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Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa
LLM em Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais
Ivana Rapoport
CESSÃO DE CRÉDITO X TRUE SALE – VALIDADE DA
CESSÃO NA FALÊNCIA DO ORIGINADOR
São Paulo
2016
Ivana Rapoport
Cessão de Crédito X True Sale – Validade da Cessão na
Falência do Originador
Monografia apresentada ao Programa de LLM
em Direito dos Mercados Financeiro e de
Capitais do Insper – Instituto de Ensino e
Pesquisa, como parte dos requisitos para a
obtenção do título de pós-graduação em
Direito.
Área de concentração: Direito dos Mercados
Financeiro e de Capitais
Orientador: Prof.ª Pamela Gabrielle Romeu
Gomes Roque – Insper
São Paulo
2016
Rapoport, Ivana
Cessão de crédito X True Sale – validade da cessão na
falência do originador / Ivana Rapoport; orientadora: Prof.ª Pamela
Gabrielle Romeu Gomes Roque – São Paulo: Insper, 2016.
50 f.
Monografia (Pós-graduação Lato Sensu em direito dos
mercados financeiro e de capitais – LLM). Área de concentração:
Mercados. Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa.
1. Cessão de Crédito 2. True Sale 3. Securitização
FOLHA DE APROVAÇÃO
Ivana Rapoport
Cessão de Crédito X True Sale – validade da cessão na falência do originador
Monografia apresentada ao Programa de LLM
em Direito dos Mercados Financeiro e de
Capitais do Insper – Instituto de Ensino e
Pesquisa, como requisito parcial para
obtenção do título de pós-graduação em
Direito.
Área de concentração: Mercados
Aprovado em: _________/2016
Prof.ª Pamela Gabrielle Romeu Gomes Roque
Orientadora
Instituição: Insper
Assinatura: _________________________
DEDICATÓRIA
Aos meus pais que contribuíram na minha formação pessoal com ensinamentos
sobre caráter, dignidade e perseverança.
E ao meu marido que ao longo desses anos de parceria sempre me motivou a ser
uma profissional cada dia melhor e me proporcionou a maior dádiva do mundo, a de
ser mãe.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus pelo término de mais uma etapa importante e que
contribuirá em inestimável grandeza para minha vida profissional, aos professores
do Instituto de Ensino e Pesquisa que agregaram valor ao meu conhecimento acerca
do Mercado Financeiro e de Capitais, a minha orientadora, Pamela Gabrielle Romeu
Gomes Roque, pela dedicação de seu tempo e presteza na orientação deste
trabalho, e aos meus colegas e amigos que fizeram toda a diferença nas noites
dedicadas a este curso.
RESUMO
RAPOPORT, Ivana. Cessão de Crédito X True Sale – validade da cessão na
falência do originador 2016. 50 f. Monografia (Pós-graduação Lato Sensu em
direito dos mercados financeiro e de capitais – LLM) - Insper – Instituto de Ensino e
Pesquisa, São Paulo, 2016.
O presente trabalho possui como objetivo principal analisar como se dá a cessão de
crédito no âmbito da securitização quando há a transferência efetiva dos créditos à
securitizadora e, portanto, a configuração do chamado “True Sale”, termo americano
que define o que chamamos de cessão perfeita e acabada. Nesse sentido, faz-se
necessário discorrer sobre as hipóteses em que a cessão não configura um True
Sale, ou seja, quando há qualquer tipo de obrigação de pagamento pelo originador
do crédito em eventual inadimplemento do sacado para que, de posse de tal
conhecimento, seja analisada a possibilidade de descaracterização da cessão em
eventual falência do originador de forma a contribuir para acréscimo do patrimônio
que pertence à massa falida. Toda a problemática da descaracterização da cessão
serve para que o True Sale seja analisado neste estudo sob a ótica do direito
brasileiro.
Palavras-chave: Cessão de Crédito; True Sale; Securitização.
ABSTRACT
RAPOPORT, Ivana. Credit Assignment versus True Sale – assignment validity
in the originator bankruptcy 2016. 50 p. Monograph (LLM) – Insper – Instituto de
Ensino e Pesquisa, São Paulo, 2016.
This Monograph has the main goal to analyze how the credit assignment under the
securitization process is when there is effective transference of credits to a
securitization company and thus the existence of what Americans called True Sale,
American term that defines what the Brazilians call “the perfect and finished
assignment.” In this sense, it is necessary to discuss the cases where the transfer
does not set up as a True Sale, ie when there is any kind of payment obligation from
the credit originator side for any breach of payment from the debtor side. Having such
knowledge, it is important to analyze the possibility of disregard the assignment, due
to a bankruptcy of the originator, in order to contribute to the assets increase which
belongs to the bankrupt estate. The mischaracterization of an assignment is the
problematic to analyze the True Sale in this work from the perspective of Brazilian
law.
Keywords: Credit Assignment; True Sale; Securitization.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2. SECURITIZAÇÃO ................................................................................................. 14
3. CESSÃO DE CRÉDITO ........................................................................................ 18
3.1 Coobrigação .................................................................................................... 24
3.2 Cessão Pro Soluto e Cessão Pro Solvendo .................................................... 26
4. TRUE SALE .......................................................................................................... 27
5. FUNDOS DE INVESTIMENTO ............................................................................. 32
5.1. Direitos Creditórios ......................................................................................... 32
5.2. Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC ................................ 33
6. REGIME FALIMENTAR BRASILEIRO .................................................................. 39
6.1. Artigo 136 da Lei de Falências ....................................................................... 40
7. CONCLUSÃO........................................................................................................ 44
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46
LEGISLAÇÃO............................................................................................................ 49
9
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui o condão de comparar a definição dada pela legislação e
pela doutrina acerca da cessão de crédito prevista, primariamente, na Lei nº 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 (“Código Civil Brasileiro”), com o conceito norte-americano
de True Sale1.
Como conceituado por SCHWARCZ, “the term ‘true sale’ most often is used in
analyzing whether the transfer of receivables effectively has removed the receivables
from the originator in a way that will be honored by a bankruptcy court.”2
Ademais, este trabalho visa dispor dos eventuais impactos que esta comparação
reflete quando do questionamento da validade da cessão, em um cenário de falência
do cedente, no âmbito da securitização de recebíveis, a exemplo, em um fundo de
investimento em direitos creditórios.
A princípio, a dissertação pretendida discorrerá sobre a constituição da cessão de
crédito, possíveis desdobramentos e variações, sob a perspectiva brasileira, sendo
abordados temas como a possibilidade de substituição do crédito por meio de
recompra ou, ainda, por meio de pagamento exigível na coobrigação. Haverá um
capítulo dedicado para o tema “cessão pro solvendo e pro soluto”, explicando os
seus meandros e o reflexo desses tipos de cessões ao assunto tratado no projeto,
em outras palavras, analisaremos a possibilidade de desconsideração da cessão por
sua invalidade, nulidade ou anulabilidade, validando, de forma sucinta, o que a
legislação e a doutrina preveem a respeito.
Ademais, em capítulo próprio, o True Sale será conceituado, bem como será dada
especial atenção acerca da sua aplicabilidade no âmbito do direito brasileiro, ou
1
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 06 mai. 2016.
2
[Tradução livre: “o termo true sale normalmente é usado na análise se a transferência de recebíveis
foi efetivamente removida dos recebíveis do originador de forma que será desconsiderada por uma
decretação de falência.”] SCHWARCZ, Steven L.; MARKELL, Bruce A.; BROOME, Lissa L.
Securitization, Structured Finance and Capital Markets, p. 70 apud FURIATI, Bruno Pierin. O
Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.42.
10
seja, quais são as consequências da aplicação deste conceito na hipótese de
falência do cedente do crédito e quais os impactos desta decisão no âmbito da
securitização.
Demais disso, será abordado neste projeto o que eventualmente a Comissão de
Valores Mobiliários (“CVM”) dispõe a respeito do tema, especialmente, mas não
limitando a como se dá o lançamento da cessão no balanço de um fundo constituído
para adquirir créditos e, ainda, se tal lançamento reflete na forma como se dará o
lançamento no balanço do cedente de referido crédito.
Partindo para a questão da falência, será dedicado um capítulo especial para discutir
a validade da cessão de crédito quando da falência do cedente. Todavia, para
chegarmos a este conceito, faz-se necessário darmos um pano de fundo ao caso,
discorrendo acerca da lei de falências no Brasil, o que a doutrina diz a respeito,
sendo tal assunto tratado com riqueza de detalhes em referido capítulo.
Ademais, trataremos, com pormenores, o que dispõe o parágrafo primeiro, do artigo
136, da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 (“Lei de Falência”), que versa
sobre falências e recuperação judicial de empresas brasileiras, onde “na hipótese de
securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia ou revogado o
ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários
emitidos pelo securitizador.” Dessa forma, este dispositivo será confrontado com as
recentes decisões judiciais e administrativas relacionadas, onde teremos a
oportunidade de validar tal conceito em relação ao que dispõe a doutrina versus o
que ocorre na prática3.
Ainda, trataremos do conceito de securitização, como ela ocorre, qual sua finalidade,
bem como quais produtos surgem por meio desta ferramenta de crédito. Conforme
conceitua FORTUNA, “o objetivo da operação de securitização de recebíveis é
3
BRASIL. Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Artigo 136. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 10 mai.
2016.
11
permitir a uma empresa obter os recursos sem comprometer o seu limite de crédito
junto aos credores e sem prejudicar os índices de endividamento do seu balanço”4.
Como já informado no pré-projeto, a securitização é a origem e o alicerce para
entendimento do funcionamento de um produto chamado fundo de investimento em
direitos creditórios, ou seja, o fundo de investimento em direitos creditórios (“FIDC”)
será dedicada especial atenção a este produto, sendo abordada a origem,
regulamentação, funcionamento e a questão histórica da securitização em seu país
de origem, bem como a aplicabilidade da securitização no Brasil.
Ainda em tal capítulo, será abordada a questão da cessão de crédito a um FIDC,
seus impactos no balanço do fundo e eventuais quesitos trazidos pelo direito
falimentar quando da falência do cedente do crédito.
Será abordado, ademais, a aplicabilidade do True Sale na cessão de crédito
brasileira, especialmente quando tal cessão ocorre por determinado cedente a um
FIDC, sendo tratado, neste capítulo, o disposto pela CVM acerca do lançamento da
cessão no balanço do fundo e no balanço do cedente.
Sendo o direito falimentar aplicado para avaliar a validade da cessão, seja ela com
coobrigação ou perfeita e acabada, como é o caso do True Sale, tal assunto será
tratado com certa riqueza de detalhes para que toda a conceituação trazida pelos
capítulos anteriores seja amarrada neste ponto.
Será avaliado, ainda, se a falência representa um risco à securitização e,
eventualmente, pode levar a invalidade da cessão. O que consta, a priori, no
entendimento do FORTUNA, é que no caso de falência da empresa, os recebíveis
da sociedade de propósito específico (“SPE”) não entrarão na massa falida, pois
foram cedidos à SPE pela empresa numa etapa anterior à decretação da falência.
4
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços. 15ª ed. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 2002, p. 259.
12
Todavia, analisaremos com maior riqueza de detalhes esta questão ao longo do
projeto5.
Ainda, no âmbito da intervenção ou liquidação de instituição financeira cedente,
cabe fazer menção ao comunicado expedido pela Confederação Nacional das
Instituições Financeiras ao Banco Central do Brasil (“BACEN”), onde o BACEN foi
consultado a respeito da seguinte temática:
(...) Considerando que o regime jurídico aplicável às situações de crise das
instituições financeiras não segue as mesmas regras da lei falimentar (...)
solicitamos-lhes a confirmação do entendimento a seguir manifestado, nos
subitens 2.1 e 2.2, na hipótese de, uma vez celebrada a operação de
cessão de créditos aqui referida, a instituição cedente sofrer qualquer
procedimento de intervenção, de decretação do Regime de Administração
Especial Temporária – RAET ou de liquidação, a qualquer momento após a
referida operação:
2.1. a operação de cessão de créditos, qualquer que seja a sua modalidade
ou estrutura, não será revogada ou considerada inválida ou ineficaz por
força da intervenção, RAET ou liquidação sofrida pela instituição cedente,
de modo que a instituição cessionária poderá livremente exigir o pagamento
6
dos créditos cedidos dos respectivos devedores (...)
Neste caso específico, o BACEN se manifestou favorável em relação à não
revogação da cessão, sendo esta eficaz e válida. Entretanto, o projeto visa encontrar
posicionamento contrário a este, ou seja, situações ou possível doutrina que se
demonstre favorável à descaracterização da cessão o que representaria risco ao
cessionário, neste caso ao FIDC e seus cotistas, por consequência.
Dessa forma, no caso específico do FIDC, analisaremos os impactos desta suposta
invalidade, caso exista.
Nesse sentido, a temática deste projeto se vale quando, presentes os requisitos da
cessão de crédito e a consolidação do True Sale, a cessão de crédito ocorrida no
âmbito da securitização seja invalidada judicialmente.
5
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços. 15ª ed. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 2002, p. 259.
6
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009.p. 104.
13
Visa também descobrir a possibilidade de tal invalidação, com o emprego da
legislação local, bem como entender em quais situações o crédito cedido
permanecerá com o cessionário e em quais situações existirá a descaracterização
da cessão em favor da massa falida.
Pelo acima exposto, vale ressaltar que este projeto possui total consonância com
mais de 50% das matérias já frequentadas por meio do curso de LLM de Mercado
Financeiro e de Capitais, sendo que ao exaurir a problemática deste tema, referida
dissertação poderá ser utilizada para fins de pesquisa de quem por ventura venha a
frequentar este curso.
14
2. SECURITIZAÇÃO
“A securitização é uma das mais importantes inovações trazidas ao mercado
financeiro e de capitais dos Estados Unidos, porém suas consequências
ultrapassaram tais limites”7.
A palavra securitização é a livre tradução de securitization, termo em inglês que
deriva da palavra security que em português é o equivalente ao que mais se
aproxima de seu conceito, o valor mobiliário8.
A securitização pode significar simplesmente a transformação de
ativos ilíquidos em títulos negociáveis; pode também identificar
operações de cessão de recebíveis, quer siga a tal cessão, ou não,
uma emissão de títulos; e ainda como o processo de emissão de
títulos de dívida (debêntures ou comercial papers, por exemplo), quer
tais papéis sejam, ou não, lastreados em ativos subjacentes9.
Uma vantagem que pode ser obtida com a securitização é a mitigação de riscos de
determinada quantidade de recebíveis que o originador do crédito possa ter até o
efetivo pagamento de tais recebíveis pelo sacado. Além disso, outra grande
vantagem da securitização é a possibilidade de adiantamento do recebimento dos
recebíveis futuros gerando caixa para o originador do crédito. De acordo com
FABOZZI,
The key in a securitization is that the cash flow generated by the
asset pool can be employed to support one or more securities that
may be of higher credit quality than the company’s secured debt. The
higher credit quality of these securities is achieved by relying on the
cash flow created by the pool of assets rather than on the payment
promise of the borrowing firm10.
7
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.19.
8
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.35.
9
Ibidem, p.37.
10
[Tradução livre: “A chave para uma operação de securitização é que o fluxo de caixa gerado pelo
conjunto de ativos pode ser empregado para apoiar um ou mais valores mobiliários que podem ter
maior qualidade de crédito do que dívida garantida da empresa. Quanto maior for a qualidade
alcançada de crédito desses valores mobiliários confiando no fluxo de caixa criado pelo conjunto de
ativos melhor será em vez de contar com a promessa de pagamento da empresa tomadora de
crédito.”] FABOZZI, Frank J., KOTHARI, Vinod – Introduction to Securitization – USA: John Wiley
& Sons, Inc., 2008, p.5.
15
Ademais, a securitização também possui o condão de emissão de títulos que
estejam lastreados em tais recebíveis e que podem financiar projetos quando da
aquisição de tais títulos ofertados a investidores interessados. Assim, a função
econômica da securitização pode ser resumida em mobilização de riquezas,
dispersão de riscos e desintermediação do processo de financiamento11.
Sob a ótica jurídica, a securitização pode ser definida como a estrutura composta por
um conjunto de negócios jurídicos – ou um negócio jurídico indireto - que envolve a
cessão e a segregação de ativos em uma sociedade, ou um fundo de investimento,
que emite títulos garantidos pelos ativos segregados12.
No Brasil, a securitização começou a se desenvolver no final da década de 80, início
da década de 90, por meio de operações realizadas com entes privados,
especialmente no financiamento de projetos imobiliários, o que difere de como a
securitização ocorreu nos Estados Unidos13. Apesar de ter início no segmento
imobiliário, o foco foi outro, ou seja, financiar projetos como escolas particulares e
centros comerciais, sendo a emissão realizada com lastro em créditos futuros14.
Com a reprodução do sistema americano de emitir títulos lastreados em créditos,
houve a necessidade de regulamentação deste mercado mediante a publicação da
Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 199715 e, posteriormente, da Resolução
nº 2.493, de 07 de maio de 1998, do Conselho Monetário Nacional (“CMN”), ora
revogada16.
Com o crescimento da securitização no país tornou-se cada vez mais frequente,
além do segmento imobiliário, a atuação no segmento financeiro e comercial com a
utilização de ativos destes gêneros com lastro das operações.
11
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.38.
Ibidem, p.38.
13
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.21.
14
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.40.
15
Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel
e dá outras providências. BRASIL. Lei n° 9.514, de 20 de novembro de 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9514.htm>. Acesso em: 10 mai. 2016.
16
Estabelecia condições para a cessão de créditos a sociedades anônimas de objeto exclusivo.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução CMN n° 2.493, de 07 de maio de 1998. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1998/pdf/res_2493_v2_l.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2016.
12
16
Apesar de ter surgido há poucas décadas, a securitização já é utilizada em quase
todo o mundo17. A securitização se dá quando determinado originador deseja
securitizar um ativo a ele pertencente e, por meio da criação de uma SPE – nos
moldes de uma sociedade, de um fundo, de um trust, de uma holding - há a
transferência do ativo para este veículo, a SPE. A SPE, por sua vez, emitirá títulos
que estejam lastreados no ativo objeto de transferência e distribuirá tais títulos ou
valores
mobiliários
ao
mercado
de
investimento,
sendo que
investidores
interessados na rentabilidade do lastro, ou seja, do ativo investirão nos títulos
emitidos. Todos os recursos captados na distribuição dos títulos serão repassados
ao originador como pagamento da cessão do ativo ou de eventuais créditos cedidos
à SPE. Com a cessão do ativo, o originador deve baixar o ativo de seu balanço
patrimonial, segregando tal ativo dos demais pertencentes a referido originador18.
A vantagem de se ter uma estrutura desta é a de segregar o ativo do patrimônio do
originador de modo que ao receber o montante pago pela cessão do ativo, o risco
que o investidor possuirá ao investir no título cujo lastro é o ativo cedido será apenas
e tão somente do ativo deu origem à emissão, não recaindo tal risco ao negócio do
originador – concepção clássica do True Sale. Dessa forma, a securitização se
autofinancia, sendo que a obrigação do emitente dos títulos para com os
investidores destes se restringirá também ao ativo adquirido do originador19.
Para fins jurídicos da operação de securitização, o instrumento utilizado para
transferir a propriedade do ativo do originador à SPE será o contrato de cessão,
sendo que para emissão dos títulos com lastro em tal ativo, faz necessária a
utilização de instrumentos jurídicos que garantam a movimentação dos valores
referentes a tal patrimônio segregado, sendo que tanto a cessão de crédito, ocorrida
entre originador e SPE, como os títulos de crédito ou valores mobiliários que são
emitidos a partir da segregação de patrimônio são responsáveis pela mobilização de
riquezas existente em operações de securitização20.
17
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.41.
Ibidem, p.41.
19
Ibidem, p.42.
20
Ibidem, p.78.
18
17
No Brasil a estrutura envolvendo uma SPE foi criada para se assemelhar ao trust
americano, uma vez que no direito brasileiro não há previsão de tal figura. Com o
passar do tempo surgiram as securitizadoras de crédito financeiro, imobiliário e do
agronegócio21.
21
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.29.
18
3. CESSÃO DE CRÉDITO
A cessão de créditos possui o condão de transferir de uma parte à outra – ou seja,
do cedente ao cessionário - determinado crédito de modo que o direito de
recebimento futuro deste seja do cessionário quando do pagamento pelo sacado.
É com a cessão de crédito que ocorre a transferência de riquezas na securitização,
uma vez que para que o ativo seja securitizado pela securitizadora faz-se necessária
a transferência do ativo do originador à SPE, como é possível observar no capítulo
anterior. Dessa forma, a cessão de crédito possui papel fundamental na fase inicial
da securitização22. Segundo CAMINHA,
É a transferência que vai restringir os ativos que respondem pelo
pagamento da remuneração e resgate dos títulos, e também vai
separar tais ativos do patrimônio geral do originador, de forma a
protegê-lo de eventuais credores. É de suma importância, assim, que
essa transferência se dê de forma efetiva. Para reforçar a segurança
da operação, os ativos devem realmente deixar o domínio do
originador e passar ao emissor23.
Nos Estados Unidos, a separação dos ativos do patrimônio geral do originador
quando da cessão de crédito é chamada de True Sale, sendo possível com tal
transferência a retirada do ativo do balanço do originador (off-balance), já que o
simples fato de segregar o patrimônio no próprio balanço patrimonial do originador
não confere a segurança jurídica necessária para a operacionalização de uma
securitização.
No Brasil, entende-se que a cessão somente será efetivada nos moldes de um True
Sale (parágrafo 1º, artigo 136, da Lei de Falência) na hipótese de estar vinculada a
uma operação de securitização24.
Segregar ativos por meio da cessão de crédito é uma grande vantagem tanto para
originadores como para investidores, para os originadores em função do ativo deixar
de constar das demonstrações financeiras da companhia e, com isso, a operação
22
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.79.
Ibidem, p.80.
24
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.27.
23
19
receber uma classificação de risco mais favorável, o que representará taxas
reduzidas de financiamento por parte do investidor e um prazo maior de
financiamento da operação. Já para os investidores, a segregação representa menor
risco de inadimplência, análise de risco de crédito apenas do sacado, com
classificação de risco favorável significa maior segurança no investimento que, em
geral, será mais rentável que os usuais de mercado25.
Em relação especificamente à segregação do ativo no balanço do originador,
podemos classificar as operações de securitização em dois tipos: com segregação
interna e externa. A segregação interna ocorre por intermédio do próprio originador
que, com instrumentos contratuais, segregar o ativo que será lastro, como é o caso
de constituição de garantias. Neste caso, o ativo permanece sob a posse e
titularidade do originador. Já a segregação externa, há de fato a cessão do crédito a
uma SPE que fará a emissão dos títulos que serão distribuídos a mercado tendo
como lastro o ativo segregado26.
No que concerne à formalização de uma cessão de crédito para que esta seja válida
e eficaz quando de sua exigibilidade, faz-se necessária a existência de requisitos
subjetivos, objetivos e formais. O cedente deve ser o titular e legítimo possuidor do
crédito passível de cessão, sendo que o cessionário27.
Quanto aos sujeitos, o cedente deve efetivamente ser o titular do
crédito pra que possa validamente cedê-lo, e o cessionário deve ter
legitimação para adquirir o crédito, ou seja, não deve estar impedido
por lei de ocupar a posição de credor que lhe é transferida. No que
diz respeito ao objeto da cessão, o crédito deve ser passível de
cessão. É necessário que não exista nada em sua natureza, ou
disposição legal ou contratual que lhe impinja intransferibilidade.
Quanto aos aspectos formais, a cessão deve observar as prescrições
do Código Civil no que diz respeito à forma da qual se deve
revestir28.
25
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.108.
Ibidem, p.109.
27
Ibidem, p.80.
28
Ibidem, p.80.
26
20
Ainda, nos termos do artigo 28829 do Código Civil Brasileiro, para que a cessão do
crédito possua validade perante terceiros é necessário o registro do instrumento de
cessão em Cartório de Títulos e Documentos ou, alternativamente, possuir todas as
formalidades descritas no artigo 654 de referido instituto tais como, indicar o local
onde o negócio jurídico foi transferido, conter a qualificação das partes, data e
objetivo pelo qual a cessão foi conferida a terceiro30.
Uma formalização importante que reveste a cessão é a notificação que deve ser
realizada ao devedor do crédito, ou seja, ao sacado. A ciência do sacado de que o
crédito foi cedido a terceiro, neste caso à SPE, é imprescindível ao menos que o
sacado se declare ciente da cessão através de instrumento público ou particular31.
Na operacionalização da securitização, notificar o devedor é um dos grandes
desafios que precisa ser sopesado, uma vez que a securitização de créditos implica
na cessão de um grande número de recebíveis e de forma continuada. Dessa forma,
a notificação do sacado, além de representar um custo extremamente elevado,
confere um entrave operacional ao processo. Para mitigar o risco de questionamento
do sacado, mas garantir a cessão do recebível à SPE uma alternativa é nomear o
cedente (originador) como agente arrecadador dos recebíveis de forma que ele
receba as receitas advindas do pagamento dos ativos cedidos e repasse tais valores
à SPE para distribuição aos investidores que adquiriram os títulos cujo lastro é o
recebível em questão. Em outros termos, o pagamento é realizado entre devedor e
credor originário para posterior repasse ao cessionário titular do crédito32.
Em relação às garantias atreladas ao recebível cedido, nos termos do Código Civil
Brasileiro33, o acessório segue o principal para todos os fins. Nesse sentido, os
ativos cedidos pelo originador à SPE são acompanhados pelas eventuais garantias
“É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante
instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art. 654.”
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Artigo 288. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 mai. 2016.
30
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.81.
31
Ibidem, p.81.
32
Ibidem, p.81.
33
“Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.”
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Artigo 287. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 mai. 2016.
29
21
que estejam atreladas a estes, sendo que os instrumentos jurídicos que os
constituíram não são alterados com a cessão, o que faz com que as condições
avençadas na origem não sejam necessariamente repactuadas com a cessão.
Todos os termos anteriormente avençados permanecem os mesmos, com o mesmo
pacote de garantias, sendo apenas alterado o beneficiário desta avença quando da
cessão34.
Ainda que seja extremamente pacífica e respaldada juridicamente35 a questão da
transferência dos instrumentos acessórios quando da cessão do crédito, há uma
grande controversa sendo discutida em relação à transferibilidade dos termos
pactuados por instituição financeira e que tão somente a ela são aplicáveis, como é
o caso das taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras sem que tais taxas
sejam consideradas abusivas, apesar de na prática muitas vezes serem. Dois
exemplos típicos dessa discussão são a alienação fiduciária de bens móveis,
garantia constituída somente em favor de instituições financeiras, e a pactuação de
juros elevados, que não estão sujeitos a Lei da Usura, na emissão de Cédulas de
Crédito Bancário (“CCBs”), título emitido por instituição financeira em favor do
tomador de crédito. Ambos, considerados instrumentos inerentes à atividade
bancária são objeto de discussão em relação à possibilidade de transferência destes
a uma instituição não pertencente ao Sistema Financeiro Nacional36.
É sabido que, nesse sentido, além do que já consta no Código Civil Brasileiro –
conforme acima mencionado – há também previsão expressa na Resolução
nº 2.686, de 26 de janeiro de 2000 (“Resolução 2686”), emitida pelo CMN, que
dispõe da securitização de créditos financeiros, de que a cessão de créditos para
fins de securitização compreende a transferência de contratos, títulos e eventuais
garantias que sejam constituídas para fins de execução específica em caso de
evento de inadimplemento37. Dessa forma, entende-se que o CMN ao regulamentar
34
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.82.
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Artigo 287. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 mai. 2016.
36
Dispõe sobre os juros nos contratos e da outras providências. Decreto nº 22.626, de 07 de abril de
1933 – revigorado pelo Decreto de 29 de novembro de 1991. BRASIL. Decreto n° 22.626, de 07 de
abril de 1933. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d22626.htm>. Acesso
em: 12 mai. 2016.
37
BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução CMN n° 2.686, de 26 de janeiro de 2000. Disponível
em:
35
22
por meio de tal Resolução 2686 conferiu aos entes não financeiros os benefícios que
são específicos da atividade bancária, ou seja, que nascem apenas quando uma das
partes do negócio jurídico é a instituição financeira, mas como não há nenhuma
vedação em relação à transferência desses instrumentos a terceiros por meio da
cessão há entendimento favorável pela transferência destes por meio da
securitização38.
Apesar do entendimento firmado nos termos da Resolução 2686, há controvérsias
surgindo na esfera judicial que entende pela necessidade de repactuação dos juros
e multa de mora das CCBs que são cedidas por cessão de crédito para instituições
não financeiras para que tais instituições não gozem de benefício de multa e juros
distintos do que dispõe a Lei da Usura39.
Em relação à circulação dos créditos cedidos, para coisas móveis considera-se a
coisa em si e para recebíveis considera-se o objeto a ser transferido com seu
subjetivismo40. O subjetivismo também é uma questão a ser considerada na cessão
já que a transferência do crédito só ocorre quando o titular o transfere nos termos
exigidos pelo instrumento que o deu origem. Nesse sentido, há certa insegurança na
aquisição do crédito, mesmo considerando a boa-fé das partes, já que o instrumento
que deu origem ao crédito não possui forma certa e determinada41.
Dessa forma, o cessionário adquirente do crédito não sabe ao certo o que está
efetivamente adquirindo, pois não participou da negociação do instrumento pelo qual
<http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/At
tachments/47434/Res_2686_v3_P.pdf>. Acesso em: 13 mai. 2016.
38
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.83.
39
“EMBARGOS À EXECUÇÃO – CESSÃO DE CRÉDITO ORIUNDA DE CONTRATOS BANCÁRIOS
– EXEQUENTE-CESSIONÁRIO NÃO INTEGRANTE DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL –
IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS BANCÁRIOS. É de registro que, mesmo em
patamar infralegal, inexiste qualquer normatização que determine que os créditos cedidos por
instituição financeira a cessionário não integrante do Sistema Financeiro Nacional devam manter a
mesma natureza atribuída aos contratos bancários. Assim, no caso específico, mostra-se totalmente
inadequado a cobrança de encargos contratuais cuja permissão é exclusiva das entidades
pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional. Recurso de apelação provido.” BRASIL. Tribunal de
Justiça. Apelação nº 0007386-22.2012.8.26.0597/SP. 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo. Relator Roberto Mac Cracken. Pesquisa de Jurisprudência, Acordão, 07 de
ago. 2014. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/esaj>. Acesso em: 22 jun. 2016.
40
ASCARELLI, Tulio. Teoria geral dos títulos de crédito.2. Ed. Trad. de Nicolau Nazo. São Paulo:
Saraiva, 1969. p.6.
41
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.85.
23
o crédito se originou e, portanto, desconhece as particularidades e eventuais
exceções que possam ser opostas em relação ao crédito adquirido42.
Portanto, acima constam algumas das dificuldades na circulação de créditos e das
dificuldades encontradas para que a securitização de tais créditos ocorra de forma
segura para ambos os lados, originador e investidor. Apesar de existirem
instrumentos hábeis para que a transferência de riquezas ocorra, há necessidade de
conviver com a insegurança jurídica das avenças eventualmente existentes do
passado.
Os títulos de crédito vieram suprir a necessidade econômica de
segurança e rapidez na transmissão de créditos, com sua
objetivação, delimitação e incorporação em um instrumento que pode
circular, submetido às regras relativas à circulação das coisas
móveis, e que carrega consigo o conteúdo perfeitamente
especificado do direito nele incorporado43.
Mesmo os valores mobiliários não possuindo relação com estes tipos, gêneros e
espécies de títulos de crédito, os conceitos de títulos de crédito e valores mobiliários
são em parte ligados. Isso porque alguns títulos de crédito são valores mobiliários
nos termos da Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 197644 (“Lei nº 6.385”), mas o
que efetivamente os distinguem é a função econômica entre eles. Os títulos de
crédito são singulares e são concebidos para circularem indefinidas vezes, os
valores mobiliários nascem para distribuição em massa o que os torna fungíveis45.
Na securitização, fazendo uma analogia em termos práticos, o título de crédito
possui a característica do ativo que é cedido à SPE para fins de securitização. Já o
42
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.85.
Ibidem, p.85.
44
o
“Art. 2 São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: I - as ações, debêntures e bônus de
subscrição; II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos
aos valores mobiliários referidos no inciso II; III - os certificados de depósito de valores mobiliários;
IV - as cédulas de debêntures; V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de
clubes de investimento em quaisquer ativos; VI - as notas comerciais; VII - os contratos futuros, de
opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII - outros
contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX - quando ofertados
publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de
participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos
rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” BRASIL. Lei n° 6.385, de 07 de
dezembro de 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6385.htm>. Acesso
em: 17 mai. 2016.
45
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.91.
43
24
valor mobiliário possui a característica dos títulos que são emitidos pela SPE cujo
lastro é o ativo cedido, títulos esses que são ofertados em massa para eventuais
investidores que pretendam investir nestes papéis.
3.1 Coobrigação
Nos termos do artigo 295 do Código Civil Brasileiro, na cessão de crédito onerosa o
cedente não se responsabiliza pela solvência do devedor, mas apenas pela
existência da dívida à época da realização do negócio. Já nas cessões de crédito de
natureza gratuita onde o cessionário não sofre nenhuma redução patrimonial, o
cedente só se responsabilizará pela existência do crédito nas hipóteses em que tiver
agido de má-fé46.
Nesse sentido, os casos de cessão de crédito onerosa, em que o cedente se
responsabiliza pela solvência do devedor, são aqueles em que é prevista
expressamente uma coobrigação, que pode ser total ou parcial.
Coobrigação, portanto, é o ato expresso por meio do qual o cedente obriga-se, em
conjunto com o devedor original, pela solvência do crédito. O cedente, neste caso,
retém o risco da operação e, mesmo com a cessão efetivada, continua responsável
parcialmente ou integralmente (dependendo do tipo de coobrigação avençada) pelo
adimplemento do devedor47.
Dessa forma, a transferência ou retenção de risco da cessão de direitos creditórios
para o FIDC, por exemplo, que pode ocorrer em virtude da existência de
coobrigação, está regulamentada pela Instrução CVM nº 489, de 14 de janeiro de
201148 (“Instrução CVM 489”).
46
Assim dispõe o artigo 295 do Código Civil Brasileiro: “Na cessão por título oneroso, o cedente,
ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao
tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se
tiver procedido de má-fé”. BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Artigo 295. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 17 mai. 2016.
47
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.47.
48
BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução da Comissão de Valores Mobiliários n° 489, de
14 de janeiro de 2011. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/inst/anexos/400/inst489.pdf>. Acesso em: 19
mai. 2016.
25
Sob a ótica norte-americana, o dilema acerca da coobrigação é se esta expurga a
efetividade da transferência do crédito do cedente para o cessionário. Considerando
que nas operações estruturadas nos Estados Unidos não há coobrigação acima do
percentual referente à inadimplência histórica da carteira cedida, para determinar tal
efetividade, bem como a retenção ou não do risco, há que se analisar a extensão da
coobrigação negociada entre partes no momento da cessão49.
Embora coobrigação e recompra possam gerar o mesmo efeito econômico,
juridicamente possuem conceitos distintos. Enquanto na coobrigação o cedente se
obriga em conjunto com o devedor original do crédito pelo adimplemento do crédito,
na recompra o cedente se obriga a adquirir o crédito do cessionário em eventual
inadimplemento para posteriormente cobrá-lo do devedor50.
Sendo assim, a recompra pode ocorrer, por exemplo, quando o cessionário, em
função da pulverização dos recebíveis lastro do título ou valor mobiliário
securitizado, delega ao cedente a administração dos pagamentos pelos devedores.
Dessa forma, existindo o inadimplemento destes, o cedente recompra ou substitui o
crédito securitizado, de acordo com o que for convencionado em contrato pelas
partes.
Há, portanto, nesse escopo, duas possibilidades: (i) a recompra ou substituição
compulsória, caso em que há a retenção de risco pelo cedente, da mesma forma
como ocorre na coobrigação; e (ii) a recompra ou substituição facultativa que mesmo
assim traz um risco adicional ao cedente51.
Vale lembrar que a substituição de recebível é uma forma de “revolvência” da
carteira cedida o que, muitas vezes, faz com que o investidor possua como lastro do
título ou valor mobiliário investido um crédito com o prazo de vencimento superior ao
inicialmente cedido.
49
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.47 e 48.
50
OIOLI, Erik F.; FALEIROS, Vanessa Zampolo. Transferência e Retenção de Riscos na
Securitização de Recebíveis. Rio de Janeiro, Renovar, 2014.
51
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.48.
26
3.2
Cessão Pro Soluto e Cessão Pro Solvendo
Segundo CARVALHO DE MENDONÇA, cessão pro soluto ou in solutum é a
transferência que alguém faz a outrem, de quem é devedor, do crédito ou de outros,
de quem é credor, com fim de solver sua obrigação. Já a cessão pro solvendo é a
transferência que alguém faz a outrem, de quem é devedor, do direito de receber o
valor de um crédito de terceiro seu devedor. Sendo a primeira extintiva desde logo,
na segunda a extinção fica dependente do efetivo pagamento, ficando o cedente
obrigado para com o cessionário não só pela validade do crédito, mas também pela
solvabilidade do devedor52.
Já EIZERIK trata tais cessões com sendo a pro soluto uma cessão sem coobrigação
e a pro solvendo uma cessão com coobrigação do cedente, sendo que esta última
admite que a garantia prestada pelo cedente seja subsidiária ou solidária ao
pagamento do devedor53.
Desse modo, não se pode confundir a cessão pro solvendo com uma cessão
fiduciária ou com um mútuo, utilizados para fins de garantia. De acordo com
CARVALHO DE MENDONÇA na cessão pro solvendo não se opera a transferência
do crédito sendo, portanto, uma cessão imprópria54.
52
CARVALHO DE MENDONÇA, Manuel Ignácio. Doutrina e Prática das Obrigações ou Tratado
Geral dos Direitos de Crédito. Rio de Janeiro, 1956, p.108.
53
EIZERIK, Nelson. Aspectos Modernos do Direito Societário. Rio de Janeiro, 1992, p.494.
54
CARVALHO DE MENDONÇA, Manuel Ignácio. Doutrina e Prática das Obrigações ou Tratado
Geral dos Direitos de Crédito. Rio de Janeiro, 1956, p.109.
27
4. TRUE SALE
Nos Estados Unidos as companhias securitizam praticamente tudo, recebíveis de
conta corrente, cartão de crédito, empréstimo, royalties de composições musicais,
taxistas e de imposto de bens imóveis. Ainda que existam muitos motivos para
securitização, o principal deles é a eliminação de risco de falência do credor
originário do recebível55.
Numa estruturação regular de empréstimo, um dos primeiros riscos que o credor
pode enfrentar é o da decretação de falência do devedor e o credor ter que se
habilitar na massa falida de credores para obter o direito de recebimento do seu
crédito. Mesmo quando o empréstimo possui garantias revestidas de proteção em
relação à falência, como é o caso da cessão fiduciária de bens móveis, o credor
ainda enfrentará o longo e custoso processo de falência da companhia antes de ser
possível obter o produto da garantia executada. Tais riscos podem ser
substancialmente mitigados por meio da securitização estruturada por meio da
constituição de uma SPE que conferirá ao crédito cedido a segregação deste em
relação à falência do credor originário caracterizando, portanto, o que os americanos
denominaram de True Sale ou, nos termos utilizados localmente, uma cessão
perfeita e acabada56.
Estruturando a securitização como um True Sale, os recebíveis securitizados não
serão incluídos nos créditos a serem distribuídos à massa falida quando da falência.
Como resultado, o risco de falência que estava presente em empréstimos em que o
recebível permaneça no balanço tanto do devedor (obrigação à pagar) quanto no do
credor (direito à receber) não está presente na securitização com True Sale.
Sabendo que seus investimentos estarão apartados de um potencial risco de
falência da companhia, os investidores terão maior apetite para pagar um preço mais
alto por ativos securitizados do que se tais ativos advenham de uma obrigação de
pagamento regular. Em suma, a securitização com True Sale permite a companhias
55
GORDON, Thomas J. Securitization of Executory Future Flows as Bankruptcy-Remote True
Sales. In: The University of Chicago Law Review, 10/1/2000, Vol. 67, Issue 4, p1317-1345;
University of Chicago Law School Language: English, Base de dados: JSTOR Journals. p.1317.
56
Ibidem, p.1317.
28
captarem recursos com custos baixos o que se torna mais atrativo do que a
obtenção regular de empréstimos57.
Ao adquirirem ativos securitizados que estejam apartados dos ativos de crédito
regulares, as SPEs e seus investidores recebem ativos que não podem ser
alcançados pelos credores da companhia em um evento de falência58.
Em regra, as SPEs responsáveis pela securitização de recebíveis possuem três
finalidades. A primeira é a de entidade de passagem que permita que os ativos
singulares e ilíquidos do originador sejam transformados em valores mobiliários
padronizados e líquidos para serem ofertados aos investidores. A segunda finalidade
é a de a SPE proteger seus próprios investidores – os investidores de ativos
securitizados – de eventual falência do originador. E a terceira finalidade é a de
proteger os ativos securitizados de questionamentos de terceiros, especialmente dos
credores do originador do crédito59.
As SPEs resolvem o problema de liquidez ao transformarem instrumentos de crédito
convencionais na oferta de valores mobiliários. Ao invés de alienar diretamente
ativos que compõem o balanço da companhia, o originador aliena tais ativos à SPE
securitizadora que emitirá valores mobiliários lastreados esta carteira de recebíveis
adquiridas por cessão de créditos do originador. Dessa forma, ao passar pela SPE, o
originador resolve seu problema de liquidez uma vez que retira os recebíveis de seu
balanço por meio de um True Sale e capta recursos a custos mais baixos por meio
da oferta de valores mobiliários a investidores interessados no lastro de tais papéis.
Todavia, é importante lembrar que o problema de liquidez do originador é resolvido,
a eventual falência do credor não atinge os valores mobiliários, no entanto, a
falência da SPE securitizadora precisa ser considerada, pois se existir poderá
ameaçar o direito de recebimento pelos investidores dos valores pagos pelo devedor
do lastro dos valores mobiliários emitidos e por estes adquiridos60.
57
GORDON, Thomas J. Securitization of Executory Future Flows as Bankruptcy-Remote True
Sales. In: The University of Chicago Law Review, 10/1/2000, Vol. 67, Issue 4, p1317-1345;
University of Chicago Law School Language: English, Base de dados: JSTOR Journals. p.1318.
58
Ibidem, p.1321.
59
Ibidem, p.1322.
60
Ibidem, p.1323 e 1324.
29
Com o intuito de incentivar os investidores a adquirirem os valores mobiliários
emitidos, a organização societária da SPE securitizadoras é constituída de forma
que a falência desta beira a impossibilidade61.
Primeiro, o instrumento social da SPE limita as atividades desta apenas à
negociação de ativos adquiridos de originadores e a emissão de valores mobiliários
com lastro em tais ativos. Uma vez que a SPE exista apenas para este propósito, ou
seja, para um propósito específico, em regra não existirá situação à margem da
securitização que possa causar a falência da SPE. O único risco remanescente será
o de os recebíveis pertencentes à SPE, na qualidade de cessionária, se
encontrarem inadimplentes pelo sacado devedor, mas este risco é assumido pelo
investidor de acordo com a classificação de risco dada para tal inadimplemento62.
Nos termos da lei norte-americana, é possível ao originador requerer a autofalência
da SPE. No Brasil também é possível, nos termos da Lei de Falências, todavia a
aplicação não é automática, sendo que precisam estar preenchidos os requisitos de
referida Lei, especialmente não estar enquadrado no artigo 48, assim como justificar
as razões da impossibilidade do prosseguimento da atividade empresarial63.
Por definição, a propriedade de um True Sale extingue todos os benefícios e direitos
legais do vendedor sobre a propriedade. Consequentemente, qualquer propriedade
transferida do originador à SPE na forma de um True Sale não pode ser incluída no
rol de ativos pertencentes à massa falida. A propriedade é removida da falência64.
Em duas situações distintas o juiz da falência poderia decretar a consolidação da
propriedade do ativo cedido à SPE na lista de ativos pertencentes à massa falida do
originador. Tais hipóteses são chamadas de risco de entidade segregada e risco de
caracterização. O primeiro refere-se à determinação judicial de que a SPE não é
61
GORDON, Thomas J. Securitization of Executory Future Flows as Bankruptcy-Remote True
Sales. In: The University of Chicago Law Review, 10/1/2000, Vol. 67, Issue 4, p1317-1345;
University of Chicago Law School Language: English, Base de dados: JSTOR Journals. p.1324.
62
Ibidem, p.1324.
63
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.36.
64
GORDON, Thomas J. Securitization of Executory Future Flows as Bankruptcy-Remote True
Sales. In: The University of Chicago Law Review, 10/1/2000, Vol. 67, Issue 4, p1317-1345;
University of Chicago Law School Language: English, Base de dados: JSTOR Journals. p.1325.
30
uma entidade substancialmente segregada do originador o que significa caracterizála como empresa do mesmo grupo do falido e, portanto, entender que os ativos
foram cedidos propositalmente para afastar a possibilidade de retenção destes pela
massa falida em eventual falência da companhia. A segunda hipótese refere-se à
possibilidade do juiz da falência entender que a transferência de ativos do originador
para a SPE não teve como objetivo a securitização destes que permaneceram como
um crédito ordinário a receber pela SPE e, portanto, não representaram um True
Sale perfeito e acabado. Como resultado desse entendimento, a SPE se tornará
credora do originador. Se o originador declarar falência, a SPE e consequentemente
os investidores dos valores mobiliários emitidos pela SPE deverão se habilitar na
lista de credores da massa falida em conjunto com todos os demais credores do
originador65.
A aplicação da lei da falência na securitização de recebíveis cedidos como True Sale
ainda permanece incontroversa, seja no direito norte-americano ou brasileiro, e a
grande razão decorre do fato de que o juiz da falência possui dificuldade de
entender quando a securitização decorre de um True Sale e quando se trata de uma
cessão ordinária em que há coobrigação, recompra ou qualquer outro tipo de
mecanismo em que o ativo ainda esteja sob controle do originador, mesmo após a
cessão. Cabe aos advogados da SPE, neste caso, esclarecerem tal questão em
benefício, principalmente, dos investidores dos valores mobiliários emitidos66.
Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, em um caso de falência, ambas as
legislações utilizam o princípio básico da arrecadação para maximizar o processo de
pagamento dos credores do falido. Dessa forma, certamente a análise que
certamente o juiz da falência terá é se a SPE realmente adquiriu os créditos ou
não67.
Dessa forma, uma alternativa de mensurar este risco na securitização pode ser a
estruturação de forma que o preço de compra que a SPE aplica ao comprar os
65
GORDON, Thomas J. Securitization of Executory Future Flows as Bankruptcy-Remote True
Sales. In: The University of Chicago Law Review, 10/1/2000, Vol. 67, Issue 4, p1317-1345;
University of Chicago Law School Language: English, Base de dados: JSTOR Journals. p.1325.
66
Ibidem, p.1330.
67
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.41.
31
recebíveis do originador possua uma taxa de desconto que preveja a possibilidade
de descaracterização da cessão com base na classificação de risco atribuída ao
papel. Parece lógico que se a SPE adquira o ativo por meio de um True Sale, ela
deveria possuir o benefício de ser o único proprietário do ativo. Por outro lado, se a
SPE adquiriu um ativo sem aquisição de riscos e benefícios do originador, a SPE
deve considerar o ativo como parte do patrimônio do originador, uma vez que
permaneceu com o originador o risco de inadimplemento do papel68. O juiz de
falência precisará considerar estes meandros para julgar se o ativo pertence ou não
à massa falida. Analisaremos com mais detalhes esta questão no capítulo 6.
68
GORDON, Thomas J. Securitization of Executory Future Flows as Bankruptcy-Remote True
Sales. In: The University of Chicago Law Review, 10/1/2000, Vol. 67, Issue 4, p1317-1345;
University of Chicago Law School Language: English, Base de dados: JSTOR Journals. p.1334.
32
5. FUNDOS DE INVESTIMENTO
Diferentemente da estrutura de fundos de investimento encontrada nos Estados
Unidos, os fundos de investimento no Brasil são constituídos sob a forma de
condomínio, que pode ser aberto ou fechado, a depender da finalidade para a qual
ele foi estruturado o que conferirá ao fundo de condomínio fechado a possibilidade
de transferência das cotas e ao fundo de condomínio aberto a possibilidade de
resgate destas. Ainda, os fundos de investimento não possuem personalidade
jurídica e, dessa forma, necessitam de um administrador fiduciário que o constituía e
que o represente para todos os fins69.
No que concerne à securitização, existem duas formas de constituir um fundo de
investimento para que ele possua propósito específico: seja por meio de um fundo
de investimento imobiliário ou por um fundo de investimento em direitos creditórios.
Apesar de se tratarem de fundos de investimento regulamentados pela CVM e não
de securitizadora de recebíveis, na prática, a estrutura societária é assemelhada70.
Nos termos da Lei nº 6.385, as cotas de um fundo de investimento são consideradas
como valores mobiliários e são distribuídas nos termos da regulamentação vigente
de oferta de valores mobiliários em geral, ou seja, aqueles distribuídos após emissão
por uma securitizadora. Para o estudo em questão, exploraremos a constituição, as
cotas e o funcionamento de um fundo de investimento em direitos creditórios, fundo
de investimento que mais se assemelha ao objeto da presente pesquisa.
5.1. Direitos Creditórios
O próprio nome já explica seu significado, “Direito Creditório” significa ter um direito
sobre um crédito que pode assumir diversas formas a depender da estrutura da qual
ele faz parte, como é o caso das duplicatas mercantis, notas promissórias, cheques,
faturas de cartão de crédito, empréstimo consignado, aplicações financeiras, entre
69
CAMINHA, Uinie. Securitização. São Paulo: Saraiva, 2005. p.105.
Ibidem, p.106.
70
33
outros, sendo o Direito Creditório um bem real e não uma promessa de obrigação de
fazer futura71.
Dessa forma, dá-se a todo e qualquer direito advindo de uma relação de crédito
materializada em determinado negócio jurídico a denominação de Direito
Creditório72.
5.2. Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC
Os setores produtivos da economia buscam financiamentos para fomento da
produção com menores custos e com um longo prazo para pagamento. Já
investidores em geral buscam investir seus recursos em fontes seguras, com alta
rentabilidade, ou seja, onde a relação risco versus retorno seja adequada ao perfil
de investimento73.
Dessa forma, como já mencionado anteriormente, a securitização de recebíveis
propicia a aproximação de originadores, que desejam uma captação com baixo
custo, de investidores, que desejam investir em fontes seguras com retornos
atrativos, e como intermediadora das duas pontas uma SPE, que viabilize a
captação e a distribuição de modo seguro e isento de questionamento. Neste caso,
a SPE se reveste de um fundo de investimento que possui uma concentração de, no
mínimo, 50% de Direitos Creditórios em sua carteira e que é regulamentado pela
Resolução CMN nº 2.907, de 29 de novembro de 200174 e Instrução CVM nº 356, de
17 de dezembro de 2001, conforme alterada75.
71
SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito e economia. São Paulo:
Quartier Latin, 2007. p.120.
72
Ibidem, p.121.
73
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.29.
74
Autoriza a constituição e o funcionamento de fundos de investimento em direitos creditórios e de
fundos de aplicação em quotas de fundos de investimento em direitos creditórios. BRASIL. Banco
Central do Brasil. Resolução CMN nº 2.907, de 29 de novembro de 2001. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/At
tachments/47013/Res_2907_v1_O.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2016.
75
Regulamenta a constituição e o funcionamento de fundos de investimento em direitos creditórios e
de fundos de investimento em cotas de fundos de investimento em direitos creditórios. BRASIL.
Comissão de Valores Mobiliários. Instrução da Comissão de Valores Mobiliários n° 356, de 17 de
dezembro de 2001. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/legislacao/inst/inst356.html>. Acesso
em: 27 mai. 2016.
34
O FIDC é a comunhão de recursos de diversos investidores reunidos em um
condomínio aberto ou fechado que possuem como objetivo de investimento a
aquisição preponderante de Direitos Creditórios (no mínimo 50%) originados de
operações financeiras, comerciais, industriais, imobiliárias e de prestação de
serviços, warrants e contratos com entrega ou prestação futura, sendo ainda
permitida
a
aquisição
de
ativos
financeiros
expressamente
previstos
na
regulamentação em vigor76.
Tanto no FIDC - que funciona como um tipo de securitização - quanto na
securitização propriamente dita (com a cessão dos recebíveis a uma SPE) os
investidores que adquirem cotas/valores mobiliários estão protegidos da falência do
cedente originador do crédito quando a cessão ao FIDC ou à securitizadora ocorre
nos moldes de um True Sale, ou seja, sem direito de regresso, mecanismo de
recompra, coobrigação da cedente, e/ou qualquer mecanismo de mitigação de risco
de crédito dos direitos creditórios oferecidos pela cedente/originadora dos direitos de
crédito, o que seria interpretado como uma venda definitiva, perfeita e acabada.
Dessa forma, o risco ao qual o ativo está sujeito é de inadimplemento do devedor, do
FIDC ou SPE, titulares do crédito77.
Conforme veremos no próximo capítulo, no direito brasileiro, a proteção que goza o
investidor de um ativo adquirido pelo True Sale está disposta no parágrafo primeiro,
do artigo 136, da Lei de Falência78, que determina que a cessão dos Direitos
Creditórios objeto de uma securitização não será considerada ineficaz, caso a ação
revocatória visando revogar os atos praticados com a intenção de prejudicar
credores da empresa falida seja considerada procedente79.
76
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.33.
77
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.31.
78
BRASIL. Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Artigo 136. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 03 jun.
2016.
79
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.31.
35
Neste caso, “o True Sale é o ponto crucial da securitização, uma vez que, ao se
realizar a cessão dos recebíveis securitizados sem coobrigação da empresa
originadora, os investidores terão direito legal sobre os recebíveis”80.
Não obstante, é possível encontrar FIDCs em que há pactuação entre o fundo e o
originador para que exista a coobrigação do originador em caso de inadimplemento
do recebível. Neste caso, o risco avaliado não é o de falência do credor, mas de
inadimplência do sacado devedor, já que em função de a carteira do FIDC possuir,
nos termos da regulamentação em vigor, 50% ou mais de investimento em Direitos
Creditórios este dependerá substancialmente do adimplemento do devedor para
garantir a rentabilidade esperada por seus investidores que são denominados pela
regulamentação da CVM de investidores qualificados8182.
Importante lembrar que os investidores do FIDC adquirem cotas do fundo e não os
ativos e Direitos Creditórios que compõem a carteira. As cotas representam uma
fração ideal do patrimônio integral do fundo83.
O funcionamento de um FIDC consiste na aquisição de recebíveis advindos de
originadores de crédito, seja pela cessão perfeita e acabada (True Sale) ou com
coobrigação do cedente (originador). A cessão para o fundo ocorre com o
pagamento do preço descontada uma taxa de cessão (desconto em relação ao valor
de face) pela antecipação do valor do recebível ao originador. Dessa forma, o
rendimento do fundo é garantido pela diferença entre o valor pago ao originador,
80
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.33.
81
“Art. 9º-B São considerados investidores qualificados: I – investidores profissionais; II – pessoas
naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$1.000.000,00
(um milhão de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor
qualificado mediante termo próprio, de acordo com o Anexo 9-B; III – as pessoas naturais que
tenham sido aprovadas em exames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas
pela CVM como requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores
de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios; e
IV – clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida por um ou mais cotistas, que
sejam investidores qualificados.” BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução da Comissão
de Valores Mobiliários n° 539, de 13 de novembro de 2013. Disponível em: <
http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/inst/anexos/500/inst539consolid.pdf>. Acesso
em: 03 jun. 2016.
82
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.64.
83
Ibidem, p.66.
36
com desconto de uma taxa de antecipação, e o valor efetivamente pago pelo
devedor ao fundo84.
Como mencionado anteriormente, o FIDC geralmente adota um mecanismo de
segurança em relação ao inadimplemento dos devedores onde o originador assume
o compromisso de recompra do Direito Creditório em caso do não pagamento do
devedor, bem como de substituição do Direito Creditório por outro quando da
incidência de tal inadimplemento. No entanto, este tipo de mecanismo tão usual em
FIDCs afasta a configuração do True Sale uma vez que estes compromissos
impedem a transferência de risco e benefícios ao fundo85.
A grande vantagem contábil para a empresa originadora em uma
operação de FIDC é que em alguns FIDCS, em que não haja
nenhum mecanismo de mitigação de risco de crédito relacionado aos
direitos creditórios cedidos ao fundo, qualquer garantia da cedente
e/ou quaisquer mecanismos de compensação das perdas de crédito
associadas aos direitos creditórios, os ativos, em geral ilíquidos, são
retirados do balanço patrimonial da empresa, da conta “clientes a
receber”, quando se realiza a cessão de créditos ao fundo, e, em
contrapartida, há entrada de caixa na empresa, o qual fica registrado
como ativo circulante, decorrente do pagamento efetuado pelo fundo
do preço do crédito cedido, viabilizando, dessa forma, o capital de
giro da empresa originadora86.
Após a publicação da Instrução CVM nº 489, a cessão caracterizada um True Sale e
a cessão em que uma um compromisso do cedente originador acerca de eventual
inadimplemento do crédito restou bastante delimitado87. Isso porque houve a criação
de duas classificações contábeis relevantes para fins de registro contábil dos FIDCs:
(i) as cessões com aquisição substancial de riscos e benefícios – True Sale - e (ii) as
cessões sem aquisição substancial de riscos e benefícios – risco cedente. A primeira
classificação faz referência à baixa do balanço do cedente originador dos Direitos
Creditórios adquiridos pelo FIDC, adquirindo, portanto, todos os riscos e benefícios
do Direito Creditório adquirido. Já a segunda diz respeito à permanência do Direito
84
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.66.
85
Ibidem, p.74.
86
Ibidem, p.130.
87
BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução da Comissão de Valores Mobiliários n° 489, de
14 de janeiro de 2011. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/inst/anexos/400/inst489.pdf>. Acesso em: 03
jun. 2016.
37
Creditório no balanço patrimonial do cedente, bem como a inserção deste Direito
Creditório no balanço patrimonial do fundo, sendo que nesta modalidade, o fundo
divide com o cedente todos os riscos e benefícios auferidos com o Direito Creditório,
na proporção determinada no instrumento jurídico que avençou a relação, ou seja,
nos termos do contrato de cessão88.
Dessa forma, de acordo com o que foi apresentado até o presente momento, sempre
que o cedente reter para si garantia de retorno mínimo das cotas do FIDC ou o risco
de crédito e/ou de mercado dos Direitos Creditórios, sempre que houver no FIDC
qualquer mecanismo que tenha o condão de mitigar o risco de crédito dos Direitos
Creditórios cedidos ao fundo, o FIDC deverá ter a classificação em seus registros
contábeis como operações sem aquisição substancial dos riscos e benefícios, e, por
essa razão, não poderá haver a baixa dos direitos creditórios do ativo da cedente 89.
Neste caso, o regulamento do FIDC deverá dispor dos riscos de investimento
existentes na aquisição de cotas pelos investidores e a instituição administradora do
fundo deverá avaliar se houve ou não aquisição dos riscos e benefícios inerentes ao
Direito Creditório cedido, quando tal aquisição não for evidente. Sendo assim, é
possível verificar o grau de exposição do fundo à variação do fluxo de caixa
esperado dos Direitos Creditórios e, se o grau aferido for relevante, concluir-se-á que
o fundo adquiriu os riscos e benefícios relacionados a referidos Direitos Creditórios.
A cessão de crédito pode ser gratuita ou onerosa. No caso do FIDC, a cessão de
crédito é onerosa, uma vez que o fundo paga ao originador o preço do Direito
Creditório, aplicando-se uma taxa de desconto90.
Vale lembrar que são requisitos para cessão de crédito: (i) capacidade das partes,
objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa
em lei; (ii) capacidade para os atos de alienação; e (iii) o objeto da cessão seja
passível de ser cedido91.
88
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.132.
89
Ibidem, p.132.
90
Ibidem, p.136.
91
Ibidem, p.136.
38
Como tratado em capítulo anterior, é sabido que a legislação não exige solenidade
para que se realize a cessão de crédito, bastando um contrato de cessão
consensual, pois se torna perfeito e acabado com o acordo de vontade entre o
cedente e o cessionário, não exigindo a tradição do documento para se aperfeiçoar.
Dessa forma, para que produza efeitos contra terceiros, caso a cessão seja
celebrada por instrumento particular, deve ser registrada no Cartório de Registro de
Títulos e Documentos competente92.
No FIDC, a cessão do Direito Creditório produzirá efeitos em relação ao originador
cedente e ao FIDC, sendo que o originador não responderá pela solvência do
devedor do crédito, salvo se houver estipulação em contrário disposta no contrato de
cessão, hipótese em que a cessão é denominada por alguns doutrinadores como
pro solvendo. O originador responde, entretanto, pela existência da cessão a título
oneroso, respondendo também pela validade do crédito. Em relação ao devedor, se
este não tiver sido notificado da cessão e o Direito Creditório for penhorado o
pagamento realizado pelo devedor será válido em função da boa-fé no pagamento.
Ainda, ao tomar ciência da cessão, o devedor poderá opor exceções contra o
originador que eventualmente poderão afetar o crédito pertencente ao FIDC 93.
92
PIRES, Daniela Marin; LEITE, Cristiano da Cruz (Orient.). Os fundos de investimento em direitos
creditórios (FIDC). São Paulo, SP: Almedina, 2013. p.137.
93
Ibidem, p.138.
39
6. REGIME FALIMENTAR BRASILEIRO
Com o advento da Lei de Falência – bastante assemelhada à norte-americana –
eliminou-se a concordata e criou-se o instituto da recuperação judicial e extrajudicial.
A partir daí seguiu-se o entendimento generalizado de buscar a preservação da
empresa e continuidade dos negócios94.
A falência é a forma de liquidação extraordinária do patrimônio do
devedor, que leva à extinção temporária da atividade negocial do
empresário individual, em contraposição à liquidação e extinção
ordinárias, que sucedem por iniciativa do próprio empresário95.
O direito dos credores no regime falimentar é conferido pelo direito comercial e não
pelo direito falimentar, como muitas pessoas imaginam. Em regra, não há prioridade
legal entre os credores quando o direito de crédito está em discussão. Neste caso,
basta o devedor ser solvente com suas obrigações que o direito a receber o crédito
se torna singular. No entanto, com a decretação da falência, surge uma situação
completamente distinta da ordinária. Neste caso, há classes de credores e
preferências legais determinadas na Lei de Falência que precisam ser obedecidas
para utilização do eventual caixa que o devedor falido eventualmente possua ao logo
do processo falimentar. Muitas vezes há conflito entre classes de credores onde
parte deles prefere prover os serviços acreditando em eventual recuperação do
devedor, outros preferem a venda dos ativos do devedor para saldar as dívidas que
este contraiu com os credores antecessores a decretação da falência96.
A doutrina majoritária defende a mais ampla e total proteção ao direito do credor que
possua garantias reais e que possui preferência na excussão e recebimento de seus
créditos. Porém, a relação entre os direitos do credor na falência não tem merecido a
mesma proteção não apenas em países como o Brasil, mas em economias
desenvolvidas como a norte-americana.
94
LOBO, Jorge. Da recuperação da empresa, p.09. apud FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de
True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. São Paulo, 2009. p.93.
95
PENTEADO, Mauro Rodrigues in SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Antônio Sérgio A.
de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências, p.82. apud FURIATI, Bruno
Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.94.
96
SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito e economia. São Paulo:
Quartier Latin, 2007. p.66 e 67.
40
No campo falimentar, o remédio jurídico para que a alienação de determinado bem
se torne ineficaz possui o nome de “ação revocatória”. Esta ação anula o ato
fraudulento e restaura as partes ao estado anterior. Ainda, cabe ação revocatória se
o ato praticado levar o alienante à insolvência. Por tal razão, a ação revocatória
possui caráter coletivo, já que seu objetivo é o de aumentar o patrimônio da
massa97.
6.1. Artigo 136 da Lei de Falências
Caracterizar um True Sale não é fácil, basta tomar como exemplo a tentativa de
modificação do Bankruptcy Code americano, em 2001. No tocante ao direito
nacional, havendo True Sale na cessão, em regra, o investidor estará protegido. Em
regra, porque caso os atos praticados pelo cedente possuam qualquer defeito
jurídico, a cessão ainda que ocorrida como um True Sale poderá se sujeitar à
nulidade ou à anulabilidade dos atos praticados pelas partes98.
Na Lei de Falência, o artigo 136 estabelece o quanto segue:
Art. 136 Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação
revocatória, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante
de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao
devedor.
§ 1º. Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não
será declarada a ineficácia ou revogado o ato de cessão em
prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários
emitidos pelo securitizador.
§ 2º. É garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor
ação por perdas e danos contra o devedor ou seus garantes99. (grifo
nosso)
Examinando o parágrafo 1º, que faz referência à securitização, é possível
estabelecer que trata-se de hipótese cabível exclusivamente à securitização de
créditos que pode ser entendida como (i) securitização por meio de FIDC; (ii)
97
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.122.
98
Ibidem, p.129.
99
BRASIL. Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Artigo 136. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 07 jun.
2016.
41
securitização imobiliária; (iii) securitização financeira; ou (iv) securitização do
agronegócio. Em se tratando de uma destas hipóteses, faz-se necessário analisar se
(a) os créditos são o lastro dos títulos emitidos; e (b) a cessão não foi feita para
travestir um mútuo100.
Com relação ao item (b), resumidamente, se a SPE securitizadora for controlada
pelo cedente originador, baseado na desconsideração da via econômica, o juiz
poderá desconsiderar a cessão e, por consequência, não conferir o benefício do
parágrafo primeiro do artigo 136101.
Fazendo referência ao termo “do devedor”, constante de mencionado parágrafo
primeiro, é importante lembrar que da mesma forma que o “True Sale é a
manutenção da cessão na falência do cedente (originador) com relação ao
cessionário (securitizador)”102, o termo devedor aqui faz expressa referência ao
originador cedente, não se confundindo com a falência da SPE securitizadora que,
como foi explicado anteriormente, possui objeto social tão específico que tal
hipótese seria quase remota.
Quando aplicado o disposto no parágrafo primeiro do artigo 136, a cessão não será
declarada ineficaz em relação à massa, todavia a ineficácia disposta na Lei de
Falência é tão extensa que a simples ausência de registro do contrato de cessão
poderá descaracterizar a cessão realizada nos moldes de tal artigo de modo que o
True Sale seja invalidado103.
Como citado em capítulo anterior, para que se conclua uma operação de
securitização faz-se necessária a emissão de títulos que, não necessariamente
precisam ser valores mobiliários. No entanto, ao analisar o disposto no parágrafo
primeiro, especialmente o trecho em que se lê “...em prejuízo dos direitos dos
portadores de valores mobiliários”, entende-se que ainda que a securitização não
seja objeto exclusivo de emissão de valores mobiliários, para que tal securitização
100
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.130.
101
Ibidem, p.131.
102
Ibidem, p.131.
103
Ibidem, p.131.
42
esteja protegida pela Lei de Falência, nos termos do artigo em estudo, é
imprescindível que a emissão alcance valores mobiliários. Felizmente o rol de
possibilidades que dispõe o artigo 2º, da Lei 6.385, é bastante extenso de forma que
atualmente as estruturas de securitização reguladas dizem respeito à emissão de
valores mobiliários e, portanto, são protegidas por este artigo104.
Por fim, mas não menos importante, para fins do parágrafo primeiro, do artigo 136, é
necessário que a estrutura seja realizada por um veículo securitizador que recebeu
os títulos em cessão com True Sale e os transformou em valores mobiliários105.
Pelo exposto, é possível defender que, uma vez seguidas as formalidades legais e
comprovando-se que não é o caso de se declarar a ineficácia da cessão, restam
protegidos os créditos securitizados de forma que estes não absorverão eventual
prejuízo que possa daí advir106.
“Trata-se de disposição de admirável engenhosidade jurídica, que impede ataque ao
ato de cessão em prejuízo dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo
securitizador”107. Dessa forma, há uma blindagem do bem securitizado, o que
estimula os investimentos em valores mobiliários advindos de securitização, pois
existirá garantia de manutenção do crédito mesmo com a falência do originador.
Tal proteção pode ser um caminho para eventuais fraudes em que o devedor ou o
originador do crédito venham a se conluiar com a SPE securitizadora para que a
cessão transfira um crédito que estes não possuam interesse em atribuir aos
credores em eventual falência da companhia, mas na verdade tais agentes não
recebem nenhum valor pela cessão do recebível que sofrerá um acerto futuro entre
partes totalmente fora do curso comum da securitização108.
104
FURIATI, Bruno Pierin. O Conceito de True Sale no Direito Brasileiro. Dissertação de Mestrado
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. p.132.
105
Ibidem, p.132.
106
A BÍBLIA da nova lei da falência: 40 grandes advogados anotam todos os artigos. São Paulo: N.
Negócios, s.d. p.80 e 81.
107
BEZERA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências: Lei
11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2007. p.322.
108
Ibidem, p.323.
43
No entanto, considerando que a securitização de recebíveis consiste na emissão de
valores mobiliários lastreados em obrigações a vencer, mecanismo este de
financiamento de determinada atividade e de crescimento do mercado de capitais, é
indispensável que exista amparo legal para proteção dos direitos dos investidores
em eventual falência do originador de forma que a cessão lastro do título
securitizado não seja declarada ineficaz para que este mercado de fomento da
atividade empresarial não deixe de existir109.
109
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e recuperação de empresas:
doutrina e prática, Lei 11.101 de 9/2/2005. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.357.
44
7. CONCLUSÃO
A securitização de recebíveis possui papel fundamental no mercado financeiro e de
capitais. A possibilidade de transformar uma cessão de crédito única e singular em
uma emissão que será objeto de oferta pública atrai a curiosidade de muitos pela
possibilidade de circulação de riquezas por meio de títulos de crédito ou valores
mobiliários.
A virtude de captar recursos para uma companhia - que tomaria um empréstimo
bancário sob alto custo e em prazo limitado – por meio de investidores que possuam
interesse em investimento seguro e de longo prazo, transferindo à companhia o
montante necessário para garantir a continuidade de suas atividades, mas
garantindo aos investidores uma aquisição livre de riscos de falência daquele que
proveu o crédito torna a securitização um processo bastante utilizado no mundo
inteiro.
No Brasil, veículos com o FIDC possuem o condão de assegurar uma espécie de
securitização aos Direitos Creditórios que são adquiridos para o fundo, não podendo
também ser esquecido o fundo de investimento imobiliário como alternativa de
captação tal qual o FIDC.
No entanto, garantir que o investidor conheça os riscos e eventualmente, de acordo
com o investimento realizado, esteja blindado dos efeitos que a falência do credor
originário possa recair sobre o lastro dos ativos investidos é o que o True Sale
possui como vantagem.
Adquirir na securitização ou na cessão de Direitos Creditórios ao FIDC recebíveis
que tenham sido cedidos de forma perfeita e acabada e que, portanto, não sejam
alcançados pela falência do originador faz com que o recebível tenha sido cedido em
True Sale.
Para tanto, os recebíveis cedidos precisam sair do balanço patrimonial do originador
para serem incluídos no balanço patrimonial da SPE securitizadora ou do FIDC.
Nesse caso, a SPE ou o FIDC assumirá os riscos e benefícios dos recebíveis
45
cedidos, não existindo qualquer compromisso do originador em relação ao
inadimplemento, mas tais recebíveis estarão protegidos se eventualmente o
originador tenha sua falência decretada até a liquidação da cessão.
Sendo assim, no direito norte-americano ou no direito brasileiro, a cessão perfeita e
acabada, ou seja, a cessão com True Sale no âmbito da securitização de recebíveis,
por uma SPE securitizadora ou pela emissão de cotas de um FIDC, goza da
proteção disposta na Lei de Falência para que em eventual falência do originador os
créditos cedidos não façam parte da lista de ativos pertencentes à massa falida.
É o objetivo que este trabalho buscou atingir.
46
REFERÊNCIAS
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São Paulo: N. Negócios, s.d. 126 p.
AZEVEDO, Álvaro Villaça; VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil anotado e
legislação complementar. São Paulo: Atlas, 2004. 1955 p.
BEZERA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências:
Lei 11.101/2005: comentário artigo por artigo. 4ª ed. rev. ampl. e atual. São
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CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 205 p.
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