A indústria abaixo da cota de energia - RACE

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Oliveira, Adilson de e Braga, Julia de Medeiros. “A indústria abaixo da cota de energia”. São Paulo:
Gazeta Mercantil, 20 de agosto de 2001. Jel: E
A indústria abaixo da cota de energia
Adilson de Oliveira e Julia de Medeiros Braga
A crise elétrica gerou preocupação com seu impacto na atividade econômica. Baseado nas medidas
anunciadas inicialmente, o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
utilizou seus modelos para estimar os efeitos dessas medidas no plano macroeconômico. Os resultados
não foram nada animadores: identificamos forte queda na produção industrial induzida pela drástica
restrição na oferta de eletricidade.
Nossas estimativas sugeriam que a taxa anualizada de crescimento do PIB sairia do patamar de 4,5% do
início do ano para 2% no final de 2001. Essa situação tenderia a provocar o descolamento entre a
demanda agregada, que continuaria sendo ditada nos primeiros meses da crise pelo ritmo de crescimento
de 4,5%, e a oferta agregada, limitada pela crise elétrica. Tal dinâmica fatalmente produziria forte pressão
inflacionária. Para provocar a rápida convergência entre demanda e oferta agregadas, visualizamos que o
Banco Central iria reagir com uma relativamente suave elevação na taxa de juros (1,5%).
Em nosso estudo sugerimos três grupos de medidas para amenizar os efeitos econômicos da crise elétrica:
1) concentrar a restrição de consumo, na medida do possível, nos setores eletrointensivos, nos quais o
valor agregado por kWh consumido é menor; 2) criar mecanismos que permitissem às cadeias produtivas
ajustar cotas de consumo, já que as empresas que compõem os elos dessas cadeias não têm a mesma
intensidade energética; 3) promover imediato aumento tarifário para sinalizar aos consumidores,
principalmente os do mercado industrial, que o tempo da eletricidade barata já passou.
De uma forma ou de outra, esse conjunto de medidas foi adotado e o impacto da crise elétrica na vida
econômica foi minimizado. O consumo agregado de eletricidade nas regiões sob restrição de consumo
caiu para o patamar desejado e os reservatórios estão sendo deplecionados em ritmo inferior à curva-guia
do ONS. Afastado o espectro dos apagões, o governo acena com a perspectiva de redução no nível de
restrição do consumo a partir de novembro e, possivelmente, com o fim do racionamento a partir de
março de 2002.
Se o cenário no plano energético ficou menos tenso, o cenário macroeconômico se deteriorou
significativamente. A redução no fluxo de investimentos externos explicitou a fragilidade de nossas
contas externas, induzindo importante desvalorização cambial. Essa dinâmica colocou em risco a
estratégia de metas inflacionárias, tendo o governo buscado apoio no FMI para estabilizar o quadro
macroeconômico.
Nesse novo contexto, a questão não é mais qual o impacto do racionamento na economia, mas sim qual o
nível de consumo de eletricidade compatível com o patamar de atividade econômica ditado pelo novo
quadro econômico. Para responder a essa questão utilizamos novamente os modelos do Instituto de
Economia para, com base em cenário da produção industrial, estimar o consumo de eletricidade do parque
industrial brasileiro até o final de 2001.
O último relatório sobre o setor industrial do IBGE indica que a produção industrial cresceu 2,9% no
segundo trimestre de 2001, tendo sido de 7,1% no primeiro. No mês de junho, primeiro mês em que as
metas de racionamento vigoraram, a redução na atividade industrial foi de 1,4% em relação ao mesmo
mês do ano passado. Esses resultados confirmam nossa esperada tendência de forte queda do ritmo de
crescimento industrial.
Para estimar o efeito dessa tendência no consumo futuro de eletricidade, formulamos três cenários. Esses
cenários adotam a hipótese de as medidas de conservação e de autogeração implantadas sob a pressão do
racionamento permanecerem, apesar da desaceleração da atividade industrial. No cenário mais otimista, a
redução do consumo de energia elétrica da indústria seria de 6,8%; no cenário mais provável esse
percentual seria de 5,3% e no pessimista, de 3,1%. É importante notar que essas medidas têm a
característica de reduzir o consumo de energia das concessionárias sem afetar a produção industrial.
Em todos os cenários, o consumo de energia previsto é maior que a cota até setembro, mas passa a ser
menor que esta a partir de outubro. Nessas condições, o efeito recessivo do racionamento deverá deixar de
atuar a partir de outubro, tornando-se desnecessário o racionamento no setor industrial a partir de então.
Esses resultados surpreendentes são fruto de dois fatores: 1) o comportamento sazonal da produção
industrial, que cresce no período de julho a setembro para atender às encomendas do Natal; 2) na nossa
expectativa de que o elevado aumento dos juros seja sentido pelo setor produtivo três meses após sua
implementação.
Assim, se podemos comemorar o desaparecimento do fantasma dos apagões, infelizmente teremos de
enfrentar a perspectiva recessiva do cenário macroeconômico. Para sairmos desse pântano, visualizamos a
necessidade de serem tomadas medidas que permitam: 1) o imediato deslanche dos investimentos em
termelétricas, não apenas pelas empresas estatais; 2) a retomada do crescimento industrial.
Para que o setor termelétrico deslanche é essencial que sejam revistas as regras do mercado atacadista de
forma a remover o conceito de energia assegurada. Para a retomada industrial é fundamental que o
governo ofereça um cenário claro de saída do racionamento e, principalmente, sinalize rápida queda na
taxa de juros, viabilizada pelo acordo com o FMI.
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