PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rodrigo Zukauskas Santos A Espiritualidade e a Religiosidade na prática pediátrica MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO NAS PROFISSÕES DA SAÚDE SOROCABA 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rodrigo Zukauskas Santos A Espiritualidade e a Religiosidade na prática pediátrica MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO NAS PROFISSÕES DA SAÚDE Trabalho Final apresentado à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE PROFISSIONAL em Educação nas Profissões da Saúde, sob a orientação da Profª Drª Raquel Aparecida de Oliveira. SOROCABA 2013 Bibliotecário Responsável: Antonio Pedro de Melo Maricato CRB-8 / 6922 Biblioteca Prof. Dr. Luiz Ferraz de Sampaio Júnior. Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde – PUC-SP Santos, Rodrigo Zukauskas S237 A espiritualidade e a religiosidade na prática pediátrica / Rodrigo Zukauskas Santos. -- Sorocaba, SP : [100.], 2013. Orientador : Raquel Aparecida de Oliveira. Dissertação (Mestrado Profissional) -- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde. Banca Examinadora ________________________________ ________________________________ ________________________________ AGRADECIMENTOS... “É com o coração que se vê corretamente; o essencial é invisível aos olhos” Antoine de Saint Exupéry À minha esposa Ana e minhas filhas Clara e Julia pelo amor, respeito e incentivo a todos os momentos de minha vida. Aos meus pais pelas oportunidades e caminhos oferecidos. Aos funcionários e professores da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUCSP pelo respeito e motivação. Aos funcionários e professores da Pós-Graduação da PUC-SP pelo acolhimento e pelos ensinamentos. Aos médicos pediatras do Conjunto Hospitalar de Sorocaba e aos residentes de pediatria da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUCSP pela atenção e respeito. Aos colegas da I Turma do Mestrado Profissional em Educação nas profissões da Saúde pelo carinho e amizade. À coragem, ao entendimento e à amorosidade de minha orientadora Profª Drª Raquel. À espiritualidade e à pediatria pela oportunidade do assunto. Às crianças, motivo maior de meu trabalho. RESUMO Santos, R.Z. A Espiritualidade e a Religiosidade na prática pediátrica Introdução: As novas concepções da física clássica, o crescente movimento religioso e as discussões bioéticas levaram a um aumento significativo de publicações a respeito da espiritualidade, inclusive suas implicações na saúde. Na atenção integral à criança e à família, a espiritualidade e a religiosidade devem estar presente no trabalho do médico em ato, local de infinitas possibilidades, como instrumento comunicacional, no respeito bioético e como força que pode influenciar positivamente o processo saúde-doença. Objetivos: Comparar a religiosidade/espiritualidade dos pediatras e dos residentes em pediatria, e como isso influencia a sua prática clínica; identificar a percepção quanto às necessidades espirituais das crianças atendidas e de seus familiares; e conhecer o quanto a religiosidade/espiritualidade das crianças e familiares influenciam no tratamento e enfrentamento das doenças. Metodologia: Foi realizada uma pesquisa quantitativa através da aplicação de um questionário sobre os dados gerais de caracterização; questões sobre a dimensão de religiosidade/espiritualidade; conhecimento do tema na saúde e a sua inserção na prática clínica dos profissionais. Resultados: Participaram 37 profissionais, sendo 25 médicos pediatras de um hospital público em Sorocaba-SP e 12 residentes em pediatria pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC/SP. Após tratamento dos dados, constatamos que não houve diferenças entre os dois grupos quanto a sua religiosidade e espiritualidade; são profissionais com grande religiosidade intrínsica, valorizam a espiritualidade e religiosidade em suas vidas, influenciando, inclusive, suas práticas clínicas diárias. Apesar de reconhecerem a necessidade da abordagem espiritual das crianças e familiares e a influência positiva da religiosidade e da espiritualidade no tratamento e enfrentamento das doenças, poucos abordam esta dimensão, sendo apontadas como principais razões a falta de conhecimento, treinamento e de tempo. Os profissionais também se mostram abertos e dispostos a incluírem esta temática em seus trabalhos. Palavras chave: Espiritualidade, Educação Médica, Pediatra, Religiosidade e Medicina. ABSTRACT Santos, R.Z. A Spirituality and Religiosity in pediatric practice Introduction: The new concepts of classical physics, the growing religious movement and bioethical discussions led to a significant increase in publications about spirituality, including its health implications. At full attention to the child and family, spirituality and religiosity should be present in the work of the medical act, place of endless possibilities, as an instrument of communication, respect and bioethics as a force that can positively influence the disease process. Objectives: To compare the religiosity/spirituality of pediatricians and pediatric residents, and how this influences their clinical practice to identify the perception of the spiritual needs of the children served and their families, and to know how religiosity/spirituality of children and family influence in the treatment and coping of diseases. Methods: Was performed a quantitative research through a questionnaire about general data characterization; questions about the extent of religiosity/spirituality, knowledge of the subject and its inclusion in health for clinical professionals. Results: Participants were 37 professional, 25 pediatricians in a public hospital in Sorocaba-SP and 12 pediatric residents from the College of Medical and Health Sciences at PUC/SP. After processing the data, we found that there were no differences between the two groups regarding their religiousness and spirituality, are professionals with high intrinsic religiosity, spirituality and religiosity value in their lives, influencing even their daily clinical practice. While recognizing the necessity of spiritual children and families and the positive influence of religiosity and spirituality in coping and treatment of diseases, few approach this dimension. Pointed as the main reasons the lack of knowledge, training and lack of time. Professionals also show open and willing to include this issue in their work. Keywords: Spirituality, Education, Medical, Pediatric, Religion and Medicine. LISTA DE TABELAS Tabela 1. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo o Gênero e Etnia. Sorocaba, 2012. ..................................................................................................................................................... 55 Tabela 2. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo idade e tempo de formado. Sorocaba, 2012. ................................................................................................................................. 56 Tabela 3. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo Religião e a sua percepção quanto à própria religiosidade. Sorocaba, 2012. ........................................................................... 57 Tabela 4. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo a Religiosidade Organizacional e não organizacional. Sorocaba, 2012. .............................................................................................. 59 Tabela 5. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo a Religiosidade Intrínseca. Sorocaba, 2012. ................................................................................................................................. 60 Tabela 6. Entendimento dos Residentes e Pediatras do que é Espiritualidade. Sorocaba, 2012. ..................................................................................................................................................... 61 Tabela 7. Crenças em Deus e na existência da alma ou espírito pelos Residentes e Pediatras. Sorocaba, 2012. .............................................................................................................. 62 Tabela 8. Relações citadas sobre o assunto “Saúde e Espiritualidade” por médicos e residentes. Sorocaba, 2012. ............................................................................................................. 63 Tabela 9. Influência da religiosidade e espiritualidade na saúde segundo os Residentes e Pediatras. Sorocaba, 2012. .............................................................................................................. 64 Tabela 10. Quanto os residentes e pediatras acham pertinente a abordagem do tema Religiosidade/Espiritualidade com seus pacientes e como se sentem ao fazê-la. Sorocaba, 2012 ...................................................................................................................................................... 66 Tabela 11. Quando segundo os residentes e pediatras é apropriado o médico rezar. Sorocaba, 2012. ................................................................................................................................. 67 Tabela 12. Frequência que os residentes e pediatras abordam os assuntos espirituais e religiosos com os pacientes. Sorocaba, 2012 ............................................................................... 68 Tabela 13. Algumas das afirmações que desencorajam os médicos e residentes a discutir religiosidade/espiritualidade com seus pacientes. Sorocaba, 2012. .......................................... 69 Tabela 14. Ferramentas ou tratamentos espirituais que os residentes e pediatras acreditam que poderiam ser recomendados a seus pacientes. Sorocaba, 2012. ...................................... 70 LISTA DE ABREVIAÇÕES ABEM: Associação Brasileira de Educação Médica AC: Alojamento Conjunto AFMA: Associação de Faculdades de Medicina Americanas AMM: Associação Médica Mundial CEP: Comitê de Ética em Pesquisa CHS: Conjunto Hospitalar de Sorocaba CINAEM: Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico Comissão Conjunta de Acreditação de Organizações de Saúde CNE: Conselho Nacional de Educação CNRM: Comissão Nacional de Residência Médica DCN: Diretrizes Curriculares Nacionais INPCS: Instituto Nacional de Pesquisa no Cuidado à Saúde LDBEN: Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional MS: Ministério da Saúde OMS: Organização Mundial da Saúde PROMED: Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina PROSAUDE: Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde PUC-SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SBP: Sociedade Brasileira de Pediatria SUS: Sistema Único de Saúde TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 17 2. IMPORTÂNCIA ..................................................................................................... 21 3. RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E SAÚDE ............................................... 23 4. ENSINO MÉDICO E ESPIRITUALIDADE............................................................. 31 4.1. Considerações Históricas ............................................................................... 31 4.2. Crise da Sociedade ......................................................................................... 34 4.3. O novo modelo ................................................................................................ 36 5. PEDIATRIA E ESPIRITUALIDADE ...................................................................... 43 6. OBJETIVOS .......................................................................................................... 49 6.1. Gerais ............................................................................................................. 49 6.2. Específicos ...................................................................................................... 49 7. METODOLOGIA ................................................................................................... 51 7.1. Tipo de estudo ................................................................................................ 51 7.2. Local do estudo ............................................................................................... 51 7.3. População do estudo ...................................................................................... 52 7.3.1. Critérios de inclusão ................................................................................. 52 7.3.2. Critérios de exclusão ................................................................................ 52 7.4. Instrumento de Coleta ..................................................................................... 53 7.5. Tratamento dos dados .................................................................................... 54 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 73 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 77 APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................ 85 APÊNDICE B - Questionário ................................................................................... 87 ANEXO A - Comitê de Ética em Pesquisa ............................................................. 95 ANEXO B – Formulário de autorização de pesquisa (CHS) ................................. 97 ANEXO C - Versão em português da Escala de Religiosidade da Duke – DUREL .................................................................................................................................. 99 1. INTRODUÇÃO “Da janela da sala, Podia ver luzes e sombras, Caminhos possíveis naquele momento presente...” (Rodrigo Zukauskas, 1999) Em minha infinita jornada pela busca do entendimento do ser humano é chegado mais um momento de transformação. Ao adentrar nesta pesquisa, lanço-me em uma longa viagem repleta de reflexões e significados para a minha vida pessoal e profissional ao trazer o tema da religiosidade e da espiritualidade na discussão do meu trabalho como médico e como futuro educador. As perguntas que surgem despertam-me a curiosidade, transformando-se em ação pela busca do saber. Desta ação, dependente da informação e da vontade, construo meu universo e reconstruo-me como Pediatra. Nesse contexto, ao cursar o Mestrado em Educação para as Profissões da Saúde tive a oportunidade de levar para minha prática médica reflexões sobre a bioética, as metodologias ativas e o processo de ensino-aprendizagem, a gestão e as políticas em saúde, mas além, a oportunidade das discussões e o respeito ao pluralismo, à diversidade cultural e à prática multidisciplinar. A minha formação médica foi pautada em um modelo de ensino-aprendizado fragmentado em disciplinas básicas, como anatomia, histologia e fisiologia, disciplinas clínicas. Era do tipo depositário em forma de aulas expositivas projetadas por repetidas transparências, muitas vezes impregnadas pelo bolor dos anos e anos de uso. O ensino da prática médica era realizado no hospital, centrado na busca pela doença. Os pacientes eram muitas vezes chamados não por seus nomes e sim pelos nomes de suas doenças. Eram enfermarias onde estavam internados pneumopatas, cardiopatas e nefropatas. Eram quartos onde as histórias de cada paciente permaneciam do lado de fora, não era permitida a sua entrada. O indivíduo doente perdia cada vez mais espaço e importância no seu próprio contexto e significado. Este modelo reducionista e biologista proporciona ao aluno uma formação fragmentada do ser humano, passando a doença a ser mais valorizada e interpretada que o próprio doente. No final do século XX, período da história em que ocorreu a minha Graduação, a evolução tecnológica supervalorizava os aspectos científicos em relação aos aspectos humanistas, levando o ensino médico não só a retirar o estudo de humanidades, incluindo a religião, de seu currículo, como também a desprestigiar e até ridicularizar qualquer tentativa nesta direção (SIQUEIRA, 2006). O primeiro contato com a disciplina de Pediatria na graduação e a escolha da especialidade como pós-graduação trouxe uma nova oportunidade. A criança abrira para mim um novo universo dentro da Medicina, trazendo mais clara a noção da transcendência, permitindo-me utilizar e valorizar comunicações antes esquecidas e ocultadas pelo modo materialista daquele saber que me formava. O meu trabalho como Pediatra ocorre nos campos de batalhas das urgências e emergências, em que crianças e famílias vivem sentimentos que se afloram somente em situações de intensos conflitos. Vivencio a dor da doença e da morte de crianças, mas também, presencio a cura de pacientes muitas vezes já desacreditados pela equipe de trabalho. Nesse contexto, percebo o quanto a religiosidade/espiritualidade são ferramentas possíveis a serem utilizadas pela busca de bem estar e conforto para as famílias e suas crianças. A abordagem da religiosidade/espiritualidade no processo de trabalho do pediatra consiste na oportunidade de ampliar o olhar sobre a criança e sua família, de respeitar o ser em vulnerabilidade e de rever conceitos do processo saúdedoença. Partindo, portanto, do respeito bioético ao ser humano integral que vive e interpreta o seu processo saúde-doença, trilhei este trabalho no sentido de primeiro fazer um diagnóstico no meu ambiente de trabalho, explorando o tema no universo do médico recém-formado (residente) e no do pediatra já inserido na dinâmica da sociedade. A sociedade atual clama por valores humanos na relação médico-paciente, a religiosidade/espiritualidade faz parte deste contexto. Daí levanta-se neste estudo as seguintes questões: Qual a religiosidade/espiritualidade dos médicos residentes em pediatria e dos pediatras? Eles conhecem a importância e valorizam o tema? Aplicam tal temática em sua prática diária? Neste contexto, o saber remete à formação médica, por isso do ensino médico; à religiosidade/espiritualidade e sua relação com a saúde, o que se tem de informação até os dias de hoje; e, por fim, a relação entre a prática pediátrica e a religiosidade/espiritualidade. 2. IMPORTÂNCIA “Transparente e límpida, Permanecia imóvel, reluzente... Sob as folhas verdes daquela manhã de primavera...” (Rodrigo Zukauskas, 1997) Neste novo século, a humanidade vem questionando alguns valores por muito esquecidos: o olhar, o toque, a compaixão, a atenção e o estar presente, necessidades essenciais do ser humano. Boff (2001), afirmou que O século XXI será um século espiritual que valorizará os muitos caminhos espirituais e religiosos da humanidade ou criará novos. Esta espiritualidade ajudará a humanidade a ser co-responsável com o seu destino e com o da Terra, mais reverente diante do mistério do mundo e mais solidária para com aqueles que sofrem. A espiritualidade dará leveza a vida e fará que os seres humanos não se sintam condenados a um mar de lágrimas, mas se sintam filhos e filhas da alegria de viver juntos neste mundo, sob o arco-íris da graça e benevolência divina. A humanização, a bioética, a transdisciplinaridade e a ecologia profunda, entre outros temas atuais, trazem à sua luz a espiritualidade em suas perspectivas e concepções. A Religião e a Ciência estão novamente se reencontrando, nas ciências da vida e da saúde bem como em outras ciências. A espiritualidade e suas interfaces nas profissões da saúde causam novas transformações com potencial impacto sobre a saúde física e como possível fator de prevenção ao desenvolvimento de doenças na população previamente sadia, e eventual redução de óbito ou impacto de diversas doenças. (GUIMARÃES; AZEVUM, 2007). Médicos e instituições hospitalares começam a incluir nas suas rotinas de maneira sistemática e definitiva a prática de estimular nos pacientes o fortalecimento da esperança, do otimismo, do bom humor e da espiritualidade ao despertar ou fortificar nos indivíduos condições positivas, já abalizadas pela ciência como recursos eficazes no combate a doenças. A discussão da espiritualidade pela metodologia científica vigente pode trazer aos sentidos físicos aspectos além da linguagem atual, caracterizar e conceituar comunicações ainda não completamente codificadas. Trata-se de uma área repleta de desafios, preconceitos e mistérios. Assim, estudar cientificamente a espiritualidade se torna muito entusiasmante, pois permite adentrar em campos ocultos, almejando os entender, mas na certeza da busca pelo respeito ao ser humano em seus diversos aspectos, estes capazes conjuntamente de influenciar no dinâmico processo saúde-doença. A religião e a espiritualidade influenciam as atitudes e decisões dos seres humanos, bem como as suas relações e, portanto devem ser valorizadas também na saúde. (KOENIG, 2007). Portanto, nas práticas em saúde, torna-se essencial a discussão desses aspectos. Neste sentido, o ensino e a prática médica presente passam por uma reavaliação e reflexão, em que espaços cada vez maiores deverão ser ocupados pela valorização do ser integral de corpo, espírito e de suas relações com o mundo em toda a sua complexidade. Identificar e ficar atentos às necessidades espirituais como parte dos cuidados em saúde dos pacientes pode resultar em grande número de benefícios, até mesmo com impacto na qualidade de vida. (KOENIG, 2007; KRISTELLER, et al.,2005; PARGAMENT, 1997). No processo de tomada de decisão, o sistema de crenças de uma pessoa tem papel fundamental. Estas crenças, incluindo-se as religiosas, afetam a sua percepção e leitura do mundo, o conjunto das alternativas disponíveis e a seleção da ação que irá ser realizada ou não. Os aspectos religiosos ou espirituais devem estar também incluídos em uma reflexão bioética, sempre preservando o caráter plural da discussão e não assumindo uma posição sectária. (GOLDIM, 2007). A abordagem da religiosidade/espiritualidade na formação do estudante pode oferecer recursos cognitivos ao aluno para resolução de possíveis conflitos que possam aparecer na relação médico-paciente-família, além de valorizar a espiritualidade como instância construtiva do ser humano, desenvolvendo mecanismos de respeito e tolerância para com o paciente. (DANTAS FILHO; SÁ, 2007). 3. RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E SAÚDE “Encontram-se no passado, e se encontram até hoje, sociedades que não possuem ciência, nem artes, nem filosofia. Mas nunca existiu sociedade sem religião.” (BERGSON, 1978) Em toda a sua história, o homem busca a religiosidade e a espiritualidade para entender o significado da vida e da morte, a sua presença no mundo, melhorar sua saúde e como ferramenta para lidar com as adversidades e a dor, seja ela física, moral ou espiritual. A relação entre saúde e religiosidade é muito antiga, presente em mitos gregos, rituais indígenas e nas inscrições bíblicas que influenciaram e ainda vem influenciando a cultura ocidental nos tempos atuais. (BOTELHO, 1991). As grandes civilizações do passado sempre usaram os conhecimentos religiosos para tratar as doenças, seja isoladamente ou como coadjuvantes às práticas médicas incipientes. Além disso, utilizava-se a espiritualidade, também, para obter melhor qualidade de vida na saúde mental, garantindo paz e harmonia. (SANTOS, 2009). Estudos antropológicos têm demonstrado que as dimensões religiosas continuam presentes em todas as camadas sociais como parte importante da compreensão do processo de adoecimento e cura. (IBÁNEZ; MARSIGLIA, 2000). Na antiguidade, as funções de sacerdote e médico eram realizadas pela mesma pessoa e a cura espiritual e física eram administrados pela orientação divina. (NEELY; MINFORD, 2008). Essa associação entre religião e cuidados em saúde perpassa toda a Idade Média. Na Europa medieval, a Igreja alcançou uma situação de imenso poder, escolhia reis e o dogma era a lei. Controlava o exercício da Medicina, sendo responsável pela liberação dos diplomas daqueles que iriam exercê-la, havendo então muitos monges médicos e vice-versa. As necessidades físicas e espirituais eram abordadas ao mesmo tempo. Com o avanço das ciências na idade moderna, especialmente com o aparecimento de uma Medicina baseada, exclusivamente, em biologia, física e química orgânica, a associação entre saúde e espiritualidade começou a ser questionada. (SANTOS, 2009). Assim, no século XVI, o poder da igreja cristã sobre a Medicina começou a declinar, diminuindo gradativamente com o Iluminismo e com a Revolução Francesa. A visão dualista, inerente ao paradigma newtoniano e cartesiano, da ciência moderna separou o mundo da matéria do mundo do espírito, tornou ilegítima a consideração das dimensões religiosas da vida humana na investigação da gênese das doenças e na busca de medidas terapêuticas. A partir de então, as discussões relacionadas à espiritualidade durante um bom tempo foi considerada inapropriada ao estudo das questões ligadas à saúde. As pesquisas indicavam que os profissionais da saúde possuíam uma consciência muito limitada das necessidades espirituais dos pacientes. (PUCHALSKI; LARSON; LU, 2001). Porém, como observa Nobre (2004), no século XX as revoluções conceituais da Física contribuíram para uma nova visão da realidade, a matéria cedeu lugar à energia, o tempo é variável, o movimento descontínuo, a comunicação é não local, a consciência é capaz de influir nos eventos e selecionar possibilidades e existe a possibilidade real da existência de mais de quatro dimensões em nosso universo e todas as coisas existentes estão interconectadas. No novo paradigma, tudo é um imenso mar de incertezas até a presença de um observador. A consciência ou o observador são capazes de influir nos eventos e selecionar possibilidades. Não há tempo e espaço até a consciência escolher o caminho a ser traçado, somos então, criadores da nossa realidade. Os conhecimentos da física quântica passam a ser utilizados nas outras ciências, mudam-se pensamentos e valores. O pensamento passa de auto afirmativo a integrativo, de racional a intuitivo, de reducionista a holístico e de linear a não linear. Os valores também mudam de expansão à conservação, de competição à cooperação, de quantidade à qualidade e de dominação à parceria. (CAPRA; STEINDL-RAST, 1993). Os especialistas passam a enxergar o ser humano de forma integral, conectado a uma imensa rede invisível, que engloba todas as coisas, do micro ao macrocosmo, e não têm nenhum pudor em reconhecer a complementaridade entre ciência e religião, valorizando a espiritualidade na vida humana. (NOBRE, 2004). De um período de fechamento da Medicina científica em relação à espiritualidade, há hoje uma grande abertura para a sua aceitação. (PESSINI, 2007). Em 1998, a OMS, durante a 101st session of the Executive Board, eighth meeting, propôs a emenda de sua Constituição (Resolution EB101. R2), passando a conceituar saúde como um estado dinâmico de completo desenvolvimento físico, mental, espiritual e bem-estar social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade (NEELY; MINFORD, 2008). Portanto, percebe-se a importância desta dimensão da assistência ao paciente. Desta forma, a atenção ao aspecto da espiritualidade se torna cada vez mais necessária na prática de assistência à saúde, pois os profissionais passaram a apreciar a importância da espiritualidade tanto para a saúde e bem-estar de seus pacientes, como para suas próprias vidas. (PUCHALSKI; LARSON; LU, 2001). A espiritualidade e sua relação com a saúde tem se tornado claro paradigma a ser estabelecido na prática médica diária moderna. O sofrimento espiritual não identificado frequentemente é o culpado em um plano terapêutico mal sucedido. (LIESSI; SANTOS; LOURES, 2010). Estudos têm revelado que os profissionais de saúde estão cada vez mais sensíveis a essa dimensão do cuidado; entretanto, as habilidades para identificá-la e avaliá-la ainda necessitam de maior conhecimento, esclarecimentos de conceitos, aprimoramento profissional e fundamentação científica por meio da realização de mais pesquisas sobre o tema espiritualidade e religiosidade. (PUCHALSKI; LARSON; LU, 2001). Há um aumento de mais de 600% das publicações científicas envolvendo espiritualidade e saúde em 10 anos. (STEFANEK; MCDONALD; HESS, 2005). Este aumento pode ser relacionado às manifestações de insatisfações ao modelo da biomedicina, que acabou por impulsionar: [..] o fortalecimento da crítica aos pressupostos filosóficos da racionalidade científica, a partir da segunda metade do século XX, e o surpreendente aumento dos movimentos religiosos, no final do mesmo século, criaram condições para o florescimento de uma extensa literatura, proclamando ideias e estratégias de saúde integradas a uma visão religiosa. Estas publicações passam a ser consumidas amplamente, tanto pela população como pelos profissionais de saúde. Apesar desta mudança cultural, os estudos acadêmicos em saúde continuam extremamente fechados à incorporação de aspectos religiosos no entendimento do processo de adoecimento e cura. (VASCONCELOS, 2009, p. 324). Os termos religiosidade e espiritualidade são utilizados frequentemente como sinônimos, mas seus significados não são os mesmos. Torna-se necessário neste momento fazer uma clara distinção entre eles, e existem na literatura várias definições acerca de religiosidade e espiritualidade. Isto é importante porque, em uma sociedade secular crescente, muitas pessoas que não têm fé religiosa específica, têm espiritualidade que dá a sua vida significado e propósito (NEELY; MINFORD, 2008). Lukoff, Lu e Turner (1992) definem religiosidade como adesão a crenças e práticas relativas a uma igreja ou instituição religiosa organizada, e espiritualidade, como a relação estabelecida de uma pessoa com um ser ou uma força superior a qual acredita. Worthington et al. (1996) definem uma pessoa religiosa como aquela que possui crenças religiosas e que valoriza a religião como instituição. Já uma pessoa espiritualizada é aquela que acredita, valoriza ou tem devoção a algum poder superior, mas não necessariamente possui crenças religiosas ou é devoto de alguma. Para Giovelli et al. (2012), a religiosidade trata de uma relação com a força divina ou sobrenatural; está ligada ao sagrado e a uma doutrina; serve como veículo pelo qual o indivíduo expressa sua espiritualidade, a partir de valores, crenças e práticas rituais que podem fornecer respostas às perguntas essenciais sobre as questões de vida e morte. É a aceitação de determinados conjuntos de valores e suas implicações. A espiritualidade, por sua vez, possui inúmeras definições. Boff (2001) a relaciona com as qualidades do espírito humano, tais como amor e compaixão, paciência e tolerância, capacidade de perdoar, comportamento, noção de responsabilidade, noção de harmonia, que trazem felicidade para a própria pessoa como para os outros. Saad, Masiero e Battistella (2001) a definem como um sistema de crenças que enfoca elementos intangíveis e que transmite vitalidade e significado a eventos da vida. Tal crença pode mobilizar energias e iniciativas extremamente positivas, com potencial ilimitado para melhorar a qualidade de vida das pessoas. A busca de sentido e significado em tudo que está em nós e em nossa volta é uma das necessidades fundamentais do ser humano, sendo realizada através de conceitos que transcendem o tangível; esta busca e crença em um sentido de conexão com algo maior que si próprio pode ser chamada de espiritualidade. (GIOVELLI et al., 2012). Assim, a espiritualidade é uma experiência universal que abrange o domínio existencial e a essência do que é ser humano; não significa uma doutrina religiosa, mas sim uma filosofia do indivíduo, seus valores e o sentido atribuído à vida, não se limitando a qualquer tipo de crença ou prática religiosa. A dimensão da espiritualidade visa a favorecer a harmonia com o universo, esforçando-se para responder a questões sobre o infinito e entra em evidência quando o indivíduo se encontra em situações de estresse emocional, doença física e morte, buscando um sentido para os acontecimentos, a integridade, a paz e a harmonia. Está relacionada com a essência da vida e produz comportamentos e sentimentos de esperança, amor e fé, em uma perspectiva de subjetividade e transcendência, que, pode ou não levar ao desenvolvimento de práticas religiosas. (GIOVELLI et al., 2012). Portanto, pode-se ter espiritualidade sem religião, mas não pode ter religião sem espiritualidade. A espiritualidade faz com que o significado flua na vida diária. A espiritualidade é uma questão de confiança naquele supremo pertencer que você vivencia em momentos de pico, de entendimento e percepção profunda. Estes momentos aparecem muitas vezes em situações como mudanças, doenças ou conflitos como uma compreensão súbita ou iluminação (CAPRA; STEINDL-RAST, 1993). De fato, até o momento, os termos espiritualidade e religiosidade envolvem diversos conceitos. Segundo Koenig (2008), a espiritualidade estaria muito mais relacionada ao cuidado com o paciente do que a religiosidade que, por ser mais facilmente aferida, teria papel importante nas pesquisas científicas. Apesar dos significados distintos, o certo é que as crenças religiosas e espirituais demonstram serem recursos auxiliares na promoção de saúde e no enfrentamento de acontecimentos estressores, como no processo saúde-doença. Os conceitos espiritualistas provenientes da nova ciência podem e devem ser aplicados na saúde e na relação médico-paciente. Acreditando que o trabalho vivo1 em ato seja capaz de criar infinitas possibilidades, modificando o objeto, ajudando-o na sua reestabilização, é neste contexto que a espiritualidade se insere. No trabalho em saúde o consumo do produto pelo usuário dá-se imediatamente na produção da 1 Por trabalho vivo entende-se o momento do trabalho em si, o qual depende de todo o saber adquirido para realização do mesmo. Esse momento é marcado pelas diversas possibilidades que o profissional tem para agir neste ato produtivo, incluindo aí seus saberes, sua subjetividade e os materiais que ele utiliza (MERHY, 1995). ação, construindo um espaço intercessor entre o trabalhador e o usuário que sempre existirá nos seus encontros, mas só nos seus encontros e em ato. (MERHY, 2003) Segundo Dal-Farra e Geremia (2010), excluir completamente os fatores religiosos e espirituais ou desconsiderá-los como parte importante do ser humano pode gerar uma oposição desnecessária, afetando as interconexões entre as diferentes dimensões do ser humano biopsicossocioespiritual. Por outro lado, uma posição conciliatória com o objetivo de construir a sinergia entre os vários elementos, pode contribuir para a saúde e o bem-estar, resultando inclusive em maior aderência aos procedimentos preventivos e terapêuticos. Segundo Neely e Minford (2008), nos últimos anos tem havido um interesse renovado nas ligações entre a espiritualidade, religião e saúde, refletida em um volume crescente de literatura sobre as relações entre eles. É reconhecido e lembrado que um paciente precisa ser tratado como uma pessoa inteira e não apenas como uma doença ou condição. A pessoa inteira tem dimensões físicas, emocionais e espirituais que interagem umas com as outras e conta para o bemestar pessoal. Cada vez mais a ciência se curva diante da grandeza e da importância da espiritualidade na dimensão do ser humano e o tema espiritualidade aparece nas principais revistas e conferências médicas. A interação entre mente e corpo, e a influência da espiritualidade sobre parâmetros de saúde estão amplamente demonstradas na literatura, indicando claramente que os aspectos ligados à espiritualidade auxiliam na promoção de tranquilidade e bem-estar em face das doenças e na prevenção e recuperação de pacientes, havendo uma relação positiva entre envolvimento espiritual e saúde física e mental (BARNES et al., 2000). Segundo Koenig (2003), verifica-se que, nos momentos de acometimentos físicos e emocionais, as questões espirituais se tornam mais importantes, bem como as relativas ao significado e propósito da vida, assumindo, portanto, maior relevância em países como o Brasil, em que a população idosa está em franco crescimento e a prevalência de doenças crônicas se amplia proporcionalmente. O principal motivo que justifica o médico abordar a espiritualidade com seus pacientes é que a maioria deles acredita em Deus e tem uma religião. Outros motivos são que os pacientes gostariam que suas necessidades religiosas e espirituais fossem ouvidas e que crenças religiosas afetam decisões médicas e podem conflitar com o tratamento. (KOENIG, 2003) As influências da religião dos pacientes, familiares e médicos se expressão no atendimento em saúde, desde a escolha do profissional a ser consultado, nas escolhas terapêuticas e na adesão ao tratamento. Segundo Pessini (2007), há a crença de que ambientes humanizados são fatores de saúde e cura; os valores humanos, que até há pouco tempo não eram tidos como importantes, são retomados no cuidado em saúde. Vários estudos prospectivos descobriram que aqueles que são mais religiosos têm pressão arterial mais baixa, menor número de eventos cardíacos, melhores resultados após a cirurgia cardíaca e maior sobrevida em geral. (LUCCHETTI, et al., 2012; NEELY; MINFORD, 2008). Um extenso conjunto de publicações em bases de dados como Medline, PsycLIT, Embase, Ciscom e Cochrane Library têm identificado evidências de que o envolvimento religioso está favoravelmente associado a indicadores de bem-estar psicológico, incluindo a satisfação na vida, a felicidade, menor frequência de depressão e de utilização de drogas de abuso, entre outros. (MOREIRA-ALMEIDA; LOTUFO NETO; KOENIG, 2006). Culliford (2002) apontou uma extensa lista de 1.200 estudos e 400 revisões sobre correlações estatísticas e estudos longitudinais relacionando benefícios de práticas espirituais em pacientes com doenças cardíacas, hipertensão, doenças cerebrovasculares, imunológicas, câncer, dor e disfunções em geral, comportamentos saudáveis e a prática de exercícios, tabagismo, drogas, síndrome de burnout, relacionamentos conjugais e familiares, psicoses, depressão, ansiedade, suicídio e transtornos de personalidade. Os resultados indicaram claramente que os aspectos ligados à espiritualidade auxiliam na promoção de tranquilidade e bemestar em face das doenças e na prevenção e recuperação de indivíduos afetados. Podem, ainda, positivamente, auxiliar no processo saúde e doença, desde comportamentos como respeito ao corpo (menor uso de tabaco, drogas e atividade sexual de risco) e o suporte social da comunidade, até os efeitos psiconeuroimunológicos da prece, da meditação e dos rituais. (LEVIN, 1996). McCullough et al. (2000), em metanálise de 42 estudos independentes, avaliando cerca de 125.826 participantes, demonstraram que o envolvimento com prática religiosa foi significativamente associado à menor mortalidade. Diversos estudos examinaram a relação da religiosidade e/ou espiritualidade com diversos aspectos da saúde mental. A maioria deles aponta para melhores indicadores de saúde mental e adaptação ao estresse em pessoas que praticam atividades ditas religiosas. (MOREIRA-ALMEIDA; LOTUFO NETO; KOENIG, 2006). Considerando que os estados de doença provocam uma ruptura nos aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais dos pacientes, as ações de cura deveriam atender a todos esses fatores. (SULMASY, 2002) Para Saad e Almeida (2008), quando um indivíduo se sente incapaz de encontrar um significado para os eventos da vida, como a doença, ele sofre pelo sentimento de vazio e desespero. Porém, a espiritualidade oferece um referencial positivo para o enfrentamento e ajuda a suportar melhor os sentimentos de culpa, raiva e ansiedade. A espiritualidade proporciona crescimento nos vários campos do relacionamento: no campo intrapessoal (consigo próprio), gera esperança, altruísmo e idealismo, além de dar propósito para a vida e para o sofrimento; no campo interpessoal (com os outros) gera tolerância, unidade e o senso de pertencer a um grupo; no campo transpessoal (com um poder supremo), desperta o amor incondicional, adoração e crença de não estar só. (SAAD; ALMEIDA, 2008). Enfim, pacientes, assim como suas famílias, devem ter suas necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais atendidas, sem que nenhum destes aspectos seja esquecido. Portanto, o olhar do médico e do profissional da saúde para o processo saúde-doença deve ser ampliado, incluindo os propósitos de vida e as concepções de mundo. 4. ENSINO MÉDICO E ESPIRITUALIDADE "Tão importante quanto conhecer a doença que o homem tem, é conhecer o homem que tem a doença". (Osler, 1849) 4.1. Considerações Históricas Na antiguidade clássica, a filosofia abraçava todos os campos do saber. Era na Grécia antiga, de todas as ciências humanas, a Medicina, a mais afim das ciências éticas de Sócrates. Dotada de uma visão holística, entendia o homem como um ser de corpo e espírito, atuando em uma série de fatores causais. (JAEGER, 1995). Na Idade Média, da Filosofia surge um primeiro ramo, a Teologia. Ao final da Idade Média, vinculados à Igreja Cristã, surgem os hospitais, depositários de doentes sem condições de recuperação, obra de caridade e local de institucionalização da educação médica na época. (SCLIAR, 1996). No século XVI, inicia-se uma fase de exploração dos mistérios do corpo e a Medicina passa a ser tratada como arte e ciência. Com Newton, a Filosofia começa a se fragmentar de forma definitiva e com Descartes a Matemática passa a ser o modelo de todas as ciências que surgiam. O homem começava a ser visto como uma máquina com aparelhos e sistemas concretos. A Idade Moderna é marcada por um novo papel do hospital, agora, lugar de cura e de recuperação dos enfermos, restabelecendo-os ao seu papel produtivo na sociedade capitalista mercantil da época. (SCLIAR, 1996). Até o final do século XIX, o ensino médico era carente de base científica e baseado em aula magistral. A partir do desenvolvimento das ciências biológicas, da química, da física e da matemática há uma reorganização no saber médico, que gradativamente, passa a desconsiderar as fontes das humanidades, levando a desumanização no ensino e na prática da Medicina. (JAEGER, 1995). Nos Estados Unidos, no final do século XIX, difunde-se a necessidade nas escolas médicas de laboratórios, mestres e pesquisadores. A evolução tecnocientífica em velocidade cada vez maior, principalmente após as Grandes Guerras do século XX, levou a extrema valorização dos aspectos científicos em detrimento dos aspectos humanistas. (DANTAS FILHO; SÁ, 2007). Na segunda década do século XX, nos Estados Unidos, um estudo encomendado pela Carnegie Foundation denominado relatório Flexner, acaba por se tornar paradigma para o ensino superior, principalmente nas carreiras biomédicas. A nova concepção, a partir de então, era que o ensino médico deveria ser construído em atividades na enfermaria e no laboratório. Propunha, ainda, a divisão do curso em disciplinas básicas e clínicas, a criação dos departamentos e sistemas de créditos. Estas modificações acabam fortalecendo uma visão individualista, tecnicista, biologista e hospitaliza a educação médica (FLEXNER, 1910). A atenção dos médicos transferiu-se dos pacientes para a doença. Localizaram, diagnosticaram e classificaram patologias. Os hospitais passam a ser centro de diagnósticos, terapia e ensino. Iniciou-se a tendência a especialização. (CAPRA, 2001). Esta visão organicista promoveu a divisão do ser humano, em nível do corpo, em aparelhos, sistemas e órgãos e influenciou uma ruptura gradual da relação médico-paciente, a medicalização e a supervalorização da tecnologia médica. O paradigma, até então, da formação dos médicos se caracterizava pelo predomínio da dimensão biológica do homem não havendo espaços significativos para o desenvolvimento da relação profissional/cliente. A doença e as especialidades eram os focos principais, não sendo considerados os determinantes sócios econômicos culturais e políticos que envolvem o processo saúde-doença. (BOGHOSSIAM, 1996). Este modelo histórico de formação médica mecanicista, fragmentado e reducionista, separou o corpo da mente, o sentimento da razão, a ciência da ética, refletindo em uma prática médica com vínculos superficiais, falta de reforços positivos, pressa, ações corporais ofensivas entre colegas, falhas de comunicação e pouca responsabilização na condução das histórias de vida e registro dos pacientes. (BINZ; MENEZES FILHO; SAUPE, 2010). A lógica da produtividade tomou conta da relação paciente-médico e a Medicina tornou-se impessoal, excessivamente técnica, fria e distante. O tratamento do paciente transformou-se, quase que exclusivamente, em uma intervenção exterior, dirigida à anormalidade biológica, através de drogas de todos os tipos e ações. A atenção do médico desviou-se do paciente para a doença. A intensa valorização dos aspectos tecnológicos e científicos acabou por afastar o estudante de Medicina da formação ética e humanística. Nos cuidados médicos modernos, a tecnologia pesada passou a ocupar lugar central, promovendo, ainda mais, a especialização, deixando o médico de olhar o paciente como um todo, produto de uma integração do corpo, espírito e mente com seu ambiente social e natural. Nos anos 90, as discussões sobre o ensino médico no Brasil ganharam maior articulação a partir da criação da CINAEM, renomeada anos depois de Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas, na qual estão representados praticamente todos os órgãos de classe e de ensino médico. A CINAEM foi criada em novembro de 1990, durante a realização do XXVIII Congresso da ABEM com o objetivo de avaliar o ensino médico no país. Para compor esse grupo foram convidadas entidades representativas da comunidade acadêmica e da classe médica. Em 1994 dados do CINAEM mostravam que a maioria dos cursos no Brasil se dividia em ciclos básico, clínico, pré-clínico e internato, o ensino era departamentalizado e havia pouca integração de conhecimentos. O CINAEM mostrou que o modelo de ensino vigente é centrado na doença, sem visão integradora do indivíduo e da sociedade; que o aluno privilegia os conhecimentos técnicos e em menor grau as habilidades e a relação com o paciente; há baixa titulação docente; predominam as atividades docentes no ensino e na assistência e em menor proporção na pesquisa; há especialização precoce do aluno, decorrente principalmente da associação entre a escola médica e o hospital universitário, cuja organização se baseia na divisão da prática por especialidades e subespecialidades, na utilização acrítica de tecnologia e na concepção de prática da Medicina liberal (COMISSÃO INTERINSTITUCIONAL NACIONAL DE AVALIAÇÃO DAS ESCOLAS MÉDICAS, 1994). Em momento posterior, as análises passaram a centrar-se na questão da formação do docente de Medicina, vista como fator limitante à mudança e/ou à melhoria da qualidade no ensino. No entanto, o docente de Medicina, como a maioria dos docentes universitários, tem seu ingresso na docência sem passar por qualquer formação didática, com exceção de disciplina eventualmente existente na pós-graduação. Em geral, os bons docentes referem-se a modelos de bons docentes que tiveram em seus tempos de faculdade e que procuram reproduzir. Os alunos, por seu lado, referem-se aos bons docentes como aqueles que possuem nítido interesse em ensinar; estabelecem boas relações com seus alunos; sabem selecionar o conteúdo de ensino relevante para a formação de graduação e se portam de forma compassiva e ética frente aos pacientes e a seus pares. E, claramente, há uma boa dose de paixão embutida nisso. (BALZAN,1996). 4.2. Crise da Sociedade “O mundo depende de você e daquilo que você comunica a outras pessoas. Ele depende daquilo que você acredita que é real” Goswami, 2000 Na sociedade deste século, seres humanos buscam caminhos de integração e respeito e valorizam a vida espiritual. Reflexões sobre a humanização, a bioética, a diversidade étnica e sexual e a pluralidade cultural devem estar presentes na formação deste novo médico. Reencontrar e revalorizar as humanidades nos cursos de Medicina implica em ampliar os conhecimentos capazes de propiciar a crítica, incrementar a construção de recursos de vínculo por esses novos profissionais médicos, incorporar informações sobre as comunidades, cuidados e continuidade da assistência, bem como priorizar as ações de atenção, conforme as necessidades concretas da população. (AMORETTI, 2005). A crescente insatisfação do modelo biomedicina, o novo paradigma científico, a partir da segunda metade do século XX, e o aumento dos movimentos religiosos, no final do mesmo século, criaram condições para o fortalecimento de uma extensa literatura, proclamando ideias e estratégias de saúde integradas a uma visão religiosa. (BOFF, 1999; PIETRONI, 1988). A preocupação crescente com as mudanças necessárias na educação em saúde fomenta estudos e debates sobre a formação médica e os caminhos para a mudança. (BRASIL, 2006). Nos últimos anos, iniciativas governamentais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), o Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed) e o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), demonstram a preocupação em consolidar mudanças na formação dos recursos humanos, conforme a visão moderna de saúde, levando a uma formação crítica e humanista do profissional médico (BINZ; MENEZES FILHO; SAUPE, 2010; LAMPERT, 2004). As premissas enfatizadas nas novas diretrizes incluem integração entre teoria e prática, pesquisa e ensino e entre conteúdos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais do processo saúde-doença, além da inserção precoce e responsável dos estudantes em atividades formativas nos serviços de saúde e o estímulo à participação ativa destes na construção do conhecimento, atitudes estas que instigam uma interação ativa entre estudantes, professores, profissionais de saúde e usuários. (NOGUEIRA, 2009). Na realidade da atenção em saúde, surgem as questões da relação entre as necessidades do sistema de saúde histórico. A LDBEN (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional) define dentro de suas finalidades o estímulo ao conhecimento dos problemas do mundo atual (Nacional e Regional) e a prestação de serviço especializado à população, estabelecendo com ela uma relação de reciprocidade. (MITRE, 2008). O Conselho Nacional de Educação através da resolução CNE/CES Nº 4 de 2001, institui em seu artigo 3º: O Curso de Graduação em Medicina tem como perfil do formando egresso/profissional o médico, com formação humanística, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de organização, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor de saúde integral do ser humano. 4.3. O novo modelo “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho; as pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo” (Paulo Freire, 1987) Assim, frente ao desafio de aperfeiçoar o cuidado do ser humano nos estados de saúde e doença, respeitando-o como um ser integral, muitas faculdades de Medicina têm incluído atividades relacionadas à importância da espiritualidade para a saúde e o bem-estar das pessoas. No ensino médico, a excessiva valorização dos aspectos tecnológicos e científicos da profissão, que ganhou força extraordinária após o Relatório Flexner, acabou por afastar brutalmente o estudante de Medicina da formação ético-humanística, que além de relegada a um segundo plano, não raro era considerada supérflua ou até ridícula. Não há dúvida, porém, que a crença das pessoas afeta radicalmente sua visão de mundo e influencia desse modo todas as suas atitudes e decisões. Essa influência pode facilitar ou dificultar suas relações interpessoais, incluída aí a relação médico-paciente. (DANTAS FILHO; SÁ, 2007, p. 273). Em resposta a esta necessidade, a Associação de Faculdades de Medicina Americanas e o Instituto Nacional de Pesquisa no Cuidado à Saúde, reconhecendo a importância da bioética e o aumento de evidências sobre a interconexão entre espiritualidade e saúde, têm patrocinado conferências para praticar o desenvolvimento curricular desta temática nos cursos de Medicina nos Estados Unidos. (PUCHALSKI; LARSON; LU, 2001). Corroborando e ampliando esta diretriz, a Organização Mundial de Saúde e a Comissão Conjunta de Acreditação de Organizações de Saúde recomendam que as questões espirituais devam ser inseridas no ensino dos profissionais de saúde (FREEMAN; DOBBIE, 2007). A força da espiritualidade funciona como uma ferramenta de “promoção da saúde, na medida em que aborda dimensões pouco conscientes do ser em que se assentam os valores, motivações profundas e sentidos últimos da existência individual e coletiva”, como bem lembra Vasconcelos (2009, p. 325). Os portadores de doenças graves vivem crises subjetivas intensas e mergulham com profundidade em dimensões inconscientes da subjetividade. É nessa elaboração subjetiva profunda que são construídos novos sentidos e significados para suas vidas, capazes de mobilizá-los na difícil tarefa de reorganização do viver exigida para a conquista da saúde. Há uma milenar tradição do uso da espiritualidade no enfrentamento dos problemas de saúde que pode ser resgatada, mas que necessita ser atualizada para as atuais características da sociedade. (VASCONCELOS, 2009, p. 325). A inserção de temas envolvendo espiritualidade e religiosidade no curso de Medicina seguem os caminhos dessa visão mais ampla de ser humano, que supera os paradigmas tecnocientífico e comercial-empresarial da Medicina atual, integrando o paradigma humanitário-solidário, a partir do qual o paciente é visto, além de exclusivamente por sua biologia, também por sua biografia, (MARTIN, 1998). É a busca de um conceito ainda mais global de saúde, incorporando ao clássico conceito da OMS de “bem-estar físico, mental e social” (SILVA, 1998) o “bem-estar espiritual”. (MARTIN, 1998). Neste novo século, o avanço tecnológico, as reflexões sobre as metodologias de ensino e as publicações científicas e discussões da espiritualidade sobre a saúde humana são repercussões das alterações do mundo no ensino em saúde. (DAL FARRA; GEREMIA, 2010). Sobre as metodologias, vivemos um momento do ensino e aprendizado em transição de um modelo tecnocrático, depositário e fragmentado para um novo modelo construído por valores, em conjunto e integralista, permitindo a correlação entre o significado e a contextualização do conhecimento em questão. Desta forma, o processo de ensino e aprendizagem passa a valorizar o desenvolvimento de habilidades técnicas cognitivas e atitudinais, através da busca ativa, autoformação, articulação do conhecimento, raciocínio crítico, habilidades de comunicação, saber atuar em equipe, discussão bioética, étnica, diversidade sexual e transcultural. Segundo Santos, Tenório e Kich (2011), o grande desafio de uma proposta de ensino é desenvolver reflexões e questionamentos do tipo: como lidar com as necessidades de aprendizagem dos alunos? O que deve ser ensinado? Que saberes são significativos para sua aprendizagem? Quais são os interesses, frente aos conflitos sociais que se vivenciam? As situações didáticas são pontos fundamentais para desencadear o processo de aprendizagem. O docente, ao criar condições para que o aluno possa sentir/pensar/agir, promove a integração dos conteúdos, dos alunos entre si, e a relação professor/ alunos. (SANTOS; TENÓRIO; KICH, 2011, p. 61). De acordo com Dellaroza e Vannuchi (2005) existem alguns princípios para a construção de um currículo integrado, são eles: totalidade, interdisciplinaridade, relação entre teoria e prática, e deve ser considerado um processo permanente aberto para discussão, crítica, avaliação, sendo reconstruído sempre. Nesse sentido, deve ser valorizada a integração do ensino, do serviço e da comunidade, assim como a problematização (exercer uma análise crítica sobre o problema) e a aprendizagem significativa (o mais importante é aquilo que o aprendiz já sabe). É preciso que a ação educativa esteja pautada na vivência dos aprendizes, oportunizando a elaboração de novos conceitos, a resolução de problemas e a tomada de decisões, tanto individual como coletivamente. Assim, dizemos que esse processo tem como resultados as aprendizagens significativas desses alunos. (SANTOS; TENÓRIO; KICH, 2011, p. 62) Módulos interdisciplinares substituem a função administrativa das disciplinas, e devem garantir habilidades cognitivas (saber), psicomotoras (saber fazer) e atitudinais (saber ser e saber conviver) necessárias para o alcance de desempenhos e competências. (DELLAROZA; VANNUCHI, 2005). Na formação em saúde, surge também o conceito de aprender fazendo, ação-reflexão-ação presente ao longo de toda a carreira. O armazenamento e entendimento das informações se processam na relação estabelecida entre o significado e o contexto, o que já se sabe, para que se serve, e aonde se insere em minha realidade. Portanto, na aprendizagem significativa se estabelece a relação destes dois processos: o da continuidade, relações estabelecidas com o conhecimento prévio e o da ruptura, ao problematizar a realidade por sujeito crítico e reflexivo. Ao problematizar o discente, torna-se responsável por sua comunidade e sociedade real, um agente de transformação social, pois mobiliza discussões éticas, políticas e sociais. O conhecimento não se transmite se comunica e nesta comunicação exigemse habilidades tanto na busca de reforços positivos do seu processo como na busca de quebra de barreiras que limitam a sua expansibilidade. (PEGORARO, 2002.). O conhecimento surge da intenção e desejo da busca de resposta à própria realidade da vida humana. Surge como trabalho morto2 da ação comportamento. Esta relação realidade, pergunta, conhecimento, comportamento e nova realidade se retroalimentam dentro de realidades que se encontram, se transformam, se criam e recriam-se. E nestes intercruzamentos de realidade é que os preceitos bioéticos surgem. (PEGORARO, 2002.). Em nosso País, o Ministério da Saúde, aprovou a Portaria n. 1820, de 13 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009), que “dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde nos termos da legislação vigente” (art. 1º), que passam a constituir a “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde” (art. 9º), publicada no Diário Oficial da União, 14 de agosto de 2009. O artigo 4º e parágrafo único afirmam: Toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado e acolhedor, realizado por profissionais qualificados, em ambiente limpo, confortável e acessível a todos. Parágrafo único: É direito da pessoa, na rede de serviços de saúde, ter atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em virtude de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, de anomalia, patologia ou de deficiência, garantindo-lhe: III – nas consultas, nos procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e internações, o seguinte: (...); d) aos seus valores éticos, culturais e religiosos; (...); g) o bem-estar psíquico e emocional; X – a escolha do local de morte; (...) XIX – o recebimento de visita de religiosos de qualquer credo, sem que isso acarrete mudança na rotina de tratamento e do estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações a si ou aos outros. A Associação Médica Mundial, na “Declaração sobre os Direitos do Paciente” (UNESCO, 2005), diz que “O paciente tem o direito de receber ou recusar conforto espiritual ou moral, incluindo a ajuda de um ministro de sua religião de escolha”. A dimensão da espiritualidade é fator de bem-estar, conforto, esperança e saúde, e precisamos urgentemente de que nossas instituições de saúde se organizem no atendimento desta necessidade humana. Em 1993, menos de cinco escolas médicas dos Estados Unidos tinham a disciplina de religião/espiritualidade. Em 1994, apenas 13% das escolas médicas dos EUA ofereciam ensino sobre questões religiosas e espirituais aplicada à 2 Trabalho morto são produtos de trabalhos humanos que os concretizaram, isto é, não estão prontos na natureza, e estão expressando no momento de sua utilização um trabalho morto que foi resultado de um trabalho vivo anterior que os produziram (MERHY, 2005). Medicina (17 das 126 escolas médicas americanas ofereciam cursos sobre Espiritualidade). Atualmente a maioria destas escolas oferecem em seus cursos tal temática. Os médicos educadores americanos tornaram-se mais conscientes de que a espiritualidade é um componente integral da assistência integral ao paciente e passaram a se esforçar para formar médicos mais compassivos. Os estudantes de Medicina estão sendo ensinados a atender às expectativas dos pacientes em respeitar e incorporar as suas perspectivas espirituais em seus cuidados. (NEELY; MINFORD, 2008). Dados da Harvard Medical School de 2007 apontam que mais de 100 escolas médicas americanas das atuais 141 (70,9%), já possuem cursos de espiritualidade na Medicina (FORTIN; BARNETT, 2004). Da mesma forma, instruções a respeito de espiritualidade nos programas americanos de residência médica em psiquiatria já são obrigatórias. (PUCHALSKI; LARSON; LU, 2009). Neely e Minford (2008) realizaram um estudo no Reino Unido objetivando investigar a natureza do ensino sobre a espiritualidade no currículo de graduação em Medicina, bem como verificar como os estudantes de Medicina são preparados para identificar as necessidades espirituais dos pacientes. Concluíram que apesar de 59% das escolas médicas do Reino Unido fornecer alguma forma de ensino sobre a espiritualidade, há pouca uniformidade entre as escolas médicas no que diz respeito ao conteúdo, forma, quantidade ou forma de ministrar o ensino. No Canadá, pesquisa realizada pelo George Washington Institute for Spirituality and Heath (GWISH) em 2001 demonstrou que haviam 4 escolas médicas com cursos de espiritualidade, 24% das 17 escolas. Em decorrência disso, foi criado o Gwish Canada Initiative em 2004, envolvendo líderes de 12 escolas médicas canadenses (70% do total) para implementação maciça de cursos de espiritualidade na Medicina do Canadá. (NEELY; MINFORD, 2008). Pouca informação existe sobre o ensino de Espiritualidade e Saúde nas Faculdades de Medicina na América Latina, Ásia, Austrália ou África. (BORGES et al., 2012). Conforme Borges et al. (2012), no Brasil, poucas Faculdades de Medicina possuem cursos relacionados à espiritualidade e saúde e, atualmente, aproximadamente 40% fornece alguma forma de ensino referente à temática. Infelizmente a maioria dos ensinos sobre espiritualidade e saúde não são padronizados e poucas universidades oferecem oportunidade para os estudantes realmente praticarem o que eles aprenderam. No Brasil, a primeira instituição a oferecer um curso a respeito do assunto foi a Universidade de Santa Cecília, localizada em Santos, Estado de São Paulo, no ano de 2002. Contudo, a primeira faculdade a promover a inserção do tema no currículo acadêmico foi a Universidade do Ceará, somente em 2006. Nos anos posteriores, outras Instituições, como as Universidades Federais de São Paulo, Rio Grande do Norte e do Triângulo Mineiro, passaram a oferecer algum curso relacionado à espiritualidade, todos no currículo de optativas. (LUCCHETTI; GRANERO, 2010). O Brasil conta também com grupos de pesquisa especializados em espiritualidade e saúde, como o PROSER (Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade) do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, o NUSE (Núcleo Universitário de Saúde e Espiritualidade) da Universidade Federal de São Paulo e o NUPES (Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde) da Universidade Federal de Juiz de Fora, os quais são responsáveis por grande parte das publicações relacionadas à Medicina e espiritualidade no Brasil. Lucchetti et al.(2012) afirmam que atualmente há um consenso geral entre os médicos e os professores das escolas médicas sobre a importância da espiritualidade na saúde, sendo necessária então, a inserção do tema no currículo das Faculdades de Medicina. Verifica-se, neste processo, a inclusão de atividades variadas e com diferentes objetivos em cada instituição. Fortin e Barnet (2004) ao estudarem as formas de inclusão da espiritualidade em atividades acadêmicas nas Faculdades de Medicina, constataram que elas são estruturadas de diferentes formas, tais como palestras, discussões em pequenos grupos, entrevistas padronizadas de pacientes, acompanhamento de capelães e leituras específicas. É muito importante que as inter-relações entre a espiritualidade e saúde sejam efetivamente contempladas na formação dos médicos e demais profissionais de saúde, abordando-se, inclusive práticas educativas. Entretanto, o fato de ser uma temática em fase de construção quanto a sua abordagem e inserção nos currículos torna relevante a realização de amplo debate acerca do tema por parte da comunidade acadêmica, tendo em vista os diferentes olhares sobre a questão e o processo democrático que deve permear a educação. Mesmo que muitas vezes não seja verbalizada nas interações dos pacientes com os médicos, a influência das questões espirituais estará sempre presente, compondo, em maior ou menor grau, a subjetividade do indivíduo, segundo uma perspectiva ética de abordagem. Deste modo, a inserção da espiritualidade no ensino na área da saúde representa considerá-la uma variável importante na constituição dos seres humanos, assim como os demais aspectos que os compõem como sujeitos, objetivando aumentar o conhecimento sobre as diversas religiões, desenvolvendo mecanismos de respeito e tolerância para com o paciente visto como ser integral e autônomo; revisar os conceitos pessoais dos estudantes, promovendo um exercício de busca de soluções para os possíveis enfrentamentos entre os conceitos (e preconceitos) próprios e os do paciente. (DANTAS FILHO; SÁ, 2007). As abordagens em educação devem ser realizadas de forma gradual e com uma inserção harmoniosa com as demais disciplinas. É fundamental que os médicos respeitem os aspectos espirituais dos pacientes diante da importância que representam na vida das pessoas. Segundo Pessotti (1996), num mundo em que os avanços científicos precisam prosseguir em paralelo à adoção de princípios éticos que visem ao bemestar de todos, não se pode prescindir da necessidade de cultivar uma atitude de profundo respeito à condição do outro, reconhecendo suas necessidades, seus anseios e suas potencialidades. Sob esta perspectiva, a inserção de temáticas que favoreçam a consideração do ser humano do ponto de vista integral permite abordar o paciente diante de seus anseios e expectativas. 5. PEDIATRIA E ESPIRITUALIDADE “A Pediatria não é uma área de atividade dentro da Medicina: ela é toda a Medicina.” (Pedro de Alcantara, 1979) A Pediatria é o campo da Medicina que atende os problemas da criança, isto é, do ser humano em seu período de desenvolvimento, da fecundação à puberdade e tem como condição de existência e validade o amor à criança, o interesse por seu bem estar presente e futuro, o prazer de sua presença e na sua contemplação. (ALCANTARA, 1979) A criança nos abre ao transcendente, a gratuidade de amor, à expansão da existência para níveis que nos sobrepassam/transcendem, provocam em nós cumplicidades e a consciência de unidade. No processo do trabalho do pediatra, o objeto, a criança, não é só de corpo, como também de espírito e relações. Muitas vezes, a criança não se expressa pela linguagem codificada surgindo na comunicação símbolos e linguagens únicas. Os sentidos devem ser ampliados, devendo o pediatra estar atento a todos os sons e a todos os silêncios, e utilizar de outros instrumentos fora os oriundos da física clássica como termômetros, estetoscópios e aparelhos de pressão. Segundo Alcantara (1979) “é uma área peculiar da Medicina, diversa das especialidades em geral. Enquanto estas cuidam dos problemas de um órgão, ou aparelho, ou de um sistema, a Pediatria cuida dos problemas de um período da vida.” Para o mesmo autor, a assistência global à criança, tem-se que a Pediatria é a Medicina da pessoa e é por isso que esta área peculiar da Medicina possui enorme responsabilidade, já que é aplicada no vulnerável período do crescimento e do desenvolvimento humano. Em consequência de ser a Medicina da pessoa em vulnerabilidade, a Pediatria condiciona, mais do que outros ramos da Medicina, modalidades de espírito e de conduta do médico. Pela susceptibilidade emocional da criança, a Pediatria induz ao médico a gentileza e à doçura no seu trato, a fim de conquistá-la para sua propedêutica. Essa conduta, entretanto, deve ser a exteriorização de um sentimento profundo, que é a atitude espiritual e afetiva do pediatra frente à vulnerabilidade da criança e da injustiça dos males que a acomete. (ALCANTARA, 1979). E exatamente por tratar de um período de vida da pessoa em que esta se encontra extremamente vulnerável que se torna muito importante o reconhecimento da espiritualidade no cuidado a saúde, como fonte de fortalecimento para o enfrentamento da doença, incentivando comportamentos e práticas saudáveis e fornecendo interações sociais. A literatura pediátrica contém poucas pesquisas sobre as relações entre a prática pediátrica e a espiritualidade (BARNES, et al., 2000; GROSSOEHME et al., 2007). Em recente busca na base Medline, entre os períodos de 2002 a 2013, foram encontradas 22 referências da relação espiritualidade e pediatria. Historicamente, as primeiras publicações na literatura científica relatavam os efeitos negativos desta relação, incluindo as objeções religiosas aos cuidados médicos, autoritarismo, castigo, sentimentos de culpa ou indignidade. (ARMBRUSTER ; CHIBNALL ; LEGETT, 2003). Somente a partir do final do século XX é que algumas publicações passaram a explorar o potencial positivo dos efeitos da espiritualidade no cuidado com a criança, incluindo diversos mecanismos como: respeito ao corpo; menor uso de tabaco, drogas e risco sexual; suporte social das comunidades religiosas; e os efeitos psiconeuroimunológicos da prece, meditação e dos rituais. Da mesma forma, outras publicações demonstram os efeitos das filosofias de vida nas tradições espirituais e religiosas como sentimentos de otimismo, amor e esperança e os significados do conforto espiritual nas crises existenciais como no final da vida. (ARMBRUSTER ; CHIBNALL ; LEGETT, 2003; LEVIN, 1996). O atendimento às crianças e adolescentes envolve interações multidimensionais complexas entre médico, equipe de saúde, pacientes, pais e/ou responsáveis, comunidade e sistema de saúde, que são inseparáveis no momento da tomada de decisão e manejo terapêutico. E este atendimento é fortemente afetado por crenças e valores, desigualdades sociais, avanços tecnológicos e questões morais da sociedade, resultando em vivências que, muitas vezes, são geradoras de dilemas éticos e espirituais. (GUEDERT; GROSSEMANN, 2011). Segundo Alcantara (1979), o pediatra deve estar atento a problemas orgânicos e psíquicos, em caráter preventivo e curativo. Cada um destes quatro aspectos deve ser considerado isoladamente e em suas múltiplas interdependências, à luz da constituição da criança; à luz das condições econômicas; das condições espirituais da família; e das condições do ambiente físico (clima, casa e terreno, agasalhos, condições propícias a acidentes), tudo isso em caráter evolutivo, conforme o progressivo desenvolvimento da criança, contribuindo para a formação de uma pessoa física e mentalmente sadia e socialmente útil. As crianças, em particular, não distinguem espiritualidade e religião e cada vez mais jovens têm ideias claras sobre realidade divina, fé e reza. (COLES, 1990). Eisemberg et al. (1998) concluíram que o senso de espiritualidade na criança ou o engajamento em alguma comunidade religiosa pode promover um enfrentamento estratégico positivo frente à doença e que diferentes tradições religiosas possuem diferentes interpretações do processo saúde-doença. Segundo Barnes et al. (2000), as tradições religiosas podem desempenhar vários papéis na vida das crianças, como por exemplo, fornecer estrutura para o desenvolvimento moral e para a socialização da criança em diferentes ideais de personalidade e comportamento e influenciar suas ideias a respeito da doença, do sofrimento, enfrentamento e cura, questões estas de grande relevância para a prática pediátrica e bem-estar infantil. Nos Estados Unidos, cerca de 100 milhões de crianças recebem anualmente atendimento pediátrico, sendo que estudos demonstram que a religião e a espiritualidade parecem influenciar os pediatras na abordagem dos cuidados às crianças (CATLIN et al., 2008). Atualmente, um número crescente de médicos reconhece que religião e espiritualidade ajudam alguns pacientes a lidarem com doenças, especialmente as que oferecem risco de vida. Pesquisas recentes descrevem as atitudes de médicos pediatras sobre religiosidade e espiritualidade e como estas poderiam influenciar no cuidado aos seus pacientes. (CADGE; ECKLUND, 2009). Em um estudo feito por Siegel et al. (2002), constatou-se que os pediatras exercem um importante papel no desenvolvimento das crianças e de suas famílias, bem como a religião e espiritualidade parecem influenciar a conduta dos pediatras quando do atendimento. Estes autores realizaram um estudo com pediatras e residentes em pediatria, e verificaram que apesar da maioria dos pesquisados acreditarem que a fé desempenha um papel na cura dos pacientes, apenas alguns deles perguntam sobre espiritualidade e religiosidade a seus pacientes. Verificaram, ainda, que os pesquisados com forte orientação religiosa e/ou espiritual demonstraram atitudes mais positivas para incorporar a religião e a espiritualidade em sua prática pediátrica. Os profissionais de saúde devem reconhecer o sofrimento da criança e dos membros de suas famílias ouvindo as suas histórias, proporcionando reflexões e auxiliando-os a encontrar seus significados de vida. Devem então identificar a necessidade de cuidado espiritual da criança e de sua família incorporando as questões éticas e oferecendo apoio. O pediatra tem o papel de facilitar o acesso aos recursos espirituais, assim como reconhecer e aceitar as práticas espirituais das famílias sob seus cuidados. A espiritualidade pode ser usada como estratégia de enfrentamento para amenizar o estresse vivido com a doença e oferecer conforto espiritual. (CALLAGHAN, 2005). Ebmeier et al. (1991) sugerem que a espiritualidade pode desempenhar um papel importante na vida diária de uma criança, que pode intensificar durante períodos de crise, como períodos de problemas de saúde, que envolvam experiências traumáticas (dano físico ou emocional), eventos de risco de vida (doença e morte). Tal como os adultos, a criança vai utilizar de experiências anteriores, incluindo as crenças religiosas e espirituais, na busca do sentido e para lidar com suas crises. Somando-se a isso, a criança terá uma gama de ideias preconcebidas, medos, preocupações e fantasias que são geralmente ligadas à fase de desenvolvimento cognitivo e experiências anteriores. É lógico que as crenças das crianças dependerão de seu estágio de desenvolvimento; parece apropriado tentar compreender espiritualidade das crianças através da abordagem de desenvolvimento. (McSHERRY; SMITH, 2005). Portanto, é necessário compreender as formas que as crianças podem expressar sua espiritualidade. A necessidade de significado e de integração afetiva, unida à capacidade simbólica própria dos primeiros anos levam, a criança, ao limiar da religiosidade, tornando-a particularmente disponível para a reflexão e relação com o transcendente. A constatação de que existe, aparentemente, uma associação positiva entre práticas espirituais e saúde nos faz naturalmente pensar em por que, como, quando e o que devemos abordar em espiritualidade na prática clínica. A provisão do cuidado espiritual pelo pediatra caracteriza-se como um desafio, dentre os papéis que lhes são atribuídos, ressaltam-se o estar presente, as habilidades de saber ouvir às demandas dos familiares e respeitar suas crenças e valores. (PAULA; NASCIMENTO; ROCHA, 2009). Desta forma, a espiritualidade e crenças pessoais dos pacientes necessitam ser inseridas no entendimento da prática clínica do pediatra (GIOVELLI et al., 2012). Trazer, portanto, a espiritualidade à discussão da prática do pediatra faz parte da ética dos seres vivos, o respeito e o reconhecimento do outro. Em todos os encontros clínicos, os pediatras podem ou não identificar a tradição espiritual e religiosa particular dos seus pacientes e familiares, e podem exibir diferentes graus de receptividade à dimensão espiritual nos seus cuidados. (BARNES et al., 2000). Um estudo realizado por Stern, Canda e Doershuk (1992) examinou a relação entre saúde, religião e espiritualidade das crianças e evidenciou que práticas religiosas e espirituais são comuns e muitas vezes percebida pelas crianças como úteis. O senso de espiritualidade e/ou envolvimento de uma criança em uma comunidade religiosa pode contribuir para o enfrentamento positivo de uma determinada doença, já que elas passam a se sentir apoiadas, assistidas frente às experiências difíceis, especialmente nos casos de medo noturno, problemas psiquiátricos, hospitalização, deficiência, câncer, doenças terminais. (BARNES et al., 2000). Ao fazerem um levantamento na literatura, McSherry e Smith (2005) verificaram que o desenvolvimento de uma abordagem mais ampla para a compreensão e atendimento das necessidades espirituais da criança e de sua família pode ser obtido através do desenvolvimento de uma compreensão multifacetada da natureza da espiritualidade, por meio do ensino médico; da ciência dos médicos de suas próprias crenças e valores; da garantia de uma abordagem centrada na criança, no intuito de fazer com que as crianças expressem suas crenças; minimização de separação ou rompimento com a criança e da família durante os períodos de doença; e compreensão de que a espiritualidade pode ou não ser expressa em crenças religiosas. 6. OBJETIVOS 6.1. Gerais Comparar a religiosidade/espiritualidade dos pediatras e dos residentes em pediatria, e como isso influencia a sua prática clínica. Identificar a percepção dos pediatras e residentes em pediatria quanto às necessidades espirituais das crianças atendidas e de seus familiares. 6.2. Específicos Correlacionar os aspectos da religiosidade/espiritualidade na prática do pediatra e dos residentes. Conhecer o quanto que, na opinião dos pediatras e residentes em pediatria, a religiosidade/espiritualidade das crianças e familiares influenciam no tratamento e enfrentamento das doenças. 7. METODOLOGIA 7.1. Tipo de estudo Exploratório, descritivo e quantitativo. 7.2. Local do estudo Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS), um complexo de atendimento público de saúde de nível terciário que realiza atendimentos clínicos e cirúrgicos. O CHS está integrado ao SUS e é responsável pelo atendimento de 48 municípios do sudoeste paulista com uma população de mais de 3 milhões de habitantes e também é referência para as Unidades Básicas de Saúde de Sorocaba e Pronto Atendimento. O CHS é local tanto da prática do médico pediatra, funcionário público do Estado de São Paulo, como local de ensino-aprendizagem dos alunos de Medicina e dos residentes em pediatria da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUCSP. São nos seguintes setores do CHS onde residentes e pediatras atuam: Unidade Regional de Emergência (URE), Enfermaria, UTI Infantil, UTI Neonatal, Alojamento Conjunto (AC) e Ambulatório. Nestes setores, atuam em turnos de 12 horas, totalizando cerca de 60 pediatras e 18 residentes em pediatria. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) em 2011 (Anexo A) de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice 1). A pesquisa foi autorizada pelo CHS (Anexo B). 7.3. População do estudo Foram entrevistados 37 pessoas, entre médicos pediatras, funcionários públicos do Estado de São Paulo e residentes em pediatria pela da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUCSP. A residência médica objetiva o treinamento e a formação complementar do médico. É requisito e critério para obtenção de títulos de especialista nas especialidades. A residência médica em pediatria pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde é reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). A Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) é vinculada ao Ministério da Educação que estrutura e sistematiza as normas de organização e funcionamento das Residências Médicas. A Pediatria é um dos mais antigos dentre os inúmeros programas de residência oficialmente reconhecidos pela CNRM. Tem como atividade a assistência do ser humano desde antes do nascimento, com a assistência pré- natal e aconselhamento genético, até à adolescência. 7.3.1. Critérios de inclusão Foram incluídos no estudo médicos pediatras e residentes em pediatria que atuam no CHS e que concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 7.3.2. Critérios de exclusão Médicos pediatras e residentes de pediatria que não atuam no CHS ou que se recusaram a participar do estudo por qualquer motivo foram excluídos. 7.4. Instrumento de Coleta (Apêndice 2) Os pediatras e residentes de pediatria foram abordados no segundo semestre de 2011 e no início do primeiro semestre de 2012, no ambiente de trabalho de forma que não comprometesse a sua rotina e responderam o questionário auto-aplicável. Antes do início da coleta, foi realizado um teste piloto para adequações necessárias do instrumento com 4 pediatras de outra instituição. Neste teste, não se verificou a necessidade de nenhum ajuste no instrumento. Após a obtenção do consentimento expresso no TCLE, foi aplicado um questionário estruturado, com perguntas fechadas (múltipla escolha, padrão Likert ou dicotomizada em “sim” e “não”) subdividido em 3 partes: 1. Dados Gerais de caracterização: As variáveis, função, gênero, etnia, idade e tempo de formado, foram estabelecidas pelo pesquisador e correspondem as questões de 1 a 5; 2. Dimensão de religiosidade/espiritualidade dos entrevistados: Foram avaliadas nas questões 6 a 17. As questões 6 e 7 referem-se às afiliações religiosas e à percepção quanto a própria religiosidade do entrevistado. Utilizou-se da versão em português da Escala de Religiosidade Duke-DUREL (Anexo C) modificada por Moreira-Almeida et al. (2008) nas questões de 8 a 12, que captam três das dimensões de religiosidade: organizacional (RO), não organizacional, (RNO) e religiosidade intrínseca (RI). As questões 8 e 9, abordam RO e RNO e as questões 10, 11 e 12, se referem à RI e são os três itens da escala de RI de Hoge que melhor se relacionam com a pontuação total nesta escala e com suporte social e desfechos em saúde (KOENIG; PARKERSON; MEADOR, 1997). Entendemos por religiosidade organizacional a participação do individuo nas atividades religiosas institucionalizadas como cultos ou missas e não organizacional as atividades religiosas individuais como preces e orações. A religiosidade intrínseca entende-se como a influência da religiosidade dos entrevistados no seu modo de viver e de agir. As questões 13 a 17 foram baseadas no questionário utilizado por Borges et al. (2013). 3. O conhecimento do tema da religiosidade/ espiritualidade na saúde e a sua inserção na prática clínica dos profissionais (questões 13 a 27): Estas questões foram baseadas no questionário utilizado por Borges et al. (2013). 7.5. Tratamento dos dados Utilizou-se o programa: SPSS 13.0 for Windows. Para o estudo das diferenças entre as variáveis categóricas foi utilizado o teste qui-quadrado para as variáveis categóricas. O teste Qui-Quadrado de Pearson baseia-se nas diferenças entre valores observados e esperados, avaliando se as proporções em cada grupo podem ser consideradas semelhantes ou não, ou seja, este teste verifica a independência dos grupos em relação às variáveis categóricas (DAWSON; TRAPP, 2003). Nas situações nas quais existam frequências esperadas menores que 2 ou que mais que 10% destas sejam menores que 5, ou seja, quando as frequências esperadas são muito pequenas, o valor da estatística para o teste de qui-quadrado foi obtido mediante simulação de Monte Carlo conforme descrito por Peat e Barton (2005). 8. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Os resultados do estudo serão apresentados separadamente em três grupos, conforme o instrumento de coleta descrito na metodologia: dados gerais de caracterização dos entrevistados, aspectos da religiosidade/espiritualidade dos profissionais e o conhecimento e a inserção do tema em suas práticas clínicas. Apresento primariamente nas tabelas 1 e 2 os resultados referentes aos dados gerais de caracterização dos entrevistados e que correspondem às questões 1 a 5 do instrumento de pesquisa. Tabela 1. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo o Gênero e Etnia. Sorocaba, 2012. Gêneros Masculino Feminino N %N N %N Total Etnias Residentes Pediatras 2 16,7% 10 83,3% 12 8 32% 17 68% 25 Total 10 27 0,326 37 Oriental N %N 0 0% 2 8% 2 Branco N %N 12 100% 20 80% 32 Mulato N %N 0 0% 3 12% 3 12 25 37 Total p Valor 0,247* Fonte: Dados da Pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Foram avaliados 37 profissionais, sendo 12 residentes e 25 pediatras. Essa amostra representa 47% do total da população, sendo 66,6% referentes aos residentes e 41% aos médicos. Na distribuição quanto ao gênero e etnia não se detectou diferenças estatísticas significativas, porém observa-se maior incidência do sexo feminino em ambas as populações. No grupo dos residentes 83,3 % são do sexo feminino e 16,7 % do sexo masculino. No grupo dos pediatras 68% são do sexo feminino e 32% do sexo masculino. Em relação à etnia, 100% dos residentes se declararam brancos e 80 % dos pediatras se declararam brancos, 12 % mulatos e 8% orientais. A tabela 2 nos mostra a idade e o tempo de formado dos entrevistados. Tabela 2. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo idade e tempo de formado. Sorocaba, 2012. Variável Idade Tempo de formado Categoria Residente N 12 Média 27,2 DP 3,7 Pediatra 25 45,3 8,0 Residente 12 1,46 0,7 Pediatra 25 21 7,6 p-valor <0,001 <0,001 Fonte: Dados da Pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Sobre à idade e tempo de formado as diferenças entre as médias são estatisticamente significativas entre os grupos de entrevistados, com valores de p, para ambas as situações, menores que 0,001. Observamos que as médias de idade e tempo de formados dos residentes são respectivamente 27,2 anos e 1,46 anos. No grupo dos médicos pediatras as médias de idade e tempo de formado foram respectivamente 45,3 anos e 7,6 anos. As diferenças quanto à idade e tempo de formado entre os grupos podem ser explicadas por serem residentes os recém-graduados do curso médico, portanto mais jovens que os médicos pediatras já inseridos no mercado de trabalho. A pesquisa da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), elaborada pela FIOCRUZ (Fiocruz/CFM – MS/PNUD, 1996) aponta que 60% dos médicos pediatras do Brasil são mulheres, sendo que 50% destes têm mais de 40 anos de idade. Números parecidos com este estudo, no qual observamos que 68% da população médica pediátrica estudada são do sexo feminino e possuem média de idade de 45,3 anos. Os resultados do segundo grupo: Diferentes aspectos da religiosidade/espiritualidade dos profissionais estão apresentados nas tabelas 3 a 7 e fazem referência às questões 6 a 17 do instrumento de pesquisa. Neste grupo de resultados, não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre os médicos pediatras e os residentes em pediatria. A tabela 3 mostra a religião dos entrevistados e suas percepções quanto a intensidade de que se consideram religiosos, e referem-se às questões 6 e 7 do instrumento. Tabela 3. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo Religião e a sua percepção quanto à própria religiosidade. Sorocaba, 2012. Nenhuma Religião Evangélico Espírita Católico Romano Umbandista Espiritualista N %N N %N N %N N %N N %N N %N Total (%) Muito O quanto se considera uma pessoa religiosa? Moderado Pouco Nada N %N N %N N %N N %N Total (%) Residentes 3 25.0% 1 8.3% 3 25.0% 4 33.3% 1 8.3% 0 0% 12 Pediatras 2 8.0% 0 0% 4 16.0% 13 52.0% 0 0% 6 24% 25 Total p valor 5 13.5% 1 2.7% 7 18.9% 0.510* 17 45.9% 1 2.7% 6 16.2% 37 1 8,3% 5 41,7% 5 41,7% 1 8,3% 12 3 12% 15 60% 5 20% 2 8% 25 4 10,8% 20 54,1% 0,672* 10 27% 3 8,1% 37 Fonte: Dados da pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Quanto à religião dos entrevistados, 86,5% tem uma religião, sendo 92% dos médicos pediatras e 75% dos residentes. Na população médica brasileira, segundo a pesquisa do CFM (Conselho Federal de Medicina) realizada e publicada em 2007, “A saúde dos Médicos do Brasil”, 86,4% dos médicos tem uma religião, número bastante parecido com esta pesquisa. Na população geral brasileira, segundo o senso do IBGE 2010, apenas 8% da população não tem religião. Neste estudo, bem como no estudo do CFM, encontramos que 14% dos médicos entrevistados não possuem religião definida. Nos Estados Unidos, segundo Catlin (2008), comparado com o público, uma proporção notavelmente menor de pediatras acadêmicos relataram uma identidade religiosa pessoal. Quanto à religião dos entrevistados, 46% são católicos, 18,9% são espíritas e 16,2% se autodenominam espiritualistas. Segundo o CFM 2007, 67% dos médicos são católicos, 11,5% espíritas e 7,3% protestantes. Na pesquisa da Fiocruz, bem como nesta pesquisa, os católicos são maioria entre os médicos. Neste estudo 46% dos entrevistados são católicos e 35% são os que se denominam espíritas ou espiritualistas, portanto, número 3 vezes maior do que na população médica geral do Brasil. Trata-se de um dado importante para a prática médica, pois, segundo Todres et al. (2000), as afiliações religiosas dos médicos pediatras influenciam certas decisões de tratamento. A maioria dos entrevistados, neste estudo, considera-se muito ou moderadamente religioso (65%), sendo esta percepção em 72% dos médicos pediatras e em 50% dos residentes em pediatria, dados próximos ao estudo do CFM onde 70% dos entrevistados se consideram muito ou moderadamente religiosos. A tabela 4 faz referência às religiosidades organizacional e não organizacional dos entrevistados e são referentes às questões 8 e 9 do instrumento de pesquisa. Tabela 4. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo a Religiosidade Organizacional e não organizacional. Sorocaba, 2012. Qual a frequência que vai a uma igreja ou templo Atividade religiosa individual Uma vez por semana N %N Residentes 1 8,3% Pediatras Total 3 4 12% 10,8% 2 a 3 vezes mês N %N 3 25% 4 16% 7 18,9% Algumas vezes no ano N 4 13 17 %N 33,3% 52% 45,9% Uma vez no ano ou menos Nunca N 3 3 6 %N 25% 12% 16,2% N %N 1 8,3% 2 8% 3 8,1% N %N 12 1 8,3% 25 3 12% 37 4 10,8% N %N N %N 2 16,7% 2 16,7% 10 40% 7 28% 12 32,4% 9 24,3% Uma vez na semana Poucas vezes no mês N %N N 1 8,3% 3 2 8% 1 3 8,1% 4 %N 25% 4% 10,8% Raramente ou nunca Total N %N 3 25% 12 2 8% 25 5 13,5% 37 Total Mais de uma vez ao dia Diariamente Duas ou mais vezes semana p Valor 0,808* 0,238* Fonte: Dados da Pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Entendemos por religiosidade organizacional a participação do individuo nas atividades religiosas institucionalizadas como cultos ou missas e a não organizacional as atividades religiosas individuais. Observamos que 30% dos entrevistados frequentam regularmente, ao menos 2 a 3 vezes ao mês, uma Igreja ou templo religioso e 75,7% deles dizem realizar frequentemente uma atividade religiosa individual ao menos uma vez na semana, sendo 88% no grupo dos médicos pediatras e 50% dos residentes. Em Catlin (2008), quase 88% dos entrevistados foram criados em uma tradição religiosa, mas apenas 67,2% afirmaram identificação religiosa atual. Neste mesmo estudo, mais da metade (52,6%) dos entrevistados relataram orar privadamente; adicionais práticas espirituais relatadas incluíram: técnicas de relaxamento (38,8%), meditação (29,3%), as leituras sagradas (26,7%) e yoga (19%). Segundo Moreira-Almeida et al. (2008) diversos estudos mostram que as dimensões da religiosidade a nível organizacional e não organizacional estão relacionados a melhores indicadores de saúde física, mental e suporte social. A tabela 5 refere-se à religiosidade intrínseca (RI) dos entrevistados e correspondem às questões 10 a 12. Tabela 5. Distribuição dos Residentes e Pediatras segundo a Religiosidade Intrínseca. Sorocaba, 2012. Totalmente verdade Eu sinto a Em geral é presença de verdade Deus Não estou certo Total Totalmente verdade Crenças Em geral é religiosas verdade influenciam toda a minha Não estou maneira de certo viver Não é verdade Eu me esforço muito para viver a minha religião em todos os aspectos da vida: Total Totalmente verdade Em geral é verdade Não estou certo Em geral não é verdade Não é verdade Total Residentes Pediatras Total p valor N %N N %N N %N 11 91,7% 1 2,7% 0 0 12 16 64% 7 18,9% 2 5,4% 25 27 73¨% 8 21,6% 2 5,4% 37 0,229* N %N N %N 3 27% 7 58,3% 11 44% 9 36% 14 37,8% 16 43,2% N %N N %N 2 16,7% 0 0 12 3 25% 5 41,7% 3 25% 0 0 1 8,3% 12 4 16% 1 2,7% 25 5 20% 14 56% 4 16% 1 4% 1 4% 25 6 16,2% 1 2,7% 37 8 21,6% 19 51,4% 7 18,9% 1 2,7% 2 5,4% 37 N %N N %N N %N N %N N %N Fonte: Dados da pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo 0,634* 0,903* Em relação à religiosidade intrínseca, observamos que 95% dos entrevistados acreditam ser totalmente verdade ou ser em geral verdade que sentem a presença de Deus, 81% deles acreditam ser totalmente verdade ou geralmente verdade que suas crenças religiosas influenciam toda a sua maneira de viver e 73 % dizem ser totalmente verdade ou em geral ser verdade que se esforçam para viver a sua religião em sua vida. Segundo Moreira-Almeida et al. (2008) na análise dos resultados da DUREL, as pontuações nas três dimensões (RO, RNO e RI) devem ser analisadas separadamente e os escores dessas três dimensões não devem ser somados em um escore total. A tabela 6 nos mostra o entendimento por Espiritualidade dos entrevistados relatados em resposta à pergunta 13 do instrumento de coleta. Tabela 6. Entendimento dos Residentes e Pediatras do que é Espiritualidade. Sorocaba, 2012. Respostas Número de Citações Postura ética e humanistica. 14 % do Total de citações 18,6 % dos Respondentes Busca de sentido e significado para a vida humana. Crença e relação com Deus / Religiosidade. Crença em algo transcendente à matéria Crença na existência da alma e na vida após a morte. Total 23 30 62,1 16 21,3 43,2 12 16 32,4 18 24 48,6 75 100,0 - 37,8 Fonte: Dados da pesquisa Observamos na tabela 6 que das citações sobre o que os entrevistados entendem por espiritualidade, 30% delas foram relacionadas à busca de sentido e significado para a vida humana, 24% na crença na existência da alma e na vida após a morte, 21,3% na crença e relação com Deus/Religiosidade, 18,6% na postura ética e humanística e 16% relacionadas à crença em algo que transcendem a matéria. 62,1 % dos entrevistados entendem espiritualidade como a busca de sentido e significado na vida humana, mostrando uma não uniformidade conceitual. Segundo Lucchetti et al. (2012) não há uma homogeneidade entre os estudantes de Medicina frente a conceitos e relações entre saúde e espiritualidade. A tabela 7 refere-se às perguntas 14 a 17 do instrumento de pesquisa. Tabela 7. Crenças em Deus e na existência da alma ou espírito pelos Residentes e Pediatras. Sorocaba, 2012. Você Deus? crê em Sim Não Sem opinião Total Você acredita que Sim apesar da morte do corpo, a Não alma/espírito ainda preserva-se Sem viva? opinião N Residentes Pediatras Total 12 25 37 100% 100% 100% 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 12 25 37 10 22 32 %N N %N N %N 83,3% 1 8,3% 1 8,3% 88% 0 0 3 12% 86,5% 1 2,7% 4 10,8% 12 25 37 9 75 1 8,3 2 16,6 16 64 5 20 4 16 25 67,6 6 16,2 6 16,2 12 25 37 N %N 11 91,7% 25 100% 36 97,3% N 0 0 0 %N N %N 0 1 8,3% 0 0 0 0 1 2,7% 12 25 37 N %N N %N N %N Total Você acredita em reencarnação (preservação da alma/espírito após a morte, com o posterior retorno à Terra, ligada a um corpo humano a ser gerado após a fecundação) Sim Não Sem opinião N %N N %N N %N Total Você acredita que Sim o ser humano é composto de um corpo e uma Não alma/espírito? Sem opinião Total p Valor 0,503* 0,868* 0,143 Fonte: Dados da pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Nesta tabela observamos que todos os entrevistados acreditam em Deus (100%), 86,5% acreditam que a alma/espírito preserva-se viva apesar da morte do corpo físico, 67,6% acreditam na reencarnação e 97,3% dos entrevistados acreditam que o ser humano é composto por um corpo e uma alma/espírito, mostrando já a valorização do ser humano em mais de uma dimensão. Segundo Armbruster, Chibnall e Legett (2003), as características associadas aos pediatras que valorizam os aspectos da religiosidade e espiritualidade em sua prática com os pacientes são: maior idade, religião cristã, própria discrição de religioso, dar importância a sua própria espiritualidade e religiosidade, acreditar na importância do tema e sentir confortável em perguntar sobre o tema a seus pacientes. O terceiro grupo dos resultados está apresentado nas tabelas 8 a 12 e correspondem às questões 18 a 28 do instrumento de pesquisa que buscam compreender os conhecimentos sobre Religiosidade e Espiritualidade dos entrevistados e a influência dos temas em sua prática clínica. A tabela 8 apresenta-nos como que os Residentes e Pediatras relacionam o assunto “Espiritualidade e Religiosidade” e corresponde à pergunta 18. Tabela 8. Relações citadas sobre o assunto “Saúde e Espiritualidade” por médicos e residentes. Sorocaba, 2012. Citações Humanização Medicina Número de % do % dos Citações Total de Respondentes citações da 23 29,4 57,5 Qualidade de Vida 9 11,5 22,5 Saúde total/holística 14 17,9 35 Interferência positiva ou negativa da religiosidade na Saúde 10 12,8 25 Interferência do transcendente/imaterial na saúde 10 12,8 25 Abordagem do viver e do morrer 12 15,3 30 Total 78 100 Fonte: Dados da pesquisa Observamos que do total das citações, 29,4% foram relacionar o assunto “Saúde e Espiritualidade” com humanização da Medicina, 17,9% com saúde total/holística e 15,3% com abordagem do viver e morrer. A humanização da Medicina foi citada por 57,5% dos entrevistados como o assunto que se relaciona com Espiritualidade e Religiosidade. A tabela 9 mostra o quanto e como os entrevistados acham que a Religiosidade e a Espiritualidade influenciam o processo saúde-doença e a relação médico-paciente, e correspondem às questões 19, 20 e 21 do instrumento de coleta. Tabela 9. Influência da religiosidade e espiritualidade na saúde segundo os Residentes e Pediatras. Sorocaba, 2012. O quanto você acha que a religião/espiritualidade influencia na saúde de seus pacientes? A influência da religião/espiritualidade na saúde geralmente é positiva ou negativa? Com que intensidade a espiritualidade/ religiosidade dos médicos interfere no entendimento do processo saúde-doença e na relação médicopaciente? Residentes Pediatras Total Extremamente N %N 3 25% 2 8% 5 13,5% Muito N %N 8 66,7% 18 72% 26 70,3% Mais ou menos Total Geralmente Positiva N %N N %N 1 8,3% 12 11 91,7% 5 20% 25 15 60% 6 16,2% 37 26 70,3% N 1 10 11 %N 8,3% 40% 29,7% N %N 12 2 16,7% 25 1 4% 37 3 8,1% Grande N %N 8 66,7% 12 48% 20 54,1% Moderada N %N 1 8,3% 10 40% 11 29,7% Pequena N %N 1 8,3% 2 8% 3 8,1% 25 37 Igualmente Positiva e Negativa Total Enorme Total 12 Fonte: Dados da pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo p Valor 0,348* 0,049 0,133* Observa-se que 84% dos residentes e pediatras acreditam na extrema ou muita influência da espiritualidade e religiosidade na saúde dos pacientes. Quanto a influencia da religião/espiritualidade na saúde há diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p<0,05), onde observamos que 40 % dos médicos pediatras acreditam ser geralmente positiva e negativa. 92% acreditam que a religiosidade/espiritualidade dos médicos interfere de forma enorme, grande ou moderada no entendimento do processo saúde-doença e na relação médicopaciente, não havendo diferenças entre os grupos. Segundo Catlin (2008), a maioria dos pediatras acadêmicos (58,6%) acreditava que crenças pessoais espirituais ou religiosas influenciavam as suas interações com pacientes e colegas. Estas probabilidades aumentaram 5,1 vezes, quando pediatras acadêmicos participaram de serviços religiosos mensal ou mais. Para Grossoehme et al. (2007), a atenção às preocupações espirituais e religiosas dos pacientes está associada a uma rede de características pessoais e profissionais dos pediatras. Algumas características dizem respeito ao investimento pessoal do médico na espiritualidade e religião em suas próprias vidas. Na população geral dos Estados Unidos, 77% acreditam que os médicos devem considerar as suas crenças espirituais, 73% gostariam de compartilhar as suas crenças religiosas com o profissional médico e 66% demonstraram interesse para que o médico pergunte sobre sua espiritualidade. No entanto, apenas 10% a 20% relataram que os médicos discutiram a espiritualidade com elas (ANAYA, 2002; COWAN et al., 2003; LARSON; KOENIG, 2000). Até mesmo nas áreas mais religiosas dos EUA, menos de um terço dos médicos perguntam sobre a religiosidade dos pacientes e menos que um, entre dez médicos, leva em conta a sua história espiritual. (CHIBNALL; BROOKS, 2000). Na literatura, observamos que poucos médicos percebem as necessidades espirituais dos pacientes, o que vem a reafirmar a conclusão de Barnes et al. (2000), de que as questões espirituais e religiosas na prática pediátrica têm recebido pouca atenção. Brooks e Chibnall (2000) e Armbruster, Chibnall e Legett (2003) verificaram em seus estudos que a maioria dos professores pediátricos acreditam que a religiosidade/espiritualidade têm implicações para a saúde, pois fortalecem o relacionamento terapêutico e fornecem suporte para as crianças e familiares; porém, estes mesmos educadores não discutem as preocupações religiosas e espirituais de seus pacientes e de suas famílias. Na tabela 10, observamos o quanto os entrevistados acham pertinentes a abordagem dos temas relativos à religiosidade/espiritualidade pertinentes e como se sentem ao fazê-la e corresponde às questões 22, 23 e 24 do instrumento de coleta. Tabela 10. Quanto os residentes e pediatras acham pertinente a abordagem do tema Religiosidade/Espiritualidade com seus pacientes e como se sentem ao fazê-la. Sorocaba, 2012 Você sente vontade de abordar o tema fé/espiritualidade com os pacientes? Sim frequentemente Sim raramente Não Residentes Pediatras Total N %N N %N N %N 5 41,7% 4 33,3% 3 25% 12 9 36% 11 44% 5 20% 25 14 37,8% 15 40,5% 8 21,6% 37 N %N N %N N %N N %N 1 8,3% 4 33,3% 5 41,7% 2 16,7% 12 2 16,7% 5 41,7% 4 33,3% 1 8,3% 12 1 4,3% 12 52,2% 10 43,5% 0 0 23 3 12% 7 28% 10 40% 5 20% 25 2 5,7% 16 45,7% 15 42,9% 2 5,7% 35 5 13,5% 12 32,4% 14 37,8% 6 16,2% 37 Total O quanto você se considera preparado para abordar aspectos religiosos e espirituais com seus pacientes? O quanto você acha pertinente tal abordagem? Muito Moderado Pouco Nada Total Muitíssimo Muito Moderado Pouco Total N %N N %N N %N N %N p Valor 0,814* 0,243* 0,764* Fonte: Dados da pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Entre os entrevistados, 62 % não se sentem ou raramente se sentem à vontade para abordar o tema com seus pacientes; 49% se consideram pouco ou nada preparados para abordar os aspectos religiosos ou espirituais com seus pacientes e 84% responderam que consideram ao menos moderadamente pertinente esta abordagem, não havendo diferenças estatísticas significativas entre os grupos. Estes resultados confirmam e estendem os achados de Grossoehme et al. (2007), que também relataram ser desconfortável questionar seus pacientes sobre as preocupações espirituais e religiosas, bem como participar de práticas espirituais e religiosas. Em relação ao preparo para abordar o tema, Siegel et al. (2002) concluíram que uma ligeira maioria de pediatras se considerava orientada espiritualmente e/ou religiosamente para discutir questões espirituais e religiosas com seus pacientes, no sentido de fortalecer a relação médico pediatra/paciente. Muitos médicos dizem que se sentem desconfortáveis ao falar sobre assuntos religiosos ou que não têm tempo para lidar com isso. Outros não consideram os assuntos espirituais como parte de seus trabalhos, não entendem por que deveriam fazê-lo, não sabem como nem quando introduzi-los e sequer imaginam quais seriam os resultados caso os incluíssem (MARR; BILLINGS; WEISSMAN, 2007). A tabela 11 informa, segundo os entrevistados, quando é apropriado ao médico rezar com seus pacientes e corresponde à questão 25 do instrumento de coleta. Tabela 11. Quando segundo os residentes e pediatras é apropriado o médico rezar. Sorocaba, 2012. Quando e apropriado rezar com seu paciente Nunca N Residentes Pediatras 2 3 %N 16,7% Somente se o N 7 paciente pedir %N 58,3% Sempre que o N 3 médico achar %N 25% apropriado Total 12 Fonte: Dados da pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Total 5 12% 14 56% 8 32% 13,5% 21 56,8% 11 29,7% 25 37 p Valor 1,00* Somente 5% dos entrevistados não acham apropriado rezar com seus pacientes e 56,8% acreditam ser apropriado rezar com seu paciente somente se ele pedir, não havendo diferenças estatísticas significativas entre os grupos. Um estudo realizado por Koenig, Bearon e Dayringer (1989) com médicos de prontos socorros na década de 80, revelou que apenas um terço (37%) acreditavam que os pacientes queriam orar com seus médicos. Em outro estudo de Koenig, Smiley e Gonzales (1998), quando pacientes da mesma área foram perguntados se gostariam que seus médicos orassem com eles, apenas 5% foram radicalmente contra. A frequência com que os entrevistados abordam em suas práticas os assuntos da religiosidade/espiritualidade é mostrada na tabela 12 e fazem referência às questões 26, 26a e 26b. Tabela 12. Frequência que os residentes e pediatras abordam os assuntos espirituais e religiosos com os pacientes. Sorocaba, 2012 Você alguma vez já perguntou sobre a religião e/ou espiritualidade dos seus pacientes? Com que frequência? Pediatras 19 Total 28 Sim N Não %N N %N 75% 3 25% 12 76% 6 24% 25 75,7% 9 24,3% 37 Raramente N 2 10 12 Algumas vezes %N N %N 22,2% 7 77,8% 47,6% 6 28,6% 40% 13 43,3% N %N 0 0 9 5 23,8% 21 5 16,7% 30 Nunca N %N 2 20% 6 28,6% 8 25,8% Raramente N %N 6 60% 10 47,6% 16 51,6% Algumas vezes N %N 2 20% 3 14,3% 5 16,1% Comumente N %N 0 0 10 2 9,5% 21 2 6,5% 31 Total Comumente Total Com que frequência os pacientes lhe parecem desconfortáveis quando são questionados sobre a religiosidade/espi ritualidade? Residentes 9 Total p Valor 0,947 0,039* 0,740* Fonte: Dados da pesquisa * Estatística de q2 obtido por simulação de Monte Carlo Encontramos na população estudada que 75% dos entrevistados já perguntaram sobre a religiosidade/espiritualidade dos seus pacientes. Os residentes perguntam com maior frequência que os pediatras (p<0,05). Segundo os entrevistados, 77% dos pacientes quando questionados sobre o assunto raramente ou nunca se sentem desconfortáveis. Como Armbruster, Chibnall e Legett (2003), que ao estudarem a ação da espiritualidade e religião na Medicina e a relação desta crença no comportamento dos médicos e experiências na sua prática diária, identificaram entre residentes e assistentes que poucos pediatras rotineiramente perguntam sobre o assunto, os assistentes perguntam mais sobre a religião, mas os residentes são mais abertos quando perguntados sobre rezar durante as crises. Em respeito à atenção religiosa e espiritual aplicadas na prática médica, alguns estudos mostram que, apesar da maioria dos médicos se considerarem religiosos ou espiritualizados, poucos incluem em sua atividade diária este cuidado com seus pacientes (BARNES, et al., 2000; CHIBNALL; BROOKS, 2001). A tabela 13 mostra as afirmações que desencorajam os entrevistados a discutir religiosidade/espiritualidade com seus pacientes e corresponde à questão 27. Tabela 13. Algumas das afirmações que desencorajam os médicos e residentes a discutir religiosidade/espiritualidade com seus pacientes. Sorocaba, 2012. Respostas Número de Citações % do Total de citações % dos Respondentes Falta de conhecimento Falta de treinamento Falta de tempo 11 14,6 27,5 16 17 21,3 22,6 40 42,5 Desconforto com o tema Medo de impor ponto de vista religioso aos pacientes 7 9,3 17,5 12 16 30 Conhecimento de religião não é relevante no tratamento medico 0 0 0 Não faz parte do trabalho Medo de ofender os pacientes 4 5,3 10 7 9,3 17,5 Medo de que os colegas não aprovem Total 1 1,3 2,5 75 100 Fonte: Dados da pesquisa Dentre as afirmações que desencorajam os entrevistados a discutirem religiosidade/espiritualidade com seus pacientes, falta de tempo (22,6%), falta de treinamento (21,3%) e falta de conhecimento (14,6%) são apontados como os principais motivos somando-se 58,5% das respostas. Observamos também que a falta de tempo foi apontada por 42% dos entrevistados e a falta de treinamento por 40% deles. Na prática clínica, o desconforto dos médicos, a falta de tempo e o temor que o paciente se sinta ofendido são também fatores que dificultam a abordagem do assunto (KOENIG, 2007). Outras razões são apontadas para esta discrepância incluindo: desconforto sobre o tema, a falta de tempo, falta de treinamento e o medo da percepção dos colegas. (LEVIN; LARSON; PUCHALSKI, 1997). Estes resultados vão ao encontro do afirmado por Grossoehme et al. (2007) e Lucchetti e Granero (2010) ou seja, que os médicos não são preparados para abordar as preocupações espirituais e religiosas dos pacientes e familiares. Algumas questões são apontadas pelos médicos como barreiras para a discussão dos assuntos espirituais junto aos pacientes: limitações de tempo, dificuldade na identificação de pacientes que querem discutir assuntos espirituais, falta de treinamento para abordar tais discussões junto ao paciente, medo e desconforto de abordar o assunto, medo de projetar suas próprias crenças para pacientes e falta de interesse pessoal na religião e espiritualidade. (ARMBRUSTER ; CHIBNALL ; LEGETT, 2003; LUCCHETTI et al, 2012; NEELY; MINFORD, 2008). A tabela 14 mostra quais as ferramentas ou tratamentos espirituais que os entrevistados acham que poderiam ser recomendados para seus pacientes e corresponde à questão 28. Tabela 14. Ferramentas ou tratamentos espirituais que os residentes e pediatras acreditam que poderiam ser recomendados a seus pacientes. Sorocaba, 2012. Ferramentas ou tratamentos Nº Citações % Citações %N Reza/Prece 27 43,5 67,5 Leitura Religiosa 13 20,9 32,5 Água fluidificada/Energizada/Benta 3 4,8 7,5 Desobsessão/Exorcismo/Descarrego 1 1,6 2,5 13 19,1 32,5 religiosos 5 7,3 12,5 Total 62 100 espirituais Imposição das Mãos/Reike/Passe/Johrei Trabalho de caridade em templos Fonte: Dados da pesquisa Do total das citações quanto à utilização de ferramentas ou tratamentos espirituais, 43,5% são reza/prece, 20,9% são leituras religiosas e 19,1% a Imposição das mãos/Reike/Passe/Johrei, sendo citadas respectivamente por 67,5%, 32,5% e 32,5% dos entrevistados. Um estudo realizado por Stern, Canda e Doershuk. (1992) em pacientes com fibrose cística, dos 70% das crianças que procuraram terapias não médicas, 60% usaram tratamentos religiosos, tais como a oração, peregrinação e a posse de objetos religiosos. Neste sentido, verifica-se que cerca de 82% dos americanos acreditam no poder pessoal da prece como prática complementar e alternativa. (EISEMBERG et al., 1998). 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS “Porque vemos sempre algo cada vez mais maravilhoso, a tal ponto que o homem não se cansa nunca de olhar e aprender” Jakob Boehme, 1575. Após transcorrer as etapas metodológicas que conduziram este estudo e estabelecer relações com os substratos teóricos, é possível concluir que os objetivos foram alcançados. Verificou-se que os dois grupos estudados, residentes e pediatras são semelhantes quanto a própria religiosidade/espiritualidade. Podendo-se caracterizálos como indivíduos ao menos moderadamente religiosos e que valorizam a espiritualidade em suas vidas. Ainda mais, concluir que suas características pessoais influenciam as suas práticas clínicas. MacLean et al. (2003) concluíram em seu estudo que a espiritualidade e a religiosidade dos médicos influenciam o cuidado clínico e que muitos pacientes acreditam que os médicos devam estar cientes sobre suas crenças espirituais e religiosas. Quanto à percepção das necessidades espirituais dos pacientes e seus familiares, ambos os grupos acreditam que a espiritualidade e a religiosidade influem positivamente na saúde e que, sua própria religiosidade e espiritualidade interferem no processo saúde-doença e na relação médico-paciente. A doença de uma criança, especialmente a crônica, é uma das situações que apontam para a fragilidade humana, tornando as pessoas que enfrentam estas condições, ainda mais vulneráveis. Para lidar com a situação de crise é preciso considerar as estratégias encontradas pela própria família para enfrentar esta situação, as quais geralmente se apoiam em crenças, religiões e filosofias de vida, fazendo da espiritualidade um aporte que contribui para fortalecer a família. (DAMASCENO; SOUZA; SILVA, 2011). Ao correlacionar os aspectos da religiosidade/espiritualidade dos residentes e pediatras à sua prática, observamos que, apesar dos entrevistados acharem pertinente, não se sentem à vontade e nem se consideram preparados para a abordagem das necessidades espirituais de seus pacientes. Podemos agrupar as principais razões apontadas em duas temáticas: o ensino médico (falta de conhecimento e de treinamento) e o processo de trabalho (falta de tempo). As identidades religiosas e espirituais, crenças e práticas médicas estão começando a ser exploradas de maneira geral, especialmente no que se refere às suas relações clínicas e tomadas de decisões. Desta forma, os médicos tornaram-se conscientes de que as crenças religiosas e espirituais dos pacientes e as práticas podem desempenhar um papel no enfrentamento da doença, na tomada de decisão médica e em outros processos de saúde (Catlin et al., 2008). A crise existencial trazida pela doença leva o paciente e seu grupo social a importantes questionamentos sobre suas vidas. São questionamentos intensamente impregnados de emoção, em que elementos inconscientes da subjetividade participam intensamente. Podem resultar em amplas transformações positivas ou em grandes catástrofes pessoais e familiares. A participação do profissional de saúde neste processo de elaboração é dificultada pelo fato de sua formação não valorizar e não prepará-lo para lidar com dimensões subjetivas não expressas de forma racional e clara. (VASCONCELOS, 2009). Segundo Dantas Filho e Sá (2007), o médico antes de tudo é um ser humano e um cidadão, e como profissional sempre serviu como figura de referência de virtude em nossa sociedade. Mostrando disposição para o diálogo, principalmente na dimensão da espiritualidade, o médico cumpre também um importante papel na difusão de uma cultura de tolerância e respeito que transcende a relação médicopaciente e vai ao encontro de um clamor que perpassa toda a nossa sociedade. É o começo do desmonte de uma postura autoritária e paternalista, na qual predomina a crença do médico em detrimento das crenças do paciente, explícitas ou implícitas; é o fundamento para as decisões negociadas e compartilhadas, para o consentimento livre e esclarecido; é o saneamento da visão reducionista do ser humano, da divisão corpo-alma, do desrespeito à autonomia do paciente; é o desenvolvimento de um modelo de médico que desejamos para nós mesmos e para os nossos familiares; é o florescer de novos direcionamentos menos conflituosos para questões relativas ao início e término da vida, à transfusão de sangue, aos transplantes de órgãos, às manipulações genéticas, etc. (DANTAS FILHO; SÁ, 2007, p. 276). Neste início de terceiro milênio, a novo médico deve ter uma forte base técnico-científica e como lastro uma formação humanística e bioética consistente (SIQUEIRA, 2006). A formação humanística implica a necessidade do autoconhecimento e envolve a consciência do outro e de seus valores no que tange aos significados que atribui à vida. E hoje, tanto para o senso comum como para a comunidade científica, a religião e as práticas espirituais exercem influências sobre a saúde. Em várias partes do mundo, universidades e hospitais têm trabalhado com essa realidade. Ao se incluir atividades relativas à espiritualidade no currículo de Medicina, busca-se abranger a dimensão espiritual dos pacientes na sua consideração como seres humanos e desenvolver um entendimento sobre os reflexos da espiritualidade na saúde das pessoas. Lucchetti e Granero (2010) e Lucchetti et al. (2012) descreveram os desafios enfrentados na integração de espiritualidade nas faculdades de Medicina brasileiras, ressaltando que grande parte das barreiras é a de haver poucos estudos brasileiros publicados sobre o tema; a visão de que a Medicina deve se manter secular e, portanto, deve evitar abordar questões religiosas, pois pode ser vista como coercitiva por alguns pacientes; e ao fato de que poucas conferências médicas brasileiras abordaram o tema espiritualidade e saúde antes do ano 2000, já que os departamentos de pesquisas universitárias raramente investigaram tal temática, assim como apenas um programa de pós-graduação existe em todo o país. Através de competências reforçadas na prática clínica, o desenvolvimento de currículos e políticas de saúde e da busca de agenda de pesquisa para apoiar a inclusão da espiritualidade e da religião em relação à saúde e especialmente à pediatria, será possível termos na atenção à criança a abordagem das necessidades religiosas e espirituais como parte integrante de um bom atendimento pediátrico. Ainda sobre as questões de treinamento Lucchetti e Granero (2010) afirmam em seu estudo que na anamnese médica, a história social, o questionamento da atividade física, os hábitos e vícios podem proceder à abordagem da espiritualidade de forma natural, podendo-se incluir o assunto no segmento que aborda os hábitos de vida e de condições socioeconômicas dos pacientes. O pediatra deve reconhecer o sofrimento e os sofredores e ouvir suas histórias, criando um contexto para reduzir o sofrimento, proporcionando reflexões sobre suas vidas. (PAULA; NASCIMENTO; ROCHA, 2009). Portanto, diante da importância e valorização crescente da religiosidade e da espiritualidade na saúde é urgente inserir a discussão do tema na educação médica e no processo de trabalho do pediatra. Na graduação médica, a religiosidade e a espiritualidade e suas interfaces na saúde podem ser inseridas de forma interdisciplinar, transdisciplinar e transversal, como forma e função, contemplando o conhecer, o fazer e o ser, espaço em que as vivências e as emoções dos alunos possam ser discutidas, e a poesia possa ser recitada. Na transdisciplinaridade não há espaço ou tempo para conhecimentos hegemônicos. Nas atividades extracurriculares como estimulo à pesquisa, bem como incluído em cursos e congressos acadêmicos e na educação permanente dos profissionais da saúde. Os educadores devem criar espaços para um diálogo mais profundo sobre a complexidade da vida, em que outras dimensões além da racional devem ser compartilhadas. Os pediatras e os residentes em pediatria mostram-se abertos e dispostos a incluírem esta temática em seu trabalho, como grupo de estudo, bem como nas discussões dos casos clínicos. Enfim, no processo de trabalho do pediatra, a abordagem das necessidades espirituais dos pacientes e suas famílias pode ser incluída na anamnese clínica através de ferramentas como a aplicação de escalas de aferição e valorização dos aspectos espirituais e religiosos, e como habilidade de comunicação na relação médico paciente. Na atenção integral à criança e à família, a espiritualidade e a religiosidade devem estar presentes no trabalho vivo do médico em ato, local de infinitas possibilidades, como instrumento comunicacional, no respeito bioético e como força que pode influenciar positivamente o processo saúde-doença. E o que não é a realidade senão o produto, em um tempo e espaço, do espírito infinito... Inverno de 2013 77 REFERÊNCIAS ALCÂNTARA, P. A pediatria. 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O questionário será impresso em papel com perguntas de múltipla escolha e será preenchido durante o horário de trabalho. A forma de preenchimento será presencial, ou seja, o voluntário preencherá o questionário no momento da entrega pelo pesquisador e devolverá após o seu término; 4. Descrição dos desconfortos e riscos esperados nos procedimentos: Sem risco. 5. Benefícios para o participante: Não há benefício direto para o participante, nem prejuízo. É um estudo totalmente isento de vinculações hierárquicas e administrativas ou de influências que possam interferir no seu vínculo como médico na instituição, afastando quaisquer pressuposições de natureza coercitivas em decorrência da sua participação na pesquisa, bem como no relatório final do estudo. 6. Garantia de acesso: em qualquer etapa do estudo, você terá acesso ao responsável pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas, Rodrigo Zukauskas Santos que pode ser encontrado no endereço: Rua Silvério Svilásio de Oliveira, 160 – Casa 19- Jd Saira-Sorocaba 33420910. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – da Faculdade– 5º andar – Telefone 32129900. 86 7. É garantida a liberdade da retirada de consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem qualquer prejuízo com a Instituição; 8. Direito de confidencialidade – As informações obtidas serão analisadas e não serão divulgadas a identificação dos entrevistados; 9. Despesas e compensações: não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. 10. Compromisso do pesquisador de utilizar os dados e o material coletado somente para esta pesquisa. Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações que li ou que foram lidas para mim, descrevendo o estudo: “A Religiosidade e a Espiritualidade na prática pediátrica.” Eu discuti com o pesquisador sobre a minha decisão em participar nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de despesas e quaisquer prejuízos que possam interferir na minha vida acadêmica. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízo ou perda de qualquer benefício. Assinatura do entrevistado __________________________________ Data / / Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste aluno ou representante legal para a participação neste estudo. Nome do entrevistador e assinatura: __________________________________ 87 APÊNDICE B - Questionário QUESTIONÁRIO DADOS GERAIS DOS ENTREVISTADOS 1. Gênero 1- Fem 2- Masc 2. Quantos anos você tem? ________ anos 3. Como você definiria sua etnia? Você considera-se 1 Oriental 2 Branco 3 Negro 4 Mulato 5 Outras _____________________________ 4. Qual é o seu setor no CHS? 1 URE 2 Enfermaria 3 Berçário/Alojamento Conjunto 4 UTI pediátrica 5 Ambulatório 5. QUAL A SUA RELAÇÃO NO CHS e Tempo de formado? 1. Residente 2. Médico Quanto tempo de formado?_________________ 88 DIMENSÃO DE RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE: 6. Das alternativas, aquela que melhor descreve sua afiliação religiosa é? 1 Nenhuma, mas acredito em Deus 2 Nenhuma e não acredito em Deus 3 Evangélico/Protestante 4 Budista 5 Hindu 6 Judeu 7 Espírita 8 Muçulmano 9 Protestante 10 Católico Apostólico Romano 11 Umbandista 12 Espiritualista 13 Outros (favor especificar): _________________ 7. O quanto você se considera uma pessoa religiosa? Você diria que é 1 Muito religioso 2 Moderadamente religioso 3 Pouco religioso 4 Não religioso 8. Com que frequência você vai a uma igreja, templo ou outro encontro religioso? 1 Mais de uma vez por semana 2 Uma vez por semana. 3 Duas a três vezes por mês 4 Algumas vezes por ano 5 Uma vez por ano ou menos 6 Nunca 89 9. Com que frequência você dedica o seu tempo a atividades religiosas, individuais, como preces, rezas, meditações, leitura da bíblia ou de outros textos religiosos? 1 Mais do que uma vez ao dia 2 Diariamente 3 Duas ou mais vezes por semana 4 Uma vez por semana 5 Poucas vezes por mês 6 Raramente ou nunca 10. Em minha vida, eu sinto a presença de Deus (ou do Espírito): 1 Totalmente verdade para mim 2 Em geral é verdade 3 Não estou certo 4 Em geral não é verdade 5 Não é verdade 11. As minhas crenças religiosas estão realmente por trás de toda minha maneira de viver: 1 Totalmente verdade para mim 2 Em geral é verdade 3 Não estou certo 4 Em geral não é verdade 5 Não é verdade 12. Eu me esforço muito para viver a minha religião em todos os aspectos da vida: 1 Totalmente verdade para mim 2 Em geral é verdade 3 Não estou certo 4 Em geral não é verdade 5 Não é verdade 90 13. O que você entende por Espiritualidade? (assinale uma ou mais) 1. Postura ética e humanística. 2 Busca de sentido e significado para a vida humana. 3 Crença e relação com Deus / Religiosidade. 4 Crença em algo transcendente à matéria. 5 Crença na existência da alma e na vida após a morte. 14. Você acredita em Deus? 1 Sim 2 Não 3 Sem opinião formada 15. Você acredita que apesar da morte do corpo, a alma/espírito ainda preserva-se viva? 1 Sim 2 Não 3 Sem opinião formada 16. Você acredita em reencarnação (preservação da alma/espírito após a morte do corpo físico, com o posterior retorno desta alma/espírito à Terra, ligada a um corpo humano a ser gerado após a fecundação)? 1 Sim 2 Não 3 Sem opinião formada 17. Você acredita que o ser humano é composto de um corpo e uma alma/ espírito? 1 Sim 2 Não 3 Não tenho opinião formada 91 CONHECIMENTO DO ASSUNTO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE E PRÁTICA CLÍNICA 18. Você relaciona o assunto “Saúde e Espiritualidade” com: (assinale uma ou mais) 1 Humanização da Medicina. 2 Qualidade de vida. 3 Saúde total / holística. 4 Interferência positiva ou negativa da religiosidade na saúde. 5 Interferência do transcendente/imaterial na saúde. 6 Abordagem do viver e do morrer. 19. Em geral, o quanto você acha que a religião/espiritualidade influencia na saúde de seus pacientes? 1 Extremamente 2 Muito 3 Mais ou menos 4 Pouco 5 Muito pouco ou nada 20. A influência da religião/espiritualidade na saúde geralmente é positiva ou negativa? 1 Geralmente positiva 2 Geralmente negativa 3 Igualmente positiva e negativa 4 Não tem influência 21. Em sua opinião, com que intensidade a espiritualidade/religiosidade dos médicos interfere no entendimento do processo saúde-doença e na relação médico-paciente? 1 Enorme intensidade 2 Grande intensidade 3 Moderada intensidade 4 Pequena intensidade 5 Não interfere 92 22. Você sente vontade de abordar o tema fé/espiritualidade com os pacientes? 1 Sim, raramente 2 Sim, freqüentemente 3 Não 23. O quanto você se considera preparado para abordar aspectos religiosos/espirituais com seus pacientes? 1 Muitíssimo preparado 2 Muito preparado 3 Moderadamente preparado 4 Pouco preparado 5 Nada preparado 6 Não se aplica 24. O quanto você acha pertinente tal abordagem? 1 Muitíssimo pertinente 2 Muito pertinente 3 Moderadamente pertinente 4 Pouco pertinente 5 Nada pertinente 25. Quando é apropriado para o médico rezar com seu paciente? 1 Nunca 2 Somente se o paciente solicitar 3 Sempre que o médico achar que é apropriado 26. Você alguma vez já perguntou sobre a religião/espiritualidade dos seus pacientes? 1 Sim (Se Sim ..., responder questões 26a e 26b) 2 Não 3 Não se aplica, eu não vejo pacientes 93 26a. Com que frequência você pergunta? 1 Raramente 2 Algumas vezes 3 Comumente 4 Sempre 26b. Com que frequência os pacientes lhe parecem desconfortáveis quando são questionados sobre a religiosidade/espiritualidade? 1 Nunca 2 Raramente 3 Algumas Vezes 4 Comumente 5 Sempre 27. Alguma das afirmações seguintes desencorajam você a discutir religião/espiritualidade com seus pacientes? (MARQUE COUBEREM) 1Falta de conhecimento 2Falta de treinamento 3Falta de tempo 4 Desconforto com o tema 5 Medo de impor pontos de vista religiosos aos pacientes 6 Conhecimento sobre religião não é relevante no tratamento médico 7 Não faz parte do meu trabalho 8 Medo de ofender os pacientes 9 Medo de que meus colegas não aprovem 10 Outros _______________________ TODAS QUE 94 28. Quais das ferramentas ou tratamentos espirituais você acha que poderiam ser recomendados para seus pacientes? 1 Reza/prece 2 Leitura religiosa 3 Água fluidificada/Água Energizada/Água Benta 4 Desobsessão/Exorcismo/”Descarrego” 5 Imposição de mãos/Reike/Passe/Johrei 6 Trabalhos de caridade em templos religiosos 7 Outros. Quais? __________________________________________ 95 ANEXO A - Comitê de Ética em Pesquisa 96 97 ANEXO B – Formulário de autorização de pesquisa (CHS) 98 99 ANEXO C - Versão em português da Escala de Religiosidade da Duke – DUREL (1) Com que frequência você vai a uma igreja, templo ou outro encontro religioso? 1. Mais do que uma vez por semana 2. Uma vez por semana 3. Duas a três vezes por mês 4. Algumas vezes por ano 5. Uma vez por ano ou menos 6. Nunca (2) Com que frequência você dedica o seu tempo a atividades religiosas individuais, como preces, rezas, meditações, leitura da bíblia ou de outros textos religiosos? 1. Mais do que uma vez ao dia 2. Diariamente 3. Duas ou mais vezes por semana 4. Uma vez por semana 5. Poucas vezes por mês 6. Raramente ou nunca A seção seguinte contém três frases a respeito de crenças ou experiências religiosas. Por favor, anote o quanto cada frase se aplica a você. (3) Em minha vida, eu sinto a presença de Deus (ou do Espírito Santo). 1. Totalmente verdade para mim 2. Em geral é verdade 3. Não estou certo 4. Em geral não é verdade 5. Não é verdade 100 (4) As minhas crenças religiosas estão realmente por trás de toda a minha maneira de viver. 1. Totalmente verdade para mim 2. Em geral é verdade 3. Não estou certo 4. Em geral não é verdade 5. Não é verdade (5) Eu me esforço muito para viver a minha religião em todos os aspectos da vida. 1. Totalmente verdade para mim 2. Em geral é verdade 3. Não estou certo 4. Em geral não é verdade 5. Não é verdade