Reforma do IRC exige consenso político alargado

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ID: 51427148
20-12-2013
Tiragem: 14300
Pág: 12
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 27,35 x 24,86 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 1 de 3
FISCALISTA JOÃO MAGALHÃES RAMALHO, DA PLMJ, CONSIDERA
Reforma do IRC exige consenso político alargado
Sem um consenso político
alargado, “a reforma do
IRC não passará de mais
um exercício com pouca
utilidade”. Esta é a opinião
de João Magalhães
Ramalho, sócio da PLMJ
da área de Direito Fiscal.
“A carga fiscal incidente
sobre as famílias é
insuportável e deve
ser reduzida o mais
rapidamente possível”,
afirma.
“A máquina do Estado
tem, efetivamente, peso a
mais e deve ser calibrada
através de uma verdadeira
reforma do Estado”,
acrescenta o fiscalista.
GUILHERME OSSWALD
[email protected]
Vida Económica – Como caracteriza o próximo Orçamento do
Estado?
João Magalhães Ramalho –
Continua a refletir o compromisso
de consolidação orçamental assumido com os membros da “troika”.
Como nota dominante, assistimos a
um maior esforço de consolidação
do lado da despesa, através do seu
corte com pessoal e da equalização
e cortes nas pensões. Todavia, as
medidas continuam a atingir com
maior impacto os mesmos grupos
da população, os funcionários públicos e os pensionistas. Embora se
compreenda a curta margem orçamental, é criticável a continuada
opção em ser forte com os fracos e
fraco com os fortes. Não é aceitável
reduzir a população a uma mera folha de cálculo e ignorar as crescentes
dificuldades suportadas. Se é hoje
consensual que os cálculos em que
assentou o programa de ajustamen-
to não estão corretos, deveria existir
a coragem de o assumir e ser coerente em termos das medidas orçamentais propostas.
VE – O que pode ser feito ao
nível dos rendimentos das famílias?
JMR – A carga fiscal incidente
sobre as famílias é insuportável e
deve ser reduzida o mais rapidamente possível. Pagar mais de 50%
de impostos a partir de escalões que
enquadram tipicamente a classe
média é um absurdo e um convite
à fraude e à evasão fiscais. Os portugueses deveriam também olhar para
o país e pensar no que podem fazer
ajudar a inverter este estado de coisas. Não é aceitável que a economia
paralela represente 26% do PIB ou
44 mil milhões de euros. Não podemos continuar de mão estendida ao
Estado e não estarmos dispostos a
arrumar a casa. Claro que se poderá
criticar o Estado e a banca por terem
incentivado o investimento em áreas não rentáveis e o endividamento
das famílias. Mas estas também são
responsáveis pelas decisões que tomaram, o que ninguém parece estar
disposto a aceitar.
Reduzir encargos do Estado
com os desempregados
VE – Faz sentido continuar a
pressionar o consumo interno por
via da carga fiscal?
JMR – O problema é sempre
o mesmo, incentivar o consumo
através da redução de impostos,
designadamente do IRS e do IVA,
implica menor receita fiscal e desequilíbrio orçamental. Acresce que
o incentivo ao consumo leva a fenómenos de inflação e ao aumento
das importações, muitas vezes sem
repercussões nas exportações, desequilibrando a balança comercial.
Penso que o Governo deveria dedicar uma maior atenção a este aspeto,
na medida em que por via do desagravamento fiscal e o aumento do
consumo serão criadas mais oportu-
“Não é aceitável que
a economia paralela
represente 26% do PIB
ou 44 mil milhões de
euros”
nidades para as empresas que vivam
do mercado interno se reequilibrarem e criarem mais emprego, reduzindo-se os encargos do Estado com
os desempregados. É um equilíbrio
complicado e muito difícil de atingir. Mas essencial. Não podemos
continuar a caminhar para uma realidade em que as clivagens sociais
se vão acentuando, atingindo níveis
insuportáveis.
VE – Admite que há setores de
atividade que são privilegiados,
em detrimento de outros que são
penalizados?
JMR – Numa sociedade muito
atomizada em grupos de interesse
– individuais e coletivos – é muito
difícil “agradar a Gregos e Troianos”.
O Governo tem a obrigação de assegurar que o esforço de ajustamento é suportado por todos. De um
modo geral, essa preocupação existe, embora seja criticável o modo
como os funcionários públicos e os
pensionistas têm sido penalizados.
Parece-me muito precipitado afirmar que o “grande capital” tem sido
protegido. O dito “grande capital” é
que tem assegurado a sobrevivência
do país. Se as exportações crescem
e o país começa a dar a volta, em
grande parte se deve às empresas
que sistematicamente são negativamente visadas.
VE – Há outras formas de controlar ou até reduzir o défice público?
JMR – A grande questão de fundo prende-se com a necessidade de
adequação do sistema de moeda
única às diferentes realidades do
“A máquina do Estado tem, efetivamente, peso a mais e deve ser calibrada
através de uma verdadeira reforma do Estado”, defende João Magalhães Ramalho.
países da Zona Euro. Sem que seja
possível introduzir, a nível europeu, novas medidas que confiram
um maior equilíbrio entre os estados, Portugal continuará sempre
a correr atrás do prejuízo. Ainda
assim, temos de mudar o “chip”
e deixar de culpar os outros países
pelas nossas ineficiências. A máquina do Estado tem, efetivamente, peso a mais e deve ser calibrada
através de uma verdadeira reforma
do Estado. Há que reajustar as instituições, eliminar de uma vez por
todas as práticas de desorçamentação e modernizar a administração
pública, devolvendo à carreira de
funcionário público a sua dignidade. Muitos dos funcionários
públicos possuem tanto ou mais
valor do que os do privado, sendo,
contudo, sistematicamente, boicotados por fenómenos de caciquis-
mo e compadrio e pela alienação
ou destruição de áreas rentáveis.
VE – A anunciada reforma do
IRC é válida?
JMR – É a reforma possível à luz
das limitações orçamentais existentes. Muitas das medidas previstas
colocam-nos na linha da frente em
termos de competitividade fiscal.
Ainda assim, a grande questão que
urge colocar não passa por discutir
o mérito de uma ou outra medida,
mas antes saber o que queremos que
Portugal seja em matéria fiscal. Sem
alcançar um consenso político alargado nesta matéria, não vamos lá. Tudo
passa pela credibilidade que consigamos transmitir. E essa não se anuncia,
pratica-se todos os dias, ano após ano.
Sem este compromisso transversal, a
reforma do IRC não passará de mais
um exercício com pouca utilidade.
ID: 51427148
20-12-2013
Nesta edição
12
Atualidade
Reforma do IRC exige
consenso político alargado
Tiragem: 14300
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20-12-2013
Tiragem: 14300
Pág: 1
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 12,52 x 8,66 cm²
Âmbito: Economia, Negócios e.
Corte: 3 de 3
Reforma do IRC
avança para votação final
A reforma do IRC avança
hoje para votação final no
Parlamento. Portugal tem
neste momento uma das
mais altas taxas de IRC
na UE (31,5%,
contra
30% de
Espanha, 19% da Polónia e
República Checa, 12,5% da
Irlanda e 10% de Chipre). Entre
2014 e 2016, a descida de dois
pontos percentuais em cada ano
melhorará a competitividade
fiscal do país, atraindo maior
investimento estrangeiro. Mas
a falta de consenso político
alargado pode comprometer
esse objetivo.
Págs. 6 e 12
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