PARADOXOS Paradoxos e dilemas demonstram ou pelo menos tentam demonstrar incoerências em nossas crenças e padrões de pensamento. Fazem a gente repensar a natureza das coisas. O Paradoxo da pedra, por exemplo, põe em dúvida a doutrina teológica da onipotência divina, ou seja, a de que Deus pode fazer qualquer coisa. Ei-lo aqui: Ao fazer uma pedra poderia Deus fazê-la de tal maneira que a mesma fosse demasiada pesada para Ele mesmo levantá-la? Caso Deus pudesse criar tal pedra, sua potência ficaria limitada à Sua inabilidade de levantá-la. Caso ele não possa, Ele também não é todo poderoso. Paradoxos assim, tão simples, são procurados por filósofos e professores de filosofia. Apresento aqui seis desses paradoxos ou dilemas clássicos. 1. O DILEMA DO CROCODILO Um crocodilo rouba uma criança. Quando a mãe reclama, o crocodilo faz a seguinte proposta: “devolverei a sua criança se você advinhar corretamente se eu a devolverei ou não”. A mãe responde: “Você não vai devolver a minha criança”. O que o crocodilo deve fazer? Se ele devolver então não pode devolver, pois a mãe errou. Mas, se o crocodilo não devolver então tem que devolver, pois a mãe advinhou corretamente. 2. O BARCO DE TESEU Conforme Plutarco (Vida de Teseu), o barco Teóris, no qual Teseu viajou à Creta com os jovens que iam ser sacrificados ao Minotauro e voltou salvo, foi preservado pelos Atenienses por vários séculos. De vez em quando, eles substituam as tábuas velhas por outras novas. Por isso, o barco se tornou um exemplo para os filósofos de muito debatido argumento sobre a identidade das coisas. Alguns dizem que ainda era o mesmo barco, mesmo com as tábuas novas, outros que não era mais o mesmo barco. Examinemos uma versão mais elaborado do paradoxo de Teseu. Há um barco, chamado A, que é renovado através da substituição , passo a passo, de todas as partes velhas por partes novas. Vamos chamar o barco do fim desse processo de B. Ao mesmo tempo as partes velhas do barco tinham sido guardadas e utilizadas para construir um outro barco C, com a mesma configuração de A. A questão é qual dos barcos mais tarde, B ou C, é idêntico a A? Existem argumentos para se manter que todos os dois, B e C, são idênticos à A. De um lado, há uma identidade espaço-temporal entre A e B. A transição de A para B foi efetuada numa série de substituições de uma parte velha por uma parte nova, e não há nenhuma razão para se dizer que A deixa de ser A quando uma parte só é substituida. Por outro lado, o Barco C é material e formalmente idêntico ao barco A. Se alguém deixou o barco A, mas voltou e achou o barco C, não haveria dúvida para ele de que C é o mesmo barco que A. Mesmo se ele fosse informado ( sem menção de B) que A tinha sido desmantelado e reconstruído enquanto C, ainda diria que A e C são o mesmo barco. Afinal, qual dos barcos é o mesmo barco que A, B ou C? Ou seja, agora, de repente, existem dois barcos idênticos a A? 3. O PARADOXO DE SMULIYAN Raymond Smuliyan inventou um paradoxo sobre três homens, chamados A, B, C, que se encontraram uma noite num oásis no deserto, e se separaram no dia seguinte. Por alguma razão que não interessa ao caso, naquela noite A decidiu matar C e colocou veneno no seu cantil. Pouco depois B, agindo completamente independente, também decidiu matar C, e furou um buraquinho no seu cantil. No dia seguinte, C morreu de sede. No tribunal, todos esses fatos são descobertos. A questão é, quem matou C? O réu A argumenta que ele não é responsável pela morte de C porque C jamais bebeu o veneno. O réu B replica que ele não é responsável pela morte de C, porque ele não provou C de nenhuma água potável, mas apenas de água envenenada. Mesmo assim, alguém é responsável pela morte de C. 4. O PARADOXO DO BARBEIRO Esse é de Bertrand Russel e é uma ilustração engraçada do paradoxo de Russel na teoria dos conjuntos: o conjunto de todos os conjuntos que não são membros de si mesmo é, ou não é, um membro de si mesmo? O paradoxo do barbeiro é: numa determinada aldeia o barbeiro corta as barbas de todos os homem que não cortam as próprias barbas e ele corta as barbas apenas dos homens que não cortam as próprias barbas. Quem corta a barba do barbeiro? Caso o barbeiro corte a própria barba, ele deve ser um dos homens que não cortam a própria barba. Mas se o barbeiro não corta a própria barba, ele deve Ter a barba cortada pelo barbeiro, quer dizer, o barbeiro deve cortar a própria barba. Em qualquer dos casos há uma contradição. Pode-se resolver o paradoxo do barbeiro dizendo que esse barbeiro e essa aldeia não existe. Solução fácil demais... 5. O PARADOXO DO TESTE SURPRESA Um paradoxo de predição é um em que a capacidade de predizer-se se um evento vai ou não acontecer impossibilita o próprio evento de acontecer. Talvez o paradoxo do teste surpresa seja o mais famoso paradoxo de predição. Um professor anuncia que vai aplicar um teste surpresa durante a semana vindoura. Mas os estudantes sabem que o teste não pode ser aplicado Sextafeira, o último dia da semana, porque então não seria uma surpresa. Assim, Quinta-feira torna-se o último dia em que o teste pode ser aplicado. Mas, caso o professor espere até Quinta-feira para aplicar o teste não seria surpresa alguma. Do mesmo modo, cada dia da semana pode ser eliminado, e o teste surpresa jamais pode ser aplicado. Esse me lembra o LFV quando diz: viva todos os dias como se fosse o último, um dia você acerta. 6. O PARADOXO DO ADVOGADO Protágoras concordou em ensinar retórica a Eualto com a condição de que Eualto pagaria a ele uma certa quantia em dinheiro quando ele ganhasse a primeira causa no tribunal. Todavia, depois de completar o curso, Eaulto não se desempenhou no tribunal. Impaciente Protágoras entrou na justiça contra ele para receber o seu pagamento. Protágoras argumentou: “caso eu ganhe o julgamento, Eualto me pagará porque o tribunal terá decidido assim. Mas, caso eu perca, Eualto ainda tem que me pagar, porque ele concordou em pagar depois de ganhar a primeira causa. Assim independente do resultado, Eaulto ficará obrigado a me pagar. Por isso o tribunal deverá decidir ao meu favor”. Mas Eaulto, que aprendeu bem de Protágoras, respondeu: “caso Protágoras ganhe o julgamento, eu não vou ser obrigado a pagar, porque eu não preciso pagar antes de ganhar a primeira causa. Mas, se Protágoras perder, o tribunal terá decidido que eu não preciso pagar. Assim, o tribunal deve decidir a meu favor”. O que o tribunal deve decidir? Protágoras confronta Eualto com um dilema. Eualto ou vai ganhar ou perder a decisão. Mas, em qualquer dos casos, ele é obrigado a pagar. De um lado por causa do contrato de outro por causa do julgamento do tribunal. Eualto refuta o dilema com outro. Protágoras vai ganhar a decisão ou perdê-la. Mas, em qualquer caso, ele não pode receber o pagamento: de um lado, por causa do julgamento do tribunal; de outro por causa do contrato. Tanto esse paradoxo quanto ao paradoxo do crocodilo são uma versão existencial do paradoxo do mentiroso. O mentiroso diz: “O que digo é falso”. Caso o dito é falso então é verdadeiro. Caso seja verdadeiro então é falso