o ensino da variação linguística em sala de aula - AEDi-UFPA

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ISSN: 1981-3031
O ENSINO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA
José Sérgio A. de Moura1
RESUMO
Áreas do conhecimento como a sociolinguística concebem a língua no seio da interação
social, que muda e varia em função do contexto sócio-histórico, trazendo para a ordem do dia
a questão da variação linguística. Ou seja, para a sociolinguística, a língua sofre influência de
fatores sociais e históricos que causam a variação, seja dentro de um mesmo idioma ou entre
diferentes línguas. Diante disso, a escola não pode se furtar, como fez por muito tempo, a
reconhecer essa realidade tangível da língua, pois as investigações sociolinguísticas puseram a
nu a absoluta falta de base empírica e teórica para o uma pedagogia linguística centrada na
velha noção de erro e firmada apenas no ensino da gramática normativa. Acredito no que
Bagno (2002) propõe ao defender que o ensino de língua na escola deve propiciar condições
para uma educação linguística plena – conceito que difere da prática tradicional de inculcação
de uma suposta „norma culta‟ e de uma metalinguagem tradicional de análise da gramática
que pouco faz para a formação de um aluno capaz de fazê-lo pesquisar e pensar criticamente
sobre sua própria língua. Este trabalho é uma reflexão sobre a necessidade de um ensino de
língua portuguesa crítico-reflexivo e transformador e que supere práticas pedagógicas que
pouco têm contribuído para uma educação linguística para além da gramática.
Palavras-chave: Variação Linguística - Sociolinguística na Educação - Educação Linguística.
1. Introdução
Dada a necessidade premente na contemporaneidade de um ensino de língua materna
que supere a concepção da língua como unidade pura e abstrata, ou o estudo da estrutura
gramatical, formal, cheio de abstrações e informações descontextualizadas, acredito que
algumas noções de língua e ensino de línguas nascidas nas últimas décadas e no último século
trazem uma resposta à pergunta: como fazer a escola superar o ensino de língua puramente
gramatical, mecânico/conteudista, e sem nenhuma proposta de conhecimento/transformação
da realidade/mundo?
Indo direto ao ponto, creio que as teorias lingüísticas e suas respectivas metodologias
nascidas na segunda metade do século XX, quando a língua passa a ser estudada para além do
sistema abstrato e formal, dão o contra-golpe em favor da superação do estudo e ensino
focalizado tão apenas na normatividade e na estrutura. Em que pesem os conhecimentos
Doutor em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL e, atualmente, docente da Universidade
Estadual de Alagoas – UNEAL, Campus IV, em São Miguel dos Campos (AL). E-mail: [email protected]
1
obtidos e os avanços linguísticos, pouco ainda tem sido feito em termos de uma pedagogia
para que velhos padrões sejam superados.
2. A variação em pauta
Sem desmerecer as demais correntes linguísticas que compreendem outras dimensões
da língua que não apenas a abstração da forma, a teoria da variação linguística trouxe uma
importante contribuição ao apresentar a noção de língua em mudança e em variação,
desfazendo a velha noção de homogeneidade da língua preconizada pelo ensino gramatical. A
pressuposição de que a língua é heterogênea, muda conforme o tempo e outros fatores e varia
tanto internamente quanto externamente (socialmente) é uma concepção cujos créditos se
devem indubitavelmente à sociolinguística variacionista, surgida no início dos anos 1960,
E uma das coisas fundamentais a se destacar na teoria da variação é a concepção de
língua, amplamente ligada ao contexto social em que ocorre, conforme Labov (1994, p. 12):
Os procedimentos de linguística descritiva se baseiam no entendimento de
que a língua é um conjunto estruturado de normas sociais. No passado, foi
útil considerar que tais normas eram invariantes e compartilhadas por todos
os membros da comunidade linguística. Todavia, as análises do contexto
social em que a língua é utilizada vieram demonstrar que muitos elementos
da estrutura linguística estão implicados na variação sistemática que reflete
tanto a mudança no tempo quanto os processos sociais extralingüísticos.
A sociolinguística superou a concepção estática da normatividade linguística e do
objetivismo abstrato ao conceber a língua no seio da interação social, que muda e se
transforma em função do contexto sócio-histórico, trazendo para a ordem do dia a questão da
variação linguística. Ou seja, para a teoria da variação, a língua sofre influência de fatores
sociais e históricos que ocasionam a heterogeneidade lingüística, seja dentro de um mesmo
idioma ou entre diferentes línguas.
A heterogeneidade linguística decorre em função da existência de muitas modalidades
escritas ou faladas e pressupõe a ocorrência da diversidade da língua e de variantes
linguísticas distintas dentro das comunidades de usuários da língua (LABOV, 1994). Tanto
maior será a diversidade quanto maior for a ocorrência de registros, estilos e variedades de
emprego da língua. Mesmo no ato de escrever, por exemplo, um estilo mais ou menos
informal ou menos coloquial oferece evidências de diferentes usos da língua escrita.
Os traços variáveis da fala ou da escrita têm origem em fatos internos ou externos à
língua e são chamados de fatores condicionantes ou condicionadores (MOLLICA, 1996;
TARALLO, 1985) por remeterem às condições sociais ou linguísticas reguladoras do uso da
língua na hora de falar ou escrever. Fatores externos – humanos ou sociais como sexo, idade,
escolaridade, classe social, dentre outros, podem exercer grande influência no modo de falar
ou de escrever, permitindo a existência de inúmeras variáveis linguísticas, conforme os
fatores de maior incidência, ocasionando as variações dialetais ou de estilo. Por sua vez, os
fatores internos, denominados linguísticos ou intralinguísticos por serem encontrados no
interior da língua, podem ser morfológicos, sintáticos, semânticos, discursivos, etc.
(TARALLO, 1985) e também concorrem para originar variações, acarretando diferenças
criadoras de variantes e modalidades peculiares, conforme cada traço interno predominante.
A teoria da variação põe diante de nós a realidade tangível da língua: ela varia
(socialmente) e muda no tempo (historicamente) e no espaço (geograficamente). A variação é
sincrônica quando vários elementos de variação co-ocorrem simultaneamente e disputam
espaço na comunidade de falantes. Um bom exemplo de variantes linguísticas desse tipo é a
co-ocorrência entre o pronome pessoal “nós” e “a gente”, este último não registrado na
gramática normativa, embora seja legitimado pelo uso cotidiano dos falantes. A variação é
diacrônica quando um recorte histórico da língua mostra as diferenças de uma língua no
passado quando comparada ao presente: é o caso do português arcaico quando contraposto ao
português contemporâneo. O que ilustrei mostra então que a língua não é estática, fechada,
antes é dinâmica e sofre constantes mudanças. Isso põe diante de nós uma realidade diferente
da apregoada pela escola: a língua é algo concreto, não constitui um modelo idealizado ou
uma metalinguagem abstrata, fora de nosso alcance.
3. Para uma educação linguística em sala de aula
Diante disso, a escola não pode se furtar, como fez por muito tempo, a reconhecer essa
realidade tangível que a língua possui. Essa espécie de reconhecimento, de acordo com
Bagno, Gagné e Stubbs (2002, p. 17), é fruto de fatores como o surgimento e
desenvolvimento da teoria da variação – “cujas investigações puseram a nu a absoluta falta de
fundamentação empírica e teórica para o prosseguimento de uma pedagogia linguística
centrada na velha noção de erro”.
Assim, creio na importância de se aprender a heterogeneidade linguística na escola e
que os centros formadores de professores têm responsabilidade direta em direcionamentos
desse tipo. Acredito no que Bagno (2002) propõe ao defender que o ensino de língua na
escola deveria propiciar condições para o desenvolvimento pleno de uma educação linguística
– “conceito que difere em muito da prática tradicional de inculcação de uma suposta „norma
culta‟ e de uma metalinguagem tradicional de análise da gramática” (BAGNO, 2002, p. 17).
Se é certo que o ensino da norma culta encontre muitos defensores porque defendem
que o ensino da gramática normativa ajuda os alunos a escrever melhor, com mais precisão, e
assim por diante, também é certo que tanto a prática pedagógica de séculos pautada na
normatividade linguística quanto o resultado de pesquisas sobre o assunto mostram que isso
não é verdade: “no entanto, é duvidoso que aquele ensino [gramatical] jamais tenha ajudado
muita gente a escrever melhor, e é nítido que ele afugentou um grande número de pessoas”
(BAGNO, 2002, p. 10).
É necessário democratizar o ensino escolar, tornando-o aberto para as múltiplas
variedades linguísticas (sociais, regionais, profissionais, etárias) que qualquer língua viva
possui. O objetivo não é substituir um uso por outro, afirma Gagné (2002), mas familiarizar a
criança, o aluno com a diversidade linguística. Nesse caso, não se pretende pulverizar a
qualquer custo a norma culta, mas fazer o aluno competente em reconhecer os diversos usos
da língua, inclusive o da norma culta. Portanto, o que se pretende, é uma democracia quanto
ao reconhecimento dos usos – substituindo-se o hegemônico e exclusivo lugar que só a norma
culta possui.
Acredito que orientações pedagógicas como a de Bagno (1998) e de Perini (1992)
sobre a formação do aluno crítico, reflexivo e pesquisador na escola não devem ser
desperdiçadas e constituem boas sugestões didáticas de como implementar uma educação
linguística na escola, estimulando o aluno a curiosidade, à investigação e ao interesse tanto na
dimensão viva da língua mostrada pela variação quanto o estudo linguístico com base em
outras acepções igualmente importantes como a dos gêneros discursivos, por exemplo. Aliás,
os diferentes gêneros do discurso é um exemplo real da dinamicidade da língua por mostrar
que esta possui diferentes registros, formais ou informais, aos quais os alunos devem
desenvolver competências que os habilitem a reconhecer em que situações devem ser usados.
A orientação pedagógica de Perini (1992) primeiro constitui uma crítica ao método
tradicional de ensino que não institui a curiosidade, o interesse dos alunos pelos estudos
linguísticos. Ele diz:
Para avaliar a gravidade da situação, basta perguntar aos alunos de segundo
graus se eles contemplariam dedicar suas vidas aos estudos gramaticais:
dificilmente se obterá uma resposta afirmativa. Na melhor das hipóteses,
estão sendo formados jovens cuja curiosidade intelectual é dirigida em
qualquer direção, menos na dos estudos da língua. Na pior das hipóteses,
estão sendo formado jovens cuja aversão aos estudos gramaticais os leva a
sufocar a própria curiosidade intelectual (PERINI, 1992, p. 14).
Tal é a situação do ensino voltado inteiramente para a decodificação dos abstratos
itens da gramática tradicional. A doutrina gramatical prescinde de todo o conhecimento
linguístico concebido nos últimos 60 anos. “O que se tem feito a respeito?” pergunta Perini.
Não muito, e o que se tem feito, é muito fragmentário. “Em meus cursos e palestras para
professores, detecto sempre uma insatisfação generalizada, mas também um grande
sentimento de impotência, por falta de alternativas viáveis” (PERINI, id., ibid.). Apesar de
muitos dados já colhidos sobre a realidade linguística brasileira, eles continuam inacessíveis
aos professores da escola. Então, é preciso mostrar que há alternativas melhores e mostrar que
é possível e necessário refletir, em nível escolar, sobre os problemas da linguagem, afirma
Perini. A proposta do linguista é que se traga a investigação da pluralidade linguistica para
dentro das salas de aula e que se desenvolvam metodologias para o ensino desta pluralidade,
como ele próprio demonstra em sua Gramática Descritiva do Português.
A proposta de Bagno (1998), no mesmo teor, é o que ele propriamente chama de
“educação linguística”. Ele desenvolve metodologia própria, baseada na variação, e igual a
Perini, tem como espelho a metodologia das pesquisas descritivas das línguas. Seu propósito é
transformar a atividade de pesquisa na escola numa verdadeira fonte de aquisição de
conhecimento. Seu referencial prático-metodológico mostra sobretudo como pesquisar e
ensinar em sala de aula contrapondo a gramática normativa com dados de fala colhidos no
cotidiano ou registros usuais formais ou informais como textos de jornais, revistas, histórias
em quadrinhos, tiras de humor, bate-papo virtual, dentre outros. De certa forma, não elimina a
gramática normativa, mas sim o puro ensino gramatical, pois é claro que a norma culta é
passível de ser encontrada em textos mais elaborados e em contextos mais formais, o que leva
o aluno a reconhecer as diversas instâncias e situações em que a língua é usada em sua
diversidade, o que inclui a norma culta.
4. Conclusão
Defendo que propostas como as aqui debatidas têm de ser levadas adiante, sugeridas,
debatidas, postas em práticas, testadas, dentro dos ambientes escolares e já é válida, no
mínimo, só pela tentativa de superação de uma tradição de ensino que teima em permanecer
nas escolas mesmo diante do avanço do conhecimento lingüístico acumulado até hoje. Creio
ser responsabilidade dos centros formadores de professores adotar, acolher e apoiar propostas
e projetos de educação linguística como estes, pois acredito que as instâncias de ensino
superior também têm responsabilidade direta pelo que acontece dentro das escolas, visto que
elas são responsáveis pelo tipo de formação que o professor recebe e têm o dever de preparar
os professores para esta espécie de desafio.
Referências bibliográficas
BAGNO, Marcos. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística. In:
BAGNO; GAGNÉ; STUBBS. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo:
Parábola Editorial, 2002.
BAGNO, Marcos; GAGNÉ, Gilles; STUBBS, Michael (Eds). Língua materna: letramento,
variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola. O que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1998.
LABOV, William. Modelos sociolinguísticos. Madrid: Cátedra, 1994.
MOLLICA, Maria Cecília. Introdução à sociolinguística variacionista. 3. ed. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1996.
PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática 1992.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985
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