Indústria chega sem fôlego ao ajuste - Instituto de Economia

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ESTADÃO
14 de abril de 15
Entrevista. David Kupfer, professor da UFRJ
Para economista, período de ajuste da economia não
pode ser longo, sob o risco de pôr as empresas em
situação ainda mais difícil
'Indústria chega sem fôlego ao ajuste'
VINICIUS NEDER
RIO - A indústria brasileira chega ao contexto de mudança de rumo na economia
"bastante mal posicionada" e "sem fôlego". Por isso, o período de ajustes não pode se
estender mais do que um ano ou um ano e meio, segundo o economista David Kupfer,
que, após três anos e meio como assessor da Presidência do BNDES, está de volta ao
Grupo de Indústria e Competitividade (GIC) da UFRJ, para se dedicar à pesquisa
acadêmica. Para ele, o que falta é a sinalização dos caminhos após o ajuste. Sem isso, o
risco é o investimento seguir retraído e, quando a economia se recuperar, a volta da
demanda ser atendida com capacidade produtiva antiga, improdutiva e de alto custo. O
resultado é inflação pressionada e o tradicional comportamento "pare e siga" ("stop and
go") do crescimento econômico, sempre dependente da atividade global. A seguir, os
principais trechos da entrevista:
Como a indústria enfrentará a crise atual?
Há um compromisso com um ajuste, eminentemente fiscal, que tem como elementos a
retomada de um superávit primário, a manutenção da taxa de juros elevada por um
período de tempo em torno de dois anos e a transição para uma taxa de câmbio mais
desvalorizada. É uma mudança importante no mix macroeconômico. Tudo está um
pouco apoiado em como esse momento vai ser digerido pelo sistema econômico. Se a
economia conseguir fazer essa transição em tempo não tão longo e se rearrumar em
torno desse novo mix, então, vamos ter um quadro que vai trazer alguma mudança nos
setores (industriais) que vão estar em expansão, realizando investimentos mais
intensivos em modernização, ou mesmo em substituição de equipamentos.
O ajuste e o novo mix são positivos para a indústria?
Ainda estamos numa fase em que o ajuste está sendo colocado como um fim em si
mesmo. A percepção é de um ajuste como uma etapa necessária para alguma coisa que
não sabemos o que é. Não há uma visão de política econômica mais longa que permita
extrair implicações para a atividade produtiva em geral. Há uma necessidade de
completar uma transição em direção a uma taxa de câmbio mais desvalorizada, que traz
implicações relativamente profundas sobre a organização do tecido industrial.
A indústria passou muito tempo com câmbio apreciado?
Sim, o que significa que está há muito tempo trabalhando com uma baixa
competitividade de exportação, trabalhando com uma rentabilidade nas operações
internas comprimida pelo preço de importação, particularmente em manufaturados, que
tem levado, na medida do possível, àquele processo de substituição de insumos locais
por insumos importados, numa tentativa de reduzir os custos de produção. Com a
mudança do dólar, essa estratégia, que é uma estratégia de flexibilidade de "sourcing"
(fornecedores), entra em xeque.
Como a indústria está posicionada perante o ajuste?
A indústria chega bastante mal posicionada porque ela já vem sem gordura para poder
acomodar esse período de retração. A indústria já vem sem fôlego e isso sugere que o
período de ajustamento não pode se estender demais, porque se isso não se resolver num
tempo satisfatório, essas empresas já sem fôlego talvez enfrentem dificuldades maiores.
O que seria tempo satisfatório?
É um ano, um ano e pouco, daqui para 2016, para meados de 2016. A gente não pode, e
isso é parte de uma agenda de política econômica, deixar o sistema industrial
hibernando, esperando a bonança, para voltar a se colocar em movimento. De algum
modo, há que se criar as condições para que, rapidamente, o investimento retome, para
que, quando a economia melhorar e voltar a crescer, você já esteja construindo
capacidade nova.
O que pode ocorrer se a indústria ficar hibernando?
Suponha que tudo funcione macroeconomicamente, daqui a um ano e meio a economia
começa a crescer, e a gente não terá capacidade de atender esse crescimento e vai
atender com a capacidade prévia existente, com um estoque de capital de relativamente
baixa produtividade, defasado tecnologicamente. Aí, a oferta vai encontrar uma
demanda mais animada, mas ela vai fazer isso com custos crescentes e vamos ter
pressões inflacionárias. Vai parecer que há uma inflação de demanda, mas não pode
existir inflação de demanda se a gente está num processo de estagnação há quatro anos.
O que ocorre se esse quadro se repetir com o câmbio elevado?
Vai acontecer o que é o padrão histórico recente, dos últimos 30 anos, que é o "stop and
go". A economia começa a crescer, rapidamente encontra restrições, a inflação começa
a reagir e a aumentar, a política (monetária) é obrigada a atuar, para fazer a economia
caber na capacidade de produção. A gente vai saber claramente que a economia
brasileira só poderá ter um surto de crescimento se as condições externas forem muito
favoráveis. Como isso não é esperado, o nosso "stop and go" será mais "stop" do que
"go".
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