estudo da microhidrodinâmica de emulsões pelo

Propaganda
ESTUDO DA MICROHIDRODINÂMICA DE EMULSÕES PELO MÉTODO
INTEGRAL DE CONTORNO
Taygoara Felamingo de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PUC-Rio
[email protected]
Resumo: Este trabalho trata da caracterização da microhidrodinâmica de uma emulsão utilizando uma técnica numérica
conhecida como Método Integral de Contorno. São estudadas emulsões em que as fases dispersa e contínua são compostas
pro fluidos newtonianos. Na formulação do problema considera-se emulsões diluídas (concentração de fase dispersa
inferior a 30 %) nas quais os distúrbios hidrodinâmicos produzidos por uma gota não são percebidos pelas suas vizinhas.
Também considera-se que na escala das gotas o escoamento é livre de efeitos de inércia. Uma formulação em termos de
integrais de superfície é utilizada pata representar o distúrbio hidrodinâmico produzido por uma gota em sua vizinhança.
A partir dessa representação deriva-se um método numérico que capaz de determinar a forma da gota quando sujeita a
um escoamento qualquer. São apresentadas comparações entre resultados numéricos e experimentais para escoamentos
cisalhantes e extensionais, disponíveis na literatura. Também são feitas comparações com resultados de teorias assintóticas
para escoamento cisalhante no limite de altas razões de viscosidade. Verifica-se a boa concordância entre os resultados
em todas as comparações feitas, indicando que a ferramenta numérica é adequada para o estudo de emulsões.
Palavras-chave: emulsões, Microhidrodinâmica, Método Integral de Contorno.
1. INTRODUÇÃO
Uma emulsão é uma mistura bifásica de dois líquidos em que um encontra-se disperso no outro na forma de microgotas. Normalmente, emulsões provêm de um processo de geração e ruptura de gotas em um par de fluidos, definindo
uma fase dispersa e outra contínua. Em grande parte das aplicações, as pequenas dimensões das gotas permitem que a
mistura seja tratada como um fluido equivalente, cujo comportamento mecânico está intrinsecamente ligado à dinâmica da
microescala. Tipicamente, emulsões são fluidos não newtonianos. De fato, ainda que ambas as fases sejam constituídas
de materiais simples, como água e óleo, os fenômenos físicos complexos que ocorrem na escala das gotas fazem com
que o fluido equivalente apresente comportamento não linear em diversos casos. A importância do estudo da reologia
de emulsões reflete-se na grande variedade e abrangência de suas aplicações. Informações detalhadas sobre o comportamento mecânico desse tipo de suspensão são muito importantes em diversos setores das indústrias do petróleo, como no
transporte de misturas de água e óleo por tubulações e no próprio processo de extração, farmacêutica, de cosméticos e
alimentícia. Estudos sobre a mecânica da microcirculação sangüínea e, mais recentemente, o desenvolvimento de técnicas
de monitoramento e transporte de drogas injetadas no organismo têm sido possíveis com o uso de emulsões reológicomagnéticas. A caracterização desse tipo de emulsão também é de grande interesse em processos de separação industrial e
remoção de óleo do meio ambiente.
O estudo do comportamento mecânico de emulsões começa com a análise de suspensões diluídas. Dentre os trabalhos
pioneiros nesta área destaca-se o cálculo da viscosidade efetiva de uma suspensão diluída de partículas sólidas realizado
por Einstein (1906). Taylor (1932) chegou a uma expressão análoga, mas para uma emulsão diluída de gotas esféricas.
Estudos sobre a deformação de gotas em escoamentos cisalhantes simples foram também realizados por Taylor (1934).
Nesse trabalho, o autor definiu uma medida de deformação da gota. Trabalhos subseqüentes, em que pequenos desvios da
forma esférica são considerados, foram realizados por alguns autores. Schowalter et. al. (1968) consideram uma primeira
ordem da deformação da gota, recuperando efeitos não lineares como diferença de tensões normais. Utilizando um método
de perturbação regular com um parâmetro pequeno genérico, Frankel & Acrivos (1970) estudaram o comportamento de
emulsões em cisalhamentos oscilatórios, mostrando efeitos de memória da emulsão em regimes de pequenos números
de capilaridade e moderadas razões de viscosidade ou regimes de moderados números de capilaridade e altas razões
de viscosidade. Rallison (1984) fornece um sumário de grande parte da teoria de pequenas deformações de gotas em
escoamentos cisalhantes.
Estratégias numéricas para o estudo de emulsões são disponíveis e diversos artigos podem ser encontrados na área.
Grande parte deles utiliza uma formulação integral de contorno para escoamentos de Stokes, como a apresentada por
Ladyzheskaya (1969). A formulação de integral de contorno tem a vantagem de transformar o problema tridimensional
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
do escoamento ao redor de uma gota em um problema de superfície em duas dimensões, o que reduz drasticamente o
esforço computacional necessário. Uma implementação pioneira desse método é devida a Youngren & Acrivos (1975),
que estudaram o problema de determinar o escoamento de Stokes ao redor de uma partícula rígida de forma arbitrária.
Rallison & Acrivos (1978) utilizaram a mesma metodologia para estudar a deformação e as condições de ruptura de
uma gota, comparando seus resultados com trabalhos teóricos disponíveis na literatura (Barthès-Biesel & Acrivos, 1973).
Estudos sobre a geração de emulsões concentradas utilizando esquemas numéricos com malhas adaptativas são feitos por
Cunha & Loewenberg (2003a ). Também a aplicação da formulação de integrais de contorno é aplicada para escoamentos
de Stokes compressíveis por Cunha et. al. (2003b ). Recentemente , Bazhlekov et. al (2003) utilizaram o Método Integral
de Contorno para estudar a ruptura de gotas de altas razões de viscosidade em escoamentos cisalhantes, após terem sofrido
a ação de uma extensão pura.
Nesse contexto, o objetivo principal deste trabalho é utilizar o Método Integral de Contorno para prever as características reológicas de uma emulsão. Para isso uma formulação em termos de integrais na superfície da gota, que descreve
o campo de velocidade nessa mesma superfície, é utilizada para a solução de uma equação evolutiva para a geometria
da gota. Comparações com dados experimentais disponíveis na literatura para parâmetros associados à forma da gota
são feitas. Para o limite de gotas com alta razão de viscosidade também são feitas comparações entre resultados para a
geometria das gotas.
2. MODELO MATEMÁTICO
2.1 Microhidrodinâmica
Na abordagem proposta para o presente estudo de reologia de emulsões pretende-se realizar uma análise na escala das
gotas para prever o comportamento macroscópico da suspensão como um fluido equivalente. Considerando que a gota é
convectada pelo escoamento, é razoável admitir que uma escala característica da velocidade experimentada pela partícula,
Ua , é dada por Ua = γ̇c a, em que γ̇c é uma taxa de cisalhamento típica daquele escoamento e a o diâmetro da gota
não deformada. Nestas condições, o número de Reynolds fica definido como Rea = a2 γ̇c /ν, em que ν é a viscosidade
cinemática da fase contínua. Se tomarmos, por exemplo, uma gota de óleo de diâmetro a = 10µm, em água, supondo que
γ̇c ≈ 1Hz, então o número de Reynolds do escoamento externo é Rea ≈ 10−4 , ou seja Rea ¿ 1. Conseqüentemente,
o Reynolds do escoamento interno a gota também é muito pequeno, isto é, Reg = Rea /λ ¿ 1, desde que λ = O(1),
em que λ é a razão entre as viscosidades da fase dispersa e contínua, respectivamente. Portanto, de maneira geral, o
número de Reynolds na escala do escoamento experimentado pela gota é muito menor do que a unidade. Isso implica que
tanto escoamento interno como o externo nas vizinhanças da partícula podem ser considerados livres de efeitos de inércia
(Rallison, 1984). A condição de escoamento em baixo número de Reynolds leva a equações do movimento lineares em
que há um balanço entre o gradiente de pressão e as tensões viscosas. A linearidade das equações governantes, além
de permitir a aplicação de métodos analíticos típicos de solução de equações diferenciais parciais lineares, garante que
o princípio da objetividade (Truesdell & Noll (1965); Slattery (1972)) seja satisfeito. Dessa forma, fica assegurada a
possibilidade da descrição da emulsão como um fluido equivalente. Vale ainda ressaltar que o fato de Rea ¿ 1 na escala
interna não significa necessariamente que o número de Reynolds do escoamento baseado na escala macroscópica seja
pequeno. De fato, o número de Reynolds baseado em escalas típicas do problema macroscópico, ReL ∼ Rea (L/a), em
que L representa um comprimento característico do escoamento médio, pode ser considerado um parâmetro arbitrário
nesse estudo. O estudo da hidrodinâmica de escoamentos em baixos números de Reynolds é também conhecido como
Microhidrodinâmica.
Na condição de escoamento livre de efeitos de inércia e incompressível, as equações de balanço de quantidade de
movimento e continuidade ficam reduzidas a
∇ · σ + ρf = 0
∇ · u = 0,
e
(1)
respectivamente, em que σ é o tensor de tensões, ρ a massa específica do fluido, f uma força de campo por unidade de
volume e u o vetor velocidade. As Equações (1) são conhecidas na literatura como equações de Stokes (Batchelor, 1967)
e formam o conjunto de equações governantes da Microhidrodinâmica. Em um fluido newtoniano incompressível o tensor
de tensões é dado por
σ = −pI + 2µE,
(2)
em que p é a pressão, µ a viscosidade dinâmica do fluido e E a parte simétrica do tensor gradiente de velocidade, isto é,
E = 1/2(∇u + (∇u)T ). Nessas condições, as equações (1) são lineares e elípticas, estando asseguradas propriedades
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
importantes como a existência e unicidade de solução e a validade do princípio do máximo (Evans, 1998). Também é
possível mostrar que a força de arrasto hidrodinâmico sobre corpos em escoamentos de Stokes é proporcional à velocidade
relativa entre o corpo e o fluido e que movimentos relativos entre dois ou mais corpos são reversíveis em relação ao tempo
(Kim & Karrila, 1991). Utilizando a equação constitutiva (2) e a identidade vetorial σ : ∇u = ∇ · (σ · u) − (∇ · σ) · u
é possível mostrar que
(σ 0 · u) − (∇ · σ 0 ) · u = (σ · u0 ) − (∇ · σ) · u0 ,
(3)
em que (σ, u) e (σ 0 , u0 ) são dois escoamentos de Stokes distintos quaisquer. A Equação (3) é conhecida como Teorema da
Reciprocidade de Lorentz e é um dos pontos fundamentais da base matemática da representação integral do escoamento
em baixo número de Reynolds. Sejam agora as Equações (1), para um fluido newtoniano incompressível, com ρf =
F δ(x − xo ), em que x, xo ∈ R3 , F é um vetor constante e δ(x − xo ) é a função Delta de Dirac no espaço livre. Nesse
caso, temos o problema referente à propagação de um distúrbio pelo meio devido à presença de um ponto de força singular
(polo) na posição xo , conhecido também como Problema Fundamental. A solução do problema fundamental pode ser
obtida via transformada de Fourier (Evans (1998), Pozridikis (1992), Happel & Brenner (1991)) sendo possível mostrar
que nesse caso
u(x) =
1
G(r) · F
8πµ
e
σ(x) =
1
T (r) · F ,
8π
(4)
em que r = x − xo é o vetor posição em relação ao polo e
G(r) =
I
rr
+ 3
r
r
e
T (r) = −
6
rrr
r5
(5)
são funções de Green no espaço. As Equações (4) são conhecidas como Solução Fundamental das equações de Stokes.
Se agora tomarmos dois escoamentos de Stokes (σ, ud ) e (σ 0 , u0 ) em que no primeiro não há forças de campo atuando e
o segundo seja dado pela solução fundamental, podemos integrar a Equação (3) em um domínio de fluido V , conexo (ou
multiplamente conexo), delimitado pela superfície S, de forma a demonstrar que
¾
Z
Z
1
1
x ∈ V, ud (x)
=−
G(x − xo ) · σ(xo ) · n(xo ) dS(xo ) +
ud (xo ) · T (x − xo ) · n(xo ) dS(xo )(6)
x 6∈ V, 0
8πµ S
8π S
A Equação (6) é uma expressão para o distúrbio de velocidade na posição x, gerado por singularidades de força
localizadas na superfície de integração S. Em geral, e levando em consideração a linearidade das equações de Stokes, a
velocidade em um ponto qualquer do domínio do escoamento é dada pela sobre posição do distúrbio ud com o escoamento
não perturbado u∞ , isto é u(x) = u∞ (x) + ud (x). A representação integral foi primeiramente obtida por Ladyzheskaya
(1969) e forma a base do Método Integral de Contorno para a solução de escoamentos em baixos números de Reynolds. Na
literatura a primeira integral da Equação (6) é conhecida como camada potencial, representando a ação de infinitos pontos
de força distribuídos pela superfície, e a segunda como dupla camada potencial, sendo interpretada como a contabilização
de infinitos dipolos de força, também distribuídos sobre S.
2.2 Formulação do Método Integral de Contorno para Partículas Deformáveis
No estudo de emulsões é conveniente que se encontre a representação integral do distúrbio de velocidade em partículas materiais sobre a superfície da gota. Para isso é preciso combinar as representações integrais de escoamentos dentro e
fora da gota, de forma a obter uma expressão para a velocidade de uma partícula material em um ponto localizado sobre
a superfície da gota. Procedendo desta forma, e considerando que a viscosidade da fase dispersa é λµ, em que µ é a
viscosidade da fase contínua, é possível mostrar que (Loewenberg & Hinch (1996) e Cunha et. al. (2003b ))
2u∞ (x)
u(x) =
(1 + λ)
−
+
Z
1
G(x − xo ) · ∆f (xo ) dS(xo )
4π(1 + λ)µ S
Z
(1 − λ)
u(xo ) · T (x − xo ) · n(xo ) dS(xo ),
4π(1 + λ) S
(7)
em que ∆f (xo ) = [σ 0 (xo ) − σ(xo )] · n(xo ) é o salto de tensões através da superfície S da gota. Considerando que
é válida a Lei de Laplace (Adam, 1968), segue que ∆f (xo ) = 2σκ(xo )n(xo ), em que κ(xo ) é a curvatura média da
superfície e σ o coeficiente de tensão superficial.
Para a determinação da forma da gota em um determinado escoamento a equação evolutiva utilizada é a própria
definição do vetor velocidade sobre a superfície dada por
dx
= u(x), x ∈ S.
dt
(8)
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
O procedimento adotado para a evolução da geometria da gota foi o Método de Euler de segunda ordem, tal que a Equação
(8) é resolvida numericamente em uma etapa preditora e outra corretora. A ordem de precisão do método numérico
é proporcional à δt2 , em que δt é o passo de tempo utilizado. Existem diversas dificuldades associadas ao cálculo da
velocidade u(x) na superfície da gota. Primeiramente observa-se que ambas as integrais na Equação (7) são singulares
em x = xo . Para contornar essa dificuldade um procedimento de subtração de singularidades deve ser realizado. Dessa
forma, considerando as identidades
Z
Z
(9)
G(x − xo ) · n(xo ) dS(xo ) = 0 e
T (x − xo ) · n(xo ) dS(xo ) = 4πI, se xo ∈ S,
S
S
a Equação (7) pode ser escrita como
u(x) =
u∞ (x)
(1 + λ)
−
+
Z
1
[2σ(κ(xo ) − κ(x))]n(xo ) · G(x − xo ) dS(xo )
8π(1 + λ)µ S
Z
(1 − λ)
[u(xo ) − u(x)] · T (x − xo ) · n(xo ) dS(xo ).
8π(1 + λ) S
(10)
As integrais na Equação (10) são avaliadas numericamente usando a Regra do Trapézio para integração sobre superfícies.
Para isso a as gotas são descritas por uma malha triangular semelhante à utilizada em simulações por elementos finitos.
Para o cálculo dos vetores normais utilizou-se a média dos vetores normais definidos pelos produtos vetoriais entre cada
par de aresta dos triângulos adjacentes ao nó, ponderada pelo inverso das áreas dos triângulos. Para o cálculo da curvatura
média em cada nó utilizou-se identidade
I
1
κ(x)n(x) = −
tdl,
(11)
S C
em que C é o contorno da superfície S que contém o nó, definida pelos segmentos de reta que unem os centróides de cada
triângulo ao ponto médio de cada aresta conforme indicado na Figura (1). O vetor t pertence à superfície definida pelo
triângulo e é perpendicular à aresta.
t
c
Figura 1. Discretização da superfície da gota e cálculo da curvatura média. O vetor t pertence ao plano do triângulo e é
perpendicular à aresta da poligonal que envolve o nó.
Outra dificuldade do método é o fato de que cada nó da malha representa uma partícula material que é continuamente
convectada sobre a superfície. Assim, em poucas iterações a malha tende a distorcer-se drasticamente, causando o colapso
do cálculo numérico. Para evitar esse problema uma técnica de relaxação da malha foi empregada segundo a qual uma
velocidade tangencial à superfície é somada à velocidade da partícula antes de cada passo do método de Euler. Dessa
forma, a Equação (8) fica dx/dt = u(x) + w(x), em que a velocidade tangencial w(x) é dada por
w(xi ) =
Na h
3/2
i
X
N∆
(I − n(xi )n(xi ))
c1 + c2 |κ(xi )|3/2 Sj (xj − xi ),
300(1 + λ)
j=1
(12)
em que N∆ é o número de triângulos da malha e Na o número de triângulos adjacentes ao nó de coordenada xi . O
procedimento de relaxação move os nós sobre a superfície da gota (portanto, sem alterar a geometria da mesma) de forma
a concentrar mais nós nas regiões de maior curvatura e também diminuindo a diferença entre as áreas dos elementos.
Assim, a posição dos nós sobre a superfície fica independente da história de deformação da gota, evitando distorções
danosas ao procedimento numérico.
Do ponto de vista da Álgebra, a Equação (10) pode ser formalmente descrita por um sistema na forma u = A · u + b,
em que a aplicação linear A está associada à dupla camada potencial e o vetor b ao escoamento não perturbado e a
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
camada simples potencial. O problema homogêneo equivalente é um problema de auto-valores, sendo passível de várias
soluções. De fato, movimentos de corpo rígido, isto é u = V + Ω × x ou expansões puras na forma u = n são
auto-soluções do problema homogêneo (Pozridikis, 1992). Nos limites em que λ À 1 ou λ ¿ 1, a solução iterativa da
Equação (10) fica muito prejudicada, de forma que para λ > 4, por exemplo, um método de substituições sucessivas não
converge. Para solucionar esse problema é preciso subtrair as auto-soluções espúrias utilizando um processo conhecido
como regularização de Wielandt, (Zinchenko et. al. (1997) e Pozridikis (1992)). Uma vez que a integral de dupla camada
potencial é regularizada, um método de substituições sucessivas simples converge sempre em no máximo 5 iterações,
mesmo para razões de viscosidades da ordem de 50.
3. RESULTADOS
O problema foi adimensionalizado levando em consideração uma velocidade característica Uc = σ/µ, um comprimento Lc = a, em que a é o raio da gota e também que a velocidade do escoamento perturbado na escala da gota tem por
escala característica Uc∞ = γ̇o a. A forma adimensional da Equação (10) é dada por
u(x) =
Cau∞ (x)
(1 + λ)
−
+
Z
1
[2(κ(xo ) − κ(x))]n(xo ) · G(x − xo ) dS(xo )
8π(1 + λ) S
Z
(1 − λ)
[u(xo ) − u(x)] · T (x − xo ) · n(xo ) dS(xo ),
8π(1 + λ) S
(13)
em que todas as grandezas estão na forma adimensional. O parâmetro Ca é o número de capilaridade e é definido como
Ca = γ̇o aµ/σ. Representa a taxa de cisalhamento adimensional do escoamento na escala da gota. Também pode ser
entendido como uma razão entre o tempo de relaxação do gota e o tempo característico do escoamento que deforma a
gota. Foram realizadas simulações de gotas deformando sob a ação de escoamentos cisalhantes simples e extensionais.
Em todos os casos foram utilizadas malhas com 1280 elementos e 642 nós. O passo de tempo é ajustado automaticamente
segundo a expressão
½
¾
Lmin
δt = min
(14)
;ε ,
(λ + 1)Ca
q
√
em que ε = 10−3 e Lmin = 4Amin / 3, sendo Amin a menor entre as áreas dos elementos. A medida de deformação
utilizada para descrever a geometria da gota foi definida por Taylor (1934) como D = (L − B)/(L + B), em que L
e B são os semi-eixos principais da gota, conforme ilustra a Figura (2). A orientação da gota em relação à direção do
escoamento é um parâmetro importante que também é medido.
U
∞
B
L
β
Figura 2. Semi-eixos principais de deformação da gota e orientação em relação à direção do escoamento não perturbado.
Para o caso do cisalhamento simples foram realizadas simulações para λ = 0, 08 e λ = 3, 60 e os resultados para a
deformação e orientação foram comparados com dados experimentais obtidos por Torza et. al. (1972). As comparações
mostraram que o método foi capaz prever tanto a deformação como a orientação da gota com concordância satisfatória
com os resultados experimentais, conforme indicam as Figuras (3) e (4). Observa-se que em ambos os casos, mas de
forma mais acentuada para λ = 3, 6, que a gota tende a deformar e se orientar na direção do escoamento à medida que a
taxa de cisalhamento aumenta.
As medidas de deformação e orientação são muito importantes no estudo da reologia de emulsões. O efeito pseudoplástico observado em emulsões quando submetidas a cisalhamento simples está diretamente relacionado ao fato da gota
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
0.04
1.0
0.9
0.03
4β/π
λD
0.8
0.02
0.7
0.01
0.00
λ=0.08
0
0.1
0.2
0.3
0.4
λ=0.08
0.6
0.5
0.5
0
0.1
0.2
Ca
0.3
0.4
Ca
Figura 3. Deformação e orientação em relação ao escoamento da gota em cisalhamento simples para λ = 0, 08. Quadrados
vazados: dados experimentais (Torza et. al., (1972)); círculo e linha: simulação pelo método integral de contorno.
1.6
1.0
0.8
1.2
4β/π
λD
0.6
0.8
0.4
0.4
0.0
λ=3.6
0
1
2
Ca
λ=3.6
0.2
3
0.0
0
1
2
3
Ca
Figura 4. Deformação e orientação em relação ao escoamento da gota em cisalhamento simples para λ = 3, 60. Quadrados
vazados: dados experimentais (Torza et. al., (1972)); círculo e linha: simulação pelo método integral de contorno.
deformar-se e orientar-se na direção do escoamento à medida que a taxa de cisalhamento aumenta. Também o aparecimento de diferenças de tensões normais surge da anisotropia de tensões causada pela orientação da gota. Desta forma, a
capacidade de prever essas características da Microhidrodinâmica são indispensáveis para qualquer modelo (analítico ou
numérico) que vise a descrição reológica de emulsões.
Bentley & Leal (1986) estudaram o problema da deformação de uma gota usando um aparato de quatro rolos de
maneira a produzir escoamentos tais que E = 1/2(α + 1)(ê1 ê1 − ê2 ê2 ) e W = 1/2(α − 1)(ê1 ê2 − ê2 ê1 ), em que
W é a parte anti-simétrica do tensor gradiente de velocidade e α ∈ [0, 1]. Dessa forma, se α = 1 temos um escoamento
planar hiperbólico e se α = 0, um escoamento cisalhante simples. As Figuras (5) e (6) mostram os resultados obtidos
para λ = 2, 8 em duas situações distintas, em relação ao parâmetro α do escoamento. Mais uma vez os resultados obtidos
estão em concordância com os dados experimentais da literatura.
Vale mencionar que em cisalhamento simples, gotas de altas razões de viscosidade deformam e giram pela ação da
vorticidade do escoamento. Esse processo fornece um mecanismo de restauração da forma da gota que evita que ocorra
ruptura, mesmo em altas taxas de cisalhamento, se λ > 4. O fato da gota girar faz com que esta alterne entre os quadrantes
extensional e compressional do cisalhamento simples de forma que não há tempo de ocorrerem grandes deformações se
λ for suficientemente grande. Assim sendo, gotas de altas razões de viscosidade deformam pouco ainda que em altos
números de capilaridade. Esse mecanismo de restauração da forma da gota não existe se o escoamento é extensional.
Nesse caso, a gota deforma significativamente mesmo para baixas taxas de extensão, exigindo mais do procedimento
de relaxação da malha. Observou-se também que no caso do escoamento extensional puro, ainda que a gota estivesse
inicialmente centralizada na origem, as pequenas oscilações numéricas da posição inicial do centróide eventualmente
progrediam para uma translação significativa da gota, causando instabilidade numérica depois de um longo tempo de
simulação. O mesmo não acontece em cisalhamento simples onde, provavelmente, o mesmo mecanismo de restauração
da forma da gota seja responsável por evitar a propagação instável do erro numérico intrínseco da simulação temporal.
Para evitar esse problema nas simulações de escoamento extensional utilizou-se o fato de que o distúrbio produzido pela
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
própria gota não é capaz de gerar movimento líquido da mesma. Portanto, a posição do seu centróide é determinada pelo
escoamento não perturbado, ou seja
dxc
= u∞ (x).
dt
(15)
Assim sendo, a cada iteração a posição da gota em relação ao sistema de coordenadas é corrigida de forma a manter seu
centróide sempre na posição correta. Para o caso da gota estar inicialmente na origem, nos escoamentos estudados neste
trabalho, xc = 0.
1.0
0.8
0.9
λD
4β/π
0.6
0.4
0.7
λ=2.8
0.2
0.0
0.0
0.1
0.2
0.3
0.4
α=0.2
0.5
0.6
λ=2.8
0.5
0.0
0.7
0.1
α=0.2
0.2
0.3
Ca
0.4
0.5
0.6
0.7
Ca
Figura 5. Deformação e orientação em relação ao escoamento da gota para λ = 2, 8 e α = 0, 2. Quadrados vazados:
dados experimentais (Bentley & Leal, (1986)); círculo e linha: simulação pelo método integral de contorno.
1.1
λ=2.8
α=1.0
λD
0.9
0.7
0.5
0.3
0.1
0.1
0.1
0.2
0.2
0.3
0.3
0.3
Ca
Figura 6. Deformação da gota para λ = 2, 8 e α = 1, 0. Quadrados vazados: dados experimentais (Bentley & Leal,
(1986)); círculo e linha: simulação pelo método integral de contorno. Como o escoamento é de pura extensão, para
qualquer taxa de cisalhamento a gota alinha-se com o escoamento.
Foram também realizadas comparações com resultados teóricos obtidos por Oliveira et. al. (2005) utilizando teorias
de pequenas deformações. Nesse trabalho os autores propõem que a superfície da gota pode ser descrita por
µ
¶
x·A·x
S(x, t) = r(t) − a 1 +
(16)
r2
em que A é um tensor associado à distorção da gota cuja magnitude é O(λ−1 ). Foram definidas nesse trabalho duas
medidas de deformação baseada no tensor A, sendo elas D1 = A12 e D2 = 1/2(A11 − A22 ). Vale mencionar que D2
é igual à D como definida no trabalho de Taylor (1934). Em altas razões de viscosidade a gota gira praticamente com a
velocidade angular do escoamento. Mesmo não havendo deformações muito grandes, há um intenso escoamento sobre a
superfície da gota que torna o caso exigente em relação à relaxação da malha. Mesmo assim, observa-se mais uma vez
uma boa concordância entre os resultados teóricos e numéricos. Apenas para altos números de capilaridade os desvios
entre as previsões teórica e numérica torna-se mais evidente, como indica a Figura (7).
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
0.8
1.2
λD2
λD1
λ=20
0.4
λ=20
0.8
0.4
0.0
0.0
-1
10
10
Ca
0
10
1
-1
10
10
0
10
1
Ca
Figura 7. Comparação com resultados teóricos de Oliveira et. al., (2005) para λ = 20. Linha cheia: resultados teóricos;
círculos vazados: resultados numéricos
4. CONCLUSÃO
Neste trabalho a formulação integral das equações de Stokes foram utilizadas para aplicação do Método Integral de
Contorno na solução do escoamento nas vizinhanças de uma gota de fluido newtoniano, dispersa em um meio também
newtoniano. Essa formulação apresenta a vantagem de reduzir o problema de três dimensões à integração sobre a superfície da gota. No entanto as integrais são singulares e apresentam soluções marginais que precisam ser subtraídas do
espectro de soluções do problema. Diversos aspectos numéricos do método são discutidos. São realizadas comparações
entre resultados numéricos e experimentais para escoamentos cisalhantes e extensionais. Uma boa concordância é obtida
em todos os casos. Resultados de uma teoria de pequenas deformações também são utilizados como base de comparação
para a deformação da gota para altas razões de viscosidades. Nesse caso observou-se que os resultados são praticamente
coincidentes.
5. REFERÊNCIAS
Adam, N. K., 1968, The physics and chemistry of surfaces, Dover Publications, INC. New York.
Aris, R., 1962, Vectors, tensor, and the basic equations of fluid mechanics, Dover Publications, INC. New York.
Barthès-Biesel, D., Acrivos, A., 1973, Deformation and burst of a liquid droplet freely suspended in a linear field, Journal
of Fluid Mechanics 61, 1.
Batchelor G. K., 1967, An introduction to fluid dynamics, Cambridge University Press, ed. 3.
Bazhlekov, I. B., Anderson, P. D., Meijer, H. E. H., 2003 Nonsingular boundary integral method for deformable drops in
viscous flows, Physics of Fluids, 16, 4, p.1064.
Bentley, B. J.,Leal, L. G., 1986, An experimental investigation of drop deformation and breakup in steady two-dimensional
linear flows, Journal of Fluid Mechanics 167, 241.
Cunha, F. R., Loewenberg, M., 2003a , A study of emulsion expansion by a boundary integral method, Mechanics Research
Communications, 30, 639.
Cunha, F. R., Sousa, A. J., Loewenberg, M., 2003b , A mathematical formulation of the boundary integral equations for a
compressible stokes flow , Computational and Applied Mathematics 22, 53.
Einstein A., 1906, Eine neue bestimmung der moleküledimensionen, Ann. Physik 19, 289.
Evans, L. C., 1998, Partial differential equations , Graduate Studies in Mathematics, vol. 19.
Frankel, N. A., Acrivos, A., 1970, The constitutive equation for a dilute emulsion , Journal of Fluid Mechanics 44, 65.
Happel, J., Brenner, H., 1991, Low Reynolds number hydrodynamics, ed.15, Kluwer Academic Publishes.
Kim, S., Karrila, S. J., 1991, Microhydrodynamics: principles and selected applications, Butterworth - Heinemann.
Ladyzheskaya, O. A., 1969, The mathematical theory of viscous inclompressible flow , Gordon & Breach, New York.
Loewenberg, M., Hinch, E. J., 1996, Numerical simulations of a concentrated emulsion in shear flow, Journal Fluid
Mechanics 321, 395.
Oliveira, T. F., Couto, H. L. G., Cunha, F. R., 2005, A theoretical study of an emulsion of high viscosity drops under shear,
18th International Congress of Mechanical Engineering, November 6-11, 2005, Ouro Preto, MG
Pozridikis, C., 1992, Boundary integral and singularity methods for linearized viscous flow, Cambridge Universihty Press.
Rallison, J. M., Acrivos, A., 1978, A numerical study of the deformation and burst of a viscous drop in an extensional
flow, Journal Fluid Mechanics 89, 191.
Rallison, J. M., 1984, The deformation of small viscous drops an bubbles in shearm flows, Ann. Rev. Fluid Mechanics 16,
45.
16o POSMEC. FEMEC/UFU, Uberlândia-MG, 2006.
Schowalter, W. R., Chaffey, C. E., Brenner, H., 1968, Rheological behavios of a dilute emulsion, Journal of Colloid and
Interface Science 26, 152.
Slattery, J. C., 1972, Momentum, energy and mass tranfer in continua , McGraw-Hill Book Company, United States.
Taylor, G. I., 1932, The viscosity of a fluid containing small drops of another fluid, Proc. R. Soc. London Ser. A, 138, 41.
Taylor, G. I., 1934, The formation os emulsions in definable fields of flow, Proc. R. Soc. London Ser. A, 146, 501.
S. Torza, R.G. Cox, S.G. Mason, 1972, Particle motions in sheared suspensions, J. Colloid Interface Sci., 38, pp.395Ű411.
Truesdell, C., Noll, W., 1965, Handbuch der Physik , vol.3/3, Springer-Verlag, Berlin.
Youngren, G. K., Acrivos, A., 1975, Stokes flow past a particle of arbitrary shape: a numerical method of solution,
Journal of Fluid Mechanics 69, 377.
Zinchenko, A. Z., Rother, M. A., Davis, R. H., 1997, A novel boundary-integral algorithm for viscous interaction of
deformable drops, Phys. Fluids, 9, 6, pp. 1493.
BOUNDARY INTEGRAL METHOD APPLIED FOR THE STUDY OF THE
EMULSIONS MICROHYDRODYNAMICS
Taygoara Felamingo de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PUC-Rio
[email protected]
Abstract: The goal of this work is to characterize the emulsion microhydrodynamics using the Boundary Integral Method. The
emulsion we treat have both disperse and continuous phases of newtonian fluid. We formulate the problem for the case of dilute
emulsions, where no disturb from the neighbors drops has importance. Also is considered that in the drop scale no inertial effect are
present and the governing equations are the Stokes equations. An integral representation for the flow just at the drop surface is presented
and the numerical implementation of the method is discussed with details. Simulations of the drops shape conformation under shear and
extensional flow are carried out. Comparison with experimental data available in the literature are made and a very good agreement is
reached. Results from an asymptotic theory for high viscosity ratio emulsions also confirms the capacity of the method in to predict the
drop shape under simple shear flows. We conclude that the Boundary Integral Method can be used for study the rheology of emulsions.
Key-words: emulsions, Microhydrodynamics, Boundary Integral Method.
Download