A INCLUSÃO DE CIÊNCIAS NATURAIS NO SAEB 2015 E OS PRESSUPOSTOS PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL. Thaiany Guedes da Silva – [email protected] Universidade Estadual Paulista, FCT-PPGE Presidente Prudente- SP Paulo César A. Raboni – [email protected] Universidade Estadual Paulista, FCT-PPGE Presidente Prudente - SP Resumo: Trata-se das reflexões e percepções preliminares da pesquisa sobre aprendizagem de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental desenvolvida no curso de mestrado do PPGE/FCT- UNESP. Discute e visa contribuir para a compreensão e reflexão da complexidade que subjaz a inserção de Ciências Naturais como componente do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica por meio da Anresc (conhecida como prova Brasil). O trabalho traz o percurso histórico do Saeb em relação as ciências naturais, em seguida aborda os pressupostos e objetivos que os documentos legais e teóricos ensejam para o ensino e aprendizagem de ciências nos anos iniciais Ensino Fundamental, por ultimo destaca-se sucintamente as orientações que mais figuram nos trabalhos acadêmicos no campo da Didática das Ciências, tais com: resolução de problemas; método científico, história e natureza do conhecimento científico, e por ultimo a conscientização política do papel que desenvolve a ciência e a tecnologia na sociedade. Palavras-chave: Ensino de Ciências, Saeb 2015, Didática das Ciências. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho objetiva refletir o retorno da disciplina de Ciências Naturais no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) a partir de 2015, explanando seu percurso histórico, bem como as possíveis implicações para o Ensino de Ciências tangendo menos sua ação no plano ideal do que no real. Outro ponto que abordaremos é sobre a complexidade da elaboração de um currículo para o Ensino de Ciências nos anos iniciais tendo em vista a amplitude dos objetivos proclamados nos documentos legais. São muitas as críticas em relação a capacidade do Saeb enquanto instrumento para a aferição da qualidade do ensino e da aprendizagem, bem como do critério de competência e habilidade que o mesmo visa estimar orientado pela LDB 9.394/96 (BAUER & SILVA, 2005). Outra crítica tecida diz respeito ao não uso de seus resultados para uma reflexão dentro das escolas acerca dos processos de ensino aprendizagem, ficando a comunidade docente e discente a mercê das críticas por vezes sensacionalistas tecidas pela mídia de grande massa ao divulgar os resultados desta avaliação bianual. Compreende-se que essas são reflexões relevantes para delinearmos onde nos inserimos neste debate. Isto por que o ensino de Ciências passa novamente a ser avaliado pelo Saeb, e desejamos refletir sobre os encaminhamentos que podem vir a surgir a partir da avaliação, principalmente no que diz respeito ao currículo e aos processos de ensino e aprendizagem de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 2 O SAEB E AS CIÊNCIAS NATURAIS: PERCURSO HISTÓRICO DE DESENCONTROS. Nos documentos e falas oficiais que esquentam os debates acerca da finalidade das avaliações da educação brasileira, seja básica ou média, em grande parte, justificamse as avaliações como um instrumento mensurador da qualidade do ensino oferecido e como um parâmetro para elaboração de políticas públicas que visem à melhoria do sistema educacional brasileiro. Com o Saeb não é diferente, assim como conferimos no documento básico que informa sobre a inclusão de Ciências Naturais e Humanas no Saeb a partir de 2015 “O Saeb foi concebido com o objetivo de fornecer elementos para apoiar a formulação, a reformulação e o monitoramento de políticas voltadas para a melhoria da qualidade da educação no Brasil” (BRASIL, 2013, p. 7). Dentre os objetivos específicos do SAEB podemos citar: identificar os problemas do ensino e suas diferenças regionais; oferecer dados e indicadores que possibilitem uma maior compreensão dos fatores que influenciam o desempenho dos alunos; proporcionar aos agentes educacionais e à sociedade uma visão dos resultados dos processos de ensino e aprendizagem e das condições em que são desenvolvidos; desenvolver competência técnica e científica na área de avaliação educacional, ativando o intercâmbio entre instituições educacionais de ensino e pesquisa; consolidar uma cultura de avaliação nas redes e instituições de ensino. (FERRÃO et al, 2001, p. 113) A primeira avaliação do Saeb foi realizada em 1990, a partir de 1992 o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira assumiu a responsabilidade pela elaboração e aplicação. O segundo ciclo de avaliação ocorreu a partir 1993 e desde então, a cada dois anos é realizada nova avaliação. De acordo com (BRASIL, 2008) ao longo dos anos, a avaliação vem sendo aprimorada, sendo que importantes inovações aconteceram no período entre 1995 e 2001. Em 1995, foi incorporada uma nova metodologia estatística conhecida como Teoria de Resposta ao Item (TRI), que tem permitido entre outras coisas a comparabilidade dos diversos ciclos de avaliação1. No entanto, não nos interessa aprofundar esta discussão metodológica. Atualmente compõe o Saeb três avaliações a Aneb – Avaliação nacional da Educação Básica, a Anresc – Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, mais conhecida como Prova Brasil, e a ANA – Avaliação Nacional da Alfabetização. Como informa o portal do INEP2. A Aneb abrange, de maneira amostral, alunos das redes públicas e privadas do país, em áreas urbanas e rurais, matriculados na 4ª série/5ºano e 8ªsérie/9ºano do Ensino 1 Para maiores esclarecimentos acerca desta teoria e sua metodologia ver: ARAUJO; ANDRADE; BORTOLOTTE. Teoria de Resposta ao item. Rev Esc Enferm USP, 2009. Disponível em: www.ee.usp.br/reeusp 2 http://portal.inep.gov.br/web/saeb/aneb-e-anresc Fundamental e no 3º ano do Ensino Médio, tendo como principal objetivo avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação brasileira. A Anresc trata-se de uma avaliação censitária envolvendo os alunos da 4ª série/5ºano e 8ªsérie/9ºano do Ensino Fundamental das escolas públicas da rede municipal, estadual e federal, com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas. A ANA é uma avaliação censitária envolvendo os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas, com o objetivo principal de avaliar os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e alfabetização Matemática. No que concerne a avaliação de Ciências Naturais, consta no histórico disponível no site do INEP que a primeira avaliação foi realizada em 1990 com a participação de uma amostra de escolas que ofertavam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas da rede urbana, os estudantes foram avaliados em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. Nas edições de 1997 e 1999, os estudantes matriculados nas 4ª e 8ª séries foram avaliados em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, e os estudantes de 3º ano do Ensino Médio em Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia. A partir da edição de 2001, o Saeb passou a avaliar apenas as áreas de Língua Portuguesa e Matemática. Tal formato se manteve nas edições de 2003, 2005, 2007, 2009 e 2011. A avaliação de ciências ressurge apenas em caráter experimental na avaliação de 2013 que foi realizada com os estudantes da 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental e da 3º série do Ensino Médio. A partir deste momento é preciso esclarecer o interesse central dessa discussão que está estreitamente ligada ao ensino de ciências que se opera nos primeiros anos do Ensino Fundamental, nos interessa observar com mais afinco o que traz o Saeb para esse nível de escolaridade, e como impacta ou não os processos de ensino e aprendizagem de ciências que passam a ser avaliados a partir de 2015, no último ano desta etapa o que corresponderá a 4ª série/5ºano. De acordo com Brasil (2013) A proposta apresentada assume a natureza de matriz piloto a ser refletida, desenvolvida, testada em 2013 e aperfeiçoada com vistas a sua consolidação em 2015. Nesse sentido, a matriz desenvolvida refere-se apenas ao 9º ano do ensino fundamental, referenciando a aplicação piloto no final do ciclo. As matrizes para o 5º ano e para a 3ª série do ensino médio serão desenvolvidas em seguida, após a análise de resultados da aplicação piloto, de forma a servir de parâmetro para a construção e a revisão das demais matrizes do Saeb. (p. 12). A matriz para o 5º ano até então não foi divulgada pelo INEP, portanto é este o nível de esclarecimento oficial que possuímos enquanto a avaliação de Ciências pelo Saeb, com base no que consta disponível no site oficial do INEP. Quanto ao que será avaliado é uma questão delicada e complexa, pois os termos utilizados no documento disponível na página do INEP são amplos e genéricos e pautam-se na analogia e discussão entre alfabetização e letramento, não trazem correspondência objetiva quanto ao que se espera no âmbito das Ciências Naturais que nos remeta a efetivos processos de ensino e aprendizagem, como é possível observar no tópico proposição de construto para as Ciências Naturais. Educar, no sentido de alcançar tais objetivos de alfabetização e letramento, visa garantir que os estudantes possam vivenciar, desde cedo, atividades que os levem a pensar sobre o mundo de forma autoral, crítica e lúdica, inseridos em atividades de reflexão sobre a realidade, os fenômenos, os dados, o espaço e o tempo. Os educandos podem, assim, refletir sobre a vida de forma a construir essa compreensão criativa, enxergando-se como criadores desse conhecimento, na medida em que ampliam sua leitura sobre o próprio mundo. (BRASIL, 2013, p. 23) Preocupa-nos a falta de ações e termos claros que possibilitem os objetivos mais modernos serem transformados em realidade no chão das escolas públicas, para daí então avaliar-se quão se têm alcançado ou não. Parecem-nos pouco eficientes documentos embelezados pela lírica literária que almejam os mais excitantes objetivos, mas que não conduzem antes a processos que possibilitem o que se discursou. Processos tais como: o aumento da responsabilidade das secretarias de educação municipais e estaduais com o ensino de ciências nos anos iniciais do ensino Fundamental; Elaboração e projeção calculada de projetos sérios que desenvolvam as habilidades e conhecimentos científicos dos alunos e professores; contextualização e atualização dos livros didáticos e estratégias metodológicas de ensino e aprendizagem de ciências, entre outros. Isto é, em nossa opinião, muitas ações deveriam ser implementadas antes de uma avaliação, para não corrermos o duplo risco, de um lado de se perder boas práticas que mesmo que isoladas ainda acontecem, e de outro lado, induzir as escolas a treinarem seus alunos para as provas, trazendo a regressão do ensino de Ciências Naturais a processos memorísticos e desconexos. No tópico a seguir explanaremos a complexidade do desafio de elaborar um currículo diante dos objetivos proclamados nos documentos legais, e mais adiante traremos uma contribuição quanto ao que diz a literatura acerca dos processos de ensino e aprendizagem de ciências para os anos iniciais do Ensino Fundamental. 3 COMPLEXIDADE E PRESSUPOSTOS PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL. 3.1 Bases históricas da complexidade: entre o ideal e o real. Desde 1950 até os dias atuais temos visto a ampliação da responsabilidade da educação científica. Muitos fatos sociais embebecidos pelas articulações da ciência e política foram cruciais, tais como: a industrialização e o desenvolvimento tecnológico e científico que ocorreram nas décadas de 50 e 60; O regime militar que tencionava modernizar e desenvolver o país e, nesse contexto, o ensino de ciências passou a ser valorizado como contribuinte para a formação de mão-de-obra qualificada, intenção que acabou se cristalizando na lei 5.692 de diretrizes e bases da educação promulgada em 1971; As agressões ao ambiente, decorrentes do desenvolvimento industrial desenfreado, resultaram, em contrapartida, no recrudescimento do interesse pela educação ambiental e na agregação de mais um objetivo ao ensino das ciências, o de fazer com que os alunos discutissem também as implicações sociais do desenvolvimento científico (KRASILCHIK, 1987). Todos estes fatos não puderam deixar de provocar choques e tensões no currículo escolar, no entanto há quem diga que estas mudanças foram insuficientes. Segundo Pozo e Crespo (2009, p. 19). “Do nosso ponto de vista o problema é justamente que o currículo de ciências praticamente não mudou, enquanto a sociedade à qual vai dirigido esse ensino da Ciência e as demandas formativas dos alunos mudaram. O ensino de Ciências só passou a ser obrigatório na primeira etapa do Ensino Fundamental no Brasil a partir da década de 70, e desde lá alguns esforços são concentrados principalmente por meio da Didática das Ciências tanto para pensar como transpor os conceitos científicos considerando a singularidade cognitiva, científica e social, bem como nos objetivos específicos da formação científica para o novo grupo. Alguns destes objetivos foram organizados e expostos a 17 anos pelos Parametros Curriculares Nacionais Compreender a natureza como um todo dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e agente de transformações do mundo em que vive; identificar relações entre conhecimento científico, produção de tecnologia e condições de vida, no mundo de hoje e em sua evolução histórica; formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a partir de elementos das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos, procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar; saber utilizar conceitos científicos básicos, associados a energia, matéria, transformação, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida; saber combinar leituras, observações, experimentações, registros, etc., para coleta, organização, comunicação e discussão de fatos e informações; (BRASIL, 1997, p. 31). Na ultima década acrescentaram-se ainda outros objetivos para a educação científica, que perpassam as discursões ensejadas pela alfabetização científica, conceito que tem sido internacional e nacionalmente trabalhado. Outras bandeiras têm sido estendidas como indispensáveis, a sigla CTSA – Ciência-tecnologia-sociedadeambiente – é o símbolo mais forte desse movimento educativo no sentido proposicional do que almejam os mais recentes estudos enquanto formação científica. Reitera este discurso o livreto do Saeb (BRASIL, 2013) ao justificar a inclusão de ciências na avaliação torna-se um nítido exemplo da extensão da expectativa em torno do ensino de ciências, e em contrapartida também deixa fulgente o questionamento vertebral desse artigo: Em nossa percepção os objetivos têm-se ampliado vertiginosamente, mas as ações e projetos para viabilizar esses objetivos não têm acompanhado seu ritmo. Este juízo não é contingente, surgiu tanto das leituras e discussões realizadas no PPGE/Unesp quanto das experiências e diálogos com outros professores de uma escola pública municipal da cidade de Manaus-AM, espaço no qual a primeira autora realiza a pesquisa que culminará em sua dissertação de mestrado. Um exemplo dessa falácia é a precária e confusa articulação que se faz tomando como referência uma metáfora genérica de alfabetização e letramento explanada no documento que anuncia o retorno da disciplina no Saeb. A ciência, por sua vez, por força da conceituação de cultura por meio da leitura do mundo, pode ser igualmente compreendida como dimensão da cultura, representante de uma visão de mundo dominante. É, porém, uma dimensão viva, pois encontra-se em permanente transformação com base na formulação de seus próprios códigos, axiomas, métodos e verdades provisórias. A realidade vivida e a experiência da qual os educandos são portadores passam a ser tratadas como fonte para a construção da alfabetização e, segundo a metáfora empregada, da alfabetização em ciências (BRASIL, 2013, p. 24). Na esfera ideal em linhas gerais, é isto que se espera. Já na esfera real, nas escolas, nos livros didáticos sabemos que a ciência que se ensina, ainda configura-se em muitos casos, como uma matéria de cunho teórico, decorativo, desconexo tanto entre si nos conceitos que aborda, quanto entre as questões mais tácitas da vida cotidiana dos alunos, o que dizer então das questões que envolvem o debate político e econômico envergado pela força da ciência e da tecnologia. Em 1987 Myriam Krasilchik já escrevia: Tradicionalmente, as Ciências têm sido ensinadas como uma coleção de fatos, descrição de fenômeno, enunciados de teorias a decorar. Não se procura fazer com que os alunos discutam as causas dos fenômenos, estabeleçam relações causais, enfim, entendam os mecanismos dos processos que estão estudando. É muito comum também que não seja dada a devida importância ao que é chamado, na literatura, de processo da Ciência, ou seja, aos eventos e procedimentos que levam às descobertas científicas. Em geral, o ensino fica limitado à apresentação dos chamados produtos de Ciência. (KRASILCKIK, 1987, p. 52) De 87 até os dias atuais muito se produziu e há, de certo, uma extensa e qualificada literatura3 que apresenta as possibilidades da elaboração curricular de ciências que contemplem os objetivos mais ousados, entretanto, analisamos que pouco foi incorporado nos livros didáticos e menos ainda nos processos metodológicos que condicionam as práticas em ensino de ciências principalmente nos anos iniciais. Diagnosticamos durante a pesquisa intitulada “A aprendizagem de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental na escola pública municipal de Manaus-Am” alguns fatos importantes que reafirmam o questionamento realizado por esse trabalho, que vamos resumidamente elencar. Primeiramente a Secretaria Municipal de Educação de Manaus, possui espaço próprio para formação de professores denominado Departamento de Desenvolvimento Profissional do Magistério – DDPM. Neste departamento procurou-se as professoras responsáveis pela formação em Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no entanto fomos informados que não existem para esta etapa, os formadores do segundo ciclo do Ensino Fundamental, Médio e EJA, oferecem suporte quando solicitados. Ainda na SEMED, a coordenadora do Ensino de Ciências na Divisão do Ensino Fundamental nos informou que o principal projeto da Secretaria para o Ensino de Ciências é a realização de uma feira anual. Isto é, os esforços são concentrados em apenas um momento pontual. No diálogo com professoras do 1º ao 5º ano do E.F ao perguntar sobre as orientações e formações que a Secretaria operacionaliza, foi unânime a resposta de que o ensino de ciências é totalmente por conta das docentes, não recebem qualquer orientação da secretaria ou da escola. Apesar de este produto não está diretamente tratando desta pesquisa que ainda está em andamento, estas são informações úteis para embasar os questionamentos que ensejamos aqui. No próximo tópico trataremos de expor o que dizem os especialistas em torno do ensino e da aprendizagem de ciências nos anos iniciais. 3.1 Norteadores epistemológicos para a aprendizagem de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental: Pressupostos da Psicologia e Didática das Ciências. Interessa a este subtópico refletir sobre os pressupostos teóricos que dispomos para dar conta de dois pontos: de um lado os aspectos de demanda cognitiva que estruturam e possibilitam o amadurecimento científico, e de outro, a construção de conceitos científicos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Estes dois objetos transitam intercedendo-se ao longo do texto, e justificam-se no propósito de oferecermos um caminho claro para alcançar os objetivos acima explanados. 3 Pozo & Crespo, 2009; Carvalho 1997, 2002, 2003, 2007; Gil Perez 1999 entre outros. Comecemos pelo pressuposto central que tanto é apoiado pela psicologia cognitiva quanto pela Didática das Ciências. A aprendizagem deve ser significativa. Para o ensino de Ciências Naturais é necessária a construção de uma estrutura geral da área que favoreça a aprendizagem significativa do conhecimento historicamente acumulado e a formação de uma concepção de ciência, suas relações com a Tecnologia e a Sociedade. Portanto, é necessário considerar as estruturas de conhecimento envolvidas no processo de ensino e aprendizagem – do aluno, do professor, da Ciência. (BRASIL, 1997, p. 27). (grifos nossos). A aprendizagem significativa é uma concepção desenvolvida por vários estudiosos pertencentes a tradição construtivista, tais como: Piaget, Vygotsky e Ausubel entre outros. De acordo com Carvalho (1992): Podemos propor três pressupostos que servem de base para o desenvolvimento do construtivismo no ensino: 1) o aluno é o construtor do seu próprio conhecimento; 2) o conhecimento é um contínuo, isto é, todo conhecimento é construído a partir do que já se conhece: 3) o conhecimento a ser ensinado deve partir do conhecimento que o aluno já traz para a sala de aula. (p. 9). Pozo e Crespo (2009), afirmam que a ideia básica do enfoque construtivista é que aprender e ensinar, longe de serem meros processos de repetição e acumulação de conhecimentos, implicam transformar a mente de quem aprende, que deve reconstruir em nível pessoal os produtos e processos culturais com o fim de se apropriar deles. Em síntese reconstruir em nível pessoal quer dizer que aluno irá tomar como base seus conhecimentos espontâneos, construídos no cotidiano, e transformá-los em conceitos científicos. Este processo pode ser orientado por várias correntes psicológicas, no entanto aqui explanaremos a de Jean Piaget. Segundo Piaget (1977 apud CARVALHO, 1992), a epistemologia genética, parte da ideia de que o aluno possui conhecimentos espontâneos que deveram ser modificados (reequilibrados) a partir da assimilação dos conhecimentos científicos. Portanto ao construirmos atividades de ensino baseadas na teoria da equilibração devemos levar em conta que as perturbações são de dois tipos: as conflitivas e as lacunares. Essas perturbações são essências para o desenvolvimento da aprendizagem. As conflitivas são as atividades experimentais que proporcionam ao indivíduo refutar algumas concepções adquiridas pela experiência sensível cotidiana que justificam os fenômenos de modo não científico, trata-se de uma atividade de contradição, o indivíduo prova por meio da experiência científica que sua concepção primeira estava errada, portanto as atividades conflitivas contrariam as expectativas e implicam em correções. Já as perturbações lacunares se dão pela ausência de um conhecimento – aspecto – fundamental para a explicação da experiência, ou seja, existe uma lacuna no conhecimento do sujeito para explicar um fenômeno ele se vê perturbado, e este processo permite ao professor criar a extensão de conteúdos e não há correções. Além da aprendizagem significativa, aquela que pressupõe a reestruturação de conhecimentos prévios, há outras orientações elencadas como indispensáveis à formação científica. Destacar-se-á sucintamente as seguintes: a resolução de problemas; O método científico, A história e natureza do conhecimento científico, e por ultimo a conscientização política do papel que desenvolve a ciência e a tecnologia na sociedade. Estas são algumas das orientações que mais figuram nos trabalhos acadêmicos no campo da Didática das Ciências. Os problemas são indicados como instrumentos para o ensino de ciências. “[...] podemos caracterizar como problema aquelas situações dificultosas, para as quais não existem soluções fechadas” (GIL et al 1992, p. 11). A relevância deste tipo de atividade é destacada por Pozo, No Ensino Fundamental, as Ciências da Natureza fazem parte do conhecimento do Meio, o qual defende como objetivo básico “identificar, propor e resolver questionamentos e problemas relacionados com elementos significativos do seu meio, usando estratégias gradativamente mais sistemáticas e complexas de busca, armazenamento e tratamento da informação, de formulação de conjecturas, de colocação das mesmas em prova e de exploração de soluções alternativas”. (POZO, 1998, p. 68). A resolução de problemas traz a tona dois fatores importantes para o alcance dos objetivos atuais da educação científica, primeiramente o fato de todo conhecimento já elaborado ser resposta a uma questão, como diria Bachelard (1996, p. 18) “Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico”. E em segundo lugar por a resolução de problemas ser potencialmente rica para explicitar conceitos científicos em meio a situações cotidianas que envolvem a ciência e a tecnologia. Neste sentido Pozo (1998, p. 72), argumenta que “um corolário educacional imediato é que para ensinar os alunos a resolver problemas científicos será necessário indicar-lhes o método de resolução de problemas próprio da ciência”. Pozo (1998) elaborou uma tabela ilustrando como articulam-se método científico e resolução de problemas. Tabela 1. Fases do método científico de resolução de problemas Fonte: Juan Ignácio Pozo (1998, p. 72). O ensino do método científico é essencial para o conhecimento da construção e natureza do conhecimento científico, no entanto muitos autores alertam que uma concepção rígida do método científico difere consideravelmente da maneira com que os próprios cientistas o aplicam. De acordo com Perez (1983), é preciso rejeitar a ideia de Método Científico em maiúsculo, como um conjunto de regras estáticas e bem definidas de se fazer ciência. A história da ciência também desempenha papel importante no desenvolvimento de conceitos científicos, Hazen e Trefil (1991 apud SASSERON, 2008) colocam que a Alfabetização Científica é o conhecimento que devemos possuir para entender os resultados divulgados pela ciência. Assim, precisamos conhecer não somente fatos, conceitos e teorias científicas, mas também um pouco sobre a história e a filosofia das ciências. Por ultimo, e não menos importante é necessário que os processos de ensino e aprendizagem de ciências nos anos iniciais contemplem a compreensão de que a sociedade exerce controle sobre as ciências e as tecnologias. Sobre a ciência, asseverou Fourez (1995, p. 99) “ela não é o grupo “neutro e desinteressado” que por vezes ela imagina ser. A maneira de pensar da maior parte dos cientistas será influenciada pelo seu lugar social de origem”. E observa ainda que, Quando a ciência se apresenta como eterna, quando pretende poder dar respostas objetivas e neutras aos problemas que nós nos colocamos, considero-a como ideologia de segundo grau. Pelo contrário, quando se apresenta como uma tecnologia intelectual relativa e historicamente determinada, é ideologia de primeiro grau, ou seja, não oculta o seu caráter histórico. (FOUREZ, 1985, p. 188). Tão necessário quanto ensinar a evolução do pensamento científico por meio da história e filosofia da ciência, é trazer os acontecimentos mundiais contemporâneos, mesmo que catastróficos, movidos pelas disputas políticas que tem no centro da mesa de suas discursões processos e produtos orquestrados pela ciência e tecnologia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicologia do conhecimento. Trad. Estela dos Santos Abreu. 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INSTRUCTIONS FOR THE PREPARATION AND SUBMISSION OF PAPERS TO BE PUBLISHED IN THE III NATIONAL CONFERENCE ON SCIENCE AND TECHNOLOGY EDUCATION – 2012 Abstract: This document presents detailed instructions ... Key-words: first one, second one, third one (maximum: 5 key-word