RESENHA O pensamento tópico e sua contribuição para uma nova hermenêutica jurídica The topic thought and its contribution to the new legal hermeneutics Ricardo Lorenzi Pupin Mestre pela Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Unisal/Americana. Advogado. Contabilista. [email protected] VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. Trad. Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. 126p. Título original: Topik and jurisprudenz: ein beitrag zur rechtswissenschaftlichen grundlagenforschung. ISBN 978857525-438-7. Theodor Viehweg foi um estudioso do direito e da filosofia e exerceu a profissão de juiz. Viveu entre 1907 e 1988 e se estabeleceu num povoado próximo a Munique, Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, onde iniciou sua pesquisa que resultou na obra Topik und Jurisprudenz: Ein Beitrag zur rechtswissenschaftlichen Grundlagenforschung (Tópica e Jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos), tese apresentada para obtenção do título de livre-docente na Universidade de Munique. O autor defende em sua tese a importância do elemento histórico na formação do Direito. Para isso resgata alguns parâmetros pré-modernos de abordagem do Direito, sobretudo da Antiguidade. O principal elemento das críticas desenvolvidas consiste na inaplicabilidade, no campo do Direito, de parâmetros lógico-formais utilizados pelo positivismo jurídico, cuja própria gênese tópica de seus conceitos deriva de uma consolidação histórica Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 11(20): 159-162, jan.-jun. 2011 159 Ricardo Lorenzi Pupin desse saber. Para Viehweg, essa consolidação histórica consiste no catálogo de topoi ou, então, no resultado da afirmação de um discurso jurídico dominante no decurso do tempo, como defendia Perelman (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 576-577). O pensamento, baseado simplesmente num sistema lógico-dedutivo, acaba por abandonar as contingências históricas e as próprias bases dos institutos jurídicos, fazendo com que toda a compreensão da estrutura do ordenamento se feche à referência de uma norma formal fundamental. O problema dessa concepção é que a justificação do ordenamento passa a se basear apenas no aspecto formal, deixando-se sistematizar numa racionalidade que reduz todo o Direito a um simples instrumento normativo-sistêmico-formal, muitas vezes insuficiente para a solução de determinadas demandas concretas. Nesse sentido, parece surgir uma divisão dicotômica: (i) os raciocínios são logicamente fundados e controláveis ou (ii) estamos diante da arbitrariedade pela impossibilidade de uma fundamentação. É justamente nesse aspecto que Viehweg, ao procurar um novo ângulo de observação, busca uma saída para o dilema ao resgatar a tópica. O objetivo desse resgate é justamente sustentar a possibilidade de uma discussão racional mesmo quando não se possa lidar integralmente com os meios dedutivos. Em sua tese Topik und Jurisprudenz, Viehweg vai buscar na tópica de Aristóteles e Cícero contribuições para uma nova forma de pensar o Direito, dando relevância aos fundamentos problemáticos que alicerçaram seus institutos. Propõe que o pensamento tópico vem para contribuir com a nova retórica que possui, em primeira linha, a preocupação de tornar compreensível toda a argumentação a respeito da situação do discurso. Para isso, faz-se necessário distinguir o modo de pensar (i) não situativo do (ii) situativo, ou seja, um pensamento voltado para o problema. Viehweg faz, também, uma breve referência a Gian Battista Vico, que no século XVII propõe uma espécie de fusão do pensamento retórico tópico de Aristóteles e Cícero com o pensamento moderno cartesiano, baseado nas regras de evidência, análise, síntese e enumeração de Descartes. Com base nesse resgate da análise tópica de Aristóteles, da organização de um conjunto de máximas surgidas como fundamento na resolução de problemas de Cícero e da fixação dos critérios de organização dos topoi científicos referentes ao todo e relacionados com determinadas situações (e que serviram de importante conexão entre o pensamento aristotélico e a jurisprudência romana), Viehweg faz uma análise da tópica de forma a qualificá-la como como uma técnica de pensamento cuja orientação é para o problema (nessa abordagem específica há uma contraposição ao positivismo puro, cujo pensamento está voltado ao sistema). Nessa nova técnica proposta, o pensamento deve passar pelo ponto de vista de seu (i) objeto, que está 160 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 11(20): 159-162, jan.-jun. 2011 O pensamento tópico e sua contribuição para uma nova hermenêutica jurídica ligado à noção de topos, do (ii) instrumento com que opera e, também, estar ligado à ideia da busca e exame de premissas do ponto de vista do tipo de (iii) atividade. A proposta fundamental de sua tese consiste na identificação da tópica como técnica do pensamento que está orientada para o problema e que tem como escopo proporcionar orientações e recomendações sobre o modo como se deve comportar numa determinada situação concreta e, portanto, ocasionando, de modo evidente, a ponderação. A forma de pensamento tópico, contudo, pode suscitar problemas quanto à sua aplicação. Sua utilidade ante o novo pensamento do Direito não é afastada, mas exige que sua aplicabilidade esteja condicionada em termos sistêmicos (não mais meramente lógico-dedutivo) sob a ótica de um sistema aberto, baseando-se em normas provenientes de princípios e regras. Dessa forma, considera-se o valor intrínseco do Direito natural, mesmo que este se torne, às vezes, também positivo.1 A investigação de Viehweg pauta no seguinte: o pensamento jurídico deve privilegiar o sistema ou o problema? Robert Alexy (2008, p. 50), citando Otte, por exemplo, elenca os três sentidos acerca da tópica: (i) uma técnica de busca de premissas; (ii) uma teoria sobre a natureza das premissas; (iii) uma teoria do uso dessas premissas na fundamentação jurídica. Na formulação de sua teoria da argumentação jurídica, tratou de delimitar, portanto, a tópica abordada na tese de Viehweg. A problemática maior da base da argumentação, por sua vez, surge no âmbito dos direitos fundamentais, em que não há o fator de vinculação da lei ordinária, que em geral é relativamente concreta. Haverá, em seu lugar, as disposições de direitos fundamentais, extremamente abstratas, abertas e ideologizadas. Essa questão influencia na controlabilidade racional do âmbito dos direitos fundamentais e recomenda a distinção entre a base e o processo da argumentação. Em que pesem as críticas e ressalvas à tese de Viehweg, sua proposta proporciona mecanismos para um pensamento jurídico renovado e substancial, por meio de um raciocínio argumentativo problemático que pode colaborar com as jurisprudências e, assim, com uma nova hermenêutica. A proposta de Viehweg não consiste na substituição do paradigma lógico-sistemático pelo problemático, mas apenas uma harmonização entre eles, de forma a não se prender somente ao dedutivismo lógico do método sistemático-formal. A tópica pode, também, consistir em elemento de concretização de cláusulas gerais Nesse sentido, Giorgio Del Vecchio defende que o estudo do direito natural é necessário para a complementação das normas particulares, auxiliando o pensamento individual na reconstrução do direito vigente, mas ressalva que o fundamento e critério da investigação dos princípios não pode ser obra de um pensador isolado, mas resultado de uma sólida tradição científica conectada com a gênese das mesmas leis vigentes (DEL VECCHIO, 2005). 1 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 11(20): 159-162, jan.-jun. 2011 161 Ricardo Lorenzi Pupin e de preenchimento com valorações, caracterizando-se como tendência a uma sistematização. A proposta consiste, portanto, num método sistemático-substancial do ordenamento jurídico. Referências PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 653p. DEL VECCHIO, G. Princípios gerais do direito. Trad. Fernando de Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2005. 77p. ALEXY, R. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2008. 334p. Título original: Theorie der juristischen argumentation. 162 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 11(20): 159-162, jan.-jun. 2011