se à má fé de alguns que manipulam consciências. No entanto, o dilema é límpido. O que é melhor para a Humanidade : a selvageria que caracteriza um mundo sem regras e sem normas, ou a presença de um guarda-florestal, embora desarmado, que se esforça em coibir os abusos e preservar os direitos dos mais débeis ? Resultante de uma vontade coletiva de homens e de Estados, as OI podem ser acusadas de muitos males que afetam as organizações burocráticas. Mas elas não são mais do que o termômetro que mede a febre das relações internacionais. Será necessário que elas se transformem em médico para tentar resolver os males do mundo. E esse é o sentido que deverá ter a globalização, caso contrário a Humanidade inteira mergulhará nas trevas, onde reinam os interesses de poucos. Este é o sentido atual da defesa do multilateralismo prepotência. e das OI contra os assaltos do unilateralismo e da