Odds Ratio: Reflexão sobre a Validade de uma

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Odds Ratio: Review about the Meaning of an Epidemiological Measure
Pedro AGUIAR1, Baltazar NUNES2
Acta Med Port 2013 Sep-Oct;26(5):505-510
RESUMO
Introdução: É importante rever a validade do Odds Ratio como medida de associação e efeito, assim como, qual o viés introduzido
pelo Odds Ratio quando este representa uma razão de riscos ou uma razão de prevalências em situação de doença mais frequente.
Material e Métodos: Simulámos numa coorte de 200 indivíduos com 100 expostos e 100 não expostos a um fator de risco, um cenário
de doença rara e outro de doença mais frequente, com razão de riscos igual em ambos os cenários. Determinaram-se o Odds Ratio
e o Risco Relativo pelo método clássico (padrão) e respectivamente por regressão logística e regressão de Poisson. Introduziu-se de
seguida uma variável de confundimento e determinaram-se o Odds Ratio e o Risco Relativo pelo método de Mantel-Hanszel (análise
estratificada padrão) e respectivamente por regressão logística e regressão de Poisson. As análises estatísticas foram efectuadas em
SPSS V20.
Resultados: Para a doença rara, o Odds Ratio aproximou-se do Risco Relativo. Quando a doença foi mais frequente, o Odds Ratio
sobrestimou o Risco Relativo. Nesta situação, e com a presença de uma variável de confundimento, o Risco Relativo ajustado por
regressão de Poisson permitiu obter estimativas mais válidas da razão de riscos que o Odds Ratio ajustado por regressão logística.
Os intervalos de confiança do Risco Relativo estimado por regressão de Poisson foram sempre mais largos que os determinados por
análise de Mantel-Hanszel.
Conclusões: O Odds Ratio e a regressão logística múltipla são procedimentos válidos em estudos caso-controlo e em estudos
prospetivos e transversais de natureza exploratória. O Odds Ratio não deve ser interpretado como uma razão de riscos ou razão de
prevalências se o resultado de saúde não é raro. A análise de regressão múltipla de Poisson deve ser considerada como alternativa
válida à regressão logística múltipla, especialmente em estudos de uma exposição específica.
Palavras-chave: Análise de Regressão; Desenho de Investigações Epidemiológicas; Distribuição de Poisson; Razão de Chances;
Modelos Logísticos; Medição do Risco.
Abstract
Introduction: It is very important to review the meaning of the Odds Ratio as a measure of effect and association, as well as, the bias
of the Odds Ratio when it is assumed as a risk ratio or a prevalence ratio in the case of frequent disease or frequent health outcome.
Material and Methods: We simulated in a cohort of 200 individuals with 100 exposed and 100 non-exposed to a risk factor, a first
setting of rare disease and a second setting of a more frequent disease. In both settings the risk ratios were similar. We computed
the Odds Ratio and Relative Risks by the classical approach (standard method) and respectively by logistic regression and Poisson
regression. After these, we introduced in the cohort a confounding variable and then we computed the Odds Ratio and Relative Risk by
Mantel-Hanszel stratified analysis (standard method) and respectively by multiple logistic regression and multiple Poisson regression.
We used the 95% confidence interval in parameter estimation and SPSS V20 was used in statistical analysis.
Results: In the case of rare disease the Odds Ratio was very close to the Relative Risk. For more frequent disease the Odds Ratio
overestimated the Relative Risk. In this situation and with a confounding variable, the relative Risk adjusted by Poisson regression was
more valid then the Odds Ratio to represent a risk ratio. The confidence intervals of the Relative Risk adjusted by Poisson regression
were always greater than Mantel-Hanszel confidence intervals.
Conclusions: The Odds Ratio and multiple logistic regression were valid analytic procedures in several epidemiological designs such
as case-control studies and exploratory prospective studies as well as exploratory cross-sectional studies. The Odds Ratio should not
be interpreted as a risk ratio or a prevalence ratio in the case of a health outcome that it is not rare. The multiple Poisson regression
should be considered as an alternative procedure to logistic regression, especially if we want to estimate the effect of a specific exposure to a risk factor.
Keywords: Odds Ratio; Logistic Models; Epidemiologic Research Design; Risk Assessment; Poisson Distribution; Regression
Analysis.
INTRODUÇÃO
Em 1961 McBride escreve uma carta à Lancet, a questionar se a comunidade médica tinha notado algum aumento da incidência de malformação congénita, em recém-nascidos de mães que tinham usado Talidomida durante a
gravidez.1 No seguimento desta carta, Mellin e Katzenstein2
referem a observação de 41 malformações em 46 grávidas
que tomaram Talidomida durante a gravidez, em compara-
ção com 300 grávidas sem qualquer caso de malformação
e que não tomaram Talidomida (Tabela 1).
Com estes dados, facilmente determinamos que a possibilidade de malformação congénita para as mães expostas à Talidomida seria de 41 para 5, ou seja, 41/5 = 8,2. Este
resultado, não é nada mais nada menos que o odds de malformação para as mães expostas à Talidomida, indicando
1. Departamento de Epidemiologia e Estatística. Escola Nacional de Saúde Pública/Universidade Nova de Lisboa. Lisboa. Portugal.
2. Departamento de Epidemiologia. Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Lisboa. Portugal.
Recebido: 21 de Junho de 2013 - Aceite: 10 de Julho de 2013 | Copyright © Ordem dos Médicos 2013
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ARTIGO ORIGINAL
Odds Ratio: Reflexão sobre a Validade de
uma Medida de Referência em Epidemiologia
Aguiar P, et al. Odds Ratio: Reflexão sobre validade de uma medida de referência em epidemiologia, Acta Med Port 2013 Sep-Oct;26(5):505-510
Tabela 1 - Associação entre malformação congénita do feto e uso de talidomida pela mãe, adaptado de Mellin e Katzenstein (1962)2
ARTIGO ORIGINAL
Malformação congénita do feto
Uso de talidomida
Sim
Não
Sim
41
5
Não
0
300
que existe uma razão de probabilidades de malformação
de 8 para 1 para as mães expostas à Talidomida. Admitindo
numa prespectiva mais conservadora, que mesmo sem a
toma de Talidomida seria possível o aparecimento de um
caso de malformação, então o odds de malformação para
as mães não expostas à Talidomida seria de 1 para 300,
ou seja, 1/300 = 0,003. Este resultado indicaria que a possibilidade de malformação para as mães não expostas à
Talidomida seria próximo de 0. Com estes dois resultados
facilmente poderíamos determinar a razão dos dois odds –
o odds ratio (OR) - ou seja, OR = (41/5) / (1/300) = 2460.
Fazendo uma possível interpretação deste OR como razão
de riscos de malformação entre expostos e não expostos à
Talidomida, seria sugerido que o risco de malformação congénita era 2460 vezes, caso a grávida tivesse consumido
Talidomida durante a gravidez. Para termos uma ideia da
grandeza desta estimativa catastrófica de risco relativo da
exposição à Talidomida, basta compararmos com o risco
relativo de morte em consequência da exposição ao fumo
de tabaco, que é avaliado em três vezes no estudo de Doll.3
O OR é uma das medidas de associação e efeito de
utilização mais comum na investigação epidemiológica,
podendo a sua definição ser facilmente encontrada em
qualquer livro de referência em Epidemiologia tal como o
Dicionário de Epidemiologia de Last,4 o Modern Epidemiology de Rothman e Greenland,5 ou no livro mais prático de
Epidemiologia de Gordis.6 Em termos específicos o OR é
uma razão entre duas possibilidades (odds). O odds da
ocorrência da doença é diferente da probabilidade ou risco da ocorrência da doença. Enquanto que a probabilidade
de ocorrência da doença é dada pelo número de casos da
doença a dividir pelo total de indivíduos em risco, o odds é
dado pela razão entre a probabilidade da doença ocorrer
e a probabilidade da doença não ocorrer, o que resulta no
número de casos da doença a dividir pelo número de indivíduos que não desenvolveram a doença. A aplicação prática
do OR como medida de associação ou efeito também pode
ser facilmente encontrada na literatura de investigação epidemiológica, por exemplo, no estudo coorte clínico EURODIALE7 sobre fatores de prognóstico de doentes com pé
diabético com efeitos avaliados através do OR, ou no estudo EVAPE8 sobre determinantes de mortalidade de causa
vascular, também avaliados com recurso ao OR.
Last no dicionário de epidemiologia4 aponta, entre vários tipos de OR, para a existência de dois OR que na prática representam o mesmo resultado; o OR baseado nos
odds da doença (com os odds a compararem doentes versus não doentes) num estudo coorte ou num estudo trans-
versal de prevalência e o OR baseado na razão dos odds
da exposição (com os odds a compararem expostos versus
não expostos) num estudo caso-controlo. Em termos práticos, o OR determinado partindo da exposição para a doença num estudo coorte ou de prevalência, é exactamente o
mesmo em valor numérico, que o OR determinado partindo da doença para a exposição num estudo caso-controlo.
Facilmente se vê, e aplicando o exemplo da Talidomida
em que se determinou o OR partindo da exposição para a
doença, que se este fosse determinado partindo da doença
para a exposição se obteria exactamente o mesmo valor
numérico OR = (41/1) / (5/300) = 2460. Este resultado foi
pela primeira vez mostrado por Cornfield em 1951,9 e veio
demonstrar algo de muito importante para a investigação
epidemiológica. Mais especificamente, o OR calculado
num estudo caso controlo, ou seja o OR partindo da doença para a exposição (estudo caso-controlo), é exatamente
igual ao OR partindo da exposição para a doença (estudo
coorte), sendo este último aquele que mais interessa conhecer quando pretendemos medir a associação entre uma
exposição e uma doença.
Apesar do OR ser uma medida epidemiológica de efeito
tal como no exemplo da Talidomida, representando naturalmente a razão de riscos entre expostos e não expostos,
vários autores apontam frequentemente que o OR pode sobrestimar o efeito em estudo, nomeadamente, para o caso
de a doença em estudo não ser rara.4,10-12 Considerando
o nosso exemplo da Talidomida, o risco de malformação
nos expostos era 41/46 = 89% e o risco de malformação
nos não expostos seria 1/300 = 0,3%. Consequentemente,
a razão de riscos ou risco relativo (RR) seria avaliada em
RR = 89% / 0,3% = 297, ou seja, um valor bem inferior ao
OR, embora em termos práticos com as mesmas conclusões catastróficas do OR.
Para o caso de uma doença ser rara, ou em termos
práticos, cuja taxa de incidência ou de prevalência seja inferior a 10%, o OR aproxima-se da razão de riscos entre
expostos e não expostos.11 Sendo a doença ou o resultado
de saúde em estudo mais frequente (> 10%), então o OR
sobrestima a razão de riscos.11,12
De modo a corrigir o viés do OR em estudos de doenças mais frequentes, Zhang e Yu13 propuseram uma correção bastante simples no OR de modo a obter o valor do
RR e seu intervalo de confiança. No entanto, esta correção
não se revelou um procedimento válido, em especial para o
caso do OR necessitar de ajustamento para eventuais fatores de confundimento,11 digamos, através da usual técnica
de regressão logística múltipla.14
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Com objetivo de obter medidas de associação ajustadas para vários fatores de confundimento, outras técnicas
estatísticas foram sugeridas, em substituição da análise
de regressão logística, tal como a análise de regressão de
Poisson,11 que permite obter estimativas mais válidas do
RR ajustado para eventuais fatores de confundimento.
Neste artigo, pretendemos apresentar e discutir o viés
introduzido ao usar o OR como estimativa do RR em função da frequência da doença ou resultado de saúde, assim
como, as diferentes abordagens de análise para ajustar
para confundimento o valor do OR e do RR. Discutiu-se
ainda a validade do OR como estimador do RR de acordo
com o desenho do estudo epidemiológico.
MATERIAL E MÉTODOS
Simulámos numa coorte de 200 indivíduos com 100
expostos a um hipotético fator de risco e 100 não expostos, dois diferentes cenários, um com a doença mais rara
conduzindo a uma taxa de incidência global na amostra de
6,5%, e outra com a doença mais frequente conduzindo a
uma taxa de incidência de 65%. Em ambas, os cenários
simulados o RR determinado pela razão de taxas de incidência é igual, RR = 2,25, indicando que o risco de doença
nos expostos é 2,25 vezes o risco dos não expostos. Para
esta simulação determinámos as estimativas brutas do OR
e RR pela abordagem clássica e pela regressão logística e
regressão Poisson respetivamente.
Seguidamente introduzimos para cada cenário uma
eventual variável de confundimento. Aqui, determinámos o
OR e o RR ajustados pela análise estratificada de Mantel-Haenszel10 e comparámo-los com o OR obtido por regressão logística e o RR obtido por regressão de Poisson. A
regressão de Poisson foi efectuada considerando como
unitário o tempo em risco para cada indivíduo.11
Considerámos o intervalo de confiança a 95% para todas as medidas de efeito consideradas. Todos os cálculos
foram efectuados em SPSS versão 20, com excepção do
risco relativo da análise estratificada de Mantel-Hanszel em
que foi utilizado o programa online OpenEpi versão 3.
RESULTADOS
A Tabela 2 apresenta os resultados da simulação que
relaciona a exposição com a doença, tanto para o cenário
em que a taxa de incidência é mais rara (6,5%) como para
o cenário com taxa de incidência mais frequente (65%).
Quando a taxa de incidência é mais rara, observa-se que
a estimativa do OR está bem próxima da estimativa do RR
estimado pela razão de taxas de incidência. No entanto,
para a taxa de incidência de 65%, o OR sobrestima claramente o mesmo valor de RR.
Podemos ainda verificar que as estimativas do OR e do
RR obtidas, através dos métodos de regressão (Logística
e Poisson) são, respetivamente equivalentes, às estimativas pontuais obtidas pela razão das odds e pela razão de
taxas de incidência, quer o evento seja mais raro ou mais
frequente.
Ainda um aspeto importante que se observa na Tabela 2, é que o intervalo de confiança para o RR determinado pela regressão de Poisson, é sempre mais largo que
o intervalo de confiança da razão de taxas de incidência,
independentemente do nível de raridade da incidência. O
mesmo não se verifica com o intervalo de confiança para
o OR obtido pela regressão logística que é equivalente ao
obtido pelo método clássico de aproximação de Wolf implementado no SPSS 20.0.
Ao considerar-se um eventual fator de confundimento
para o cenário de taxa de incidência mais frequente (65%),
observa-se na análise estratificada que a razão de taxas
de incidência baixa de RR = 2,25 para RRa = 1,89 após
ajustamento – Tabela 3 - o que revela algum nível de confundimento. O ORa ajustado na regressão logística para
o mesmo fator de confundimento continua a sobrestimar
Tabela 2 – OR e RR estimado para diferentes níveis de raridade da incidência
TI=6,5%
Casos
TI
Total
OR
IC OR
OR
Logit
IC OR
Logit
RR
IC
RR
RR
Poisson
IC RR
Poisson
Exp
9
9%
100
2,37
0,71
2,37
0,71
2,25
0,72
2,25
0,69
N Exp
4
4%
100
TI=65%
Casos
TI
Total
OR
IC OR
OR
Logit
IC OR
Logit
RR
IC
RR
RR
Poisson
IC RR
Poisson
Exp
90
90%
100
13,50
6,28
13,50
6,28
2,23
1,75
2,25
1,56
N exp
40
40%
100
7,98
29,04
7,98
7,07
29,04
7,31
2,89
3,27
TI – Taxa de incidência; Exp – Expostos a factor de risco; OR – Odds Ratio; IC OR – Intervalo de confiança a 95% para o OR; OR Logit – Odds Ratio estimado por regressão de
logística; IC OR Logit – Intervalo de confiança a 95% para o OR de logística ; RR – Risco Relativo estimado pela razão de taxs de incidência; IC RR – Intervalo de confiança a 95%
para o RR; RR Poisson – Risco Relativo estimado por regressão de Poisson; IC RR Poisson – Intervalo de confiança a 95% para o RR de Poisson.
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ARTIGO ORIGINAL
Aguiar P, et al. Odds Ratio: Reflexão sobre validade de uma medida de referência em epidemiologia, Acta Med Port 2013 Sep-Oct;26(5):505-510
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ARTIGO ORIGINAL
claramente o RRa obtido na análise estratificada. No entanto em comparação com o seu recíproco bruto, baixa de
OR = 13,5 para ORa MH = 10,63, mostrando desta forma
que, independentemente da medida de associação, esta
variável de confundimento estaria a produzir um viés positivo. No entanto tanto o OR como o ORa estão a sobrestimar
claramente o efeito em estudo.
Quando analisados os resultados do ajustamento obtido pelos métodos de regressão, verifica-se que o RRa e
ORa obtidos respetivamente por regressão de Poisson e
logística, aproximam-se dos seus equivalentes ORa e RRa
obtido por análise estratificada, mantendo-se a sobrestimação dos odds ratios relativamente aos riscos relativos.
No cenário de doença rara (TI = 6,5%) verifica-se igualmente uma variação entre os RR (2,25) e OR (2,37) brutos
e os seus respetivos ajustados pelo método de Mantel-Hanszel (RRa = 3,19 e Ora = 3,59). Neste caso, revelando
que o efeito de confundimento estava a provocar um viés
negativo. Mas é importante notar também que, ao contrário
do observado no cenário da doença frequente, os valores
do RR e OR ajustados pelos vários métodos apresentados
são próximos entre si variando entre 3,19 e 4,03.
No entanto, e tal como se tinha referido na Tabela 2,
também na situação do ajustamento do RR para uma variável de confundimento através da regressão de Poisson,
se observam intervalos de confiança mais largos, em comparação com os intervalos de confiança da análise estratificada (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Este estudo permitiu mostrar que em situações em
que não é observado o pressuposto de doença rara, o OR
sobrestima o RR. No entanto, a abordagem de análise de
regressão de Poisson permitiu atingir estimativas do RR
idênticas à razão de taxas de incidência e muito próximas
do RR ajustado para confundimento através de análise estratificada.
Posto isto, levanta-se a óbvia questão acerca da validade de utilização do OR e consequentemente do seu procedimento de análise de regressão logística múltipla, para
ajustar o OR a eventuais variáveis de confundimento, em
estudos de incidência e de prevalência. Apesar das limitações envolvidas, pensamos que a utilização de regressão logística múltipla e consequentes OR ajustados devem
ser considerados como uma abordagem válida de análise,
embora com algumas precauções ao nível das conclusões,
nomeadamente ao nível da interpretação do OR como RR
ou como razão de prevalências (RP) em situação de doença mais frequente.
Em primeiro lugar devemos considerar que a análise de
regressão logística múltipla é um procedimento muito popular no meio de análise de dados epidemiológicos. Verifica-se por exemplo que o livro ‘Applied Logistic Regression’
de Hosmer and Lemeshow14 é apresentado como o livro
de bioestatística e epidemiologia mais citado15 na literatura
científica epidemiológica desde a sua primeira edição em
1989, recebendo desde essa data uma média anual de
876,2 citações/ano. O número 2 deste ranking é ocupado
pelo livro ‘Statistical methods for rates and proportions’ de
Fleiss16 com 447,4 citações/ano, ou seja, aproximadamente
metade das citações. Este resultado demonstra a enorme
popularidade e utilização desta técnica estatística de regressão logística na investigação epidemiológica internacional. Neste sentido, e na prática habitual de investigação
epidemiológica, é quase inconcebível pensar num estudo
em que pretendemos determinar fatores associados a uma
prevalência, sem pensar em efectuar uma regressão logística múltipla para sintetizar os fatores mais relevantes. Para
além deste aspeto da popularidade do OR, devemos pensar que num estudo caso-controlo, a abordagem mais válida para análise e estimação do RR é o OR e consequente
regressão logística múltipla. No entanto, na situação mais
usual em que os controlos são selecionados entre os indivíduos livres da doença no final do período de seleção dos
Tabela 3 – RR e OR ajustado para um factor de confundimento
TI=6,5%
RRa MH
IC RRa MH
RRa Poisson
IC RRa Poisson
ORa MH
IC ORa MH
ORa Logit
IC ORa Logit
3,19
1,10
3,43
1,04
3,59
1,06
4,03
1,14
9,23
11,28
10,88
14,29
TI=65%
RRa MH
IC RRa MH
RRa Poisson
IC RRa Poisson
ORa MH
IC ORa MH
ORa Logit
IC ORa Logit
1,89
1,52
1,97
1,33
10,63
4,83
10,81
4,87
2,36
2,90
23,43
23,99
RRa MH – RR ajustado por análise estratificada de Mantel-Haenszel; ORa MH – OR ajustado por análise estratificada de Mantel-Haenszel; IC – Intervalo de confiança a 95%; ORa –
OR ajustado por regressão logística; RRa Poisson – RR ajustado por regressão de Poisson
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casos, o OR irá sobrestimar o RR se a doença não for rara.
Mas, este facto não é regra nos estudos caso-controlo, pois
existem determinados delineamentos, tal como o estudo
caso-coorte e o caso-controlo com seleção dos controlos
emparelhados no tempo pelos casos incidentes.4 Nestas
situações de estudos caso-controlo, o OR obtido é respetivamente um estimador não enviesado do RR e da razão de
taxas de incidência independentemente da frequência da
doença.17
Para além disto, muitos dos estudos epidemiológicos
podem ser considerados exploratórios como o EURODIALE7 e o EVAPE8 em que se pretendem explorar múltiplos
fatores associados ao resultado de saúde de interesse.
Em situações de investigação desta natureza, digamos
mais exploratória, a análise de regressão logística múltipla
é uma boa ferramenta para ajudar a identificar os fatores
mais importantes. Os OR seleccionados por análise de regressão logística múltipla orientam claramente sobre o sentido da associação encontrada (positiva versus negativa).
O único cuidado a ter, e em especial para o caso da doença
ou resultado de saúde não ser raro, está na interpretação
do OR, ou seja, deve-se ter cautela para não interpretar
o OR diretamente como um RR ou um Benefício Relativo
(BR) em estudos prospectivos, ou como uma razão de prevalências (RP) num estudo transversal. No entanto, pode-se perfeitamente interpretar o OR acerca do sentido da
associação, ou seja, pode-se concluir se a exposição está
associado a mais doença – associação positiva – ou se a
exposição está associado a menos doença – associação
negativa.
Quando o resultado de saúde não for raro e para o caso
de um estudo prospetivo pretender investigar uma exposição concreta sujeita a confundimento, por exemplo, num
estudo experimental comparativo ou num estudo em que
se pretendem por hipótese comparar uma coorte específia
de expostos versus outra de não expostos, então nestas
situações pensamos que é naturalmente mais válido utilizar análise estratificada para estimar o RR ou o BR, caso
exista uma única variável de confundimento com categorias que permitam a estratificação, ou a análise de regressão múltipla de Poisson caso existam diversas variáveis de
confundimento. Se num estudo transversal existir o objectivo concreto de estimar uma razão de prevalências ajustada
para diversos fatores de confundimento, então a análise de
regressão de Poisson também poderá ser um procedimento mais válido que a análise de regressão logística.
A análise de regressão de Poisson existe nos programas estatísticos mais conhecidos em epidemiologia, como
o SPSS, o STATA e o SAS. Este método de análise é equivalente à análise de regressão de Cox11 com tempo individual unitário, embora este último tipo de análise seja mais
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Apesar da vantagem da análise de regressão de Poisson permitir estimativas mais válidas para a razão de riscos em estudos prospetivos ou razão de prevalências em
estudos transversais, uma limitação deste método ficou
evidente na simulação efetuada, ou seja, os intervalos de
confiança são mais largos em comparação com métodos
padrão como o intervalo de confiança para a razão de
riscos, ou o intervalo de confiança para a razão de riscos
ajustada para confundimento na análise estratificada. Esta
evidência já tinha sido observada na literatura.11 Estes intervalos de confiança mais largos podem aumentar o erro
tipo II dos testes de hipóteses tornando-os conservadores,
com a consequência de não ser encontrado um efeito estatisticamente significativo que de fato existe. Esta limitação
da análise de regressão de Poisson aplicada neste contexto deve ser tomada em atenção e em especial para as
situações de investigação com amostras mais pequenas.
Em substituição da regressão de Poisson, também podem
ser sugeridos outros métodos tal como a regressão Log-Binomial,11 embora também apresentem limitações.
CONCLUSÃO
Em conclusão, consideramos que o OR e a regressão
logística múltipla devem ser usados em qualquer estudo
caso-controlo e em estudos exploratórios prospetivos e
transversais de múltiplos determinantes ou fatores associados à doença ou resultado de saúde em estudo. Em
estudos prospectivos e transversais, o OR não deve ser
interpretado diretamente como um RR, BR ou RP caso o
resultado de saúde não seja raro, embora se possam tirar
conclusões acerca do sentido da associação. Em situação
de resultado de saúde mais frequente, caso se deseje estimar um específico RR, BR ou RP ajustado para diversos
fatores de confundimento, a análise de regressão múltipla
de Poisson é uma alternativa válida à regressão logística
múltipla.
AGRADECIMENTOS
Isabel Andrade da Escola Nacional de Saúde Pública e
Luís Veloso, Filipa Negreiro Eurotrials Consultores Científicos.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram que não houve conflito de interesses na realização deste trabalho.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Os autores declaram a inexistência de fontes de financiamento externas.
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