Osteoporose Iatrogénica

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OSTEOPOROSE IATROGÉNICA
Ana Paula Barbosa, Mário Rui Mascarenhas, Manuel Bicho, Isabel do
Carmo
Serviço de Endocrinologia,Diabetes e Metabolismo. Hospital Universitário de
Santa Maria, C.H.L.N., E.P.E.
Endocrinologia e Doenças do Metabolismo, F.M.U. L.
Lisboa
A Medicina evoluiu de tal forma que actualmente existe um armamentário
farmacológico enorme à disposição do clínico. Uns fármacos para tratar, outros
para prevenir, mas, como “não há bela sem senão”, algumas medicações
também podem gerar doença. As alterações da massa óssea e a osteoporose
não escapam a esta situação, pois alguns dos fármacos mais frequentemente
prescritos afetam adversamente o esqueleto. Inclusivé, alguns medicamentos
têm sido associados mesmo a um risco aumentado de fraturas osteoporóticas.
Ainda, acresce que a população cada vez mais envelhecida e polimedicada
cronicamente, apresenta já muitas vezes, um risco elevado de osteoporose e
fracturas.
A osteoporose é uma doença de etiologia multifactorial. Estima-se que cerca de
20 a 30% dos casos de osteoporose na mulher após a menopausa e mais de
50% dos casos no homem têm uma etiologia secundária, entre as quais a
iatrogénica (Quadro 1).
Quadro 1. Fármacos mais frequentemente associados à perda de massa óssea
e/ou desenvolvimento de osteoporose.
- Corticosteroides
- Anti-convulsivantes
- Anti-retrovirais
- Anti-psicóticos; lítio
- Anti-ácidos; alumínio
- Anti-coagulantes
(heparina não
fracionada)
- Acetato de
medroxiprogesterona
- Inibidores selectivos da
recaptação da serotonina
- Inibidores da bomba de
protões
- Análogos da somatostatina
- Hormona tiroideia
- Tiazolidinedionas
(glitazonas)
- Retinoides orais
- Inibidores da
aromatase
-Agonistas GnRH
- Imunossupressores
(tacrolimus;
ciclosporina)
- Metotrexato
-Ciclofosfamida
-Tetraciclinas
-Furosemida
- Os corticosteroides são a causa principal de osteoporose iatrogénica. Além
da redução da formação e aumento da reabsorção ósseas, hipogonadismo,
redução da absorção de cálcio e hiperparatiroidismo, dados recentes sugerem
que as alterações metabólicas induzidas por estes fármacos e que são
responsáveis por obesidade central, diabetes mellitus, hiperlipidemia e
resistência à insulina, são mediadas pela inibição da secreção de osteocalcina
nos osteoblastos. A miopatia contribui também para as quedas e as fracturas.
A perda óssea, que predomina no esqueleto axial, pode variar entre 5 a 15%
ao ano, sendo mais pronunciada nos primeiros 3 a 12 meses; o risco de
fraturas está aumentado nos primeiros 3 a 6 meses após o início do tratamento
podendo atingir 30 a 50% na terapêutica crónica.
- Os inibidores da aromatase (anastrozole, letrozole, exemestano) utilizados
no tratamento do cancro da mama, originam redução da DMO e osteoporose
por reduzirem os níveis de estrogénios e consequente regulação negativa da
expressão de osteoprotegerina e activação osteoclástica. O ácido zoledrónico e
o denosumab poderão prevenir a perda de massa óssea provocada pelos
inibidores da aromatase.
- Os agonistas GnRH são habitualmente utilizados no tratamento de mulheres
com endometriose e em homens com carcinoma da próstata, com o objetivo de
inibir a produção gonádica de esteroides sexuais. Nestes homens, ocorre uma
perda “aguda” de massa óssea e consequentemente fracturas; nestes casos,
tem sido demonstrada a eficácia de bisfosfonatos endovenosos como
zoledronato e pamidronato, assim como dos SERMs e do denosumab.
- Os inibidores selectivos da recaptação da serotonina parecem originar
perda de massa óssea e mesmo alterações da arquitectura óssea. O sistema
serotoninérgico actua no metabolismo ósseo através de vias e receptores para
a serotonina identificados em osteoblastos, osteoclastos e osteócitos. No
entanto, ainda permanece por esclarecer a importância relativa da doença
depressiva major e das suas co-morbilidades (ingestão alimentar reduzida,
baixo peso, hipogonadismo) e/ou do seu tratamento sobre a perda de massa
óssea e as fracturas de fragilidade observadas nestes doentes.
- A hormona tiroideia é habitualmente prescrita no tratamento do
hipotiroidismo com uma dose de substituição; nos doentes submetidos a
tiroidectomia total por carcinoma da tiroide utiliza-se uma dose mais elevada
com o objectivo de suprimir a TSH (hipertiroidismo subclínico). A hormona
tiroideia (levotiroxina) aumenta a reabsorção óssea, reduzindo a densidade
mineral óssea (DMO) em cerca de 10 a 20%, com predomínio no osso cortical.
Mais recentemente, estudos revelaram que a TSH isolada pode modular o
turnover ósseo aumentando a reabsorção quando se encontra suprimida.
Alguns estudos mostraram que doentes com 70 ou mais anos de idade têm um
risco significativamente mais elevado de fracturas osteoporóticas com uma
forte relação dose-resposta em virtude dos níveis suprimidos da TSH.
- Os imunossupressores utilizados em transplante de orgãos, principalmente
a ciclosporina e o tacrolimus, podem provocar perda de massa óssea e
osteoporose. O período imediatamente após o transplante é particularmente
susceptível ao aparecimento de fracturas.
- Os anticonvulsivantes têm sido associados à redução da DMO, a alterações
na qualidade do osso, a osteoporose e ao aparecimento de fracturas. Em
termos fisiopatológicos vários mecanismos estão implicados, nomeadamente
indução hepática de enzimas do citocromo P450, acção direta nos
osteoblastos, alteração na absorção do cálcio, hiperparatiroidismo, aumento da
homocisteina, redução da vitamina K e também redução dos esteroides
sexuais. Os fármacos implicados são a fenitoína, o fenobarbital e a
carbamazepina. O valproato, apesar de inibidor das enzimas do citocromo
P450, reduz a DMO em vários locais do esqueleto.
- A prevalência de osteoporose em homens e mulheres antes da menopausa
infectados pelo vírus HIV é cerca de 3 vezes superior aos que não têm infeção
HIV. A redução da DMO é mais frequente em doentes HIV com 20 a 45 anos
de idade do que na população geral. A etiologia ainda não está completamente
esclarecida, mas pensa-se que a inflamação crónica da infecção vírica, a acção
directa do vírus HIV nos osteoclastos e ainda a terapêutica anti-retroviral são
os principais factores implicados. Os doentes que fazem terapêutica antiretroviral, nomeadamente inibidores da protease têm maior prevalência de
redução da DMO e de osteoporose que os controlos.
-As tiazolidinedionas são antidiabéticos orais cujos efeitos terapêuticos
“major” se centram no fígado, músculo e tecido adiposo. No entanto, sabe-se
que também têm acções a nível ósseo. As tiazolidinedionas têm a capacidade
de desviar a diferenciação das células “stem” mesenquimatosas de
osteoblastos para adipócitos, originando assim um aumento da adipogénese e
uma redução da osteoblastogénese; reduzem a formação óssea ao interferirem
com a diferenciação das células ósseas; assim, vão provocar uma diminuição
da DMO. A rosiglitazona e a pioglitazona associaram-se ao aumento da
incidência de fracturas do húmero, mãos e pés em diabéticos; o risco parece
ser mais elevado em mulheres após a menopausa e ser dose dependente.
Contudo, estudos recentes sugerem que o risco de fracturas osteoporóticas
será semelhante em tratados com glitazonas e com insulina, o que levanta a
dúvida se a associação entre estes fármacos e o risco fracturário é devido ao
fármaco ou à própria diabetes mellitus.
- Os inibidores da bomba de protões como o omeprazole têm sido
associados a aumento de fracturas de fragilidade, principalmente quando
utilizados em dose alta e por período superior a 1 ano. Parece existir relação
com a supressão de ácido gástrico e com a absorção do cálcio, que no entanto,
não estão completamente clarificados.
Assim, em doentes submetidos a estes fármacos é fundamental a
monitorização através da DMO e/ou dos marcadores bioquímicos da
remodelação óssea, a instituição de modificações do estilo de vida que
minimizem a perda óssea e previnam as fraturas tais como a realização de
exercício físico regular, a redução da ingestão de álcool e a abstinência
tabágica; ainda garantir um aporte adequado de cálcio e vitamina D e em casos
seleccionados instituir tratamento com fármacos anti-reabsortivos ou
osteoformadores (Quadro 2).
Quadro 2. Recomendações para doentes medicados com fármacos que
afectam adversamente o esqueleto.
- Avaliar o risco
fracturário antes da
prescrição
-Recomendar
alterações do estilo de
vida que promovam a
saude do esqueleto
- Escolher fármacos
com o menor impacto
sobre o osso
- Rever
periodicamente a
necessidade do
fármaco em causa
- Seguir as recomendações
de tratamento da
osteoporose
- Re-avaliar anualmente a
DMO e o risco fracturário em
doentes sob inibidores da
aromatase e agonistas
GnRH que não fazem
tratamento anti-osteoporótico
- Reforçar
periodicamente a
necessidade de
cumprimento do
tratamento antiosteoporótico
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