PARADOXO José Raimundo Gomes da Cruz Procurador de Justiça de São Paulo aposentado “O que é o paradoxo? Uma palavra que os tolos inventaram para aplicá-la a tudo que ouvem pela primeira vez. Para Adão, tudo seria paradoxo, ou, melhor, nada o seria.” (Unamuno, citado por Paulo Rónai) Usei a palavra do título acima de forma coloquial, obviamente falando com pessoa altamente qualificada e do meu mais íntimo círculo familiar. Para minha surpresa, a minha interlocutora discordou, enunciando certo significado exclusivo da palavra, conforme a filosofia. O exemplo por ela proposto, um tanto restritivo, também não consegui memorizar. Se se tratasse de certas palavras como disponibilizar, praticidade, obstaculizar (meu Deus! bastaria obstar), supedâneo ou – ainda pior – supedanear, eu observaria antiga sugestão: olha e passa. Mas gosto de paradoxo. Tal circunstância também afasta a tentação fácil de lembrar o delicioso conto de Arthur de Azevedo, “O plebiscito”, em que o pai de família se indigna quando esta lhe pergunta o que significa plebiscito e ele não sabe. Paradoxo é palavra de origem grega, que, segundo o Aurélio, veio através do latim. José Cretella Júnior e Geraldo de Ulhôa Cintra se limitam ao seguinte verbete: “Paradoxum, i. n. paradoxo, proposição incrível, contra o pensar comum.” (Dicionário latino-português. São Paulo : Cia. Editora Nacional, 1950). Caldas Aulete afirma que se trata de “proposição que é ou parece contrária à opinião comum”. Após referir-se à acepção da física de paradoxo hidrostático, registra a origem grega do vocábulo – Paradoxon – de para, contra, e doxa, opinião, pelo latim paradoxon (Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Rio de Janeiro : Delta, 1958. v. 4). Partindo da fórmula grega originária, N. Abbagnano logo acrescenta: “O que é contrário à ‘opinião dos demais’, isto é, ao sistema de crenças comuns a que nos referimos; ou então contrário a princípios que se retêm bem estabelecidos ou a proposições científicas” (Dicionário de filosofia. trad. A. Bosi et alii. 2. ed. São Paulo : Mestre Jou, 1982). Abbagnano se detém nos Elencos Sofísticos, de Aristóteles, nos Paradossi dell’infinito, de Bernardo Bolzano, com outras referências. Destaca certo sentido religioso do paradoxo, significando “a afirmação dos direitos da fé e da verdade do seu conteúdo em contraste com as exigências da razão”, com remissões aos verbetes “teologia negativa”, “Infinito”, “credo quia absurdum”, com referências a Kierkegaard, Cantor e Dedeking. Mesmo genérico, o já citado Aurélio, depois dos significados gerais (conceito que é ou parece contrário ao comum, contra-senso, absurdo, disparate, contradição, cf. ns. 1 e 2, com exemplos), passa ao sentido de figura (n. 3) e a diversos significados filosóficos (ns. 4/6), seguindo-se casos específicos: Paradoxo da implicação material; Paradoxo das classes; Paradoxo do monte; Paradoxos de Russel; Paradoxos lógicos; Paradoxos semânticos; Paradoxo socrático. Não é possível aprisionar vocábulo de tão vastos significados num só destes. Lendo recentemente as Cartas do pai - de Alceu Amoroso Lima para sua filha madre Maria Teresa, OSB, chamou-me a atenção certa aproximação que o grande pensador católico faz: “Antós em grego parece que quer dizer flor, daí florilégio, sinônimo de antologia” (São Paulo : Instituto Moreira Salles, 2003. p. 344). Ambos significam, em primeiro lugar, tratado acerca das flores. Em segundo lugar, coleção de trechos em prosa e/ou em verso; analecto; crestomatia; espicilégio; seleta; parnaso. Em terceiro lugar, por extensão, ainda segundo o Aurélio, coleção selecionada de trechos de filmes, de obras musicais etc. Em todas as disciplinas existem as palavras equívocas, que designam institutos completamente diferentes. E, às vezes, até por seu caráter geral, existem aquelas com significados diversos em várias disciplinas, como tentei mostrar em artigo ainda inédito sob o título “Afinal, que é mesmo pós-modernidade?” Quando o advérbio inclusive passou a receber críticas pelo seu uso indevido, aproveitei que não simpatizava muito com ele para excluí-lo completamente dos meus textos e até da minha expressão oral. No caso do paradoxo, contudo, principalmente depois da pesquisa que me vi obrigado a fazer, com raros interlocutores, oralmente, e em textos escritos, continuarei usando, a partir de agora até com mais gosto. 2