Joao Guilherme Sampaio Dos Anjos

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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
OS FUNDAMENTOS DO DIREITO E A NATUREZA DA NORMA
COMPARADOS ENTRE A TEORIA DO DIREITO QUÂNTICO E A
TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO
Direito
TÍTULO: OS FUNDAMENTOS DO DIREITO E DA
Autor: João
Guilherme
Sampaio
dos Anjos
NORMA COMPARADOS
ENTRE
A TEORIA
DO
DIREITO
QUÂNTICO
E A Rodrigues
TEORIA da Paixão Júnior
Orientador:
Msc. Nilton
TRIDIMENSIONAL DO DIREITO DE MIGUEL
REALE
Autor: João Guilherme Sampaio dos Anjos
Orientador: Msc. Nilton Rodrigues da Paixão Junior
Brasília - DF
2010
2010
JOÃO GUILHERME SAMPAIO DOS ANJOS
TÍTULO: OS FUNDAMENTOS DO DIREITO E DA NORMA COMPARADOS
ENTRE A TEORIA DO DIREITO QUÂNTICO E A TEORIA TRIDIMENSIONAL
DO DIREITO DE MIGUEL REALE.
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Msc. Nilton Rodrigues da Paixão
Júnior.
Brasília
2010
Dedico este trabalho àqueles que se encontram
à margem do poder econômico por conta da
ordem imposta, desejando que este trabalho
possa contribuir no anseio de mudanças sociais
repensando as bases do Direito, a fim de
convertê-lo em instrumento de transformação
social em detrimento de um instrumento de
legitimação de poder.
AGRADECIMENTO
A Deus, por seu amor e sua infinita graça revelados na cruz com a morte de Jesus
Cristo e por me conceder o dom de pensar com fé e crer com a condição de dar razão da
esperança que há em mim: a salvação em Jesus Cristo, somente.
Ao meu orientador Nilton Rodrigues da Paixão Júnior, pois não somente me orientou
no presente trabalho, mas desde quando ainda ingresso na academia me conduziu ao desejo de
estudar as questões mais instigantes do Direito e vê-las como primordiais para minha
formação. Ainda por me auxiliar a ter uma visão crítica do Direito e produzir o desejo em
mim de usá-lo para mudar o status quo e não me conformar nem sucumbir perante a tentadora
pedância jurídica.
Ao professor Fabrício Dias Rodrigues por me auxiliar no descobrimento do Direito
Quântico e na Filosofia do Direito.
Aos demais professores, não menos importantes, que revelaram paixão pelo ensino e
me contaminaram com o prazer pelos estudos e, especialmente, pelo Direito.
À minha família, nas pessoas de meu pai, João Florentino dos Anjos, e minha mãe,
Enezita Sampaio dos Anjos, que sempre foram para mim exemplos de perseverança perante
os percalços da vida e inspiração para não desistir jamais.
À minha amada Priscila Nolasco, que é para mim muito mais que uma companheira, é
a minha maior incentivadora, por seu amor sincero, sua cumplicidade e companheirismo.
Ao meu amigo Vinícius Supeleto, que, pela amizade sincera e apoio especial, tanto me
auxiliou na empreitada de percorrer os meandros da Física.
Ao meu amigo Marcus Vinícius, com quem sempre aprendo tanto e com quem posso
dar vazão às minhas elucubrações jurídicas.
À minha querida cunhada Isabelle Nolasco por sua disponibilidade em me auxiliar na
pesquisa conceitual atinente à área da saúde que interessou ao meu trabalho.
Aos meus demais amigos que, mesmo não sabendo, participaram dessa trajetória,
sempre com inestimáveis incentivos.
A todos que de alguma forma me apoiaram a estudar e me aperfeiçoar no Direito.
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu
[canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
Vinícius de Moraes
RESUMO
Referência: ANJOS, João Guilherme S. dos. Os fundamentos do direito e a natureza da
norma comparados entre a teoria do direito quântico e a teoria tridimensional do
direito. 2010. 69 folhas. Curso de Direito – Universidade Católica de Brasília, TaguatingaDF, 2010.
O autor procura com o presente trabalho traçar um paralelo entre a teoria do Direito Quântico,
do professor Goffredo Telles Junior, e a Teoria Tridimensional do Direito do professor
Miguel Reale. Inicialmente, expõe os fundamentos do direito conforme a teoria quântica do
direito, observando que é na natureza, principalmente em sua formação, que o direito encontra
suas bases, de modo a reproduzir na escala social as regências celulares, atômicas e galácticas.
Faz também uma exposição de como é caracterizada a norma com seus atributos, além de
informar o que ela não é. Pela exposição da teoria tridimensional do direito, faz uma
exposição conceitual introdutória, um breve relato da relação entre filosofia do direito e
ciência do direito para demonstrar os principais aspectos que norteiam a teoria, que prima
pelos fundamentos históricos e culturais. Também analisa a norma como integrante da relação
dialética com fato e valor. Conclui pela importância da teoria do direito quântico para seu
aperfeiçoamento e evolução das ideias, destacando a importância que ainda revela a teoria
tridimensional pela sua completude e pertinência.
Palavras-chave: Direito Quântico. Teoria Tridimensional do Direito. Fundamentos. Norma.
Liberdade. Física. Natureza. História. Cultura.
ABSTRACT
Reference: ANJOS, João Guilherme S. dos. Os fundamentos do direito e a natureza da
norma comparados entre a teoria do direito quântico e a teoria tridimensional do
direito. 2010. 69 folhas. Curso de Direito – Universidade Católica de Brasília, TaguatingaDF, 2010.
The author of this paper analyzes the Law elements through the quantum law and the threedimensional law theory. Initially, exposes the law elements to quantum law, finding in nature
his bases, reproducing in social life the same logic of the cells, the atoms and the galaxies.
Also exposes the law features, besides saying what it isn’t. Exposing the three-dimensional
law theory, shows some introductory concepts, a report about the juridical philosophy and law
science, as well explain the dialectic of complementarity and the axiological historicism.
Demonstrate the most important issues that guide to the theory, prioritizing the historical and
cultural elements. Finally, analyzes the law being a dimension of dialectical relation among
facts and values. Concluded by the highest relevance of three-dimensional law, but admits the
leading character of quantum law.
Keywords: Quantum Law; Nature; Physis.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................10
CAPÍTULO 1 - PRINCIPAIS ASPECTOS DA TEORIA DO DIREITO QUÂNTICO..........15
1.1 O SURGIMENTO DO UNIVERSO: DO MACRO AO MICROCOSMO ....................... 15
1.2 A QUESTÃO DA LIBERDADE ....................................................................................... 16
1.3 A NATUREZA DAS LEIS DIANTE DA NATUREZA ÚNICA ..................................... 18
1.4 A PERCEPÇÃO DE REALIDADE E O SISTEMA DE REFERÊNCIA ......................... 21
1.5 O JUÍZO DE VALOR, A CULTURA DEFINIDA HISTORICAMENTE E A “MATRIZ
SOCIAL” .................................................................................................................................. 23
1.6 AS CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA, O DEVER-SER E O DIREITO
OBJETIVO ............................................................................................................................... 25
1.7 O DIREITO SUBJETIVO E SUAS VICISSITUDES ....................................................... 29
1.8 O DIREITO QUÂNTICO .................................................................................................. 30
CAPÍTULO 2 - ELEMENTOS NORTEADORES DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO
DIREITO ..................................................................................................................................32
2.1 ALGUNS CONCEITOS PRIMORDIAIS ......................................................................... 32
2.1 DISTINÇÕES ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA DO DIREITO ............. 35
2.2 A TRIDIMENSIONALIDADE NA EUROPA E A TRIDIMENSIONALIDADE
ESPECÍFICA............................................................................................................................ 38
2.2.1 As espécies de teorias tridimensionais ............................................................................38
2.2.2 A tridimensionalidade genérica .......................................................................................39
2.2.3 A tridimensionalidade específica.....................................................................................40
2.3 A TRIDIMENSIONALIDADE CONCRETA ................................................................... 41
2.4 A DIALÉTICA DE COMPLEMENTARIEDADE E O HISTORICISMO AXIOLÓGICO42
2.4.1 Sobre a dialética de complementariedade .......................................................................43
2.4.2 Sobre o historicismo axiológico ......................................................................................44
CAPÍTULO 3 - DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS QUANTO AOS
FUNDAMENTOS DO DIREITO E AOS ASPECTOS ELEMENTARES DA NORMA ......47
3.1 AS PARTÍCULAS ELEMENTARES E OS PROCESSOS HISTÓRICO-CULTURAIS
COMO DETERMINANTES PARA A FORMAÇÃO DO DIREITO..................................... 47
3.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA NORMA E O HOMEM COMO VALOR
FONTE ..................................................................................................................................... 51
3.3 O DIREITO NATURAL, O DIREITO POSITIVO, O DIREITO SUBJETIVO E O
DIREITO OBJETIVO .............................................................................................................. 59
3.4 OS ENCONTROS E DESENCONTROS HISTÓRICOS E PARADIGMÁTICOS DAS
TEORIAS ABORDADAS ....................................................................................................... 60
CONCLUSÃO..........................................................................................................................63
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................67
10
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da civilização humana, há registro de pensadores se questionando
sobre a sociedade e as formas de governo, dominação e poder. Ao longo da história, foi-se
aperfeiçoando o pensamento, a exemplo da transição de foco da filosofia da natureza para a
sociedade com Sócrates, até a análise da linguagem com Wittgenstein.
Nessa história, há importantes pensadores que contribuíram para com a evolução do
direito. Tem-se, por exemplo, na história recente, os contratualistas, precursores e
idealizadores do Estado como se conhece hoje, muito embora em concepções muitas vezes
antagônicas, a exemplo de Rousseau e Hobbes.
Inúmeros expoentes estabeleceram sua participação na história, como Bobbio,
Savigny, Ihering, e tantos outros.
Imprescindível destacar Immanuel Kant e Hans Kelsen, pois suas teorias têm impacto
diferenciado sobre este trabalho, sendo muitas vezes mencionados, mesmo que indiretamente
tanto na teoria do direito quântico, quanto na teoria tridimensional do direito.
Kant, ao propor uma intermediação entre os racionalistas e os empiristas, foi o marco
de início do Romantismo.
Kelsen, com sua teoria pura do direito, procurou elevar o direito a um patamar de
independência tal que se exclui de seu conceito qualquer referência a outros ramos da ciência,
como sociologia e filosofia. Possui lugar de relevo também sua ideia de ordenamento jurídico
hierarquizado, na forma da famosa pirâmide de kelsiana, na qual consta no topo a
Constituição.
O estudo dos fundamentos do direito é de inestimável importância, sempre a
considerar os novos paradigmas propostos para a sua análise, tal qual o direito quântico.
A partir de uma aula na disciplina pesquisa jurídica, aproximando-se o último
semestre, o pesquisador foi apresentado, mesmo que muito perfunctoriamente, ao tema direito
quântico, vastamente explorado no Brasil pelo professor Goffredo Telles Junior. A partir da
menção em sala de aula desse ramo de pesquisa do direito, procurou-se aprofundar os
conhecimentos, obtendo-se o livro homônimo do professor Telles Junior.
No decorrer da leitura da obra, percebeu-se que o professor Telles Junior procura
explicar como a norma jurídica é construída na sociedade e como ela mesma é arquitetada
com fundamento nos princípios que regem a natureza, mais especificamente as leis da Física
Quântica.
11
Por se tratar o direito quântico de um tema não muito explorado, obteve-se como fonte
apenas o livro escrito pelo professor Telles Junior e artigos que abordam temas específicos do
assunto, disponíveis em ambiente de internet.
Deve-se ponderar ainda que o presente estudo se faz relevante porque pretende discutir
os fundamentos do direito no tocante à posição da norma em relevância nos fundamentos da
ordem jurídica e o que origina a norma, se a construção cultural da sociedade ou a
predisposição natural encontrada e ordenada na construção biológica.
Indiscutível é a atualidade do presente trabalho, porque se vê no Brasil uma grande
discussão do ativismo judicial diante da inércia legislativa e o próprio despreparo daqueles
que foram eleitos para cargos incumbidos de expressar a vontade popular e editar normas. A
discussão da natureza jurídica da norma é preponderante para auxiliar o estudo da atividade
legiferante no que concerne ao seu real papel e como a norma deve agir e surgir, se a partir de
convicções majoritárias pacificadas pela sociedade em seu bojo cultural ou da busca das
verdadeiras origens humanas como ser natural, produto de miscelâneas químicas e físicas.
O acesso à bibliografia revelou-se relativamente descomplicado. Isso porque, dada a
notoriedade de Miguel Reale, não é difícil ter acesso a suas obras que estão em muitas
bibliotecas. Alguma dificuldade encontra-se, porém, em adquirí-las, porque já não são
editadas há alguns anos e podem ser encontradas apenas em sebos, ao passo que a edição da
obra de Telles Junior é bastante recente. Contudo, como há apenas um volume de Telles
Junior, fez-se necessário procurar outras obras sobre o mesmo assunto, tanto em português
quanto em inglês e espanhol, o que não foi possível dada a natureza inédita do tema.
Com a finalidade de se obter a problematização da presente pesquisa, faz-se as
seguintes perguntas que servirão de norte e delimitação do campo a ser pesquisado.
Os fundamentos jurídicos são frutos de uma predisposição ordenada pela natureza ou
constituem um resultado de mudanças histórico-culturais de uma sociedade?
A norma jurídica nasce antes da ordem ou ela é fruto de uma ordem social
estabelecida que valora fatos?
É preponderante, na formação da sociedade, os fatores de organização das células
como parte da natureza humana ou fatores culturais e históricos?
O direito quântico se dedica a estudar o direito interagindo com a física quântica, de
modo a identificar na formação do universo algumas diretrizes que podem servir de
orientação nas formulações teóricas jurídicas. Desse modo, o direito seria um aspecto da
natureza a partir do momento que ele “é a tese de que o Direito se insere na Harmonia do
Universo – do “Unum versus alia”: do Uno feito do diverso – e, ao mesmo tempo, dela
12
emerge, como requintada elaboração do mais evoluído dos seres”.1 Não haveria também a
rígida e clara separação entre Mundo Físico e Mundo Ético, como pretendem os clássicos,
mas ambos seriam partes de um todo.
A partir dessa noção, faz-se uma análise de como ocorrem as interações entre os vários
seres que compõem o Universo, tanto no Macrocosmos, com as interações planetárias e
estrelares, quanto no Microcosmos, onde interagem os elementos básicos da matéria,
partículas atômicas e substâncias químicas elementares para a formação da vida. Com essa
análise, identificam-se padrões rígidos que são seguidos nessas interações e que são chamados
de leis físicas, diferentes das normas jurídicas.
Diante do estudo das variadas relações entre os elementos do universo, identifica-se o
homem como sendo o mais avançado ou o mais evoluído dos seres, sendo constituído de
estruturas super-complexas, organizadas em sistemas que se completam para que o todo
funcione a exemplo das células e seus núcleos constituídos pelo ácido desoxirribonucléico.
A partir das constatações feitas, parte-se para o estudo de aspectos do que é chamado
mundo ético, como a liberdade, e da comparação entres as leis éticas e as leis físicas, no
sentido de que as leis éticas são aquelas elaboradas pelo ser humano para ordenar
comportamento. Já as leis físicas são fórmulas elaboradas pelo ser humano para revelar o que
a ciência já descobriu como constante.
Dentre as diferenciações que se faz, chega-se à conclusão de que o comportamento do
homem está baseado em sua lógica estrutural natural, que interfere diretamente em suas
relações e, portanto, nas ordenações normativas das sociedades. Telles Junior expressa o
seguinte:
Isto significa que o primeiríssimo fundamento das tábuas éticas, dos sistemas
axiológicos de referência, dos usos e costumes, das ordenações normativas, dos
sistemas jurídicos, se encontra nos elementos quânticos, de que se compõem as
2
moléculas do ácido nucléico, no núcleo das células humanas.
Ora, frutífica análise se faz ao comparar a teoria acima apresentada com a teoria
desenvolvida por Miguel Reale e suas constatações de tridimensionalidade do direito em que
a construção do ordenamento jurídico ocorre muito mais por conta de processos históricos e
culturais do que por determinações de interações químicas e físicas da natureza.
A teoria tridimensional pretende demonstrar o direito e o processo de elaboração das
normas como processos dialéticos constituídos por três elementos que compõem um todo, não
1
2
TELLES JUNIOR, 2006, p. 1.
Ibidem, p. 272.
13
sendo faces separadas de uma realidade, mas aspectos que interagem: fato, valor e norma, de
modo que a norma é fruto da valoração social atribuída a determinado fato e que essa
valoração é construída a partir de aspectos históricos que envolvem a sociedade, bem como a
construção dos bens culturais.
Para a teoria tridimensional do direito, envolve também, inevitavelmente, aspectos da
natureza humana, tanto físicos como psíquicos, mas isso não é o que determina o padrão
social e normativo a ser construído. Pode-se ter melhor ideia da tridimensionalidade proposta
por Miguel Reale a partir do trecho abaixo:
Em suma, o termo “tridimensional” só pode ser compreendido rigorosamente como
traduzindo um processo dialético, no qual o elemento normativo integra em si e
supera a correlação fático-axiológica, podendo a norma, por sua vez, converter-se
em fato, em um ulterior momento do processo, mas somente com referência e em
função de uma nova integração normativa determinada por novas exigências
3
axiológicas e novas intercorrências fáticas.
Constata-se, ao se analisar as duas teorias que elas possuem diferenciações na
percepção do direito, ora como processo constitutivo da natureza, ora como processo
resultante de elementos históricos e culturais, com o que se faz oportuno discutir os
fundamentos do direito a partir das constatações feitas nas duas teorias, bem como verificar
como ocorre, de fato, o surgimento da norma, oportunizando, assim, a ideia de se buscar o
aperfeiçoamento na elaboração das normas, para que sejam realmente espelho da vontade
social predominante.
Pretende-se, por meio de uma pesquisa explicativa, analisar as duas teorias e avaliar
suas interconexões.
A partir da leitura da teoria explicitada por Telles Junior, quando ele afirma que a lei
existe antes do surgimento da ordem, surge a intenção de se comparar sua afirmação com a
teoria de Miguel Reale, no que concerne aos fundamentos do direito e quanto à dinâmica da
normatividade.
Além disso, selecionar os pontos teóricos de encontro e de divergência entre as duas
teorias estudadas, quais sejam Direito Quântico e Teoria Tridimensional do Direito.
Explicar como se dá o processo de formação das sociedades e suas consequências
jurídicas de normatização tendo como base as teorias objeto da presente pesquisa.
3
REALE, 1994, p. 77.
14
Distinguir a natureza da norma jurídica como sendo um processo caracterizado pelas
consequências do processo de evolução natural e como um fator resultante das experiências
histórica e cultural das sociedades.
Usar-se-á a metodologia dialética com o intuito de identificar na realidade histórica e
nas transformações sociais a explicação para a ocorrência das dinâmicas de fundamentação do
direito e elaboração das normas jurídicas.
O método a ser utilizado é o sistêmico, de modo que se relacionará elementos de duas
teorias de forma dinâmica e ordenada, usando-se por base, como meio a relacionar as duas
teorias no método sistêmico, o método comparativo, a fim de se evidenciar similaridades e
diferenças entre ambas.
15
CAPÍTULO 1 - PRINCIPAIS ASPECTOS DA TEORIA DO DIREITO QUÂNTICO
O Direito Quântico é uma teoria que propõe analisar o direito como inserido na
natureza e, consequentemente, influenciado por seus regramentos, de modo que possua a
mesma lógica constitutiva e alteradora. De maneira mais específica, pretende promover um
diálogo entre o direito e a física quântica, buscando nela elementos de suporte para estudar o
que realmente constitui e governa o mundo natural.
O estudo do direito sob o prisma quântico permeia vários aspectos da ciência jurídica4,
abordando conceitos atinentes à noção de normalidade e à concepção de lei e de norma, bem
como da ordem, perpassando pelas questões culturais, éticas, de valores e juízos; bem como
analisando os conceitos de direito subjetivo e direito objetivo, até propor o estudo da
“Biologia Jurídica” e do Direito Quântico propriamente dito, sendo que esse último é o
referencial de estudo de todos os temas abordados.
1.1 O SURGIMENTO DO UNIVERSO: DO MACRO AO MICROCOSMO
Para propor o diálogo entre a física quântica e o direito, inicia-se a exposição com
análise sobre o que a ciência sabe acerca do começo do universo, de sua formação, do
surgimento das partículas atômicas e da vida.
Comumente, dá-se início à explicação do universo mencionando as micropartículas
que teriam dado toda a base para a existência como se conhece hoje, a exemplo dos elétrons5
4
Esse termo não é aceito por alguns doutrinadores. Mesmo dentre os que aceitam, há divergências.
Paulo de Barros Carvalho (2008, p. 13) faz separação entre Ciência do Direito e o Sistema do Direito Posto
(normas). Como Ciência do Direito ele entende ser aquela seara que “investiga a natureza do ser jurídico,
firmando-se como uma atividade intelectual que postula conhecer de que maneira se articulam e de que modo
funcionam as prescrições normativas.”
Segundo Miguel Reale (1996, p. 63) “Quando a experiência jurídica encontrou suas correspondentes estruturas
lógicas, surgiu a Ciência do Direito como sistema autônomo e bem caracterizado de conhecimento.”
Rizzatto Nunes (2004, p. 300) menciona a dúvida quanto à cientificidade do direito, mas pondera: “A nós
importa o fato de que existe uma Ciência do Direito, mesmo que com formas de pesquisas diversas. Como ramo
de ciência humana, a Ciência do Direito tem como substrato de pesquisa o ser humano, em todos os aspectos
valorativos de sua personalidade.”
Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1980, p. 16) menciona a existência de autores contrários à nomenclatura Ciência
do Direito. A exemplo, uma frase de Kirschmann: “três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras
se transformam em maculatura”. Isso demonstra a dúvida quanto ao caráter científico do Direito, pois ainda
segundo Ferraz Júnior, utilizando-se da expressão de Granger, não há um “equilíbrio epistemológico” na
abordagem científica do direito.
5
Partícula carregada negativamente que está presente em todos os átomos da matéria. Tem massa igual a 9,1094
x 10-31 kg e carga de - 1,6022 x 10-19C. O elétron também é conhecido por ter o quantum de carga negativa (ou
seja, a menor quantidade de carga que um sistema pode ganhar ou perder). (MACEDO, 1976).
16
e prótons,6 mas pela presente teoria, à qual se dedicou Telles Junior, prefere-se começar a
explicação mencionando as grandes estrelas7 e seus padrões de vida e morte, para chegar à
sua constituição e assim adentrar na explanação de como funciona o dia a dia das partículas
atômicas,8 para, dessa maneira, sugerir como teria surgido a vida em meio ao turbilhão de
energia9 provocado pelas severas colisões iniciais, através da união dos átomos10 que
formaram as moléculas, até chegar à proteína11, momento no qual “não parece absurdo ver, na
extraordinária propriedade discriminadora da proteína, a origem das faculdades cognitivas e
volitivas dos seres vivos.”12
Após tentar conectar o surgimento da vida com o caos das colisões inaugurais13 do
universo, expõe-se a complexidade dos organismos vivos, chegando ao ser humano, o qual se
considera ser o mais complexo dos seres.
1.2 A QUESTÃO DA LIBERDADE
Exposta a complexidade dos seres vivos, faz-se necessário compará-los às
micropartículas14 de modo a se perceber que o indeterminismo formado pelas altas
velocidades no mundo quântico é substituído pela versatilidade peculiar aos corpos
organizados e complexos.
6
Partícula carregada positivamente que juntamente com os nêutrons constitui o núcleo atômico. Também está
presente em todos os átomos, tem massa igual a 1,6726 x 10-27 Kg e carga positiva de 1,6022 x 10-19 C.
(MACEDO, 1976).
7
Esferas auto-gravitantes de gás ionizado, cuja fonte de energia é a transmutação de elementos através de
reações nucleares, isto é, da fusão nuclear de hidrogênio em hélio e posteriormente em elementos mais pesados.
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, 2010).
8
Quaisquer partículas que possuam dimensões(‘tamanho’) equivalentes as dimensões do átomo. (MACEDO,
1976).
9
Grandeza física que não pode ser criada nem destruída, apenas pode ser transformada. A energia envolvida
num processo (seja ele químico, biológico ou físico) sempre é conservada, ou seja, a quantidade de Energia no
início do processo sempre é igual à quantidade de Energia ao final do processo. (MACEDO, 1976).
10
A matéria é composta de diversos elementos químicos, cada um deles com características e propriedades
únicas. O átomo é a menor partícula que contem esta informação. Ele é a menor partícula que ainda possui
características e propriedades de um elemento químico. São essas características e propriedades que nos
permitem diferenciar se um material é feito de prata ou de alumínio por exemplo. (MACEDO, 1976).
11
Proteínas são substâncias orgânicas que desempenham funções estruturais, contráteis, biocatalisadoras,
hormonais, de transporte ou de transferência e de nutrição (ARAUJO, 2007, p. 109) e segundo Silva (2007, p. 6)
proteínas biologicamente ativas são polímeros que consistem em aminoácidos unidos por ligações covalentes.
12
TELLES JUNIOR, 2006, pág. 107.
13
Colisões das partículas formadoras da matéria que deram início ao início de tudo, evento também conhecido
como Big Bang.
14
Termo que se refere aos átomos, partículas elementares da matéria, com a expressão micro fazendo referência
ao seu tamanho bastante reduzido, como explicado na nota 7.
17
Em seguida ao surgimento da vida, nota-se o aparecimento das células sensoriais.15 Os
seres que adquirem as células sensoriais passam a interagir de maneira diferente com o mundo
que os cerca, interferindo e conhecendo-o. Isso implica em grandes alterações na existência
do seres vivos, tal como se denota do pensamento de Telles Junior:
Conhecer é possuir em si, além de sua própria forma, a forma da coisa que o
conhecedor conhece. Logo, se existe, no conhecedor, a forma de uma coisa, além de
sua própria forma, conhecer, para o conhecedor, é, de certa maneira, tornar-se outro,
16
sem que ele deixe de ser o ser que ele é.
Para além do conhecimento de interação com o objeto, os elementos sensoriais
reunidos e os sistemas nervosos17 cada vez mais aperfeiçoados são preponderantes para que
depois apareça a inteligência, que Telles Júnior define como sendo a “capacidade de sujeitar,
conscientemente, meios a fins.”18
Nesse ponto, chega-se ao grande cerne do capítulo, qual seja, definir se os seres
complexos, mais especificamente os humanos, possuem poder de escolha diante de sua
capacidade em optar entre dois caminhos, caso lhe seja dada essa alternativa. Contudo, a
pergunta que se faz é se essa escolha é realmente um ato de liberdade ou não passa de uma
reprodução em maior escala do que acontece com as micropartículas e seus campos de
probabilidade existencial.
A segunda opção tende a ser mais verdadeira. Indo mais a fundo, inclusive, busca-se
igualar os seres vivos às micropartículas, podendo ser questionado se não seriam esses seres
vivos integrantes minúsculos de outros corpos. E afirmar que a diferença entre os
comportamentos de probabilidade no microcosmo e de escolha ou liberdade nos seres vivos
reside muito mais em suas causas que em si mesmos, de modo que “o comportamento da
micropartícula depende da altíssima velocidade de seus movimentos, e o do ser livre depende
da imensa complexidade de sua constituição.”19
Comparando a existência das micropartículas e dos seres vivos, abordando suas
semelhanças no que tange a probabilidade de trilhar entre dois caminhos, chega-se a uma
15
Unidades detetoras [sic], que informam o organismo sobre o mundo exterior, dando-lhe “notícia” das
mudanças físicas e químicas, verificadas no ambiente em que o animal se acha. (TELlES JUNIOR, 2006, p.
160).
16
TELLES JUNIOR, 2006, p. 167.
17
Segundo Roberto Lent (2005, p. 3-5) o sistema nervoso é formado por células chamadas neurônio. Os
neurônios são as unidades sinalizadoras do sistema nervoso. O sistema nervoso do ser humano é dividido em
sistema nervoso central e periférico. O sistema nervoso central aloja a maioria dos neurônios, e está no interior
da caixa craniana e da coluna vertebral. O sistema nervoso periférico apresenta uma extensa rede de fibras
nervosas espalhadas por quase todos os órgãos e tecidos do organismo.
18
TELLES JUNIOR, op. cit., p. 184.
19
Ibidem, pág. 187.
18
constatação inusitada que aparece na afirmação de o ser humano, ser vivo super complexo,
comportar-se como partícula porque possui massa20 e também como onda,21 porque possui
uma característica peculiar à luz, que é difratar diante de um obstáculo, ou seja, contornar os
obstáculos e seguir por detrás dele, mudando apenas a trajetória.
Nesse estágio do raciocínio, faz-se uma importantíssima ponderação, que consiste em
perceber que, diante de corpos constituídos por massa, munidos de inteligência, não cabe mais
pensar, como no passado, que sejam tão diferentes o Mundo Físico e o Mundo Ético, sendo o
segundo apenas um estágio da natureza que é única. Dessa forma, “as estrelas, as
micropartículas e o homem são participantes da mesma sociedade cósmica.”22
1.3 A NATUREZA DAS LEIS DIANTE DA NATUREZA ÚNICA
O universo é composto por uma estrutura que o sustenta e que interliga tudo o que nele
existe, desde as galáxias23 até as partículas fundamentais da matéria24. Assim, torna-se
necessário que a existência dependa de uma estrutura bem definida.
Porém, as estruturas, apesar de serem predominantemente estáveis, estão sujeitas a
transformações quantitativas, ou seja, pode ser alterada a quantidade de elementos que a
constituem que, por conseguinte, faz surgir uma nova estrutura com uma nova qualidade,
novas características.
Existem, basicamente, duas formas de se substituir estruturas velhas por novas – pela
inovação e pela renovação.
A inovação é um rompimento com a estrutura velha, de modo que a mudança não
ocorre de modo natural, é produto de uma destruição.
Seria essa uma “pura e simples negação”25 da estrutura velha.
20
Quantidade de matéria de um objeto; medida da inércia que um objeto apresenta em resposta a qualquer
esforço realizado ara iniciar seu movimento, pará-lo ou alterar de qualquer maneira seu estado de movimento;
uma forma de energia. (HEWITT, 2002, p. 666).
21
Uma ondulação no espaço tempo; uma pertubação que se repete regularmente no espaço e no tempo,
transmitida de um lugar a outro sem que haja transporte líquido de matéria (HEWITT, 2002, 667).
22
TELLES JUNIOR, 2006, p. 189.
23
Aglomerado de bilhões de estrelas e outros objetos astrômicos unidos por forças gravitacionais e girando em
torno de um centro de massa comum. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Galáxia, acessado em 17 de maio de
2010.
24
São os blocos constituintes básicos da toda matéria, consistindo de duas classes de partículas, quarks e os
léptons. (HEWITT, 2002).
25
ENGELS, 1957, p. 133 apud TELLES JUNIOR, 2006, p. 196.
19
A renovação, ao contrário, é o surgimento da estrutura nova como um estágio de
desenvolvimento, consequência natural da estrutura velha. Dessa forma, o que era válido na
estrutura velha permanece incólume na nova.
Essa seria uma “negação dialética”26 da estrutura velha.
Segue-se interessante reflexão sobre a natureza da ordem e da desordem. Outra vez,
buscando respaldo na natureza, ou, ao menos, na percepção que o homem tem dela,
conceitua-se ordem a partir do significado da palavra cosmos – palavra usada pelos gregos
para definir o universo, significando ordem, em detrimento de caos que significa ausência
dela; e faz-se a pergunta: “se a existência se prende à ordem, onde colocaremos a existência
da desordem?”27
Chega-se à conclusão da inexistência da desordem. O que há é a ordem não desejada,
porque por mais que não se consiga vislumbrar o determinado fim de uma tragédia, há de se
ponderar que os acontecimentos que a originaram estavam em ordem para fazê-la acontecer,
muito embora não se tenha tido agrado dela. Aquela ordem é, portanto, uma desordem, a
ordem inconveniente.
Essa reflexão dá espaço a outra que pretende definir o que é normal e anormal. Dessa
forma, a primeira ressalva que se faz é que muito embora o que se chama de desordem seja
sempre ordem, ela não é necessariamente normal. Logo, tudo está em ordem, mas nem tudo é
normal, usual, comum.
Pelas palavras de Telles Junior:
Normal é a qualidade do procedimento ou do estado não extravagante, não contrário
às referidas concepções dominantes, ou seja, a qualidade do procedimento ou estado
que se ajusta com padrões éticos e modelos assentados, ou com persuasões da
ciência sobre os movimentos e os modos das coisas, no mundo físico. [...] Anormal
é a qualidade do insólito, do incongruente com as referidas concepções,
incompatível com o que se acha firmado e estabelecido como padrão e modelo de
comportamento e modo de ser, ou colidente com as “certezas” científicas sobre os
28
movimentos e formas em geral.
As condutas aceitas como normais estão sempre sendo ameaçadas pelas anormais,
visto que essas, um dia, se conquistarem a maioria dos componentes do organismo,
transformar-se-ão em normais, contraindo para si suas próprias anormalidades.
Além dos importantes conceitos de normal e anormal, revelam-se igualmente
pertinentes os conceitos de normalidade e anormalidade. Da mesma forma como o anormal é
26
TELLES JUNIOR, 2006, p. 197.
Ibidem, p. 200.
28
Ibidem, p. 206.
27
20
incompatível com o padrão, a anormalidade revela-se como contrária às convicções
dominantes, assim a anormalidade é sempre excepcional, nunca o estado natural de um
organismo, seja ele vivo ou não.
Nessa esteira, as convicções generalizadas de uma sociedade são o que define o belo, o
bom e o útil, criando sistemas de referência em razão dos quais se julgará comportamentos
normais ou anormais.
Como os comportamentos inseridos na normalidade são ameaçados pelos da
anormalidade o que determina a permanência do normal como padrão é o poder. E o poder é
salvaguardado pela força, “único recurso capaz de assegurar sua permanência”.29
Para usar a força e manter o poder, usa-se as “concepções ideais de procedimentos e
de estados usuais e comuns, ou de procedimentos e estados que se quer que sejam usuais e
comuns”,30 também chamadas de normas.
Infere-se que:
As normas são formulações de modelos ou padrões, e constituem critérios de
referência, para juízos de valor sobre os procedimentos e estados efetivos, ou seja,
sobre os movimentos e as obras efetivamente executados, e sobre os estados em que
31
os agentes efetivamente se encontram.
Além do conceito de norma, há também o conceito de lei. Foi exposto que sempre há
ordem e que ela é definida pela maioria, bem como as normas são padrões estabelecidos pela
maioria. Ora, as leis são “fórmulas segundo as quais os seres são dispostos, ou devem ser
dispostos, para que a ordem exista [...] são fórmulas da ordem”.32 Nesse ponto, habita a
diferença entre norma e lei: a norma tem por dependente apenas o usual e o comum, mas a lei
subjuga as ordens normais e anormais, de modo que a lei precede a ordem a partir do
momento que ela, por ser abstrata, é uma ideia de ordem. A lei existe antes da ordem,
precedendo-a cronologicamente.
No que concerne ao aspecto abstrato de lei, de ser ela uma ideia, há uma grande
diferença entre o mundo ético e o mundo físico.
No mundo físico, não há lei, não há mandamentos, não há uma ordem abstrata que
gera uma obrigação para que a natureza haja de certa maneira pré-definida, o que existem são
descrições de ordens já realizadas. A exemplo, a fórmula E=mc², desenvolvida por Einstein, a
29
TELLES JUNIOR, 2006, p. 212.
Ibidem.
31
Ibidem, p. 212-213.
32
Ibidem, p. 218.
30
21
qual significa que “A energia existente numa unidade de massa é igual a essa massa
multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz”,33 não é uma ideia, uma abstração, surgida
na mente e ingressa no concreto para dar diretrizes de comportamento à energia. Ao contrário,
ela é uma constatação do real, de um comportamento já mantido, percebida pela inteligência e
constatada pela experiência, ao passo que a lei ética é o dever-ser, mandamento para que seja,
abstratamente, preponderante sobre o ser. Define o dever-ser por mais que algumas vezes ele
não o seja.
Em suma:
A lei ética não é descritiva de um comportamento efetivamente mantido, mas, sim, a
fórmula do comportamento que deve ser mantido, em determinada circunstância. Ela
é uma indicação de caminho, e não o relato do caminho percorrido. Ela não descreve
34
o que é, mas o que deve ser.
1.4 A PERCEPÇÃO DE REALIDADE E O SISTEMA DE REFERÊNCIA
A realidade existe de forma alheia ao observador, mas o observador percebe a
realidade conforme os sentidos a apresentam. Pode-se dizer que a partir do momento que o
observador tem contato com a realidade, ele a conhece. “O conhecimento é a tradução
cerebral da realidade.”35
Para o ser humano, o contato com a realidade não se trata apenas de conhecimento.
Como observador, tem contato com a realidade, mas não apenas a observa, também a
interpreta. Dessa maneira, o conhecimento humano do externo produzido pelo cérebro não é
apenas um conhecimento objetivo. Ao se ouvir um som de sirene, sabe-se que aquilo é som
produzido por uma buzina, mas, pela compreensão, sabe-se que a emissão daquele som é o
prenúncio de que passa uma viatura e que, possivelmente, algo de ruim aconteceu.
Isso é possível, porque a sensação está interligada a uma estrutura que dá condição de
que essa sensação possua significação.
Para além do conhecimento sensorial possível pela interpretação da realidade
circundante, há o conhecimento abstrato. Ele é o resultado da inteligência:
Chama-se abstração, precisamente, esse trabalho da inteligência, que consiste em
descobrir, nos seres do Mundo (ou, mais exatamente, nas imagens dos seres), os
33
TELLES JUNIOR, 2006, p. 221.
Ibidem, p. 224.
35
Ibidem, p. 227.
34
22
tipos de ser, de que eles constituem as realizações concretas. Abstração é o trabalho
de livrar, de libertar o que é uno no diverso, ou seja, o trabalho de achar o universal
36
(o geral).
Esse trabalho de achar o universal, o geral, é a capacidade da inteligência de
identificar a espécie e não somente o individual, de identificar a essência37 da coisa, ou seja,
abstrair.
A partir desse raciocínio, chega-se ao ponto em que o pensamento de uma essência
não é produzido por uma sensação da realidade. É outra coisa. É a ideia.38
A imagem projetada na mente de um homem é a sua percepção de um homem
específico, ao passo que a ideia é o que não existe, nada específico, absolutamente geral.
Essa ideia geral está antes do específico em relevância para o sistema cognitivo, de
modo que o específico sempre é compreendido dentro de uma estrutura mais ampla, que
também pode se tornar específico dentro de um sistema que seja mais amplo ainda. Segundo
Telles Junior:
Isto nos leva à conclusão de que os conhecimentos pressupõem, afinal, uma visão do
Universo. Cada coisa e cada todo há de ser sempre parte de um Universo, do qual
levamos em nós as estruturas fundamentais. Em última instância, a percepção do
Universo é o que dá sentido a nossas percepções. O conceito que fazemos das coisas
39
há de depender do conceito que temos do Cosmos.
Com isso, infere-se que cada ser humano possui seu universo cognitivo, que é seu
sistema de referência em razão do qual atribui significação à realidade que o circunda.
Imbuído do sistema de referência, é possível que se conheça a realidade, muito embora
ela, somente ela, seja absoluta e necessária, e seu conhecimento seja sempre relativo, porque
depende do sistema de referência.
O ato de se relacionar com o conhecimento está sempre ligado ao sistema de
referência. Esse ato chama-se juízo.
36
TELLES JUNIOR, 2006, p. 233.
Nesse contexto, esse termo refere-se ao conceito da coisa que pode indicar um conjunto de coisas, em
detrimento de uma coisa específica.
38
Segundo Gaarder (1995), Platão foi quem inaugurou as investigações filosóficas sobre o mundo das ideias. Ela
consiste numa realidade autônoma por trás do mundo dos sentidos, que tem natureza eterna e imutável.
Utilizando-se de uma analogia, diz-se que todos os cavalos são iguais. Não porque sejam idênticos, mas porque
existe algo em comum a todos; algo que garante que jamais haverá problema para se reconhecer um cavalo, ao
passo que um exemplar isolado do cavalo flui, ou passa, envelhece e fica manco, mas a forma de cavalo é eterna
e imutável.
“Eternos e imutáveis são os modelos espirituais ou abstratos, a partir dos quais todos os fenômenos são formados
[...] ‘por cima’ ou ‘por trás’ de tudo o que vemos à nossa volta há um número limitado de formas. A estas formas
Platão deu o nome de ideias. Por trás de todos os cavalos, porcos e homens existe a ‘ideia de cavalo’, a ‘ideia de
porco’, a ‘ideia de homem’.” (GAARDER, 1995, 99-100).
39
2006, p. 238.
37
23
1.5 O JUÍZO DE VALOR, A CULTURA DEFINIDA HISTORICAMENTE E A “MATRIZ
SOCIAL”
Por ser cada ser humano condicionado ao sistema de referência que o direciona a
interpretar a realidade, cada um imprime um juízo sobre o valor dos objetos, um juízo de
valor. Além dos juízos de valor, há também os juízos de dever, que são fundados nos juízos
de valor, e que indicam como se deve agir.
Há juízos simples e complexos.
Os juízos simples são atributivos, pois atribuem valor a uma realidade, objeto ou fato,
ao passo que os juízos complexos são formulados sobre um juízo (simples) já existente,
portanto os complexos são hipotéticos, indicam como deve ser.
O valor sempre há de ter dois fundamentos, sendo o primeiro de ordem objetiva e o
segundo de ordem subjetiva, de modo que o primeiro define a bondade do objeto e o segundo
é mensurado pelo critério de quem conhece e julga a bondade atribuída ao objeto, por isso, “o
valor de uma coisa é sempre valor para alguém” 40
É bem verdade que há objetos que não possuem valoração alguma, pois só é possível
atribuir valor a uma coisa, quando ela é comparada a outra e situada numa escala ordenada de
seres valiosos, entretanto não é correto pensar que o universo se divide em mundo de coisas
que simplesmente existem e outro de coisas que simplesmente valem, o que há é um mundo
de seres, onde uns têm valores e outros não.
Observe-se que a valoração dos bens dentro de uma sociedade depende de aspectos
históricos, sendo que os valores atribuídos são conforme cada estágio cultural do ser humano.
Entre esses bens, existem os que são soberanos, porque são inerentes à existência do ser
humano e existem somente para ele, por ser inteligente, que são os bens culturais e espirituais,
eles são soberanos, porque existem para o aperfeiçoamento do ser humano, ele são os bens
morais, científicos, estéticos, como bondade, justiça, liberdade e beleza.
Pelo fato de serem soberanos, não significa que eles são imutáveis, insubstituíveis e
eternos:
Eles têm uma existência histórica: os bens soberanos de um ciclo cultural, ou de
uma civilização ou de um agrupamento humano podem não ser os bens soberanos de
outro ciclo cultural, ou de outra civilização, ou de outro grupamento humano. São
soberanos, segundo seu peculiar sistema de referência. Aliás, cada ciclo cultural,
40
TELLES JUNIOR, 2006, p. 255.
24
cada civilização, cada agrupamento se caracteriza e se assinala precisamente por
suas respectivas constelações de bens soberanos. E estas constelações servem de
sistema de referência para a avaliação dos demais bens. A natureza inteligente do ser
41
humano tende para os bens soberanos de sua própria “paisagem” histórica.
Pode-se dizer que a ética é construída paulatinamente, à medida que a vida é vivida e
sofre as mudanças provocadas pelo passar do tempo. A ética é produto do encontro entre a
inteligência – característica exclusiva do ser humano – e os fatos da vida. Cada fato é
sentenciado pela inteligência, constituindo-se em juízo que poderá vir a ser juízo normativo,
norma para a ação humana.
Pode-se afirmar que “cada ser humano é seu primeiro legislador”.42
Os fatos por si só não são capazes de gerar norma, mesmo com seguidas repetições.
Eles devem ser submetidos a um processo de julgamento, notadamente pela inteligência.
Destaca-se que a norma surge do confronto entre o fato e o sistema de referência.
A esse mundo no qual é formada a ética pelo comportamento humano, dá-se o nome
de mundo da cultura, de modo que ela é, especificamente, o aperfeiçoamento de uma coisa e
sua adequação aos interesses humanos. “O Mundo da Cultura é o Mundo da natureza
ordenada pelo ser humano, com a intenção de beneficiar o próprio ser humano”.43
É evidente que a ordenação definida pelo ser humano impondo uma ordem ética
também depende de um sistema de referência. Desse modo, o conjunto – ou tábua – de bens
soberanos é o que define o honesto e o desonesto dentro de uma sociedade, que pode ser
inverso em outra sociedade que possua outros valores. Dentro de uma sociedade específica os
comportamentos violadores das concepções normativas dominantes são considerados nocivos
à medida que afastam o ser humano dos citados bens soberanos.
O que define esse conjunto de bens é justamente a história, o que induz à conclusão de
que “toda cultura é produto da história, toda cultura é histórica”.44
Imperioso se faz acrescentar que essa evolução histórica que leva à constituição dos
bens soberanos, não poucas vezes a história que produz a cultura de uma sociedade é
construída de modo a quebrar tabus e com alguma dificuldade, tendo em vista que nem
sempre todos, e principalmente as camadas dominantes, estão dispostos a se sujeitarem às
mudanças:
41
TELLES JUNIOR, 2006, p. 261.
Ibidem, p. 262.
43
Ibidem, p. 263.
44
Ibidem, p. 266.
42
25
As camadas dominantes da sociedade, em regra, recebem os novos ideais com
desprezo ou revolta. Por inércia, por incapacidade de repensar o que já foi pensado,
por medo de tocar em consagrados tabus, os homens e as mulheres da situação
começam por se opor às visões solitárias dos desbravadores da cultura. E,
frequentemente, os sábios e os puros são perseguidos, guerreados, imolados. Muitos
45
foram os ciclos históricos que nasceram do sangue dos mártires.
Deve-se trazer a lume que não existe o homo universalis, aquele atento aos bens de
todas as classes ou a uma tábua de bens perfeitamente acabada. Estão todos a caminho da
perfeição, sempre submetidos às modelações histórico-culturais, pois não há um homem ou
mulher que atinja plenamente os bens soberanos. Nenhuma perfeição existe. Até mesmo a
pessoa mais feliz, não tem jamais tudo que almeja.
Muito embora exista essa evidente influência cultural e histórica na sociedade, o fator
biológico ou natural é preponderante na ordenação social e nos ditames do comportamento
humano.
Isso se deve ao fato de que os fundamentos para tudo o que foi dito acima, as tábuas
éticas, as normas, a cultura, são os elementos quânticos que compõem as moléculas do ácido
nucléico, no núcleo das células. Há no interior das células um governo que impõe limitações.
Esse governo pode ser muitas vezes totalitário, à medida que impera a repressão para que se
mantenha a ordem celular e seu correto funcionamento. Esse estado pode, contudo, evoluir
para um regime mais aberto a partir do momento que a energia não é desperdiçada. O ser
humano possui, em suas células, os padrões da democracia.46
À mesma maneira, as sociedades passam por evoluções que as conduzem de regimes
totalitários, caracterizados pela impermeabilidade a informações que sejam contrárias à
verdade oficial, para um regime versátil e sensível às informações sobre a necessidade de
mudar de regime.
1.6 AS CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA, O DEVER-SER E O DIREITO
OBJETIVO
As pessoas estão sempre sob influência de outras, ou ao menos submetidas a seus
campos – espaço no qual alguém pode causar alterações no comportamento de outrem –, por
isso é inegável que, ao viver em sociedade, elas interajam com outras pessoas. Isso faz com
que a pessoa que interage não somente provoque mudanças no outro, bem como seja ela
45
46
TELLES JUNIOR, 2006, p. 267.
Ibidem, p. 270 et seq.
26
mesma influenciada pelas ações alheias. Só se pode conhecer alguém depois de observá-lo
atentamente dentro de condições diferentes e ambientes diversos.
As pessoas hão de estar sempre submetidas a praticar certas ações e se absterem de
outras em benefício de seus semelhantes.
Das interações sociais impostas como proibição ou permissão, decorre uma
movimentação.
Concluímos do que acabamos de expor que, em toda a massa de movimentação
verificada numa sociedade, há sempre um quantum de movimentação que pode ser
oficialmente exigido, e um quantum de movimentação que pode ser oficialmente
proibido. Empregamos a expressão oficialmente para significar que as referidas
exigências são permitidas pela sociedade, e que as referidas proibições são impostas
47
por ela.
Esses movimentos citados são exigidos pelo que se chamam mandamentos, que são
ditados por uma inteligência governante. Isso ocorre à semelhança das células que possuem
em seu núcleo, como “governante”, o DNA, pois no centro governante da grande célula social
consta o patrimônio gerado pela experiência do povo. Dele provêm os mandamentos surgidos
do patrimônio do grupo humano.48
Esses mandamentos ordenados pelo núcleo, ou inteligência governante, são as
chamadas normas jurídicas ou normas de direito.
Essas normas jurídicas são fórmulas para o comportamento do ser humano,
pertencentes ao gênero das leis imperativas e inseridas no mundo ético.
A norma jurídica é dotada, também, de imperatividade. Essa característica somente é
revelada se a norma é parte integrante de uma ordenação, porque se for um mandamento, mas
não for parte integrante de um todo, não for entrosado com o ordenamento estabelecido, é
apenas um imperativo isolado e avulso, mas não uma norma, tendo em vista que esla nunca
pode ser contrária à ordenação do meio em que vigora.
A norma, portanto, não é um imperativo qualquer, é um imperativo normativo, um
mandamento incluído numa ordenação.
Tem-se, por exemplo, de imperativo isolado, a ser assim considerado pelo ministro
Carlos Ayres Britto, do STF, os arts. 33, § 4º e 44 da Lei 11.343/06, no julgamento do HC
97.256, por violar o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, no que diz respeito a subtrair do juiz a possibilidade
47
48
TELLES JUNIOR, 2006, p. 289.
Ibidem, p. 90.
27
de individualizar a pena, proibindo a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de
direitos (pena alternativa).
Em suas palavras:
A lei comum não tem como respaldar, na Constituição da República, a força de
subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção
criminal que a ele, juiz, se afigurar como expressão de um concreto balanceamento
[...] o princípio da individualização da pena significa o reconhecimento de que cada
49
ser humano é um microcosmo.
A norma jurídica possui outro aspecto peculiar, que é a sua forma hipotética. “O que
ela preceitua somente vigora na hipótese de se verificar a circunstância para a qual a mesma
foi enunciada”.50 A norma jurídica é sempre o enunciado de uma ação humana. Como já
demonstrado51, essa enunciação não se trata de uma invenção da inteligência, mas é uma
constatação elaborada a partir de uma ação já existente, é, portanto, uma descoberta.
Apesar de ser uma descoberta, a norma não é apenas uma descrição do
comportamento, ela é imbuída pela característica – interligada com sua forma hipotética – do
dever-ser, sendo ela uma descrição do comportamento que deve ser mantido. Por exemplo, a
afirmativa de que todos são iguais perante a lei não é uma constatação já efetivamente
existente, mas um dever-ser, uma ordem. Ao ser verificado que nem todos são iguais perante
a lei, não se deve apontar o erro à norma, mas àqueles que não fazem o que deveriam.
Há de se observar que a norma jurídica também é autorizante, porque ela autoriza o
lesado ou provável lesado a exigir a reparação ou salvaguarda do dano. Importante notar ainda
que ela não atribui a faculdade de agir, apenas autoriza que essa faculdade seja exercida.
Tornando válida a exigência do direito.
Quanto a esse aspecto da norma, merece especial apreciação a norma penal, pois ela
não aparenta ser autorizante, haja vista a vítima não poder decidir sobre a coação exercida ao
violador da norma. A norma ainda parece coativa por prescrever pena, mas veja-se que isso
não procede.
A norma penal compreende dois aspectos, quais sejam, um implícito e outro explícito.
O explícito é o que está expresso, o escrito, já o implícito é a norma não expressa na lei. Podese dizer que a característica implícita é primária e a explícita é secundária, sendo aquela a
49
STF, 2010.
TELLES JUNIOR, 2006, p. 296.
51
Cf. item 1.3, retro.
50
28
proibição à prática dos atos considerados crimes e essa a pena a ser aplicada a quem praticar
tal ato.
Esclarecendo melhor:
O crime é violação de uma norma criminal primária implícita, não formulada
expressamente na lei, mas que se acha subjacente a uma norma secundária, explícita,
formulada expressamente na lei, e que prescreve a pena a ser aplicada aos que
cometeram aquele crime. A ação delituosa não é, nem pode nunca ser, uma violação
da norma criminal secundária e explícita. É crime, por exemplo, matar alguém,
porque este ato viola a norma criminal primária “Não matar”; mas tal ato não viola
a norma criminal secundária “Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte
52
anos”.
Por envolver interesses coletivos, a autorização para exercer a coação fica a cargo da
sociedade, evidentemente porque ela também é atingida. A sociedade, ao ser lesada pela
violação da norma jurídica penal, tem o direito-função, a autorização de exercer a coação
sobre os indivíduos que cometem os delitos.53
Outro aspecto a ser observado é a invalidade da norma.
Uma norma é inválida quando contraria o mandamento de uma norma que lhe seja
hierarquicamente superior. A invalidade da norma não depende do pronunciamento dos
tribunais. Uma lei é inválida ou inconstitucional pela sua própria natureza, o que compete aos
tribunais é declarar sua ilegalidade ou inconstitucionalidade. Eles não tornam ou criam
ilegalidade nas leis, apenas a reconhecem e a declaram.54
Expostas as várias características da norma jurídica, compete salientar o que ela não é.
Não se pode dizer que a norma jurídica é atributiva ou coativa.
A atributividade da norma consiste na qualidade dela atribuir ao lesado a faculdade de
exigir o cumprimento dela ou a respectiva reparação; e o aspecto coativo é a possibilidade de
a norma coagir alguém a cumpri-la.
Ela não pode ser atributiva, pois não atribui a faculdade de coagir e também não a
possui. A faculdade de coagir não é atribuída ao lesado, ele já a possui por sua própria
natureza. O que a norma jurídica realmente faz é autorizar o lesado a fazer uso dessa
faculdade. Ela não é atributiva, é autorizante.
A norma não é coativa, notadamente, por semelhante modo, não exercer a coação e
sim autorizar ao lesado que a exerça.
52
TELLES JUNIOR, 2006, p. 306.
No Brasil, o Ministério Público, como fiscal da lei, cumpre esse papel de exercer a coação sobre os indivíduos
que cometem os delitos.
54
A exemplo da decisão do STF citada na página anterior.
53
29
Poder-se-ia afirmar, entretanto, que a norma jurídica possui em sua essência, como
parte integrante, a coatividade. Pode exercê-la pelo simples fato de existir, porque se está em
vigor, tem o poder de intimidação e o receio de infringi-la é uma coerção psíquica. Ocorre que
o que intimida não é a norma em si, é o receio pelas consequências de sua violação. Esse
receio não é causado pelo caráter coativo da norma, é pela autorização concedida por ela para
que o lesado tome providências.
As pessoas obedecem ao direito voluntariamente por conta de sua racionalidade, de
modo que a vida humana se tornaria insustentável caso viver conforme o direito fosse viver
coagido.55
A esse conjunto de normas autorizantes, dá-se o nome de direito objetivo, ele é
objetivo porque é formado por objetos – normas – aos quais as pessoas se sujeitam. A uma
parte desse direito objetivo, dá-se o nome de direito positivo, qual seja a parte formada por
normas ditadas pelos governos políticos das sociedades.
1.7 O DIREITO SUBJETIVO E SUAS VICISSITUDES
As permissões dadas pelas normas referidas no subitem anterior são chamadas de
direitos subjetivos.
O direito subjetivo não é a facultas agendi. As faculdades são potências a agir, não são
atos acabados, são a aptidão a produzir o ato. Esse ato é o ser já feito, já em seu estado final,
perfeito, no sentido de que se perfez, concluído, enquanto a faculdade, como potência é
apenas a possibilidade de sê-lo, ela é anterior ao ser em ato. Muito embora não seja um ser
perfeito, a faculdade já é um ser, porque já é alguma coisa, é um ser em potência.56
55
Esse pensamento se aproxima com o de Rousseau, pelo que se depreende do seguinte trecho de sua obra,
citada por Clarence Morris (2002, p. 215-216): “Renunciar à liberdade é renunciar a ser homem, é abandonar os
direitos da humanidade e até seus deveres [...] Tal renúncia é incompatível com a natureza do homem; retirar
toda liberdade de sua vontade é retirar toda a moralidade de seus atos. [...] Sendo a força e a liberdade de cada
homem os principais instrumentos de sua auto-preservação, como pode ele empenhá-las sem prejudicar seus
próprios interesses e negligenciar o cuidado que deve a si mesmo? [...] O problema é encontrar uma forma de
associação que defenda e proteja com toda força comum a pessoa e os bens de cada associado e em que cada
qual, embora se uma ao todo, possa obedecer apenas a si mesmo e continuar tão livre quanto antes. Esse é o
problema fundamental para o qual o Contrato Social fornece a solução.”
Noutra vertente, Hobbes (2005, p. 127-126) defendeu que as leis naturais – como a justiça, a equidade, a
modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam – por si mesmas, na
ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as
quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. Os pactos, sem a força,
não passam de palavras sem substância para dar qualquer segurança a ninguém. Apesar das leis naturais – que
cada um respeita quando tem vontade de respeitar e fazer isso com segurança, se não for instituído um poder
suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua
própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros.”
56
TELLES JUNIOR, 2006, p. 329 e seq.
30
A faculdade humana não constitui um direito, visto que ter a faculdade não implica ter
o direito:57
Só o proprietário tem o direito subjetivo de propriedade, que é, precisamente, o
direito de usar, gozar e dispor de seus bens. Só o proprietário, insista-se, tem esse
direito, embora todos tenham a faculdade de ser proprietários. [...] Pode uma pessoa
ter a faculdade de vender imóvel de sua propriedade, e não ter o direito de fazê-lo,
por lhe faltar, para a operação, a anuência do cônjuge. Sem esta legitimação, não há
permissão legal para a venda do imóvel: não há o Direito Subjetivo de vendê-lo.
Se não há permissão jurídica, muito embora havendo a faculdade de agir, não há o
direito subjetivo.
O inverso também é possível. Pode acontecer de alguém possuir o direito subjetivo
sem que existia a facultas agendi. A exemplo, uma determinada pessoa pode ser titular de um
direito, na qualidade de herdeiro, mas não saiba. Assim, ela possui o direito subjetivo, mas
não há o poder da vontade. O mesmo ocorre com o direito de contratar que pode estar “à
disposição” e não ser usufruído.
Há estreita relação entre o direito subjetivo e o direito objetivo, por mais que pareçam
distantes.
Os direitos subjetivos, mesmo constituídos, dependem das permissões que são
concedidas pelo direito objetivo, e ele não encontra razão de ser senão no direito subjetivo. O
seu papel é declarar os direitos subjetivos e servir de fundamento para o cumprimento das
obrigações correlatas.
1.8 O DIREITO QUÂNTICO
Diante de todo o exposto, chega-se à conclusão de que o direito quântico pretende
inserir o direito no âmago existencial do ser humano, intimamente ligado à sua composição
genética, sendo que se encontra no DNA a “vocação social”58 do ser humano. Com isso, para
que se tenha uma clara compreensão do comportamento humano e, consequentemente, da
interpretação das leis, exige-se plena consciência das predisposições genéticas; e as leis são
expressões culturais das disposições genéticas da “Mãe-Natureza”59.
O direito quântico também tenta proporcionar uma evolução ao pensamento jurídico
para superar alguns erros conceituais, assim considerados pela teoria, como, por exemplo, o
57
Ibidem, p. 333-334.
TELLES JUNIOR, 2006, p. 360.
59
Ibidem, p. 361.
58
31
caráter coativo da norma, por meio das correlações propostas com a natureza, enxergando os
fenômenos e os fundamentos jurídicos sob outro prisma e, por conseguinte, mais propício a
novas interpretações e novos paradigmas.
32
CAPÍTULO 2 - ELEMENTOS NORTEADORES DA TEORIA TRIDIMENSIONAL
DO DIREITO
Buscar-se-á pela presente exposição da teoria de Miguel Reale apontar os seus
principais elementos constitutivos.
Por questões óbvias, não se pretende, nem é possível no espaço proposto, esgotar o
assunto, mas é certo que se priorizará não deixar brechas interpretativas para que o trabalho
não fique prejudicado em sua conclusão ou até mesmo incompleto, de modo a destacar a
explicação dos conceitos que mais atine à uma frutífera comparação com o direito quântico,
pois explicar todos os conceitos elaborados pelo professor ao longo de anos, por certo exigiria
um trabalho exclusivo.
2.1 ALGUNS CONCEITOS PRIMORDIAIS
Importante apontar os principais conceitos utilizados na teoria realeana, que são
primordiais para entender seu pensamento filosófico.
Entre os conceitos mais importantes, talvez ontognoseologia seja o de maior abstração.
Etimologicamente, quer dizer teoria do conhecimento e teoria do ser enquanto objeto
de conhecimento.60
Pode-se dividir a teoria do conhecimento em dois planos distintos: o transcendental e o
empírico-positivo.
A lógica formal e a metodologia cuidam das estruturas formais do conhecimento, das
formas de expressá-lo, sem preocupação com seu conteúdo. A ontognoseologia, teoria
transcendental do conhecimento, tem como problema essencial a correlação primordial entre
pensamento e realidade, entre sujeito que conhece e o objeto a conhecer.61
A ontognoseologia desdobra-se, por abstração, em gnoseologia e ontologia.
A gnoseologia ocupa-se do conhecimento. Em seus primeiros aparecimentos, designou
uma das disciplinas em que se divide a metafísica. Tem sido empregado para designar a teoria
do conhecimento e seu uso mais frequente é nas línguas neolatinas.62
A ontologia, chamada por Aristóteles de filosofia primeira, e de acordo com ele, é o
estudo do ser como ser, independente de qual classe de ser se trate. Outro é o ser principal do
60
REALE, 1996, p. 31.
Ibidem, p. 28-29.
62
MORA, 2001, p. 318-319.
61
33
qual dependem ou estão subordinados os outros seres. Nesse o último caso, o ser de referência
é Deus. Mais recentemente, designa-se ontologia a investigação ou análise conceitual ou
elaboração de marcos conceituais de referência, relativos ao modo de entender as realidades
do mundo.63
Em síntese, a ontognoseologia desenvolve duas ordens de pesquisa: uma sobre as
condições do conhecimento do ponto de vista do sujeito e outra do objeto. A ontognoseologia
implica, também, uma relação dinâmica entre sujeito e objeto num processo dialético de
complementariedade.64
Tem-se a ontognoseologia jurídica:
Reveste-se do caráter de uma teoria fundamental, não só no concernente à tarefa de
determinar a natureza da realidade jurídica, em confronto com a Moral e demais
expressões da Ética, como à de esclarecer os meios de compreensão correspondentes
ao objeto do Direito em geral, assim como a seus estratos ou aspectos considerados
de maneira distinta, embora em função dos demais e em sentido de
complementariedade [...] Na indagação ontognoseológica, em suma, recebe-se o
direito no âmbito do processo cognitivo, ou da correlação sujeito-objeto, evitando-se
apreciá-lo como um “dado natural”, já perfeito e acabado, pronto para ser decalcado
pelo jurista, como também em sua pura expressão formal e adiáfora, capaz de dar
cunho de “juridicidade” a uma conduta humana em si mesma de natureza
econômica, religiosa, estética, mas nunca jurídica.65
A ontognoseologia jurídica é, portanto, o estudo crítico da realidade jurídica.
A dialética de complementariedade é outro termo da mais elevada importância –
dialética de complementariedade – para a compreensão da relação entre fato, valor e norma e,
logo, da tridimensionalidade concreta.
A palavra dialética possui estreita relação com a palavra diálogo. Por ela, é
estabelecido um diálogo entre ideias buscando um acordo na discordância e sucessivas
mudanças de posições, induzidas pelas posições contrárias.66
No pensamento de Hegel, a dialética significa aquilo que permite à realidade alcançar
seu caráter verdadeiramente positivo. Para isso, levam-se em consideração os momentos da
tese, da antítese e da síntese.67
No livro Crítica da Razão Dialética, Sartre apresenta a atividade dialética como
totalizante, de modo que ela constitui um todo que deve fundar-se a si mesmo. Ainda, a razão
63
MORA, 2001, p. 530-531.
REALE, 1994, p. 30.
65
REALE, 1996, p. 303.
66
MORA, op. cit, p. 182.
67
Ibidem, p. 185.
64
34
dialética não deve ser dogmática, mas crítica. Essa última funda-se na práxis humana, tendo
como prova o materialismo histórico.68
Miguel Reale argumenta que para a compreensão de como ocorre a relação entre fato,
valor e norma, não se deve enxergá-la como simplesmente dialética, mas é necessário
perceber o caráter de complementariedade no relacionamento entre as dimensões do direito.
Isso conduz ao pensamento da dialética de complementariedade, na qual o relacionamento
está sempre aberto a novas possibilidades de síntese, sem nunca se concluir por conta da
irredutibilidade dos termos relacionados.69
Axiologia, por seu turno, é a teoria do valor. Foi usada para traduzir o termo
Werttheorie:
Não só sentimos o valor de objetos, mas avaliamos esses objetos e, em última
instância, os próprios sentimentos de valor. [...] Se o nosso problema fosse o de uma
determinação da validade de objetos e processos de conhecimento, o melhor seria
descrevê-lo como um problema lógico ou epistemológico. Mas o termo
epistemologia é demasiado estreito para incluir o problema da avaliação de valores;
podemos, pois, usar um termo especial para definir o problema tal como aqui se
apresenta. Em analogia com o termo epistemologia, forjamos o termo axiologia
[...].70
Salienta-se que a axiologia constitui uma esfera autônoma de problema pela pesquisa
ontognoseológica, pois conhecer implica valorar. No contexto da teoria tridimensional do
direito, a teoria do valor é preponderante como elo entre fato e norma, de modo que a norma é
o fato valorado.71
Outros dois conceitos de profunda relevância e que guardam relação entre si são
dogmática jurídica e experiência jurídica.
O conceito de dogmática jurídica é um dos mais problemáticos e polêmicos da
epistemologia jurídica contemporânea, de modo que são quatro as principais posições
atribuíveis à dogmática jurídica:
a) há os que, pura e simplesmente, a repudiam, considerando-a correspondente a
uma fase superada da Ciência do Direito, quando ainda prevalecia uma compreensão
não problemática e aberta da experiência jurídica; b) há os que reduzem o seu
conceito, convertendo-se em arte ou técnica jurídica, mantendo-se a antiga
denominação apenas pelo reconhecimento de que os “processos técnicooperacionais do jurista se subordinam, necessariamente, a quadros normativos
68
MORA, 2001, p. 187.
REALE, 1994, p. 72.
70
MORA, op. cit., p. 59-60.
71
Esse tema será explorado em detalhes à frente.
69
35
predeterminados, ou à linguagem do legislador; c) há os que, ao contrário, alargam o
seu conceito, identificando-a com a Ciência do Direito, a tal ponto que dizer
jurisprudência equivaleria a dizer ciência dogmática do direito; d) e há, finalmente, a
possibilidade de concebê-la como momento culminante da ciência do direito,
enquanto esta determina e sistematiza os conceitos necessários à compreensão dos
modelos normativos que estruturam a experiência jurídica, bem como indaga das
condições de realização desses modelos nos diversos campos em que se desenvolve
a atividade do advogado e do juiz.72-73
Apesar das diversas posições, a dogmática jurídica inserida na teoria tridimensional do
direito assemelha-se muito à última posição das quatro citadas.
Paralelamente, há o conceito de experiência jurídica, que foi renegado por uns tempos
como objeto de estudo e, mesmo assim, nunca deixou de ser empregado por juristas, muito
embora seu sentido não seja pacificamente determinado.
A experiência jurídica pode ser vista por três perspectivas filosóficas fundamentais: do
ponto de vista imanente – afirma que não se pode ir além dos eventos históricos e considera
os problemas jurídicos só explicáveis segundo os valores inerentes às suas relações;
transcendente – afirma que é necessário admitir alguns paradigmas ideias, pelas ideias de
Platão, eternos, não participantes das contingências históricas; transcendental – o direito não é
somente processo fático, mas também não é somente valor em si, sendo necessário haver
análise dos dois aspectos.74
Do que se infere que a terceira perspectiva é a que mais coaduna com a percepção do
direito por Miguel Reale.
2.2 DISTINÇÕES ENTRE FILOSOFIA DO DIREITO E CIÊNCIA DO DIREITO
Por muito tempo, viu-se no meio jurídico uma clara distinção entre os amantes da
filosofia do direito e aqueles que, apesar de a reconhecerem como indispensável à cultura
jurídica, não admitiam que ela pudesse, de alguma forma, trazer consequências relevantes à
ciência do direito.75Chegou-se, inclusive, a se estabelecer um dualismo de perspectivas, uma vez que o
pensamento era de que havia um direito para o jurista e outro para o filósofo, sem que um
repercutisse na tarefa do outro de maneira direta. A tal ponto se avançou a separação, que o
72
REALE, 1992, p. 123-124.
A extensa citação é necessária, porque, mostrando as diversas posições a respeito da dogmática jurídica, temse noção do contexto no qual está inserida posição adotada por Miguel Reale, influenciando todo o seu
pensamento.
74
REALE, op. cit, p. 1-13.
75
Idem, 1994, p. 1-4.
73
36
filósofo se vangloriava da inutilidade de suas pesquisas para o jurista, enquanto este
considerava a filosofia do direito como um simples adorno.
Essa clara divisão teórica somente foi possível “enquanto a sociedade ocidental se
manteve firme em suas estruturas e os sistemas dos códigos e das leis pareceram
corresponder, em linhas gerais, às relações fundamentais da convivência humana.”76
No instante que essa estabilidade viu-se ameaçada, com o reconhecimento do
desajuste entre os sistemas normativos e a as correntes subjacentes da vida social, abriu-se
espaço para que as inquietações filosófico-jurídicas penetrassem os redutos da ciência do
direito, ao passo que a própria filosofia do direito achava-se imersa numa problemática
positiva, fazendo com que se achegasse mais às exigências práticas do direito.
Como elucidação, o trecho abaixo:
A suposta correspondência entre a infra-estrutura social e o sistema de normas
vigentes levava, por conseguinte, o jurista a concentrar a sua atenção nos elementos
conceituais ou lógico-formais, não havendo razões para se distinguir entre Filosofia
do Direito e Teoria Geral do Direito [...] Quando, porém, logo no fim do século
passado, começou-se a perceber que havia poderosas razões de conflito entre os
fatos e os códigos, pode-se dizer que cessou, como por encanto, “o sono dogmático”
77
dos “técnicos do direito”.
Contudo, era apenas o início de um longo processo de revelação da crise do direito –
não mais que um aspecto da crise geral experimentada pela civilização no século XX.
Após as mudanças ocorridas nos novos tempos, surge a “busca do essencial e do
concreto”78. Essa busca inquieta os dois lados, fazendo a filosofia do direito se debruçar sobre
o paradigma das hierarquias axiológicas e à ciência do direito, fazendo provocações para se
aproximar dos conflitos existentes no mundo dos valores e dos fatos, donde surgem as normas
jurídicas que estão sempre a se renovar.
Nesse contexto, deve-se salientar que mesmo diante das mudanças permanecem
aqueles ainda presos ao espírito do passado, pois o direito muitas vezes é norma e nada mais
que isso, tantas outras se vê o direito apenas em termos de eficácia ou efetividade, e ainda há
os que preferem deter-se apenas ao mundo dos valores.
Pelo presente trabalho, observa-se que a mais acertada definição do direito em termo
de relação entre norma, valor e fato, é a teoria desenvolvida por Miguel Reale, pois realmente
76
REALE, 1992, p. 4.
Ibidem, p. 5.
78
Expressão exata usada por Miguel Reale para demonstrar que sua constatação da tridimensionalidade concreta
já era algo aspirado desde as mudanças ocorridas com a crise da sociedade ocidental.
77
37
considerar o direito apenas como simplesmente um, sem sua imprescindível correlação com
as demais dimensões, faz evidenciar um direito deficiente e parcial.
Para que se tenha uma compreensão do direito como experiência concreta, é
necessário assumir uma posição tridimensionalista, renegando qualquer visão parcial, a partir
do reconhecimento da insuficiência em se considerar apenas aspectos fáticos, axiológicos ou
normativos isoladamente.
Necessário se faz salientar que a proposta da aproximação entre a filosofia e a ciência
do direito não implica em suas reformulações ou em ingerências de uma na outra, pois “a
tomada de posição do filósofo não é a do jurista, mas ambas se exigem e se completam”.79
Desse modo, não se diz que o filósofo deve pensar conforme o jurista e vice-versa, uma vez
que cada um tem seu papel. Deve-se promover o diálogo, de modo a estimular seus aspectos
complementares.
Essa interação possibilita que o direito seja equilibrado, de modo que se insira a
“Jurisprudência no fluxo da história e da vida, sem perda dos valores de rigor técnico, de
certeza e de segurança exigidos por uma ciência que [...] deve ser estável, mas não estática,
deve ser certa sem se cristalizar em fórmulas rígidas, ilusoriamente definitivas.” 80
Maior necessidade do aspecto complementar das pesquisas desenvolvidas pelo
filósofo, pelo sociólogo e pelo jurista é revelada, quando do estudo da validade81 do direito.
Esse estudo aprofundado permite constatar variáveis quanto à obrigatoriedade da
norma em âmbito geral e particular, bem como quanto à competência do órgão legiferante.
Além disso, há questões quanto ao real cumprimento dos preceitos, e, por último, existe uma
indagação quanto à justiça ou não do comportamento exigido e, logo, da sua legitimidade.
Pelos aspectos teóricos acima expostos, percebe-se “os três fios com que é tecido o
discurso da validade do direito”:82 vigência, eficácia e fundamento.
Vê-se claramente a estrutura tridimensional, mas nem sempre se tem a compreensão
desses fatores de forma conjunta, mas unitariamente, o que possibilita inclinações teóricas
exclusivas a um aspecto ou outro, produzindo soluções setorizadas.83
79
REALE, 1994, p. 12.
Ibidem, p. 14.
81
Nesse contexto, a validade do direito é a sua efetividade pela união da eficácia, da vigência e do fundamento.
Os três termos, como é aventado a seguir, guardam intrínseca relação com as dimensões da tridimensionalidade
jurídica.
82
REALE, op. cit., p. 15.
83
Ibidem.
80
38
Essas soluções são compartilhadas por vários teóricos84, sendo preponderante perceber
que a tridimensionalidade expressa nos termos vigência, eficácia e fundamento é inerente a
todas as formas de experiência jurídica.
2.3 A TRIDIMENSIONALIDADE NA EUROPA E A TRIDIMENSIONALIDADE
ESPECÍFICA
Em sua obra, Miguel Reale (1994, p. 23) destaca que muitas teorias abordam a
tridimensionalidade do direito, expondo e discriminando três aspectos, elementos ou
momentos, normalmente com as palavras fato, valor e norma.
2.3.1 As espécies de teorias tridimensionais
Após as teorias reducionistas, nas quais o fenômeno jurídico é compreendido apenas à
luz de um ou dois elementos discriminados, surgem as três perspectivas tridimensionais
possíveis: tridimensionalidade genérica, tridimensionalidade específica e tridimensionalidade
concreta. A respeito das concepções unilaterais e das tridimensionalidades genérica e
específica, tem-se elucidação pelo esquema abaixo:85
ESQUEMA DAS TEORIAS TRIDIMENSIONAIS
Elementos
constitutivos
Fato
Valor
Norma
Nota
dominante
Eficácia
Concepções
unilaterais
Sociologismo
jurídico
Fundamento
Moralismo
jurídico
Vigência
Normativismo
abstrato
Tridimensionalidade genérica
Tridimensional
idade específica
Além dessas teorias principais exploradas na obra de Miguel Reale, há a
tridimensionalidade implícita. Seus principais expoentes são Santi Romano e Maurice
Hauriou.
84
Segundo Reale (1996, p. 317 et seq) alguns desses teóricos são Pedro Lessa, Léon Deguit, Karl Olivecrona,
Alf Ross, Rudolf Stamler e Giorgio Del Vecchio.
85
REALE, 1996, p. 511-515.
39
Ela é assim chamada, porque ocorre no campo do institucionalismo. Para ela, “as
ideias diretoras incorporam-se nas instituições e produzem regras de direito, representando
uma das expressões mais altas da adequação necessária entre os três elementos.”86
2.3.2 A tridimensionalidade genérica
Grandes expoentes há na Europa, que merecem considerações.
Na Alemanha, tem-se Emil Lask e Gustav Radbruch,87 os quais buscaram estabelecer
um elo entre os valores ideais e os dados da experiência jurídica: o mundo da cultura,
conceituado como o complexo de bens espirituais e materiais constituídos pela espécie
humana através dos tempos.88
A tridimensionalidade revelada por eles baseava-se em três aspectos interconectados:
o dever ser, o ser e o ser referido ao dever ser, incumbindo-se ao filósofo o estudo dos valores
jurídicos, ao sociólogo indagar os processos fáticos e ao jurista a análise do direito enquanto
realidade impregnada de significações normativas.
Essa tridimensionalidade se caracteriza como genérica e abstrata, visto conceber cada
um dos elementos separadamente.
Na Itália, destacam-se Norberto Bobbio e Dino Pasini.89
Em Bobbio, a tridimensionalidade pode ser revelada pela divisão de objetos entre a
filosofia do direito, a sociologia jurídica e a teoria geral do direito. A primeira preocupa-se
com os fins de inspiração da sociedade, a segunda indaga os meios empregados para se atingir
esse fim e à terceira é incumbido estabelecer a forma pela qual os meios devem alcançar os
fins. Por esse viés, tem-se a divisão sob os prismas do fim, do meio e da forma.
Para Miguel Reale, entretanto, a divisão de Bobbio se revela mais como uma
tricotomia que uma compreensão tridimensional do direito, pois não leva em consideração a
concretude da experiência jurídica, tendo um caráter eminentemente metodológico.
Por isso:
Não me parece procedente que somente uma discriminação de perspectivas, tal
como a proposta por Bobbio, seria compatível com a democracia. [...] a integração
“fato-valor-norma” obedece, no meu entender, a uma dialética de
86
REALE, 1996, p. 524-528.
Emil Lask foi um filósofo alemão que nasceu em 1875 e faleceu em 1915. Gustav Radbruch foi um político,
jurista e professor de direito alemão que nasceu em 1878 e faleceu em 1949.
88
REALE, op. cit., p. 24.
89
Norberto Bobbio foi um filósofo, político e historiador do pensamento político, italiano, nasceu em 1909 e
faleceu em 2004. Dino Pasini foi, além de pensador, tenente de artilharia, e era italiano.
87
40
complementariedade, sem se reduzir ao monismo historicista do tipo hegeliano90
marxista, cujo desfecho é o Estado totalitário.
Quanto a Dino Pasini, sua percepção tridimensional é considerada específica91 e não
abstrata ou geral, pois, apesar de ressaltar que a realidade jurídica possui um momento
situacional, outro normativo e outro teleológico, sublinha que o estudo dos aspectos
particulares não deve fazer esquecer a visão integral da realidade do direito.
Na França, é analisado o pensamento de Paul Roubier.
Ele pensa o direito como inspirado por três fins principais: a segurança jurídica, a
justiça e o progresso social.92
A exigência de segurança jurídica implica a ideia de comando. Se isolada, sua
legitimação se dá tão somente por sua forma, poder imposto. Mas se o que prevalece é a
aspiração moral de uma ordem justa, há a tendência idealista, que se funda no valor da justiça,
na qual o direito é posto sob a forma de princípios. Se a relevância é concedida ao desejo de
bem-estar social, tem-se a tendência realista, fundada na correspondência do direito com a
experiência real.
Contudo, Roubier, conforme exposição de Reale, não pensa que a vida social se
inspira em uma tendência – entre as que são acima expostas – isoladamente, pelo contrário,
elas se misturam, sendo possível determinar seus limites de investigação da seguinte forma:
A Política do Direito, que indaga dos fins; a Sociologia Jurídica, que cuida dos
comportamentos efetivos e sua adequação aos fins; e a Ciência do Direito, que se
93
interessa mais pela forma da experiência jurídica.
2.3.3 A tridimensionalidade específica
São destaques no estudo do caráter tridimensional do direito, Wilhelm Sauer e Jerome
Hall. Eles merecem considerações apartadas, pois se afastam da visão abstrata concebida
pelos estudiosos citados acima, desenvolvendo a tridimensionalidade específica, tal qual
Pasini, porém mais aprofundado.94
O que caracteriza a tridimensionalidade específica é considerar o fato, o valor e a
norma como perspectivas ou fatores e momentos do direito, em detrimento de três pontos de
90
REALE, 1994, p. 30.
Note-se que sua tridimensionalidade é considerada específica e não concreta. Esta é eminentemente “realeana”
e será analisada à frente.
92
REALE, op. cit., p. 33.
93
Ibidem, p. 34.
94
REALE, 1994, p. 47-50.
91
41
vista possíveis. É relevante a diferenciação se considerado que enquanto pontos de vista
possíveis, faz-se a análise do direito tendo cada um a seu momento como prisma e premissa
de análise, mas considerados como fatores ou perspectivas, toda e qualquer análise jurídica é
tridimensional.95
A teoria realeana se diferencia mais ainda, pois ele correlaciona os três elementos
dialeticamente, o que possibilita uma compreensão concreta da estrutura tridimensional do
direito.
2.4 A TRIDIMENSIONALIDADE CONCRETA
Os teóricos que se dedicam a analisar o direito sob o prisma da tridimensionalidade,
afirmando seus aspectos fático, axiológico e normativo, o fazem sem excluir os velhos
problemas e muito menos as novas problemáticas propostas. De fato, somente se colocada
nesse contexto, há a teoria tridimensional, “cuja base inamovível não é uma construção ou
concepção do espírito,96 mas o resultado da verificação objetiva da consciência fáticoaxiológica-normativa de qualquer porção ou momento da experiência jurídica oferecido à
compreensão espiritual.”97
A compreensão plena da teoria tridimensional possibilita perceber que em qualquer
área de pesquisa do direito há correlações com os outros planos, tais quais, a sociologia
jurídica e a filosofia do direito.
Uma problemática surge quanto ao aspecto da unidade dos fatores, de modo a indagarse o quê promove essa unidade, se há hierarquia entre eles e como seria possível diferenciar
pesquisas eminentemente filosóficas, sociológicas ou jurídicas, que tenham por objeto a
experiência jurídica.
A rigor, ainda que haja a unidade tridimensional do direito, ele possui planos distintos,
quais sejam o filosófico e o empírico-positivo. Este último ainda se subdivide na sociologia
do direito, política do direito ou história do direito.
Nesse sentido:
O direito é, por certo, um só para todos os que o estudam, havendo necessidade de
que os diversos especialistas se mantenham em permanente contato, suprimindo e
complementando as respectivas indagações, mas isto não quer dizer que, em sentido
próprio, se possa falar numa única Ciência do Direito, a não ser dando ao termo
95
Idem, 1996, p. 539-542.
Homem enquanto capaz de instaurar formas novas de ser e de viver.
97
REALE, op. cit., pág. 54.
96
42
“ciência” a conotação genérica de “conhecimento” ou “saber” suscetível de
desdobrar-se em múltiplas “formas de saber”, em função dos vários “objetos” de
98
cognição que a experiência do direito logicamente possibilita.
Há de se esclarecer que a unidade a que se refere a tridimensionalidade concreta não é
uma simples aglomeração de conhecimento e teorias, envolve um processo dialéticohistórico,99 pelo qual não se deve conceber a conduta jurídica100 como “uma mansão onde se
hospedam três personagens”101. Ela se revela fático-axiológico-normativamente, sendo que
não há os três personagens separados, mas três aspectos de uma única conduta ou experiência.
Nesse ponto reside a primordial diferença entre a teoria desenvolvida por Reale das
demais. Segundo ele, de caráter geral ou específico. Ela é concreta e dinâmica, pois em seu
bojo afirma que fato, valor e norma estão presentes em qualquer momento da vida jurídica.
Se pela tridimensionalidade genérica ou abstrata ao filósofo cumpre somente analisar
o valor, ao sociólogo o fato e ao jurista a norma, observa-se que a diferença da teoria realeana
é primordial:
A correlação entre aqueles três elementos é de natureza funcional e dialética, dada a
“implicação-polaridade” existente entre fato e valor, de cuja tensão resulta o
momento normativo, como solução superadora e integrante nos limites
circunstanciais de lugar e de tempo (concreção histórica do processo jurídico, numa
102
dialética de complementariedade).
Em momento algum há espaço na experiência jurídica para posicionamento isolado de
um ou outro aspecto, de modo que o valor existe em função da norma, esta resulta de uma
tensão fático-axiológica e o fato somente faz sentido, ou até mesmo existe, se impregnado de
valor.
2.5 A DIALÉTICA DE COMPLEMENTARIEDADE E O HISTORICISMO AXIOLÓGICO
O primeiro conceito já foi abordado anteriormente, bem como a axiologia de um modo
amplo, mas o segundo não foi explorado em sua completude, pelo que se busca fazer neste
espaço.
98
REALE, 1994, p. 56.
Termo a ser mais explorado no subcapítulo seguinte.
100
Miguel Reale (1994) ao conceituar conduta jurídica diz que “ela só é conduta jurídica enquanto e na medida
em que é experiência social [dotada de sentido axiológico e diretriz normativa], ou seja [...], distinguindo-se das
demais espécies de conduta ética por ser o momento bilateral-atributivo da experiência social.”
101
REALE, op. cit., p. 56.
102
Ibidem, p. 57.
99
43
2.5.1 Sobre a dialética de complementariedade
Reporta-se,
inicialmente,
para
melhor
entendimento
da
dialética
de
complementariedade, e para que não haja equívocos em sua interpretação, à teoria de Kant,
pois há de se perceber que, inobstante ele tenha feito a separação entre ser e dever ser, o
elemento chave de sua teoria para compreensão do mundo histórico foi o conceito de valor.103
Em seguida, houve, por parte dos neokantianos, a ideia de interpor um elemento de conexão
entre realidade e valor: a cultura. Essa como sendo o complexo das realidades valiosas.104
Pode-se dizer, com isso, que todo bem de cultura é tridimensional, pois pressupõe o
suporte real, que adquire significado e forma próprios em virtude do valor a que se refere. Em
torno dessa problemática, surgiram teorias para estudar como esses elementos se
correlacionavam, para negar a possibilidade de correlação ou para determinar a função de
cada elemento no contexto ontognoseológico de cada momento da experiência jurídica.105
Para Miguel Reale (1994) a cultura, como elemento intercalar, inserido entre a
natureza e o valor, não fazia da forma mais precisa a correlação entre sujeito e objeto, visto
que eles possuem uma relação de complementariedade. Além disso, não superou a separação
entre o ser e o dever ser.
A concepção de relação entre sujeito e objeto, na qual importa que, em sua relação,
algo sempre será convertido em objeto sem perder sua subjetividade, tem-se por resultado o
caráter relacional do conhecimento. Nessa relação sempre há a possibilidade de nova síntese,
tendo em vista a irredutibilidade dos termos relacionados. É a essa dialética que Reale
denomina “dialética de complementariedade”.106
Há uma relação permanente entre os dois elementos, porquanto não apenas eles são
irredutíveis no processo dialético, como são plenos somente quando relacionados uns com os
outros. Ademais, a cultura, pelo exposto, não é somente algo intercalado entre o valor e a
realidade, ou entre o espírito e a natureza107, mas o processo de sínteses progressivas que o
primeiro vai realizando com base na compreensão da segunda.108
103
A esse respeito, há estudo mais aprofundado na obra “O Direito como Experiência”, Ensaio I.
REALE, 1994, p. 69-70.
105
Ibidem.
106
REALE, 1994, p. 72.
107
Termos usados por Reale no contexto de explanação do real significado de cultura, que se remontam às ideias
iniciais de valor e realidade.
108
REALE, 1994, p. 73.
104
44
2.5.2 Sobre o historicismo axiológico
Observado o caráter histórico e cultural do direito, no processo normativo pelo qual se
resolve a relação fato-valor, cada norma representa um momento histórico em determinadas
circunstâncias.
Não se deve olvidar que o direito é uma realidade social, sem a possibilidade de
excluí-lo do processo histórico, conquanto essa realidade tenha na conduta humana a sua
fonte, não há como destituí-la da sua qualificação fático-axiológico-normativa.
Depreende-se do exposto:109
O termo “tridimensional” só pode ser compreendido rigorosamente como traduzindo
um processo dialético, no qual o elemento normativo integra em si e supera a
correlação fático-axiológica, podendo a norma, por sua vez, converter-se em fato,
em um ulterior momento do processo, mas somente com referência e em função de
uma nova integração normativa determinada por novas exigências axiológicas e
novas intercorrências fáticas.
O que se expôs sobre a dialética de complementariedade acima e suas implicações
para a teoria tridimensional, parece ser o mais importante aspecto para se compreender de
forma plena o que foi trazido pelo professor das arcadas como inovação ao esboço que já se
fazia, como ele mesmo demonstra, da tridimensionalidade do direito.
O denominado por Miguel Reale (1994) como historicismo axiológico é o processo
ontognoseológico que se põe como objetivação histórica, ou seja, sujeito às determinações
históricas, mas sem desconsiderar as intercorrências geradas pelo presente enquanto é sendo e
pelo futuro, pelo que o presente é em função do que foi, pois também será pretérito e o futuro
se sustenta no que é, pois é o que será, de modo que estejam todos interligados e dependentes.
Da mesma forma, expressa quanto à correlação entre sujeito e objeto,
ontognoseologicamente, sem que um possa ser pensado sem o outro, o homem, como ser
histórico, é enquanto deve ser. Concomitantemente, o homem tem um projetar-se temporalaxiológico, sem que haja possibilidade de conceber os valores sem o existir histórico.
O direito, de igual modo, é fato histórico-cultural, mas pelo pensamento de Reale
(1994), impossível se furtar de sua tridimensionalidade existencial, pois é somente enquanto
os fatos humanos se integram normativamente no sentido de certos valores.
Seguindo nesse mote, os bens culturais, criações humanas – nesse sentido, deve-se
observar o homem como agente da história – também possuem a natureza binada: são
109
Ibidem, p. 77.
45
enquanto devem ser, por conseguinte existem somente a partir do momento em que valem
para algo ou alguém.
Destaca-se, no mesmo raciocínio, que o homem como ser essencialmente histórico é a
fonte de todos os valores e esse seu projetar-se no tempo é a expressão do espírito humano in
acto, “como possibilidade de atuação diversificada e livre.”110
Por óbvio, a história não é acabada, pois o passado somente existe com a perspectiva
do futuro, no qual o presente – que passado irá se tornar – é a ponte entre o passado e o futuro.
É o dever ser a dar peso e significado ao que é e se foi, o que conduz ao estabelecimento de
uma correlação entre valor e tempo, axiologia e história.
O mundo da cultura, sendo um acúmulo de obras – pelo simples processo de passar do
tempo – é o mundo das intencionalidades objetivadas. Mas se faz a busca pelo ato criador
através das obras, chegando-se à conclusão de que o homem, somente ele, dentre todos os
entes, é e deve ser. E mais: o ser homem é o seu dever ser, notadamente de forma originária e
não derivada. Por isso tem-se a polaridade fático-axiológica no mundo da cultura, porque ela,
pelo seu processo, se revela como um espelho do homem, à sua imagem e semelhança.
Revela-se ser incompatível a separação promovida por Kant entre teoria e prática, uma
vez que se observa a complementariedade entre teoria e prática, como termos que se
relacionam, promovendo uma unidade dialética do espírito.111
Daí a conclusão de que cabe:
Ao Direito não só salvaguardar e tutelar os bens já adquiridos, como, acima de tudo,
preservar e garantir o homem mesmo como livre criador de novos bens, em
quaisquer que possam ser os ordenamentos político-jurídicos da convivência
social.112
O historicismo defendido por Reale em sua teoria não é absoluto, não se limitando a
reduzir tudo às determinações históricas, antes é um historicismo aberto, que leva em conta o
fator decisivo do ineditismo da liberdade como componente do futuro, para vivência do
presente e diagnóstico do passado.
Para melhor determinar a posição do homem nesse processo, há de se observar que ele
é o único ser capaz de síntese:113
110
REALE, 1994, p. 81.
Ibidem, p. 82.
112
REALE, 1994, p. 83.
113
Ibidem, p. 84
111
46
Os outros animais respondem a impulsos particulares e, no máximo, justapõem e
congregam respostas reflexas, em função dos estímulos recebidos. Jamais se
antecipam à particularidade dos impulsos, numa antevisão consciente prevenida e
intencional do futuro, superando o disperso da experiência, alçada esta a uma
compreensão conceitual envolvente e diretora. Esse “poder de síntese”, como já
disse, não é senão a expressão do espírito como liberdade, pois o homem, na
evolução cósmica, só se libertou do meramente natural na medida em que soube vir
se impondo à natureza, servindo-se dela para os seus próprios fins. A compreensão
do espírito como capacidade de síntese e o concomitante reconhecimento de que
quem diz síntese diz liberdade, constitui o pressuposto inamovível que condiciona
qualquer meditação sobre o problema do homem e aquilo que o homem construiu e
continua construindo através dos tempos, isto é, a sua experiência e histórica.
Poderia dizer que a compreensão do espírito como liberdade autoconsciente e como
síntese representa o “a priori” transcendental fundante da experiência histórica, em
geral, e da experiência ético-jurídica em particular.
Em se tratando da objetivação no tempo, como o processo de subjetivação inserido no
processo de objetivação no tempo evidencia a polaridade já explicitada, com seu caráter
complementar, tem-se que à medida que o homem se projeta para fora, criando modelos de
ação, tende a submeter-se às suas próprias criações, mesmo que sob o manto do poder
estatal.114
É possível notar a complementariedade entre sujeito e objeto e a dialética de
complementariedade em conceitos fundamentais como ordem e justiça.
Existe entre as duas uma polaridade justiça-ordem, sendo que uma depende da outra, o
que forma o chamado por Reale de díade inseparável. Por oportuno, a justiça pensada
objetivamente é o que se pode chamar de ordem justa, enquanto que pensada subjetivamente é
virtude de justiça, como sentimento, mas uma não existe sem a outra, de modo que não há
justiça sem homens justos, com sentimento de justiça. Se ela inexiste, há apenas uma ordem
nua, um regulamento meramente funcional.115
Reale (1994) diz que somente é possível conduzir os pensamentos sem prejuízo de
ferir a complexidade do ser humano mediante uma dialética de referências móveis, numa
pluralidade de perspectivas. Conclui ainda que seja no desafio da liberdade e no poder de
síntese do espírito que se funda a dignidade do homem.
114
115
Ibidem, p. 85.
REALE, 1994, p. 87.
47
CAPÍTULO
3
-
DIVERGÊNCIAS
E
CONVERGÊNCIAS
QUANTO
AOS
FUNDAMENTOS DO DIREITO E AOS ASPECTOS ELEMENTARES DA NORMA
Após a exposição das duas teorias no que tange às suas premissas e percepções de
formação e fundamentação do direito, cumpre compará-las para que se chegue a uma
conclusão, de modo a escolher uma ou outra como mais adequada e completa, a partir dos
aspectos analisados, bem como da comparação com alguns aspectos de outras teorias
atinentes.
3.1 AS PARTÍCULAS ELEMENTARES E OS PROCESSOS HISTÓRICO-CULTURAIS
COMO DETERMINANTES PARA A FORMAÇÃO DO DIREITO
Passa-se a expor algumas características basilares nas duas teorias, de modo a
encontrar, no assunto concernente a este tópico, os pontos que se apresentam discrepantes e os
outros que se aproximam tendendo a um mesmo raciocínio.
Pode-se considerar como maior divergência entre a teoria quântica e a teoria
tridimensional, no que se refere aos fundamentos do direito, suas formulações sobre a
validade do direito.
Nota-se do direito quântico seu aspecto de vanguarda, já em primeiros contatos, pela
sua proposta inovadora, praticamente isolada de qualquer outra teoria que se possa vislumbrar
a respeito de matérias elementares do direito, que lhe dão sustentação e legitimidade.
Merece destaque que a primeira edição do livro Direito Quântico, de Telles Junior,
datada de 1970, não sendo assim tão recente (sua última edição é de 2006), mas seu aspecto
vanguardista se dá, principalmente, por sua proposta de mudança drástica de paradigma, com
sucedâneo em razões ainda não pacificadas na física quântica, quanto mais com os que se
dedicam ao direito.116
A teoria tridimensional, embora relativamente recente, com seu embrião em 1940,
com a dissertação de Miguel Reale, Fundamentos do Direito, elaborada para submeter a
concurso que visava à cátedra de Filosofia de Direito da Universidade de São Paulo, tomou
bastante espaço na cultura jurídica do Brasil e do mundo, sendo, hoje, fundamental para a
compreensão do direito.
116
COVOLAN; GONZALEZ, 2010.
48
Observa-se que, quando de sua fundação, a teoria tridimensional também se revelou
como uma inovação tremenda, questionando as teorias predominantes e propondo mudanças,
mas galgou sedimentação pelo seu aperfeiçoamento ao longo de vários anos, com importantes
publicações de Miguel Reale.
No que tange o direito quântico e suas hipóteses de fundamentação do direito, é
imprescindível ressaltar as relações de sua proposta para com o direito e da física quântica
para com a ciência.
A física quântica, que começou a ser desenvolvida no início do século XIX, surgiu
como uma mudança radical de paradigma, pois sugeriu a superação de postulados instituídos
desde os gregos clássicos, como os princípios aristotélicos da razão.
Como expresso por Juarez Rogério Felix:
De fato esta ciência baseada nos princípios aristotélicos da razão (Princípio da
identidade, Princípio da não-contradição, Princípio do terceiro excluído e Princípio
da razão suficiente, ou Princípio da causalidade) a partir do séc. XIX iria ser abalada
117
pelas novas descobertas no campo da física. .
A partir disso, a quântica impõe o princípio da incerteza118, no qual o que é pode ser e
não ser outro ao mesmo tempo, em detrimento da certeza absoluta conquistada ao longo da
história pelo pensamento antigo até o Iluminismo, que afirmava: o que é, é; o que não é, não
é, de modo que o que é não pode não ser (Princípio da não-contradição).
A esse respeito, importante contribuição há no pensamento de Túlio Lima Vianna:
Tal como no paradigma consagrado pela Física Quântica, é a postura do observador
e sua opção entre múltiplas racionalidades que vão definir o que conhecemos por
verdade. A verdade objetiva, natural e divina cede espaço a uma verdade subjetiva,
artificial e humana. Pelo princípio da incerteza, de Heisenberg, é impossível
conhecer simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula. É a opção do
observador por uma das duas racionalidades que irá definir os resultados da
experiência. Dessa forma, o cientista não é mais um mero observador da realidade,
mas um participante desse processo de observação que, inevitavelmente, interfere
117
VIANNA, 2009, p. 2.
Esse termo foi cunhado pelo físico alemão Werner Heisenberg, um dos fundadores da Mecânica Quântica, em
1927. Explica que é impossível medir simultaneamente e com precisão absoluta a posição e a velocidade de
uma partícula, isto é, a determinação conjunta do momento e posição de uma partícula, necessariamente, contém
erros não menores que a constante fundamental da Física, usada para descrever o tamanho dos quanta. Esses
erros são desprezíveis em âmbito macroscópico, porém se tornam importantes para o estudo de partículas
atômicas; as duas grandezas podem ser determinadas exatamente de forma separada, quanto mais exata for uma
delas, mais incerta se torna a outra. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Heisenberg, acessada em 11 de maio de
2010.
118
49
nos resultados das pesquisas. Não há mais uma verdade determinada a ser
descoberta pelo cientista, mas uma provável a ser criada a partir do seu olhar. De
forma semelhante, o olhar do historiador definirá as “verdades” históricas. [...] O
conhecimento não se limita a descrever a realidade, mas inevitavelmente a altera.
Surge, assim, uma relação de saber-poder, pela qual o cientista se funde com seu
objeto de estudo, pois, para conhecê-lo, necessariamente precisa modificá-lo.
119
A proposta de Telles Junior, na seara jurídica, é justamente equiparar o direito aos
avanços da ciência e submetê-lo às mesmas mudanças referenciais, de modo a formular
conceitos que acompanham a relatividade120 reinante nas ciências e vencer a dogmática
jurídica, enrijecida em conceitos retrógrados que provocaram afastamento do direito à
realidade, importando-se mais com a forma e coerência do discurso que com a realidade
vivida pelo jurisdicionado.121
Nesse sentido, o direito se insere no universo e é influenciado por sua dinâmica, desde
o seu surgimento. Ele tem como lógica de fundamentação a mesma que governa o universo,
pois é parte integrante da natureza, elaborado por homens, quem têm em si as mesmas
partículas elementares de toda a matéria e por elas são influenciados. Consequentemente, as
obras de suas mãos sofrem essas interferências e carregam também as mesmas características,
o que é o caso do direito.
A teoria tridimensional desenvolvida por Miguel Reale, prima por fundamentar o
direito por outro prisma. Facilmente nota-se que ele considera mais importantes as
interferências históricas e culturais sobre o ser humano para a caracterização do direito do que
as influências genéticas, muito embora não desconsidere o ser humano como um ser natural,
portanto, inserido na natureza.
Imperioso destacar da teoria de Reale, como elemento de conexão, sua percepção dos
contratualistas, oportunidade na qual ele deixa expressa sua opinião a respeito dos
fundamentos preponderantes do direito e do Estado.
Entretanto, é preciso notar que na corrente contratualista se oculta uma grande
verdade: consiste na afirmação de que o direito e o Estado não são formações
naturais da mesma ordem daquelas que se processam em obediência às leis que
119
VIANNA, p. 117-118.
Note-se que essa nomenclatura “relatividade”, é originária da teoria desenvolvida por Albert Einstein, a qual
concluiu pela dualidade onda-partícula, mas o uso do termo não é necessariamente uma referência à teoria de
Einstein, é mais abrangente.
121
FELIX, 2007, p. 03.
120
50
governam o mundo físico. As instituições políticas e jurídicas não são pedaços da
natureza, explicáveis segundo pesos e medidas das ciências físico-matemáticas.122
A construção desse pensamento ainda permite concluir que não fosse o homem parte
diferenciada da natureza, mas apenas um pedaço seu, não haveria distinção entre leis éticas e
leis físicas, como a seguir se observa:
O fundamento do Direito está nas raízes profundas do eu noumenal, e a lei ética
surge da própria essência do homem enquanto transcende a natureza em seu sentido
físico. Se o homem fosse apenas um pedaço da Natureza ou um elo na série causal
do mundo físico, não haveria lugar para a imperatividade do Direito: as leis jurídicas
seriam idênticas às leis físicas, indicariam simples conformidades, seriam, enfim,
meramente indicativas. O fato deveria ser tomado como critério último da verdade.
Porém, como o homem participa tanto do mundo dos fenômenos como do mundo
noumenal; como está na ordem fenomênica e é ao mesmo tempo algo mais que um
fenômeno; como pertence a uma dupla ordem de realidades, à física e à metafísica, e
é parte e princípio da Natureza, a lei ética não se confunde com a lei física.123
Pode-se concluir que para a teoria tridimensional, certamente há que se considerar o
homem como um ser da natureza, mas para a fundamentação do direito, muito mais há em
importância de determinação os fatores históricos e culturais a que são submetidas os
grupamentos humanos.
O direito, nessa perspectiva, apresenta-se como resultado da experiência vivenciada
pelo homem, e inserido no contexto da experiência cultural, pois o homem é, por excelência,
histórico.124
Essa característica histórico-cultural assume tamanha importância que Reale dedica
todo um capítulo à analise do historicismo e outro à análise do processo cultural, em seu livro
Teoria Tridimensional do Direito – Situação Atual.125
Pela teoria tridimensional, busca-se demonstrar que o direito deve estar sempre
intimamente ligado à realidade. Para isso, utiliza-se o termo husseliano Lebenswelt, que
significa mundo da vida. As estruturas objetivas das ciências afluem ao mundo da vida, de
modo que esse mundo se transforme segundo condições históricas, contudo sem se
desnaturar, pois os cientistas – e os juristas também – são homens participantes da vida
122
REALE, 1998, p. 11.
REALE, 1998, p. 41 e 42.
124
REALE, 1994, p. 154.
125
Cumpre observar que Miguel Reale desenvolveu sua Tridimensional com sua obra Fundamentos do Direito,
já em 1940, de modo que a obra publicada em 1994 é uma exposição da Teoria Tridimensional do Direito com
todas as análises feitas ao longo dos anos e os inevitáveis aperfeiçoamentos, mas como o próprio Reale enfatiza,
a teoria não estava incompleta quando da primeira publicação, estava completa, mesmo que de forma
embrionária.
123
51
comum. Por isso, o complexo de valores incidentes sobre os fatos originando normas não se
desvinculam do mundo da vida que sempre condiciona a experiência jurídica.126
3.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA NORMA E O HOMEM COMO VALOR
FONTE
Aceita-se, no direito quântico, que ocorram mudanças estruturais naturais, chamadas
de renovação, e mudanças estruturais que resultam de destruição, não naturais, chamadas de
inovação.
Pelo que consta da primeira hipótese, na ocorrência de uma renovação estrutural, não
se perde por completo o que se tinha na estrutura velha, apenas se faz alterações, que são
consequências naturais e se apresentam como estágio de aperfeiçoamento da estrutura. As
alterações acontecem de forma dialética.
Nesse contexto, dialética é o processo de formação da síntese pela tese e pela antítese,
de modo que na antítese não se despreza tudo o que constava na tese para gerar a síntese.
Ao contrário, a inovação ocorre a partir de uma mudança sem contato com a estrutura
velha.
Seguidamente, levando em consideração as hipóteses acima destacadas de mudança
estrutural, apresentam-se os conceitos de ordem e desordem, normal e anormal, no
pensamento de Goffredo Telles Junior, para que sejam introduzidas as características basilares
da norma segundo sua teoria.
Compete aqui apenas alinhavar as ideias em benefício da construção do raciocínio.
A ordem é a unidade do múltiplo, a disposição de seres múltiplos em razão de um fim
prefixado. Conjuga-os de maneira que cada um ocupe seu lugar, passe a ser parte do todo.
Observando que a determinação do fim que guia a constituição da ordem, pressupõe o
conhecimento desse fim, ou seja, à sua ideia.127
Quanto à desordem, ela não é nada mais que uma ordem não desejada ou não
conveniente, de modo que mesmo a desordem é uma ordem, por mais que não desejada. Não
se deve confundir ordem e desordem com normalidade e anormalidade, de modo que não há
desordem, senão enquanto ordem não desejada, mas é certo que há anormalidade se a ordem
não for conforme o que usualmente se define como aceito, ou seja, como normal.
126
127
REALE, op. cit., p. 103.
TELLES JUNIOR, 2002, p. 4-5.
52
Feitas essas observações preliminares, convém adentrar aos meandros de conceituação
da norma.128
As normas se dividem em físicas e éticas. As primeiras dizem como as coisas são, não
possuem qualquer caráter mandamental, ao passo que as segundas são normas do dever-ser.
“As
leis
éticas
são
fórmulas
elaboradas
pelo
ser humano,
para ordenar seu
comportamento”.129
Quanto à sua clara conceituação em variados aspectos:
Chamam-se normas, as convicções, concepções ou princípios, em razão dos quais
um procedimento ou estado é tido como normal ou anormal [...] As normas são
concepções ideais de procedimentos e de estados usuais e comuns, ou de
procedimentos e estados que seres humanos querem que sejam usuais e comuns [...]
Pois bem, chamam-se normas, os mandamentos constitutivos de ordenações
normativas, seja qual for a coletividade e o nível social em que surgiram, ou o setor
de atividade em que imperam. São normas, os mandamentos coadunados com um
sistema ético vigente.130
Diferente da norma, ainda há a lei, que, para essa teoria sob análise, possui aspectos
peculiares, a seguir expostos para serem confrontados com os pensamentos oriundos da teoria
realeana.
Imperioso notar que nesse ponto residem as principais ideias que possibilitam
identificar suas principais diferenciações da teoria tridimensional.
Sendo a ordem efetiva a realização de uma ideia de ordem e sendo toda ideia abstrata,
a ordem decorre de um princípio abstrato. A disposição dos seres de forma conveniente
obedece aos princípios abstratos, ou preceitos, e eles constituem fórmulas segundo as quais os
seres são ou devem ser dispostos. Esses preceitos têm um nome genérico: leis. Uma lei é a
fórmula da disposição convenientes de seres, para a consecução de um fim comum. Concluise que a lei é a fórmula da ordem, portanto, precede-a cronologicamente.131
Em resumo, as palavras de Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva.
A lei é uma relação entre ideias, entre abstrações, e não entre coisas concretas. A lei
unifica o diverso. A lei só existe no mundo da Inteligência, pois não é particular nem
individual. A lei é o plano concebido do que vai acontecer. É a formula da ordem.
Não é por menos que se tem a lei como um ato geral e impessoal. A lei é uma
espécie do gênero norma jurídica.132
128
Observa-se clara influência Kant e de Kelsen, mas não convém aprofundar esses aspectos, a não ser o
imprescindível citado no texto.
129
TELLES JUNIOR, 2002, p. 33.
130
Ibidem, p. 21.
131
TELLES JUNIOR, 2006, p. 220.
132
SILVA, 2007.
53
Como forma de transição entre os pensamentos, faz-se uma breve exposição dos
principais pensamentos a respeito de normas e leis. Nesse interregno, far-se-á uma
contextualização histórica das duas teorias, demonstrando outras muito importantes ao longo
da história que, inclusive, influenciaram os pensamentos tanto de Telles Junior quanto de
Reale.
Imprescindível dar especial destaque a Montesquieu.
Em sua obra “Do Espírito das Leis”, ele define: “As leis, no seu significado mais
amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; e, nesse sentido, todos
os seres têm suas leis [...] Existe, portanto, uma razão primordial133, e as leis são as relações
que existem entre esta e os diferentes seres, e as relações entre si”.134
Pela teoria do direito quântico, há imprecisão no conceito de lei fornecido pelo autor
clássico, pois só existe relação real entre os seres, sendo essa relação sempre concreta, ao
passo que a lei não possui uma relação concreta, possui, sim, ideias de relações entre seres
reais, é uma fórmula genérica.135
É possível encontrar no pensamento de Montesquieu relações estreitas com o
pensamento de Miguel Reale, destacando-se que há importantes distinções conceituais,
principalmente pelos contextos históricos de cada um deles.
Ele já preceituava uma clara separação entre as leis naturais – feitas por Deus para
regerem o mundo - e as leis positivas – elaboradas por homens por sua capacidade de
inteligência dada por Deus. Juntando-se esse pensamento ao seu conceito de lei, vê-se que ele
vislumbra a possibilidade de a lei (norma jurídica) relacionar-se com o mundo real e, de modo
específico, com os seres. Como se não bastasse, afirma que a lei deve ser adequada ao povo
para o qual foi criada:
A lei, em geral, é a razão humana, uma vez que ela governa todos os povos da terra;
e as leis políticas e civis de cada nação devem representar apenas os casos
particulares em que se aplica a razão humana. As leis devem ser de tal forma
adequadas ao povo para o qual foram feitas que, apenas por uma grande causalidade,
as de uma nação podem convir a outra.136
133
Esse termo refere-se ao Criador, responsável pela criação das leis naturais com o objetivo de se relacionar
com o Universo.
134
MONTESQUIEU, 2004, p. 17.
135
SILVA, 2007.
136
MONTESQUIEU, op.cit., p. 22.
54
Por essa confrontação feita entre os conceitos do direito quântico e os conceitos de
Montesquieu, é possível analisar a perspectiva quanto ao tema da teoria tridimensional do
direito.
Deve-se destacar também Hans Kelsen, pois ele assume posição importante no cenário
de transição entre a natureza jurídica da norma como pertencente ao mundo das ideias para a
norma jurídica como parte integrante de um sistema dialético indissociável da realidade
fática.137
Pela sua teoria pura do direito, Kelsen pretendeu livrar o direito de elementos
metajurídicos, pois, até então, ao jurista cabia procurar elementos na psicologia, na economia
ou na sociologia, por exemplo, para equacionar os problemas.138
Imbuído por esse propósito, ele declarou o direito sempre como o direito positivo,
pertencente ao domínio do dever ser como produto normativo. Assim, o direito exprime um
dever ser que vale por si, sem conexão com nenhuma forma concreta de comportamento ou
orientação prática de conduta.139
Miguel Reale também se aproxima do pensamento de Hans Kelsen ao declarar a
supremacia do direito, sua independência, em seu livro O Direito como Experiência, como se
infere deste trecho:
A experiência do direito, em suma, nunca se amolda e se reduz às diversas
experiências sociais, pois, delas extrai o ‘sentido normativo do fato’, e não o
conteúdo do fato em sua especificidade, como realidade econômica, psicológica,
artística, etc; a sua natureza tipológica e normativa, ou, se quiserem, a sua
‘tipicidade normativa’ converte em jurídico tudo o que se insere em seu processo. É
a razão pela qual, como foi observado por Soler, quando o direito parece aproveitar
conceitos psicológicos ou econômicos, ele os assimila e os torna próprios, inserindoos no sistema normativo, com uma acepção e um alcance de ordem jurídica,
irredutível às ciências que os inspiraram.140
Ele concebia a norma jurídica como entidade lógico-hipotética, capaz de qualificar a
experiência social. O direito é visto como um sistema escalonado de normas, apoiando-se
umas nas outras, dependendo de uma norma fundamental o suporte para todo o sistema. As
normas jurídicas são enunciados lógicos situados no plano do dever ser e não comandos
imperativos.141
137
REALE, 1998, p. 150.
REALE, 1998, p. 151.
139
Ibidem, p. 153-154.
140
Idem, 1992, p. 33.
141
Idem, 1996, p. 457.
138
55
É evidente e importante, no pensamento de Kelsen, a separação quase incomunicável
entre o ser e o dever ser:142
A Sociologia Jurídica, ou a Jurisprudência Sociológica, consoante terminologia
também por ele empregada, é uma ciência do ser, porquanto indaga das conexões
causais que se operam entre os fatos ou comportamentos jurídicos. A Ciência
Jurídica é uma ciência do dever ser, visto como se destina a descrever as normas que
determinam o advento de uma consequência, toda vez que se verificar um fato
genericamente previsto.143 (REALE, 1996, p. 459).
Sua natureza é puramente normativa.
Feitas as ponderações, há de se caracterizar o pensamento de Miguel Reale quanto à
posição da norma na seara filosófica do direito.
O direito é a relação dialética entre fato, valor e norma.
Essa relação dialética não é a simples negação de uma tese por uma antítese para gerar
uma síntese. Ela possui o caráter da complementariedade, de modo a impor sobre a relação
entre as três dimensões do direito a interdependência e uma permanente relação, sem que haja
descaracterização de sua subjetividade, muito pelo contrário eles somente são plenos em sua
existência se relacionados aos outros.
A relação entre as dimensões baseadas na dialética de complementariedade é de
fundamental importância para entender a experiência jurídica na teoria tridimensional do
direito, bem como a posição da norma jurídica na citada teoria:
Quando não se reconhece a dialeticidade essencial da experiência jurídica [...] e não
se quer abandonar a tese da experiência jurídica, corre-se o risco de recorrer a meras
justaposições entre natureza e vida, abstrato e concreto etc., proclamando-se a sua
ambigüidade ou o seu caráter paradoxal, o que é ficar no limiar do problema
epistemológico. Se a realidade do direito é a de um processo histórico, parece-me
que somente graças a um processo dialético será possível compreender a experiência
jurídica; e, como se trata de experiência de natureza axiológica, que participa da
polaridade e da co-implicação essenciais aos valores, tal dialética só pode ser [...] a
de complementariedade.144
A posição da norma é de equilíbrio das tensões verificadas entre um complexo de fatos
e um complexo de valores. Prova-se a validade dessa afirmação pela constatação de que se
uma norma é promulgada sem esmero, por interesses, a toque de caixa; ela está destinada a
ser efêmera, visto que não se identifica com o clamor social. Se as normas são elaboradas
142
Nota-se cristalina influência kantiana, pelo que Reale assinala ser Kelsen um neokantista, “formado e
informado no criticismo transcendental que ele aplica com grande rigor no campo da Ciência Jurídica”.
143
REALE, op. cit., p. 459.
144
REALE, 1992, p. 36.
56
seguindo rigorosos critérios, pelos quais há exata expressão de vontade da sociedade, ela se
destina a durar por muito tempo – enquanto houver adequação ao contexto social, cultural e
histórico.145
Imperioso realce merece o elemento interpretativo da norma, posto que ela, como
escrita, grafia, pode durar por muitos anos sem empecilho de que haja mudança em sua
interpretação. A norma possui o que pode ser chamado de elasticidade “dadas as variações
semânticas que ela sofre em virtude da intercorrência de novos fatores, condicionando o
trabalho de exegese e de aplicação dos preceitos.”.146
É possível afirmar que a norma jurídica é uma forma de integração fático-axiológica,
dependendo dos fatos e valores de que se origina e dos fatos e valores supervenientes. Isso
pode ser expresso pela seguinte representação:147
PROCESSO DO NORMATIVISMO CONCRETO
V1
V2
N1
F1
V3
N2
V2
Vn
N3 ----------
F3
Nn
Fn
Esse é o processo de normativismo concreto, conceito explorado no capítulo anterior.
Por essas características do pensamento realeano, percebe-se a sua teoria como a mais
completa em termos de percepção do direito como fenômeno social, pois o demonstra, bem
como a norma como algo complexo que envolve elementos que podem ser analisados
separadamente, mas que atingem sua plenitude existencial somente postos em conjunto.
Elucida, portanto, a incompletude das teorias que buscam estudar o direito ou a norma
somente em seu caráter abstrato, sem muito o nenhum contato com o real.
Isso é colocado em seu livro Fontes e Modelos do Direito:
Se, em suma, a norma jurídica é posta, sendo declarada objetivamente válida,
realizando uma integração de fatos segundo valores, no momento de interpretá-la e
aplicá-la devemos percorrer esse mesmo caminho, ou seja, compreendê-la como
uma estrutura cujo significado é dado pelos fatos que a condicionam e pelos valores
que a legitimam. Não é outra senão essa a razão de ser da compreensão das fontes do
direito em termos de modelos jurídicos. A natureza prospectiva dos modelos
jurídicos tem como consequência afirmar-se que o Direito é norma e situação
145
Idem, 1996, p. 562.
Ibidem, p. 564.
147
Essa representação está presente e mais de uma obra de Miguel Reale, notadamente em Filosofia do Direito e
em Teoria Tridimensional do Direito – Situação atual, p. 126.
146
57
normada, no sentido de que a regra de direito não pode ser empreendida tão-somente
em razão de seus enlaces formais.148
Quanto à coercitividade e coercibilidade da norma, há frutífica análise na comparação
entre as considerações da teoria quântica e da teoria tridimensional do direito.
Há a teoria da coação, pela qual norma e coação são ingredientes inseparáveis de um
todo jurídico. Porém, fazem-se algumas objeções a ela. A mais evidente reside em saber como
o elemento coercitivo valeria como critério para distinguir o direito da moral.149
Em seguida, esclarece-se que não pode confundir coação e força, de modo que aquela
é chamada de força disciplinada, pois exercida nos limites legitimados pela tutela necessária
aos bens da vida. Outra diferença é entre sanção e coação. Pode-se dizer que a sanção é a
espécie da qual a coação é o gênero. Existem variadas sanções, como medidas assecuratórias
das regras do direito, enquanto a coação é a sanção física, concretizada pelo recurso à força
nos limites e de conformidade com o próprio direito.150
A coação é composta de dois elementos: “uma pressão de ordem física ou psíquica
manifestada segundo uma forma ou estrutura [...].”151
Miguel Reale, após uma breve exposição da teoria da coação e algumas de suas
objeções, conclui que o “termo coação só deve ser juridicamente empregado no sentido de
uma “ação que modifica forçadamente uma situação de fato.”152
Essa afirmação abre espaço para o pensamento de Telles Junior, ao expor a teoria
quântica do direito, pois nela a norma não é coativa. Ela é autorizante. Autoriza o lesado ou o
Estado a exercer a coação, obviamente, dentro dos limites impostos pelo direito.
Como a coação é uma pressão de ordem física, torna-se ainda mais forte o argumento
de a norma é apenas autorizante e jamais coativa, posto que uma pressão física em um corpo
somente pode ser exercida por outro, ou, no caso do direito, por uma entidade que tenha
possibilidade de fazê-lo.
Merece atenção em apartado a construção do pensamento de Miguel Reale em sua
teoria sobre o valor – uma das três dimensões do direito – relacionado ao ser humano.
O valor guarda profunda relação com a dialética de complementariedade, posto que se
ponha no plano axiológico. Ainda a esse respeito, todo valor é expressão de um dever ser.
148
REALE, 1994, p. 33.
Idem, 1996, p. 673.
150
REALE, 1996, p. 673.
151
Ibidem, p. 674.
152
Ibidem, p. 676.
149
58
Assim não fosse, seria meramente ilusão, pois é necessário que em algum momento ele possa
se converter em realidade.153
Por sua relação com a dialética de complementariedade, o valor também, conforme a
teoria apresentada, relaciona-se de forma inseparável com a história, de modo que seria
impossível compreendê-lo de outra maneira.
Os valores não são, por isso, “objetos ideais, modelos estáticos segundo os quais iriam
se desenvolvendo, de maneira reflexa, as nossas valorações, mas se inserem antes em nossa
experiência histórica, irmanando-se com ela.”154
Nesse ponto, insere-se um dos pontos mais relevantes, sobre o qual se deve fazer uma
extensa citação de Miguel Reale para não pecar em algum reducionismo advindo de paráfrase,
qual seja o homem valor fonte:
No homem existe algo que representa uma possibilidade de inovação e de
superamento. [...] Mas o homem representa algo que é um acréscimo à natureza, a
sua capacidade de síntese, tanto no ato instaurador de novos objetos do
conhecimento, como no ato constitutivo de novas formas de vida. [...] No centro de
nossa concepção axiológica situa-se, pois, a ideia do homem como ente que, a um só
tempo, é e deve ser, tendo consciência dessa dignidade. [...] Só o homem é um ser
que inova, e é por isso que somente ele é capaz de valorar. [...] O valor é dimensão
do espírito humano, enquanto este se projeta sobre a natureza e a integra em seu
processo, segundo direções inéditas que a liberdade propicia e atualiza. [...] O
homem, cujo ser é o seu dever ser, construiu o mundo da cultura à sua imagem e
semelhança, razão pela qual todo bem cultural só é enquanto deve ser [...] O fato de
o homem só vir a adquirir consciência de sua personalidade em dado momento da
vida social não elide a verdade de que o “social” já estava originalmente no ser
mesmo do homem, no caráter bilateral de toda atividade espiritual: a tomada de
consciência do valor da personalidade é uma expressão histórica de atualização do
ser do homem como ser social, uma projeção temporal, em suma, de algo que não
teria se convertido em experiência social se não fosse intrínseco ao homem a
“condição transcendental de ser pessoa.”155
No que diz respeito à teoria quântica do direito, não há qualquer demonstração de
preocupação, pois os problemas que teriam originado esses raciocínios são respondidos pela
perspectiva de relação do homem com a natureza, de modo que estão nela – especificamente
em sua formação elementar – as respostas para o comportamento humano e, como já
demonstrado, para o direito.
Nesse contexto, habita primordial discrepância entre os dois pensamentos no que diz
respeito às sociedades.
153
Ibidem, p. 80.
REALE, 1996, p. 206.
155
Ibidem, p. 211-214.
154
59
Como se observa da citação a Reale sobre o homem como valor fonte, a formação e a
sustentação da sociedade possuem intrínseca relação com as mudanças históricas e culturais
do homem. Noutro diapasão, o direito quântico busca como fonte do comportamento social os
comportamentos celular e atômico, de maneira que a sociedade, por ser produto da
inteligência humana – que é produto das interações físicas e químicas da natureza – reproduz
as regras de comportamento observadas no micro e no macrocosmos.
Nota-se mais coerência no pensamento da teoria tridimensional, muito embora não se
desvalorize a importante posição de vanguarda da teoria quântica.
A seguir, como finalização do posicionamento das duas teorias entre si, far-se-á uma
breve reflexão sobre o direito natural e o positivo e o direito subjetivo e o objetivo.
3.3 O DIREITO NATURAL, O DIREITO POSITIVO, O DIREITO SUBJETIVO E O
DIREITO OBJETIVO
Pela importância histórica e paradigmática dos conceitos direito natural e direito
positivo, convém tecer breves comentários a respeito dos pensamentos dos dois autores que
tangenciam essa seara.
Numa tentativa de redefinição histórica de direito natural, Telles Junior argumenta que
ele não é o conjunto dos primeiros e imutáveis princípios da moralidade.
Classicamente, tem-se por direito natural o fundamento moral que controla a
legitimidade e a validade do direito positivo, pelo que sua negação é uma tentativa de
separação entre o direito e moral. Nesse sentido, o positivismo jurídico – fundado por Kelsen
– é uma concepção do direito como uma dogmática alçada à categoria de ciência.156
No entanto, no contexto da teoria quântica do direito, os princípios imutáveis, que
remontam aos gregos, não são normas jurídicas, portanto não podem ser chamados de direito.
O direito natural revela-se como o direito que não é artificial, ou seja, é o direito que se
identifica com a sociedade a partir do momento que está de acordo com seu sistema ético de
referência e, logo, é o conjunto de normas jurídicas promulgadas, e declaradas pela
inteligência governante.157
O direito natural é o direito legítimo.
156
157
FELIX, 2007.
TELLES JUNIOR, 2006, p. 355-356.
60
Noutro lado, o direito positivo assim o é por guardar íntima ligação com o direito
objetivo e ser a mais positiva de suas expressões. Dele depende a “unidade do sistema jurídico
nacional.”158
Há de se lembrar que o direito objetivo é o conjunto das normas jurídicas, é objetivo,
pois é formado por objetos aos quais as pessoas se sujeitam.
Na teoria tridimensional do direito, o que há é a separação entre leis naturais e leis
éticas. Dessarte, seja possível galgar alguns pontos de concordância com o direito quântico,
embora em sua essência tenha fundamentos diferenciados.
As leis físicas se enunciam sem que haja previsão de sua violação, enquanto que para
as leis éticas o comportamento nesse sentido já é previsto, por isso há nas leis éticas a sanção,
desnecessárias nas leis físicas. Muito embora essa essencial diferença, elas se completam:
Há, pois, uma diferença fundamental entre esses dois grupos de leis, das leis físicas
e das leis éticas, de ordem causal umas, teleológicas as outras; insancionáveis as
primeiras, sancionáveis as segundas; leis não referidas ao mundo dos valores, as
físicas; leis essencialmente axiológicas, as que regem o mundo do direito ou da
Moral. São dois mundos, que não se repelem nem se excluem, mas, ao contrário, se
completam, porque na base do mundo da cultura está sempre o mundo da
natureza.159
Pelo pensamento de Reale, é possível identificar forte ligação com a teoria quântica no
sentido de considerar as leis físicas como leis que não dependem da ação humana, enquanto
as leis éticas são produto da ação humana. O chamado de sancionável na teoria tridimensional
poderia ser equiparado ao aspecto autorizante da norma jurídica na teoria quântica, posto que
os dois conceitos remontem ao processo legislativo legítimo pelo qual se produz as leis, que
são reflexos da vontade social, em detrimento do ocorrente com as leis físicas que nem sequer
prevêem acontecimentos na natureza, apenas constatam o que já está apresentado, motivo
pelo qual não deveriam, para o direito quântico, nem serem chamadas de leis.
3.4 OS ENCONTROS E DESENCONTROS HISTÓRICOS E PARADIGMÁTICOS DAS
TEORIAS ABORDADAS
158
159
Ibidem, p. 357.
REALE, 1996, p. 258.
61
Pretende-se fazer um apanhado histórico da vida de cada um dos dois autores das
teorias comparadas para identificar suas influências históricas e teóricas, a partir das
percepções provocadas pelo estudo das teorias para a elaboração deste trabalho.
Com as mesmas premissas, analisar, mesmo que perfunctoriamente, a razão de ser de
seus posicionamentos muitas vezes bastante antagônicos – muito embora se encontrem em
determinados pontos – apesar de terem composto a mesma escola: as tradicionais arcadas do
Largo do São Francisco. Pretende-se, por fim, enriquecer o trabalho no tocante à fecundação
do pensamento, aperfeiçoamento do direito e capacidade de superação de paradigmas que se
mostrem obsoletos.
Os dois pertenceram à mesma faculdade – a faculdade de direito da Universidade de
São Paulo. Ingressaram, como professores, no mesmo ano, 1940, e ambos exerceram o cargo
de direção.
Entretanto, se distanciam na história já no período da ditadura militar, pois Miguel
Reale participou da elaboração da Emenda 1 da Constituição de 1967, enquanto Telles Junior
participou da elaboração da carta aos brasileiros, elaborada por juristas de renome da época,
condenando o regime de exceção imposto.160
Teoricamente, suas diferenciações foram perceptíveis pela aproximação de Telles
Junior com as ditas ciências da natureza, enquanto Reale demonstrou peculiar interesse pela
filosofia e literatura.
Inconteste é que os dois se mostram como pensamentos prodigiosos, ocupando, assim,
lugares de honra no estudo do direito pátrio e, muitas vezes, do mundo.
160
Fonte: http://pt.wikipedia.com, acessado em 18 de maio de 2010.
62
63
CONCLUSÃO
O século vinte foi chamado por Eric Hobsbawn (1995) de A Era dos Extremos. Foi o
período no qual a sociedade mais sofreu transformações, percorrendo o advento de duas
grandes guerras e do fascismo, diante do descrédito da democracia liberal até os anos
dourados, nos quais ocorreram uma grande expansão econômica e profundas transformações
sociais.
Da mesma forma, houve profundas mudanças nas ciências e especialmente na física,
que sofreu fortes abalos paradigmáticos desde Einstein até os experimentos hodiernos
possíveis com o LHC.161
Inobstante todas essas transformações aceleradas, o direito também pôde passar por
diversas transformações conceituais.
Entre as principais teorias desenvolvidas na seara jurídica durante o século XX, sem
dúvida está a teoria tridimensional do direito de Miguel Reale. Sua importância foi tão grande
que rapidamente conquistou notoriedade. Diversos autores conceituados ao redor do mundo e
no Brasil passaram a nutrir profundo respeito por seu autor, que desde o ingresso como
professor na faculdade de direito da USP, em 1940, esboçava sua teoria tridimensional.
Com a mesma grandeza de Miguel Reale, está inserido em posição elevada no cenário
jurídico brasileiro o jurista Goffredo Telles Junior, que desenvolveu a teoria do direito
quântico. Essa ainda não conquistou o espaço equivalente ao da teoria tridimensional, mas
pode-se afirmar que não é por falta de grandeza ou mérito.
Pela pesquisa elaborada para este trabalho, foi possível perceber que a teoria quântica
não é muito aceita, porque propõe mudanças às vezes por demais drásticas. Certamente a
161
Sigla em inglês para Large Hadrons Colisor. Numa tradução livre, significa Grande Colisor de Partículas.
64
teoria tridimensional do direito tem seu mérito, por ter proposto fortes mudanças no
pensamento jurídico à época, mas há um elemento preponderante na teoria quântica do direito
que lhe torna ainda mais peculiar: a física quântica.
Mesmo entre os cientistas, ainda não há consenso com relação a uma série de
proposições de mudanças sugeridas pela física quântica, quanto mais entre os juristas, muitas
vezes leigos no assunto e culturalmente influenciados pela física newtoniana, mecanicista.
Desse diálogo proposto entre o direito e a física quântica, é possível extrair muitos
ensinamentos importantes que devem ser observados e seria mais difícil notá-los sem esse
diálogo, pois é sugerida uma nova perspectiva do direito.
Ao longo da história, mesmo que tenha havido conflitos entre as várias teorias quanto
aos fundamentos do direito, há de ser notado que todas elas – ou a sua imensa maioria –
fazem análises e reflexões adstritas ao que se chama mundo ético e à abstração específica das
ciências sociais.
Entretanto, o direito quântico busca na natureza as causas dos fenômenos sociais e a
lógica existencial das leis.
Conclui-se que as reflexões que surgem desse novo paradigma são consideráveis para
que se evolua na fundamentação jurídica e em sua aplicabilidade na busca pelo justo.
Não se deve pesquisar o direito considerando apenas uma vertente, mesmo que o
aspecto de vanguarda da análise jurídica pela observação da natureza pelo prisma da física
quântica possa parecer muito arriscado ou até mesmo inconveniente.
Os fundamentos do direito, bem como a norma, não podem ser apenas objeto de
interações químicas. Existem acontecimentos na sociedade que são condenados ou aprovados,
isso depende da cultura e do momento histórico, mesmo que haja duas sociedades constituídas
por seres humanos, que são geneticamente semelhantes, há fatores que interferem na maneira
como essas duas sociedades irão se posicionar com relação a um dado acontecimento.
A partir disso, podem surgir normas diferenciadas, mesmo que em se tratando de
interações químicas as duas sociedades sejam compostas por indivíduos semelhantes. Ou a
mesma sociedade pode mudar seu ordenamento jurídico positivo ou somente sua interpretação
de uma época para outra ainda que seus cidadãos continuem seres humanos constituídos pelas
mesmas interações físicas e químicas.
A teoria tridimensional do direito dá justa importância à posição do ser humano na
história para pensar o direito, sem desconsiderar suas características biológicas naturais.
65
Tamanha é a relevância dos processos históricos que sua dimensão axiológica também
é histórica, o que concede espaço à percepção do homem como valor fonte, ou seja, o homem
é a fonte primeira de qualquer valoração que se pretenda fazer.
Intrinsecamente
ligada
ao
historicismo
axiológico
está
a
dialética
de
complementariedade, consiste num grande triunfo da teoria tridimensional do direito:
considerar a relação fato, valor e norma não somente dialética, mas dialética de
complementariedade.
Fato, valor e norma são dimensões – não são faces separadas ou dimensões como na
geometria – da experiência jurídica. Como dimensões da mesma realidade, o diálogo não
simplesmente pela superposição de novas ideologias, ou fatos, ou normas. Consiste numa
dialética entre seres que se completam existencialmente e, portanto, não podem ser reduzidos,
pode haver apenas uma relação de aperfeiçoamento entre eles de modo que a norma é uma
realidade fática valorada.
Não se conclui pela negação da afirmação quântica de natureza hipotética da norma,
apenas se considera que ela, mesmo sendo hipotética, sendo o dever-ser é resultado das
experiências vividas por uma sociedade que a julga, impõe valor.
Por todo o exposto, como conclusão maior, tem-se o seguinte pensamento.
Certamente o direito não é algo acabado, ou na teoria quântica, não é um ser em ato,
perfeito. Ele é, sendo. Por isso, com o passar dos anos e o evoluir do pensamento humano na
história, é natural que surjam novas teorias buscando aperfeiçoar a realidade existente. É
nesse contexto que se insere tanto a teoria tridimensional do direito quanto a teoria do direito
quântico.
Ao compará-las, é possível pensar o direito em seus fundamentos para analisar a
realidade atual e extrair lições tantos dos aspectos em que há convergência entre as duas
teorias quanto em seus aspectos divergentes
Preponderantemente, a comparação entre as teorias em comento é capaz de interferir
na atividade legiferante, pois escala no centro de suas reflexões a natureza da norma jurídica,
considerando seus processos de causa e finalidade existencial, e, ainda, sua posição na
realidade vivencial, não somente no mundo das ideias como dever-ser.
Por consequência, conclui-se pela possibilidade de contribuição das duas teorias,
enquanto submetidas a comparação, para a busca pelo cumprimento dos princípios do Estado
democrático de direito na atividade política e seu real impacto nas vidas das pessoas que mais
necessitam do Estado e de sua moralidade incólume.
66
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