`Na Ordem do Dia` TSF Intervenção de José Mateus a 19 de

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‘Na Ordem do Dia’ TSF
Intervenção de José Mateus a 19 de Fevereiro de 2008
No seu texto de opinião de sábado passado no Público, Vasco Pulido Valente, a propósito
do sucesso da empresa Bial, destacou a triste realidade, identificada por um painel da
Comissão Europeia, de que Portugal possui uma enorme fraqueza na área da investigação
e da criação de conhecimento.
É essa a dura realidade da encomenda pública de arquitectura, onde um projecto é
frequentemente encarado como despesa. E, como tal, que deve ser reduzida ao mínimo
necessário. Para o cenário ser outro, deveria perceber-se que um bom projecto, é
investigação e conhecimento, e resultado de um longo e penoso processo de trabalho, na
procura de uma obra única e competente. Contratar um projecto, é investir em
pensamento.
Paradoxalmente, existe um Dec-lei com tabelas para cálculo de honorários de obras
públicas, que deveria ser a referência fixa para estabelecer a justa remuneração. Contudo,
dado o aumento brutal de complexidade dos projectos e das especialidades envolvidas a
coordenar, está bastante desactualizado e a carecer de urgente revisão. Para o tornar
ainda mais obsoleto, é frequentemente posto em causa pelo próprio Estado que o criou,
promovendo concursos onde o preço é muitas vezes factor único de decisão. De igual
modo, outro critério crónico de escolha é o prazo. Como resultado, ganha o arquitecto que
dá mais de 50% de desconto, e que é especialista em detectar à posteriori, toda e qualquer
justificação, por falha do Dono da Obra, para não cumprir os prazos utópicos que propôs.
Para piorar o cenário, é demasiado frequente ver definido à partida um preço para a obra
absurdamente baixo, fictício, como forma de reduzir os honorários dos projectistas que
são calculados à percentagem desse valor.
Por fim, outra praga que se vem abatendo sobre os arquitectos são os cortes orçamentais
em obras que respeitavam os limites impostos, sem previsão de verba para o projecto do
corte em si. Pressupõe-se que esse corte se faz ‘a direito’, como se um edifício fosse uma
barra de salame. Se o autor não quiser assistir à mutilação da sua arquitectura, que
financie o trabalho para o evitar.
Num contexto adequado, os valores da construção e da remuneração seriam definidas por
tabelas credíveis e actualizadas anualmente. Tal como o prazo, que deve ser o necessário
e adequado face à complexidade do projecto, reservando-se a comparação em concurso
para aquilo que representa o maior valor, a qualidade das ideias.
Está assim criado o terreno fértil para a mediocridade generalizada e para a ausência de
ideias com a chancela do Estado. O vencedor-nato, é o projectista económico que cobra
1/3 dos honorários, trabalha 1/3 do tempo, para produzir algo com apenas 1/3
arquitectura. Se só houver verba para a construção de 1/3 do edifício, e zero para
investigar a forma mais inteligente de o fazer, provavelmente, será mais do que suficiente
para os autores desta tragédia, certos gestores públicos medíocres com uma visão
mercantilista e superficial do mundo. Moral nesta estória já percebemos que não há, mas
o lema sem dúvida parece ser: “Pensar, se tiver que ser, mas de preferência pouco, rápido
e com descontos“.
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