A (IN)EXISTÊNCIA DE DEPRESSÃO EM MULHERES IDOSAS: UM OLHAR SOBRE O CONTEXTO DA UNATI-UCG Lílian Barbosa Morais, Leonel Pires Resumo: entre alguns autores, existe um consenso em dizer que a depressão em idosos é de difícil diagnóstico. Isso acontece porque algumas características próprias do processo de envelhecimento confundem-se com sintomas depressivos. Referiu-se, neste estudo, às mulheres, pois há todo um contexto biopsicossocial que as tornam mais sensíveis a desencadear a depressão. Outro aspecto considerado neste trabalho foi entender o papel que a Unati desempenhou na história de vida destas mulheres. Palavras-chave: depressão, processo de envelhecimento, mulher idosa O conceito de envelhecimento é controverso. Autores consideram que o envelhecimento refere-se a diferentes momentos da passagem do tempo, podendo ser abordado sob variados parâmetros, o que dificulta a sua conceituação. Utiliza-se, para fins deste trabalho, o conceito de pessoa idosa estabelecido legalmente no Brasil pela Constituição Federal de 1988, que considera idosa toda pessoa com idade igual a sessenta anos ou mais. A lei veio confirmar a resolução da Organização das Nações Unidas que desde 1985 admite o mesmo limite de idade. Mais recentemente, aprovou-se no Brasil o Estatuto do Idoso, que confirma o limite de idade estabelecido pela lei maior. Mascaro (1997), ao respaldar a idade cronológica dos sessenta anos, considera que é neste momento que acontecem as transformações biológicas próprias desta etapa do ciclo de vida. Na visão desta autora, existem quatro tipos de idade, as quais são: a idade cronológica, que é estipulada pela data de nascimento da pessoa; a biológica, ditada pela genética e pelo ambiente, que relaciona os aspectos FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 421 fisiológicos, anatômicos, hormonais e bioquímicos; a idade psicológica, regida pelos conteúdos da personalidade e pelas normas e expectativas sociais; e a idade social, relacionada a crenças e a eventos históricos e sociais de uma determinada época. Estas idades são colocadas por Stoppe e Louzã (1999) como tempos – físico, biológico, psicológico – relacionados ao processo de envelhecimento. A idade da velhice parece ser subjetiva, e cada pessoa estabelece seu início e significado. Novaes (1997) pontua que, além de ser subjetiva, o é também social, sentida, às vezes, como derrota e outras, como vitória, considerando esta um momento de vida com perdas constantes. O idoso é submetido a acontecimentos de perdas como em nenhuma outra etapa do ciclo de vida. Após a aposentadoria, pode-se encontrar em uma situação financeira ruim que pode resultar em declínio social. Percebe-se uma redução da mobilidade e da capacidade de entender o ambiente em virtude de uma diminuição da acuidade auditiva e visual, havendo também deterioração da saúde física e da capacidade mental, o que pode ser vivenciado pelo idoso como enfermidade. Também, na maioria das vezes, o idoso vive sozinho depois da separação dos filhos e dos inevitáveis lutos (a morte do cônjuge, de amigos e familiares); sobre isso, Beauvoir (apud STOPPE; LOUZÃ, 1999, p. 45) comenta: “o idoso é alguém que tem muitos mortos por trás de si”. Esta proximidade com a morte de outros, coloca o idoso diante de sua própria finitude. O filósofo William James (apud MASCARO, 1997, p. 23) fala que “o envelhecimento parece não permitir que o homem esqueça sua condição de mortal”. Cícero (1997) vê quatro razões para achar a velhice detestável. Ela nos afasta da vida ativa, enfraquece nosso corpo, priva-nos dos melhores prazeres e nos aproxima da morte. Novaes (1997, p. 24) respalda esta idéia de a velhice ser detestável, mostrando que o idoso se confronta com novos desafios, outras exigências, devendo renunciar a uma certa forma de continuidade, sobretudo biológica, e desenvolver atitudes psicológicas que o levem a superar dificuldades e conflitos, integrando limites e possibilidades. Stoppe e Louzã (1999) citam estudos mostrando que a personalidade mantém suas características no processo de envelhecimento. Não há perda de atividades psíquicas como a memória, raciocínio, atenção e inteligência. O que se percebe é uma lentificação dos processos. Porém, os fatores ambientais são os mais significativos e os que mais são alterados com o 422 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. envelhecimento. Como parte destes fatores ambientais, está a sociedade que, de modo geral, ainda tem uma visão negativa do idoso, especialmente com relação a sua habilidade física, aparência, sanidade mental e utilidade. Esta visão pode influenciar de modo ruim a adaptação do idoso nesta sociedade, como também seu bem-estar emocional. Kirkwood (2001, p. 28-30) assinala duas atitudes como responsáveis por distorções no modo de encarar o envelhecimento, sendo a primeira o fatalismo: “concebendo que o envelhecimento tem que acontecer, pois o desgaste faz parte da ordem natural das coisas”. A segunda é o senilismo que deprecia a pessoa em razão de sua idade. Este autor pontua que “é preciso compreender que fragilidade e dependência física não implicam fraqueza de mente e espírito” (KIRKWOOD, 2001, p. 30). Assim, Smith (apud KIRKWOOD, 2001, p. 50) define o envelhecimento como “uma perda generalizada e progressiva de função resultante de crescente probabilidade de morte”. Quanto à idéia de Riemann (1990) sobre a maneira como a sociedade trata os idosos, refere-se ao tempo em que estes eram vistos com superioridade perante os demais, por causa de suas experiências e conhecimentos acumulados com a idade. Novaes (1997) também mostra que, no passado, era dado ao velho poder, honra e respeito. Hoje, os idosos são vistos como incapazes para o prazer, cheios de amargura e desprovidos de força. As mudanças nos modelos de família, a crescente industrialização e o progresso da tecnologia transformaram-nos em fardo. A realidade, para muitos, passa a ser sofrimento, solidão, doença, desilusão, sentimento de estar sobrando e conflitos com a família. Novaes (1997, p. 31) ressalta ainda que “numa sociedade que cultua a beleza, a energia e o ativismo, reinando o imediatismo e o consumismo, o idoso é visto como um estorvo”. Kirkwood (2001, p. 274) concorda, dizendo que “o ritmo acelerado do progresso tecnológico alterou tanto a vida que, muitos idosos sentem-se inseguros sobre a importância que ainda teriam seu cabedal de experiência e sabedoria”. Acrescenta Novaes (1997) dizendo que o idoso pode ter uma representação social de uma pessoa com potencial e produção e ser capacitado para a aprendizagem, como pode também ter uma representação de desinteresse, passividade e incapacidade. A representação social do idoso (terceira idade) para a autora é [...] um conjunto de conceitos, de crenças, de explicações e afirmações que se originam na vida diária e nas comunicações interindividuais que têm um sistema estável e movediço, e outro rígido e flexível, sendo FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 423 marcadas pelas diferenças interindividuais. Compreende aspectos históricos, culturais e sociais que influenciam na linguagem, no discurso e na forma de construir a realidade [...] (NOVAES, 1997, p. 90). Nessa visão, pode-se entender que o significado social da velhice se relaciona com dependência, doença, inutilidade, pobreza e solidão. Assim, Mascaro (1997) afirma que a sociedade pode estar estabelecendo o lugar e o papel que o idoso vivencia, influenciando seu comportamento e suas atitudes no que diz respeito ao envelhecer. Apesar desse quadro, há um aspecto a ser considerado. A longevidade está aumentando, com isso a idade cronológica da velhice está sendo empurrada para a frente, e o idoso pode fazer e realizar novos projetos. Dessa forma, a imagem do idoso está mudando, até mesmo a maneira de ser identificado na sociedade. Mascaro (1997) cita alguns autores que substituíram o termo velho por idoso, que significa a passagem do tempo, aquele que tem bastante idade, e a nomeação velhice por terceira idade. Esta autora acrescenta que atividades físicas e mentais, participação ativa e convívio social são significativos para um envelhecimento saudável e bem adaptado: “os modelos de uma velhice valorizada são representados por idosos que enfrentam desafios, fazem projetos para o futuro, mantêm uma agenda repleta de atividades e mostram-se criativos e joviais” (MASCARO, 1997, p. 70). Pode-se afirmar, então, que uma velhice bem sucedida é aquela em que existe aceitação do envelhecer como parte do ciclo de vida do ser humano, havendo, portanto, uma estruturação para ela. Segundo a opinião de Novaes (1997, p. 31), o “bom envelhecimento é aquele em que as pessoas continuam a lutar contra o encolhimento de seu mundo, substituindo por novos projetos e novos relacionamentos, aquilo que a idade lhes tenha tirado”. Riemann (1990, p. 127) mostra que saber se despedir e soltar possibilita ao idoso uma das “bênçãos” da terceira idade; permite ver outras coisas e sob diferentes parâmetros, percebendo apenas o que realmente importa. Aqui, a serenidade se estabelece dando ao idoso maior capacidade de tolerância, uma vez que “a doença, a separação e a perda são possibilidades, velhice e morte são certezas” (RIEMANN, 1990, p. 127). Assim, os aspectos necessários para que o idoso possa realizar boas adaptações ao processo de envelhecimento seriam: as habilidades para lidar com perdas, o reconhecimento da dependência, da separação e da morte. Ainda Stoppe e Louzã (1999) pontuam que eventos vitais e falta de suporte social podem estar associados com o surgimento e a recaída de depressão. Os autores definem os eventos vitais como as modificações recentes no 424 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. ambiente, como perdas, separação, mortes, perda da auto-estima. O suporte social diz respeito às condições sociais, familiares e econômicas do indivíduo. Ao respaldar esta idéia, Néri (1995, p. 157) também fala do suporte social definindo-o como “rede ou configuração de ligações pessoais onde se troca afeto e ajuda”. Ao diferenciar suporte de interação social, vê-se que a interação é calcada por relacionamentos que podem ou não oferecer suporte. Este suporte deve ser avaliado com base nos sentimentos experienciados pela pessoa que o recebe. Esta autora pontua ainda que o idoso que estabelece um relacionamento íntimo com alguém que lhe serve de confidente e participa de organizações sociais geradoras de bem-estar psicológico apresenta melhor preparo para lidar com as perdas. Em geral, vê-se a idade avançada como fator de risco para a depressão e esta como conseqüência normal do envelhecimento. De fato, a maior parte dos fatores de risco acumula-se na terceira idade, como múltiplas doenças crônicas, uso de diversas medicações, mudanças no papel social, perda de familiares e amigos, modificação da estrutura familiar e redução da renda e do suporte social. No entanto, o que é comum na terceira idade é uma sintomatologia depressiva e não o transtorno depressivo em si. O que caracteriza um transtorno depressivo é o fato de os sintomas estarem estabelecidos de acordo com uma categoria diagnóstica como o DSM-IV e o CID10. No entanto, o que Stoppe e Louzã (1999) observam em idosos é a prevalência de sintomas depressivos não suficientes para serem enquadrados numa categoria diagnóstica. Nesse aspecto, verifica-se, primeiramente, a própria dificuldade de definir o termo depressão, que é utilizado tanto para designar uma síndrome como um sintoma, doença ou transtorno. Dependendo de como a depressão é definida, as respostas às perguntas com relação à depressão no idoso serão alteradas. Outra questão a se ressaltar, segundo Stoppe e Louzã (1999), é que o processo de envelhecimento em si apresenta características e sinais que podem ser confundidos com sintomas depressivos. Os quadros depressivos em idosos adquirem características particulares quando comparados ao que é estabelecido para pessoas mais jovens (segundo critérios do DSMIV e CID-10). O que mais se destaca é o fato de que os sintomas somáticos de depressão confundem-se com as alterações físicas comuns no idoso. Como exemplo, podem-se citar as queixas somáticas, as dores crônicas, os distúrbios de sono e apetite, que são freqüentes sintomas de depressão em idoso, como também alterações próprias do processo de envelhecimento. Há uma significativa influência das alterações biológicas próprias do envelhecimento na sintomatologia de depressão em idosos. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 425 Newmann (apud STOPPE; LOUZÃ, 1999) encontrou em seus estudos dois tipos de quadros depressivos em idosos, que são: uma síndrome depressiva mais habitual (critérios do DSM-IV) e uma síndrome de ‘depleção’ caracterizada por desesperança, diminuição de interesse pelo ambiente, sensação de falta de perspectiva, diminuição do apetite, pensamentos recorrentes sobre a morte, ausência de humor disfórico e de sentimentos de culpa e autoacusação, sendo que esta última síndrome tem sua freqüência aumentada no decorrer do envelhecimento, ao contrário da síndrome mais habitual. De acordo com Solomon (2002), a depressão do idoso pode ser uma conseqüência das modificações orgânicas como também uma resposta à dor e à indignidade da decadência corporal. Atendo-se aos sintomas depressivos no idoso, este autor, afirma que [...] eles se sentem culpados menos freqüentemente do que os depressivos mais jovens. Em vez de ficarem sonolentos, os idosos deprimidos tendem a ter insônia, ficando acordados à noite. Têm reações exageradamente catastróficas a pequenos eventos. Tendem a somatizar muito, e a se queixar de um enorme número de dores peculiares e desconfortos atmosféricos. Tornam-se irritadiços e ranzinzas, mostrando uma rudeza emocional ou indiferença emocional àqueles que os rodeiam [...] (SOLOMON, 2002, p. 176). Pode-se ainda considerar, com base em Solomon (2002), que os idosos portadores de depressão bloqueiam, como mecanismo de defesa, os sentimentos que psicologicamente os fazem sofrer. Ante esta realidade, “a maioria dos idosos supõe que os sintomas de depressão são característicos da idade e de uma suave demência, por isso deixam de dar passos fundamentais para melhorar a situação” (SOLOMON, 2002, p. 176-7). A sociedade atual submete o idoso deprimido a um descaso, pois enxerga a velhice como humilhante, partindo do princípio de que os velhos são irremediavelmente impedidos de tratar essa infelicidade, deixando-os viver os seus últimos dias de existência em estado de extrema e desnecessária dor emocional. O descaso social vivenciado, em geral, pelo idoso parece ser sentido de maneira mais acentuada pelas mulheres idosas. Para cada momento histórico-cultural, há um modelo de mulher ideal com características que se modificam de acordo com o momento em questão. A mulher de ontem aprendeu que sua função era a formação da família e a maternidade, mantendo a dependência e a inferioridade perante os homens. Ocorreram e ocorrem transformações na vida da mulher, de modo 426 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. que conseguiram maior espaço e participação mais ativa na sociedade. A mulher moderna, para Novaes (1997, p. 64), “é um ser ágil, dinâmico, versátil e atento, que procura se afirmar apesar do machismo e preconceito social”. O ambiente social estabelece a exigência de que a mulher desempenhe variados papéis, independente do seu ciclo de vida, como o de dona-decasa, mãe, esposa, provedora, de modo a serem levadas à exaustão, pois não encontram tempo e energia disponíveis para tantas realizações. Esta situação conflitiva traz algumas marcas sociais que delimitam o papel feminino determinante, segundo Novaes (1997, p. 61-4), para que a ação da mulher contemporânea, nesta fase de transição, possa, ao destruir tabus e aniquilar mitos, conciliar contradições e dúvidas, resolver conflitos, satisfazer suas necessidades e desejos, além de buscar conhecimentos para compreender o gênero feminino, reafirmando o compromisso com ela mesma. [...] a mulher a fim de buscar a unicidade e evitar a fragmentação de sua identidade, vive no permanente jogo dos encontros, das contradições e das transformações que a atual geração de mulheres têm que enfrentar numa convivência social tumultuada, sobretudo nos centros urbanos, tendo que investir muita energia para atender às demandas sociais e profissionais [...]. A polêmica quanto aos fatores desencadeantes da depressão na mulher apresenta diferentes vertentes. Para Breton (2000), a mulher investe muita energia para atender às demandas sociais, o que as tornam mais predispostas que os homens a desencadearem depressão. Convém lembrar Solomon (2002, p. 162) quando cita que “para algumas feministas a mulher desencadeia depressão por não possuir suficientes esferas para se afirmar, precisando apoiar nos triunfos do lar, os seus sentimentos de auto-estima”. Este autor continua dizendo que as mulheres bem-sucedidas têm excesso de esferas para se afirmarem e, em virtude disso, estão sempre dilaceradas entre o trabalho e o lar. Outro aspecto relevante no entendimento da depressão em mulheres é o fato de que envelhecer numa sociedade que venera a juventude e explora, por intermédio da mídia, a beleza física de modelos e atrizes torna-se um fator de pressão social sobre o imaginário feminino. Por isso, as mulheres esforçam-se na busca de uma beleza física e sexual, irreais e inatingíveis pela grande maioria. Dessa forma, sentencia Wright (2000, p. 38) que “os homens, em geral, ganham respeito com o passar dos anos, mas em nossa cultura, FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 427 as mulheres são colocadas em segundo plano”. Solomon (2002, p. 162) respalda esta autora ao dizer que [...] o mundo é dominado pelos homens, e isso torna as coisas mais ásperas para as mulheres. Elas são menos capazes de se defenderem fisicamente. Têm mais probabilidade de serem pobres. Têm mais probabilidade de serem vítimas de abuso. Têm menos probabilidade de serem instruídas. Têm mais probabilidade de sofrerem humilhações regulares. São mais inclinadas a se subordinarem aos maridos [...]. Considerando a teoria aqui pontuada, o que se tentou fazer foi conceituar, de algum modo, o que seria a depressão sob a dimensão biopsicossocial da terceira idade, em especial em mulheres idosas. Isso porque o processo de envelhecimento em si traz para o idoso uma sintomatologia parecida com o quadro de sintomas observados na disfunção psíquica identificada como depressão. Fica claro que, antes de ‘tratar’ a depressão no idoso, é necessário que se tenha a convicção de que este se encontra depressivo. Ao estar certo disso, torna-se imprescindível à contextualização psicossocial deste indivíduo, pois parece existir uma relação entre condições psicossociais desfavoráveis e o surgimento da depressão principalmente em mulheres idosas. Estas condições psicossociais referem-se aos eventos vitais e ao suporte social como também a toda explanação a respeito das condições da mulher em nossa sociedade, acima pontuados neste texto com base nos teóricos citados. Assim, buscou-se encontrar na clientela disponível para este estudo (Universidade Aberta à Terceira Idade) mulheres que estivessem vivenciando um quadro depressivo, para que a disfunção psíquica depressão pudesse ser melhor compreendida. Buscou-se, também, identificar a possibilidade de os sintomas depressivos diminuírem em razão da participação, destas mulheres com depressão, em atividades direcionadas para a Terceira Idade, com a programação da UnatiUCG. PARTICIPANTES O critério de escolha dos participantes do estudo foi pautado em resposta aos princípios estabelecidos na Constituição Federal e nas normas da Organização das Nações Unidas que consideram idoso toda pessoa com sessenta anos de idade ou mais. O fato de ter sido considerado para tal estudo o sexo feminino se deu pela maior prevalência do quadro depressivo 428 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. em mulheres, de acordo com a teoria descrita neste trabalho. Segundo os critérios de escolha (ser do sexo feminino e com idade de sesenta anos ou mais), foram selecionadas quatro alunas como participantes da pesquisa, sendo duas do primeiro período e duas da Oficina de Convivência, por terem se enquadrado nos critérios. As participantes selecionadas, portanto, foram quatro alunas com as seguintes características: • a aluna M tem 65 anos, segundo grau completo, é viúva, com três filhos e cinco netos. Possui apartamento próprio, mas optou por alugá-lo e residir com a filha e uma neta, no imóvel da própria filha, levando também sua irmã. É aposentada por tempo de serviço. Foi receptiva, mostrandose falante, com leve tensão e inquietação. • Z tem 71 anos, primeiro grau completo, é viúva e tem três filhas e seis netos. Tem imóvel próprio, onde mora sozinha, sendo pensionista. Mostrou certa firmeza no falar, posicionando-se com distanciamento e seriedade. • A participante D tem 63 anos, primeiro grau completo, é casada e tem cinco filhos e quatro netos. Reside em imóvel próprio com o marido, uma filha e um filho. Não tem renda própria, sendo o sustento da casa feito pelo marido (aposentado por invalidez), pela filha e pelo filho. Mostrou-se calma, com pouca fala, mas receptiva e disponível para a entrevista. • L, com 77 anos, primeiro grau completo, é viúva e tem quatro filhos e sete netos. Tem imóvel próprio, e um de seus filhos separou-se, estando morando com ela. É pensionista. Mostrou-se calma, descontraída, receptiva, falante e sorridente. Com relação ao material, foram utilizadas duas escalas para depressão em Geriatria e outras duas escalas para depressão. A primeira utilizada foi a escala para depressão em Geriatria, de Stoppe (1994). A segunda utilizada seria a escala geriátrica de depressão, de Almeida. A escala de Montgomery-Asberg de depressão, de Dratcu, e a escala de Hamilton para depressão foram preenchidas pela pesquisadora após a entrevista com as alunas, como forma de complementar os dados com observações feitas no decorrer das entrevistas. A escolha destes instrumentos baseou-se no fato de eles terem sido utilizados pelos autores Stoppe e Louzã (1999) em seus estudos sobre o mesmo tema e citados nos textos dos autores dos quais nos baseamos para a construção deste trabalho. O motivo de terem sido usadas quatro escalas foi uma forma encontrada de obter mais confiabilidade e sustentação das informações e dos dados obtidos e apresentados nos resultados. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 429 PROCEDIMENTO Este estudo foi realizado obedecendo-se uma série de etapas, procurando atender o planejamento inicialmente elaborado. Assim, a primeira providência foi a de explicar ao conjunto de sujeitos em potencial os objetivos, as razões e a motivação do trabalho. Nesta tarefa, primeiramente foi apresentado o estudo com seus objetivos e justificativas ao alunado da terceira idade matriculado e freqüentador do primeiro período do curso da Unati; num segundo momento, o mesmo estudo foi apresentado ao alunado freqüentador da Oficina de Convivência. A entrevista com a participante M. foi realizada em sua própria residência no período matutino, tendo uma hora e vinte minutos de duração. Inicialmente foi aplicado o questionário de identificação, que possibilitou um conhecimento prévio da participante. Em seguida, passou-se à aplicação da escala para depressão em Geriatria, na qual a cada tópico possibilitou à entrevistada discorrer a respeito. Fez-se aqui uma pausa de 15 minutos para uma conversa leve e descontraída, de modo a estabelecer um intervalo entre a aplicação de uma Escala e outra. Em seguida, aplicou-se a escala geriátrica de depressão, novamente possibilitando à entrevistada discorrer sobre os tópicos abordados pela escala. Após a entrevista, a pesquisadora preencheu a escala de Montgomery-Asberg de depressão e a escala de Hamilton para depressão com base nas observações feitas durante a entrevista, como uma forma de complementação das informações dadas pelas escalas anteriores. A participante Z foi entrevistada em uma sala de aula na própria Universidade, no período vespertino, durando a entrevista uma hora e dez minutos. Primeiro, foi aplicado o questionário de identificação, que possibilitou um conhecimento prévio da participante. Em seguida, passou-se à aplicação da escala para depressão em Geriatria, tendo cada tópico da escala possibilitado à entrevistada discorrer a respeito. Houve uma pausa de 15 minutos para uma conversa leve e descontraída, de modo a estabelecer um intervalo entre a aplicação de uma escala e outra. Em seguida, foi aplicada a escala geriátrica de depressão, sendo novamente possibilitado à entrevistada discorrer sobre os tópicos abordados por esta escala. Após a entrevista, a pesquisadora preencheu a escala de Montgomery-Asberg de depressão e a escala de Hamilton para depressão com base nas observações feitas durante a entrevista, como uma forma de complementar as informações dadas pelas escalas anteriores. A participante D foi entrevistada em sua residência no período vespertino num tempo de uma hora e trinta minutos. Primeiramente, foi apli430 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. cado o questionário de identificação, que possibilitou um conhecimento prévio da participante. Em seguida, passou-se à aplicação da escala para depressão em Geriatria, e cada tópico da escala possibilitou à entrevistada discorrer a respeito. Entre a aplicação de uma escala e outra, deu-se uma pausa de 15 minutos para uma conversa leve e descontraída. Em seguida, aplicou-se a escala geriátrica de depressão, sendo novamente possibilitado à entrevistada discorrer sobre os tópicos abordados por esta escala. Após a entrevista, deu-se ao preenchimento, pela pesquisadora, da escala de Montgomery-Asberg de depressão e a escala de Hamilton para depressão, com base nas observações feitas durante a entrevista, como forma de complementação das informações dadas pelas escalas anteriores. A participante L foi entrevistada em uma sala de aula na própria Universidade, no período vespertino, durando a entrevista um hora e cinco minutos. Iniciou-se com a aplicação do questionário de identificação, que possibilitou um conhecimento prévio da participante. Em seguida, passouse à aplicação da escala para depressão em Geriatria, em que em cada tópico da escala foi possibilitado à entrevistada discorrer a respeito. Teve-se uma pausa de 15 minutos, entre a aplicação de uma escala e outra, para uma conversa leve e descontraída. Em seguida, procedeu-se à aplicação da escala geriátrica de depressão, e novamente foi possibilitado à entrevistada discorrer sobre os tópicos abordados pela escala. Após a entrevista, a pesquisadora preencheu a Escala de Montgomery-Asberg de depressão e a escala de Hamilton para depressão, com base nas observações feitas durante a entrevista, como uma forma de complementar as informações dadas pelas escalas anteriores. RESULTADOS Como primeiro resultado do presente estudo, foi observada a presença de depressão em duas das quatro alunas entrevistadas. Tal fato pôde ser verificado pelas respostas obtidas com as escalas que foram aplicadas. Dessa forma, pontuaram-se, aqui, trechos das entrevistas de cada aluna mais significativos para atender os critérios das escalas, como também relatos que a pesquisadora percebeu serem relevantes no que diz respeito aos objetivos a que se destina este trabalho. M, 65 anos, freqüentando o primeiro período, relata: – Nunca tinha tido depressão, mas aí, quando fiquei viúva, comecei a sentir muita tristeza e angustiada, um mal-estar que eu não sabia de FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 431 onde vinha [...] Não tinha interesse por nada. Nada tinha importância [...] Aí meus filhos me levaram ao psiquiatra e ele disse que era depressão. Então, comecei a fazer o tratamento. – Quando eu estou mesmo na crise, sinto uma dor na barriga, mas é no músculo sabe [...] Tenho muito vômito e também diarréia [...] A minha cabeça fica assim... longe, e fica difícil de concentrar em alguma coisa sabe [...]. A disposição da gente também diminui. Não sei se é por causa da idade ou se é a doença [...]. E a idade também já não ajuda mais. – Deito dez horas da noite e quando é quatro da manhã eu acordo e não durmo mais [...]. Qualquer barulho durante a noite me acorda, isso quando eu consigo dormir. Começou depois que meu marido morreu, porque antes eu era boa para dormir. Dormia a noite inteira. – Quando eu estou desse jeito, com essa angústia e tristeza, não sinto fome nenhuma [...]. Como obrigada, porque tenho que cuidar da minha irmã deficiente que mora comigo. Mas aí, quando melhoro um pouco, consigo comer que até engordo. – Começou quando fiquei viúva [...]. Eu tinha 52 anos. Procurei um psiquiatra e fiz tratamento. Melhorou. Depois voltou tudo [...]. Eu aposentei, fiquei sem saber o que fazer, pois estava acostumada a correr e ter o que fazer [...]. De repente, não tinha nada para fazer, e o dia não passava. Mas eu fui buscar uma ocupação trabalhando na escola do meu filho [...]. Aí, meu irmão morre e minha irmã, que é deficiente mental, fica na minha responsabilidade [...]. E a agonia volta tudo de novo [chora]. Não dei conta de continuar morando só eu e a minha irmã. Catei ela e fui morar com essa minha filha que é separada [...]. Voltei no psiquiatra e estou tomando remédio até para dormir. Ainda bem que tenho assistência dos meus filhos, não posso reclamar. Nem deles e nem dos meus netos. Graças a Deus. – Tive que sair da escola por causa da vinda da minha irmã pra cá, mas continuo como voluntária numa creche aqui perto de casa [...]. Ir para a Unati foi para mim muito bom. Lá, consigo conviver com outras pessoas mais ou menos da mesma idade que eu e tenho atividades que me distraem, de modo que eu não fico dentro de casa com a cabeça vazia [...]. Foi uma colega lá da creche que me falou da Unati. Agora, é mais uma atividade que me distrai e ajuda a dar sentido na minha vida [...]. Melhorei da depressão depois que comecei a freqüentar a Unati. Até dei mais espaço entre as consultas com o psiquiatra. 432 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. O próximo relato é de Z, 71 anos, freqüentando o primeiro período: – Não tenho depressão e nunca tive [...]. Eu sou realista. A velhice é o fim [...]. A vida não tem mais sentido. Nada do que eu penso em fazer compensa [chora]. Não tenho mais tempo [...]. – Graças a Deus, não tenho problemas de saúde, a não ser a diabetes. Mas eu a controlo, fazendo a dieta direitinho [...]. Não sinto nem dor de cabeça [...]. Agora, com a velhice, as coisas já não são mais as mesmas. A mente vacila e a memória não é mais tão boa [...]. Sem contar a disposição que acaba mesmo. – Durmo bem. Durmo a noite inteirinha, acordo de vez em quando para ir ao banheiro. Mas volto e durmo num instante, sem problema. – Quando estou ansiosa, meu apetite aumenta muito [...]. Ultimamente, tenho sentido muita ansiedade e estou comendo demais. Fico mais receosa por causa da diabetes, que não posso descuidar. – Tenho três filhas e são todas casadas. Eu moro sozinha [...]. Fiquei viúva tem sete anos [...]. Minhas filhas não têm tempo para mim. Nem meus netos [...]. Ninguém tem tempo pra velho. Uns trabalham, outros estudam [...]. E os dias vão passando [chora]. Me sinto sem assistência pessoal, porque a financeira eu tenho. Tenho a pensão que meu marido deixou e minhas filhas me dão dinheiro. Isso não me falta [...]. Mas no lado pessoal é só solidão [...]. Eu às vezes questiono a vida, o porquê dela. – O futuro para mim não existe, e de agora para frente é só decadência. Vim para a Unati porque minha filha me pediu e pagou para mim. No começo, não gostei e achava que era bobagem isso aqui, pois tudo o que eles falavam eu já sabia por que estou vivendo isso [...]. Mas, com o passar das aulas, vi outros professores que colocavam a gente para cima com as suas aulas [...]. Agora, estou gostando [...]. Pelo menos, saio, conheço outras pessoas, e aprendo muita coisa. D, 63 anos, freqüentando a Oficina de Convivência, relata: – Nunca tive depressão, e graças a Deus nem vou ter. Deve ser muito triste [...]. – Minha saúde é muito boa, e não sinto nada. Tirando a pressão que é alta e o colesterol também, o resto tá tudo bem [...]. A gente nem considera aquilo que é próprio da idade, né? [...] As dores nas juntas [...]. O corpo, que não é mais o mesmo [...]. A cabeça que vacila [...]. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 433 – Sempre fui boa para dormir. Tem gente que fala que quando a gente fica velho o sono diminui, mas eu durmo do mesmo jeito de toda vida. – Meu apetite é ótimo, e se eu não controlar eu engordo [...]. Mas sempre tive tendência pra engordar, então eu vivo vigiando meu peso. – Aqui, mora eu, meu marido, minha filha e meu outro filho, que são solteiros. E tenho mais três, duas mulheres e um homem, que estes são casados [...]. E neto tem cinco [...]. Minha família graças a Deus é muito unida [...]. Meus filhos e meus netos estão sempre por perto e sem briga [...]. Meu marido e eu somos bem amparados por eles. – Eu fui para a Unati porque minha filha, que mora comigo, me falou que ia ser bom [...]. Porque eu ficava só dentro de casa, então que era pra mim distrair, conhecer outras pessoas. E realmente foi muito bom [...]. Eu já fazia parte de um grupo lá da minha igreja, a gente faz curso e ensina para as pessoas carentes pra elas ganhar dinheiro [...]. E mais uma atividade é sempre bom. E lá também tem as aulas onde a gente aprende muita coisa. Coisa que a gente nem nunca ouviu falar [...]. L, 77 anos, freqüentando a Oficina de Convivência, discorre: – Não sei o que é depressão na minha vida. Eu penso que deve ser uma doença muito triste, e muito sofrida. – Tenho a saúde muito boa, assim, é claro que, com a idade, a gente já não é mais a mesma [...]. A gente fica mais lento, já não tem mais tanta disposição [...]. A cabeça já não funciona tão bem e a gente esquece as coisas com muita facilidade [...]. Mas no geral a minha saúde é boa. – Eu percebi que meu sono diminuiu, eu não durmo a noite toda não [...] Mas durmo bem e acordo disposta [...]. E não tenho insônia não. – Meu apetite sempre foi desse jeito. Sempre foi bom [...]. Não fico comendo toda hora não, mas no horário de refeição eu como bem [...]. – Eu fiquei viúva em 1991 e continuei na minha casa, morando sozinha [...]. Mas não houve problema pra mim morar sozinha [...]. Recentemente, meu filho se separou e veio morar comigo [...]. Nos damos muito bem [...]. Tenho o prazer da companhia da minha família, meus filhos e meus netos, e acho que foram eles que me ajudaram a suportar a perda do meu marido [...]. O apoio e a presença deles foi muito importante [...]. Mesmo morando esse tempo sozinha, nunca me senti desamparada, pelo contrário. 434 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. – Tenho também outras atividades, mas a Unati é a mais importante. Aqui, eu encontrei amigos, histórias de vida diferentes [...]. E aprendi que a velhice não é o fim [...]. Ainda se tem muito para fazer e muito que viver. A vida só termina quando a gente morre [...]. Enquanto ela não chega, é preciso viver. E viver bem. CONCLUSÃO Um dos objetivos deste estudo foi estabelecer uma conceituação do transtorno depressivo sob a dimensão biopsicossocial de mulheres idosas consideradas na terceira idade. O que pôde ser percebido é que a depressão é de difícil caracterização da sua sintomatologia. Outra dificuldade é o próprio conceito do que é depressão. Cada teórico apresenta a conceituação de depressão tendo como referencial sua visão filosófico-existencial do ser humano associado ao quadro da patologia caracterizado pela Psiquiatria. Para nós, as idéias de Solomon (2002, p. 15) podem definir para o âmbito deste trabalho o que é a depressão, tendo como referencial o ser humano que por trás dela se encontra: [...] a depressão é a imperfeição no amor. Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar ou de receber afeição. É a solidão dentro de nós que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente apenas consigo mesmo. Embora não seja nenhum profilático contra a depressão, o amor é o que acolchoa a mente e a protege de si mesma. Medicamentos e psicoterapia podem renovar essa proteção, tornando mais fácil amar e ser amado, e é por isso que funcionam. Quando estão bem, alguns amam a si mesmos, alguns amam outros, alguns amam o trabalho e alguns amam Deus: qualquer uma dessas paixões pode fornecer o sentido vital de propósito que é o oposto da depressão. O amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o amor. Na depressão, a falta de significado de cada empreendimento e de cada emoção, a falta de significado da própria vida se tornam evidentes. O único sentimento que resta nesse estado despido de amor é a insignificância [...]. Essa definição de Solomon (2002) remete-nos ao fato de que a mulher idosa se encontra num momento de vida em que mais necessita desta FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 435 ‘perfeição do amor’ para conseguir lidar e conviver com todos os eventos idiossincráticos desta faixa etária. Entretanto, algumas histórias de vida de mulheres não as possibilitaram desenvolver essa ‘perfeição do amor’, e, com isso, quando é chegado o momento de “saber se despedir e soltar”, eis a depressão. Vê-se a idade avançada como um fator de risco para a depressão e referindo-se à mulher, há todo um contexto biopsicossocial que a torna mais susceptível à depressão. As escalas utilizadas nortearam a coleta de dados e possibilitaram um roteiro de realização das entrevistas. Proporcionaram confiabilidade no resultado de diagnóstico de depressão sem desconsiderar as particularidades da pessoa entrevistada. Foi a cientificidade das escalas que possibilitaram observar a presença de depressão em duas das quatro participantes entrevistadas. Somando-se à utilização dos instrumentos citados, os discursos das participantes deram também suporte à compreensão da existência deste transtorno denominado depressão. Pôde ser percebido que o diagnóstico de depressão é tão complexo quanto o próprio transtorno. A melhor forma de diagnóstico ainda é a escuta e observação do ser humano que se encontra por trás deste transtorno, pois cada quadro depressivo tem a sua própria história. Embora as queixas possam ser comuns, as pessoas têm experiências individuais, com motivos pessoais e causas particulares. Outro aspecto a se considerar e que foi confirmado neste trabalho é o fato de que o processo de envelhecimento acarreta uma sintomatologia que muito se assemelha aos sintomas de um quadro depressivo. Diante dos resultados obtidos com as entrevistas, esta pesquisadora observou uma relação muito próxima entre a sintomatologia depressiva com aspectos que dizem respeito ao processo de envelhecimento. Entretanto, as entrevistas realizadas não foram suficientes para estabelecer com precisão o que de fato é sintoma depressivo e o que são mudanças biológicas próprias do envelhecimento. Seria necessário, nesse aspecto, um estudo mais aprofundado, de maneira a tornar mais evidente o que seja do campo psicossocial e o que seja do campo biológico no que se refere à distinção do que é depressão e do que é envelhecimento. Os autores deste estudo ressaltam que as condições psicossociais estariam relacionadas aos eventos vitais e ao suporte social experienciado pelas mulheres idosas, lembrando que os eventos vitais referem-se a perdas, separações e mortes, e o suporte social, às condições de vida provenientes da situação financeira familiar, do tipo de relacionamento conjugal e das relações interpessoais, incluindo as familiares. Pôde-se observar que a idosa M. (63 anos) vivenciava este contexto psicossocial de modo desfavorável. Ela nos remete ao que Stoppe e Louzã (1999) tão bem pontuaram ao afir436 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. mar que os eventos vitais são fortes fatores desencadeantes de depressão. Notase, no caso desta mulher, uma seqüência de eventos vitais que a levaram a um quadro depressivo, como a aposentadoria, a viuvez e a morte de familiares. Com relação ao suporte social foi percebido em Z (71 anos) um relacionamento familiar desfavorável, o que, em sua fala, ficou claro ser um fator de angústia e solidão por ela experienciadas, transformando-se em elemento facilitador da presença de um quadro depressivo. Observou-se, ainda, que, para as quatro entrevistadas, a programação da Unati foi vivenciada como um suporte social, especialmente no que diz respeito às relações interpessoais, tornando-se, para aquelas que estavam em quadro depressivo, valoroso apoio terapêutico. Observou-se, também, que tanto as alunas do primeiro período quanto às das Oficinas de Convivência mostraram, em particular as freqüentadoras das Oficinas, por estarem mais tempo vivenciando a Unati, ser esta ‘Universidade’ o apoio de que precisavam para melhorar a qualidade de vida na terceira idade. Esta situação faz lembrar Néri (1995) ao dizer que o idoso que participa de organizações sociais geradoras de bem-estar psicológico apresenta melhor preparo para lidar com as perdas. Pode-se afirmar que os objetivos estabelecidos neste estudo foram parcialmente alcançados. Por isso, ainda há muito a se pesquisar sobre a depressão em mulheres idosas, pois, na discussão de toda a teoria apresentada, bem como neste trabalho empírico, observou-se que a mulher idosa ainda é considerada como alguém para quem pouco ou quase nada possa se fazer. Há que se discutir muito sobre o ser idoso, de forma a lhe proporcionar o que lhe é de direito, isto é, ser considerada pessoa digna de viver plenamente este ciclo de vida na condição de ser humano. Ressalta-se que profissionais da área da saúde física e psicoemocional não podem mais submeter o idoso, em especial a mulher, ao descaso, como se não mais fossem úteis. O ser humano idoso, independentemente do sexo, não é objeto para ser usado e descartado. Conclui-se lembrando Solomon (2002) ao considerar que não é justo deixar o idoso viver seus últimos dias da existência em estado de extrema e desnecessária dor emocional. Referências BRETON, S. Depressão: esclarecendo suas dúvidas. São Paulo: Àgora, 2000. CÍCERO, M. T. Saber envelhecer. Porto Alegre: L&PM, 1997. NÉRI, A. L. (Org.). Psicologia do envelhecimento. Campinas: Papirus, 1995. p. 145-158. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007. 437 KIRKWOOD, T. Os melhores anos de nossas vidas. Rio de Janeiro: Record, 2001. MASCARO, S. A. O que é velhice. São Paulo: Brasiliense, 1997. NOVAES, M. H. Psicologia da terceira idade: conquistas possíveis e rupturas necessárias. Rio de Janeiro: Nau, 1997. RIEMANN, F. A arte de envelhecer. São Paulo: Veredas, 1990. SOLOMON, A. O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. STOPPE, A. J. Aspectos clínicos da depressão em idosos. Revista Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 121-128, 1994. STOPPE A. J.; LOUZÃ, M. R. N. Depressão na terceira idade. São Paulo: Lemos, 1999. WRIGHT, H. N. Controlando as emoções: combatendo a depressão. Campinas: United Press, 2000. Abstract: the subject was considered by the researcher for the fact to have perceived, between some authors, a consensus in saying that the depression in aged is of difficult diagnosis. This happens therefore, some proper characteristics of the aging process if they confuse with depressive symptoms. One mentioned in this study the women, therefore it has a biopsicossocial context all that they become them more sensible to unchain depression. Another aspect considered in this work was to understand that paper the UNATI played in the history of life of these women. Key words: depression, process of aging, aged woman LÍLIAN BARBOSA MORAIS Mestranda em Educação pela Corpo/UPE. Graduada em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (UCG). Professora no Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás e na Unati-UCG. LEONEL PIRES Professor no Departamento de Psicologia da UCG. E-mail: [email protected] 438 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 17, n. 3/4, p. 421-438, mar./abr. 2007.