Filosofia - 2011 Turma -2211 Campos de investigação da Filosofia - Os períodos da Filosofia gregaA Filosofia terá, no correr dos séculos, um conjunto de preocupações, indagações e interesses que lhe vieram de seu nascimento na Grécia. Assim, antes de vermos que campos são esses, examinemos brevemente os conteúdos que a Filosofia possuía na Grécia. Para isso, de vemos, primeiro, conhecer os períodos principais da Filosofia grega, pois tais períodos definiram os campos da investigação filosófica na Antigüidade. A história da Grécia costuma ser dividida pelos historiadores em quatro grandes fases ou épocas: 1. a da Grécia homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia; 2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V antes de Cristo, quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Megara, Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no comércio; 3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV antes de Cristo, quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística entra no apogeu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar; 4. e, finalmente, a época helenística, a partir do final do século IV antes de Cristo, quando a Grécia passa para o poderio do império de Alexandre da Macedônia, e, depois, para as mãos do Império Romano, terminando a história de sua existência independente. Os períodos da Filosofia não correspondem exatamente a essas épocas, já que ela não existe na Grécia homérica e só aparece nos meados da Grécia arcaica. Entretanto, o apogeu da Filosofia acontece durante o apogeu da cultura e da sociedade gregas; portanto, durante a Grécia clássica. Os quatro grandes períodos da Filosofia grega, nos quais seu conteúdo muda e se enriquece, são: 1. Período pré-socrático ou cosmológico, do final do século VII ao final do século V a.C., quando a Filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformações na Natureza. 2. Período socrático ou antropológico, do final do século V e todo o século IV a.C., quando a Filosofia investiga as questões humanas, isto é, a ética, a política e as técnicas (em grego, ântropos quer dizer homem; por isso o período recebeu o nome de antropológico). 3. Período sistemático, do final do século IV ao final do século III a.C., quando a Filosofia busca reunir e sistematizar tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia e a antropologia, interessando-se, sobretudo em mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas demonstrações estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da ciência. 4. Período helenístico ou greco-romano, do final do século III a.C. até o século VI depois de Cristo. Nesse longo período, que já alcança Roma e o pensamento dos primeiros Padres da Igreja, a Filosofia se ocupa, sobretudo com as questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre o homem e a Natureza e de ambos com Deus. 1 Filosofia - 2011 Turma -2211 Filosofia Grega Pode-se perceber que os dois primeiros períodos da Filosofia grega têm como referência o filósofo Sócrates de Atenas, donde a divisão em Filosofia pré-socrática e socrática. Período pré-socrático ou cosmológico Os principais filósofos pré-socráticos foram: * da Escola Jônica: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso; * da Escola Itálica: Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento; * da Escola Eleata: Parmênides de Eléia e Zenão de Eléia; * da Escola da Pluralidade: Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera. As principais características da cosmologia são: * É uma explicação racional e sistemática sobre a origem, ordem e transformação da Natureza, da qual os seres humanos fazem parte, de modo que, ao explicar a Natureza, a Filosofia também explica a origem e as mudanças dos seres humanos. * Afirma que não existe criação do mundo, isto é, nega que o mundo tenha surgido do nada (como é o caso, por exemplo, na religião judaico-cristã, na qual Deus cria o mundo do nada). * O fundo eterno, perene, imortal, de onde tudo nasce e para onde tudo volta é invisível para os olhos do corpo e visível somente para o olho do espírito, isto é, para o pensamento. * O fundo eterno, perene, imortal e imperecível de onde tudo brota e para onde tudo retorna é o elemento primordial da Natureza e chama-se physis- em grego, que é a Natureza eterna e em perene transformação. * Afirma que, embora a physis seja imperecível, ela dá origem a todos os seres infinitamente variados e diferentes do mundo, seres que, ao contrário do princípio gerador, são perecíveis ou mortais. *Afirma que todos os seres, além de serem gerados e de serem mortais, são seres em contínua transformação, mudando de qualidade - por exemplo, ; o novo envelhece; o quente esfria; o frio esquenta; Portanto o mundo está em mudança contínua, sem por isso perder sua forma, sua ordem e sua estabilidade. Os diferentes filósofos escolheram diferentes physis, isto é, cada filósofo encontrou motivos e razões para dizer qual era o princípio eterno e imutável que está na origem da Natureza e de suas transformações. Assim, Tales dizia que o princípio era a água ou o úmido; Anaximandro considerava que era o ilimitado sem qualidades definidas; Anaxímenes, que era o ar ou o frio; Heráclito afirmou que era o fogo; Leucipo e Demócrito disseram que eram os átomos. E assim por diante. Período socrático ou antropológico Com o desenvolvimento das cidades, do comércio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se o centro da vida social, política e cultural da Grécia, vivendo seu período de esplendor, conhecido como o Século de Péricles. É a época de maior florescimento da democracia. A democracia grega possuía, entre outras, duas características de grande importância para o futuro da Filosofia. a democracia afirmava a igualdade de todos os homens adultos perante as leis e o direito de todos de participar diretamente do governo da cidade, da polis. 2 Filosofia - 2011 Turma -2211 e como conseqüência, a democracia, sendo direta e não por eleição de representantes, garantia a todos a participação no governo, e os que dele participavam tinham o direito de exprimir, discutir e defender em público suas opiniões sobre as decisões que a cidade deveria tomar. Surgia, assim, a figura política do cidadão. (estavam excluídos da cidadania o que os gregos chamavam de dependentes: mulheres, escravos, crianças e velhos. Também estavam excluídos os estrangeiros.) O momento em que o cidadão mais aparece e mais exerce sua cidadania é quando opina, discute, delibera e vota nas assembléias. Assim a nova educação estabelece como padrão ideal a formação do bom orador, isto é, aquele que saiba falar em público e persuadir os outros na política. Para dar aos jovens essa educação, substituindo a educação antiga dos poetas surgiram, na Grécia, os sofistas, que são os primeiros filósofos do período socrático. Os sofistas mais importantes foram: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini e Isócrates de Atenas. Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam repletos de erros e contradições e que não tinham utilidade para a vida da polis. Apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica, afirmando ser possível ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidadãos. Que arte era esta? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A, de modo que, numa assembléia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão. O filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia, rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer idéia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade. Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da sociedade grega, e, por outro lado, os filósofos cosmologistas defendiam idéias tão contrárias entre si que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. São características gerais do período socrático: - A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos comportamentos, das idéias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com as questões morais e políticas. - O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão. Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para se conhecer; é a consciência conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas, alcançando o conceito ou a essência delas. - Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que investiguemos. 3 Filosofia - 2011 Turma -2211 - A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas, tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as idéias e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos quanto como cidadãos. - Cabe à Filosofia, portanto, encontrar a definição, o conceito ou a essência dessas virtudes, para além da variedade das opiniões, para além da multiplicidade das opiniões contrárias e diferentes. - É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as idéias. -A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual, que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e necessária. - A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro. - A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade. Período sistemático Este período tem como principal nome o filósofo Aristóteles de Estagira, discípulo de Platão. Passados quase quatro séculos de Filosofia, Aristóteles apresenta, nesse período, uma verdadeira enciclopédia de todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos em todos os ramos do pensamento e da prática considerando essa totalidade de saberes como sendo a Filosofia. Esta, portanto, não é um saber específico sobre algum assunto, mas uma forma de conhecer todas as coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada campo de coisas que conhece. Cada saber, no campo que lhe é próprio, possui seu objeto específico, procedimentos específicos para sua aquisição e exposição, formas próprias de demonstração e prova. Cada campo do conhecimento é uma ciência (ciência, em grego, é episteme). Aristóteles afirma que, antes de um conhecimento constituir seu objeto e seu campo próprios, seus procedimentos próprios de aquisição e exposição, de demonstração e de prova, deve, primeiro, conhecer as leis gerais que governam o pensamento, independentemente do conteúdo que possa vir a ter. O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupação com seu conteúdo, chama-se lógica, e Aristóteles foi o criador da lógica como instrumento do conhecimento em qualquer campo do saber. A lógica não é uma ciência, mas o instrumento para a ciência e, por isso, na classificação das ciências feita por Aristóteles, a lógica não aparece, embora ela seja indispensável para a Filosofia e, mais tarde, tenha se tornado um dos ramos específicos dela. 4 Filosofia - 2011 Turma -2211 Os campos do conhecimento filosófico Classificação aristotélica *Ciências produtivas: ciências que estudam as práticas produtivas ou as técnicas, isto é, as ações humanas cuja finalidade está para além da própria ação, pois a finalidade é a produção de um objeto, de uma obra. São elas: arquitetura (cujo fim é a edificação de alguma coisa), economia (cujo fim é a produção agrícola, o artesanato e o comércio, isto é, produtos para a sobrevivência e para o acúmulo de riquezas), medicina (cujo fim é produzir a saúde ou a cura), pintura, escultura, poesia, teatro, oratória, arte da guerra, da caça, da navegação, etc. Em suma, todas as atividades humanas técnicas e artísticas que resultam num produto ou numa obra. *Ciências práticas: ciências que estudam as práticas humanas enquanto ações que têm nelas mesmas seu próprio fim, isto é, a finalidade da ação se realiza nela mesma, é o próprio ato realizado. São elas: ética, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para alcançar o bem do indivíduo, sendo este bem as virtudes morais (coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemência, prudência, amizade, justiça, modéstia, honradez, temperança, etc.); e política, em que a ação é realizada pela vontade guiada pela razão para ter como fim o bem da comunidade ou o bem comum. Para Aristóteles, como para todo grego da época clássica, a política é superior à ética, pois a verdadeira liberdade, sem a qual não pode haver vida virtuosa, só é conseguida na polis. Por isso, a finalidade da política é a vida justa, a vida boa e bela, a vida livre. * Ciências teoréticas, contemplativas ou teóricas: são aquelas que estudam coisas que existem independentemente dos homens e de suas ações e que, não tendo sido feitas pelos homens, só podem ser contempladas por eles. Theoria, em grego, significa contemplação da verdade. O que são as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas, independentes de nossa ação fabricadora (técnica) e de nossa ação moral e política? São as coisas da Natureza e as coisas divinas. A partir da classificação aristotélica, definiu-se, no correr dos séculos, o grande campo da investigação filosófica, campo que só seria desfeito no século XIX da nossa era, quando as ciências particulares se foram separando do tronco geral da Filosofia. Assim, podemos dizer que os campos da investigação filosófica são três: 1º. O do conhecimento da realidade última de todos os seres, ou da essência de toda a realidade. 2º. O do conhecimento das ações humanas ou dos valores e das finalidades da ação humana: das ações que têm em si mesmas sua finalidade, a ética e a política, ou a vida moral (valores morais) e a vida política (valores políticos); e das ações que têm sua finalidade num produto ou numa obra: as técnicas e as artes e seus valores (utilidade, beleza, etc.). 3º. O do conhecimento da capacidade humana de conhecer, isto é, o conhecimento do próprio pensamento em exercício. Aqui, distinguem-se: a lógica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do conhecimento, que oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as ciências propriamente ditas e o conhecimento do conhecimento científico, isto é, a epistemologia. Período helenístico Trata-se do último período da Filosofia antiga, quando a polis grega desapareceu como centro político, deixando de ser referência principal dos filósofos, uma vez que a Grécia encontrava-se sob o poderio do Império Romano. Os filósofos dizem, agora, 5 Filosofia - 2011 Turma -2211 que o mundo é sua cidade e que são cidadãos do mundo. Em grego, mundo se diz cosmos e esse período é chamado o da Filosofia cosmopolita. Essa época da Filosofia é constituída por grandes sistemas ou doutrinas, isto é, explicações totalizantes sobre a Natureza, o homem, as relações entre ambos e deles com a divindade (esta, em geral, pensada como Providência divina que instaura e conserva a ordem universal). Predominam preocupações com a ética - pois os filósofos já não podem ocupar-se diretamente com a política -, a física, a teologia e a religião. Datam desse período quatro grandes sistemas cuja influência será sentida pelo pensamento cristão, que começa a formar-se nessa época: estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo. ASPECTOS DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA As questões discutidas pela Filosofia contemporânea A Filosofia contemporânea vai dos meados do século XIX até nossos dias e que, por estar próxima de nós, é mais difícil de ser vista em sua generalidade, pois os problemas e as diferentes respostas dadas a eles parecem impossibilitar uma visão de conjunto. Em outras palavras, não temos distância suficiente para perceber os traços mais gerais e marcantes deste período da Filosofia. Apesar disso, é possível assinalar quais têm sido as principais questões e os principais temas que interessaram à Filosofia neste século e meio. Campos filosóficos A Filosofia existe há 25 séculos. Durante uma história tão longa e de tantos períodos diferentes, surgiram temas, disciplinas e campos de investigação filosóficos enquanto outros desapareceram. Desapareceu também a idéia de Aristóteles de que a Filosofia era a totalidade dos conhecimentos teóricos e práticos da humanidade. Também desapareceu uma imagem, que durou muitos séculos, na qual a Filosofia era representada como uma grande árvore frondosa, cujas raízes eram a metafísica e a teologia, cujo tronco era a lógica, cujos ramos principais eram a filosofia da Natureza, a ética e a política e cujos galhos extremos eram as técnicas, as artes e as invenções. A Filosofia, vista como uma totalidade orgânica ou viva, era chamada de “rainha das ciências”. Isso desapareceu. Pouco a pouco, as várias ciências particulares foram definindo seus objetivos, seus métodos e seus resultados próprios, e se desligaram da grande árvore. Cada ciência, ao se desligar, levou consigo os conhecimentos práticos ou aplicados de seu campo de investigação, isto é, as artes e as técnicas a ele ligadas. As últimas ciências a aparecer e a se desligar da árvore da Filosofia foram as ciências humanas (psicologia, sociologia, antropologia, história, lingüística, geografia, etc.). Outros campos de conhecimento e de ação abriram-se para a Filosofia, mas a idéia de uma totalidade de saberes que conteria em si todos os conhecimentos nunca mais reapareceu. No século XX, a Filosofia foi submetida a uma grande limitação quanto à esfera de seus conhecimentos. Isso pode ser atribuído a dois motivos principais: 1. Desde o final do século XVIII, com o filósofo alemão Immanuel Kant, passou se a considerar que a Filosofia, durante todos os séculos anteriores, tivera uma pretensão irrealizável. Que pretensão fora essa? A de que nossa razão pode conhecer as coisas 6 Filosofia - 2011 Turma -2211 tais como são em si mesmas. Esse conhecimento da realidade em si, dos primeiros princípios e das primeiras causas de todas as coisas chama-se metafísica. Kant negou que a razão humana tivesse tal poder de conhecimento e afirmou que só conhecemos as coisas tais como são organizadas pela estrutura interna e universal de nossa razão, mas nunca saberemos se tal organização corresponde ou não à organização em si da própria realidade. Deixando de ser metafísica, a Filosofia se tornou o conhecimento das condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro enquanto conhecimento possível para os seres humanos racionais. A Filosofia tornou-se uma teoria do conhecimento, ou uma teoria sobre a capacidade e a possibilidade humana de conhecer, e uma ética, ou estudo das condições de possibilidade da ação moral enquanto realizada por liberdade e por dever. Com isso, a Filosofia deixava de ser conhecimento do mundo em si e tornavase apenas conhecimento do homem enquanto ser racional e moral. 2. Desde meados do século XIX, como conseqüência da filosofia de Augusto Comte - chamada de positivismo -, foi feita uma separação entre Filosofia e ciências positivas (matemática, física, química, biologia, astronomia, sociologia). As ciências, dizia Comte, estudam a realidade natural, social, psicológica e moral e são propriamente o conhecimento. Para ele, a Filosofia seria apenas uma reflexão sobre o significado do trabalho científico, isto é, uma análise e uma interpretação dos procedimentos ou das metodologias usadas pelas ciências e uma avaliação dos resultados científicos. A Filosofia tornou-se, assim, uma teoria das ciências ou epistemologia (episteme, em grego, quer dizer ciência). A Filosofia reduziu-se, portanto, à teoria do conhecimento, à ética e à epistemologia. O interesse pela consciência reflexiva ou pelo sujeito do conhecimento deu surgimento a uma corrente filosófica conhecida como fenomenologia, iniciada pelo filósofo alemão Edmund Husserl. Já o interesse pelas formas e pelos modos de funcionamento da linguagem corresponde a uma corrente filosófica conhecida como filosofia analítica cujo início é atribuído ao filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Atualmente, um movimento filosófico conhecido como desconstrutivismo ou pós-modernismo, vem ganhando preponderância. Seu alvo principal é a crítica de todos os conceitos e valores que, até hoje, sustentaram a Filosofia e o pensamento dito ocidental: razão, saber, sujeito, objeto, História, espaço, tempo, liberdade, necessidade, acaso, Natureza, homem, etc. Os campos próprios em que se desenvolve a reflexão filosófica nestes 25 séculos - Ontologia ou metafísica: conhecimento dos princípios e fundamentos últimos de toda a realidade, de todos os seres; - Lógica: conhecimento das formas gerais e regras gerais do pensamento correto e verdadeiro, independentemente dos conteúdos pensados; regras para a demonstração científica verdadeira; regras para pensamentos não-científicos; regras sobre o modo de expor os conhecimentos; regras para a verificação da verdade ou falsidade de um pensamento, etc.; - Epistemologia: análise crítica das ciências, tanto as ciências exatas ou matemáticas, quanto as naturais e as humanas; avaliação dos métodos e dos 7 Filosofia - 2011 Turma -2211 resultados das ciências; compatibilidades e incompatibilidades entre as ciências; formas de relações entre as ciências, etc.; - Teoria do conhecimento ou estudo das diferentes modalidades de conhecimento humano: o conhecimento sensorial ou sensação e percepção; a memória e a imaginação; o conhecimento intelectual; a idéia de verdade e falsidade; a idéia de ilusão e realidade; formas de conhecer o espaço e o tempo; formas de conhecer relações; conhecimento ingênuo e conhecimento científico; diferença entre conhecimento científico e filosófico, etc.; - Ética: estudo dos valores morais (as virtudes), da relação entre vontade e paixão, vontade e razão; finalidades e valores da ação moral; idéias de liberdade, responsabilidade, dever, obrigação, etc.; - Filosofia política: estudo sobre a natureza do poder e da autoridade; idéia de direito, lei, justiça, dominação, violência; formas dos regimes políticos e suas fundamentações; nascimento e formas do Estado; idéias autoritárias, conservadoras, revolucionárias e libertárias; teorias da revolução e da reforma; análise e crítica das ideologias; - Filosofia da História: estudo sobre a dimensão temporal da existência humana como existência sociopolítica e cultural; teorias do progresso, da evolução e teorias da descontinuidade histórica; significado das diferenças culturais e históricas, suas razões e conseqüências; - Filosofia da arte ou estética: estudo das formas de arte, do trabalho artístico; idéia de obra de arte e de criação; relação entre matéria e forma nas artes; relação entre arte e sociedade, arte e política, arte e ética; - Filosofia da linguagem: a linguagem como manifestação da humanidade do homem; signos, significações; a comunicação; passagem da linguagem oral à escrita, da linguagem cotidiana à filosófica, à literária, à científica; diferentes modalidades de linguagem como diferentes formas de expressão e de comunicação; - História da Filosofia: estudo dos diferentes períodos da Filosofia; de grupos de filósofos segundo os temas e problemas que abordam; de relações entre o pensamento filosófico e as condições econômicas, políticas, sociais e culturais de uma sociedade; mudanças ou transformações de conceitos filosóficos em diferentes épocas; mudanças na concepção do que seja a Filosofia e de seu papel ou finalidade. falar numa orientalização da Filosofia, sobretudo nos aspectos místicos e religiosos. Os principais períodos da Filosofia Filosofia antiga (do século VI a.C. ao século VI d.C.) Compreende os quatro grandes períodos da Filosofia greco-romana, indo dos présocráticos aos grandes sistemas do período helenístico. Filosofia patrística (do século I ao século VII) Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a Filosofia medieval. A patrística resultou do esforço 8 Filosofia - 2011 Turma -2211 feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja para conciliar a nova religião – o Cristianismo - com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. Divide-se em patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio. Filosofia medieval (do século VIII ao século XIV) Abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das catedrais, às primeiras universidades ou escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia medieval também é conhecida com o nome de Escolástica. A Filosofia medieval teve como influências principais Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI d.C.), e o Aristóteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos árabes, particularmente Avicena e Averróis. Conservando e discutindo os mesmos problemas que a patrística, a Filosofia medieval acrescentou outros - particularmente um conhecido com o nome de Problema dos Universais - e, além de Platão e Aristóteles, sofreu uma grande influência das idéias de Santo Agostinho. Durante esse período surge propriamente a Filosofia cristã, que é, na verdade, a teologia. Um de seus temas mais constantes são as provas da existência de Deus e da alma, isto é, demonstrações racionais da existência do infinito criador e do espírito humano imortal. A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo (matéria) e alma (espírito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos, são os grandes temas da Filosofia medieval. Outra característica marcante da Escolástica foi o método por ela inventado para expor as idéias filosóficas, conhecida como disputa: apresentava-se uma tese e esta devia ser ou refutada ou defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de outros Padres da Igreja. Os teólogos medievais mais importantes foram: Abelardo, Duns Scoto, Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado judaico: Maimônides, Nahmanides, Yeudah bem Levi. Filosofia da Renascença (do século XIV ao século XVI) É marcada pela descoberta de obras de Platão desconhecidas na Idade Média, de novas obras de Aristóteles, bem como pela recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos. 9 Filosofia - 2011 Turma -2211 São três as grandes linhas de pensamento que predominavam na Renascença: 1. Aquela proveniente de Platão, do neoplatonismo e da descoberta dos livros do Hermetismo; nela se destacava a idéia da Natureza como um grande ser vivo; o homem faz parte da Natureza como um microcosmo (como espelho do Universo inteiro) e pode agir sobre ela através da magia natural, da alquimia e da astrologia, pois o mundo é constituído por vínculos e ligações secretas (a simpatia) entre as coisas; o homem pode, também, conhecer esses vínculos e criar outros, como um deus. 2. Aquela originária dos pensadores florentinos, que valorizava a vida ativa, isto é, a política, e defendia os ideais republicanos das cidades italianas contra o Império Romano-Germânico, isto é, contra o poderio dos papas e dos imperadores. Na defesa do ideal republicano, os escritores resgataram autores políticos da Antigüidade, historiadores e juristas, e propuseram a “imitação dos antigos” ou o renascimento da liberdade política, anterior ao surgimento do império eclesiástico. 3. Aquela que propunha o ideal do homem como artífice de seu próprio destino, tanto através dos conhecimentos (astrologia, magia, alquimia), quanto através da política (o ideal republicano), das técnicas (medicina, arquitetura, engenharia, navegação) e das artes (pintura, escultura, literatura, teatro). Os nomes mais importantes desse período são: Dante, Marcílio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel, Montaigne, Erasmo, Tomás Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa. Filosofia moderna (do século XVII a meados do século XVIII) Esse período, conhecido como o Grande Racionalismo Clássico, é marcado por três grandes mudanças intelectuais: 1. Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do conhecimento”, isto é, a Filosofia, em lugar de começar seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, para depois referir-se ao homem, começa indagando qual é a capacidade do intelecto humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer. O ponto de partida é o sujeito do conhecimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento é um intelecto no interior de uma alma, cuja natureza ou substância é completamente diferente da natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos exteriores. Por isso, a segunda pergunta da Filosofia, depois de respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é: Como o espírito ou intelecto pode conhecer o que é diferente dele? Como pode conhecer os corpos da Natureza? 2. A resposta à pergunta acima constituiu a segunda grande mudança intelectual dos modernos, e essa mudança diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e política) podem ser conhecidas desde que sejam consideradas representações, ou seja, idéias ou conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento. Isso significa, por um lado, que tudo o que 10 Filosofia - 2011 Turma -2211 pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa idéia clara e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto; e, por outro lado, que a Natureza e a sociedade ou política podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas idéias do sujeito do conhecimento. 3. Essa concepção da realidade como intrinsecamente racional e que pode ser plenamente captada pelas idéias e conceitos preparou a terceira grande mudança intelectual moderna. A realidade, a partir de Galileu, é concebida como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é matemática. Predomina, assim, nesse período, a ideia de conquista científica e técnica de toda a realidade, a partir da explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças às experiências físicas e químicas. Existe também a convicção de que a razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governálas e dominá-las, de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional. A mesma convicção orienta o racionalismo político, isto é, a idéia de que a razão é capaz de definir para cada sociedade qual o melhor regime político e como mantêlo racionalmente. Nunca mais, na história da Filosofia, haverá igual confiança nas capacidades e nos poderes da razão humana como houve no Grande Racionalismo Clássico. Os principais pensadores desse período foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa, Leibniz, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi. Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (meados do século XVIII ao começo do século XIX) Esse período também crê nos poderes da razão, chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O Iluminismo afirma que: - pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e política (a Filosofia da Ilustração foi decisiva para as idéias da Revolução Francesa de 1789); - a razão é capaz de evolução e progresso, e o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em liberar-se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da superstição e do medo, graças as conhecimento, às ciências, às artes e à moral; - o aperfeiçoamento da razão se realiza pelo progresso das civilizações, que vão das mais atrasadas (também chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais adiantadas e perfeitas (as da Europa Ocidental); -há diferença entre Natureza e civilização, isto é, a Natureza é o reino das relações necessárias de causa e efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios homens, em seu aperfeiçoamento moral, técnico e político. Nesse período há grande interesse pelas ciências que se relacionam com a idéia de evolução e, por isso, a biologia terá um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da filosofia da vida. Há igualmente grande interesse e preocupação com as artes, na medida em que elas são as expressões por excelência do grau de progresso de uma civilização. Data também desse período o interesse pela compreensão das bases econômicas da vida social e política, surgindo uma reflexão sobre a origem e a forma das riquezas das nações, com uma controvérsia sobre a importância maior ou menor da agricultura e do comércio, controvérsia que se exprime em duas correntes do pensamento econômico: a corrente fisiocrata (a 11 Filosofia - 2011 Turma -2211 agricultura é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista (o comércio é a fonte principal da riqueza das nações). Os principais pensadores do período foram: Hume, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e Schelling (embora este último costume ser colocado como filósofo do Romantismo). Filosofia contemporânea Abrange o pensamento filosófico que vai de meados do século XIX e chega aos nossos dias. Esse período, por ser o mais próximo de nós, parece ser o mais complexo e o mais difícil de definir, pois as diferenças entre as várias filosofias ou posições filosóficas nos parecem muito grandes porque as estamos vendo surgir diante de nós. A RAZÃO Os filósofos racionalistas opõem a razão à imaginação. Enquanto empregar a imaginação é representar os objetos segundo as qualidadessecundárias - aquelas que são dadas aos sentidos – empregar a razão é representar os objetos segundo as qualidades primárias – aquelas que são dadas à razão. A etimologia do termo vem do latim rationem, que significa cálculo, conta,medida, regra, derivado de ratus, particípio, passado de reor, ou seja, determino, estabeleço, e portanto julgo, estimo. É a faculdade do homem de julgar, de raciocinar, compreender, ponderar. "O Sonho da Razão produz monstros", Empregada em filosofia, a palavra razão comporta vários de Francisco Goya. significados: A razão como característica da condição humana, quando se define o homem, por exemplo, como animal racional, ou se diz que alguém está no uso da razão ou a perdeu; Princípio ou fundamento, a razão pela qual as coisas são como são ou ocorrem os fatos desta ou daquela maneira. A razão não é uma instância transcendente, dada de uma vez por todas, mas um processo que se desdobra ou realiza ao longo do tempo. Dir-se-ia que, assim como o homem é a história do homem, a razão é a história da razão. Zenão de Eléia, identificando a razão com o ser e admitindo que o princípio de identidade, formalmente entendido, é o princípio fundamental da razão, argumenta para provar que o movimento e a pluralidade, envolvendo contradição, são irracionais e, portanto, irreais, meras ilusões dos sentidos. A razão, entendida como diálogo, não tem um conteúdo eventual, mas permanente, o conhecimento de si mesma e das essências das coisas, do universal. A razão socrática é o método que permite, pelo diálogo, proposição da tese, crítica da tese ou antítese, chegar à síntese, a essência descoberta em comum, ao termo da controvérsia. Há quem acredite que a razão se subordina totalmente à fé, pois o critério supremo da verdade é o dogma, a revelação divina. A razão abdica de suas exigências próprias em favor de uma instância meta-racional, cuja autoridade não se discute. A razão é tida, por alguns, como instrumento não de demonstração, mas de afirmação da fé. 12 Filosofia - 2011 Turma -2211 É na filosofia de Hegel que se encontra a primeira tentativa de introduzir a razão na história. Para ele, a razão rege o mundo, a história universal transcorre racionalmente, mas a razão que se manifesta ou revela na história é a razão divina, absoluta. É a razão que constitui a história. A razão vital, a razão histórica, nada aceita como simples fato, mas tudo fluidifica no in fieri de que provém e ao qual se dirige, procurando ver não o fato cristalizado ou feito, mas fazendo-se ou como se faz. A ATIVIDADE RACIONAL E SUAS MODALIDADES A Filosofia distingue duas grandes modalidades da atividade racional, realizadas pela razão subjetiva ou pelo sujeito do conhecimento: a intuição (ou razão intuitiva) e o raciocínio (ou razão discursiva). A atividade racional discursiva, como a própria palavra indica, discorre, percorre uma realidade ou um objeto para chegar a conhecê-lo, isto é, realiza vários atos de conhecimento até conseguir captá-lo. A razão discursiva ou o pensamento discursivo chega ao objeto passando por etapas sucessivas de conhecimento, realizando esforços sucessivos de aproximação para chegar ao conceito ou à definição do objeto. A razão intuitiva ou intuição, ao contrário, consiste num único ato do espírito, que, de uma só vez, capta por inteiro e completamente o objeto. Em latim, intuitos significa: ver. A intuição é uma visão direta e imediata do objeto do conhecimento, um contato direto e imediato com ele, sem necessidade de provas ou demonstrações para saber o que conhece. A intuição A intuição é uma compreensão global e instantânea de uma verdade, de um objeto, de um fato. Nela, de uma só vez, a razão capta todas as relações que constituem a realidade e a verdade da coisa intuída. É um ato intelectual de discernimento e compreensão, como, por exemplo, tem um médico quando faz um diagnóstico e apreende de uma só vez a doença, sua causa e o modo de tratá-la. Os psicólogos se referem à intuição usando o termo insight, para referirem-se ao momento em que temos uma compreensão total, direta e imediata de alguma coisa, ou o momento em que percebemos, num só lance, um caminho para a solução de um problema científico, filosófico ou vital. A razão intuitiva pode ser de dois tipos: 1. A intuição sensível ou empírica (do grego, empeiria: experiência sensorial) é o conhecimento que temos a todo o momento de nossa vida. Assim, com um só olhar ou num só ato de visão percebemos uma casa, um homem, uma mulher, uma flor, uma mesa. Num só ato, por exemplo, capto que isto é uma flor: vejo sua cor e suas pétalas, sinto a maciez de sua textura, aspiro seu perfume, tenho-a por inteiro e de uma só vez diante de mim. A intuição empírica é o conhecimento direto e imediato das qualidades sensíveis do objeto externo: cores, sabores, odores, paladares, texturas, dimensões, distâncias. 13 Filosofia - 2011 Turma -2211 É também o conhecimento direto e imediato de estados internos ou mentais: lembranças, desejos, sentimentos, imagens. Ela é psicológica, isto é, refere-se aos estados do sujeito do conhecimento enquanto um ser corporal e psíquico individual - sensações, lembranças, imagens, sentimentos, desejos e percepções são exclusivamente pessoais. 2. A intuição intelectual difere da sensível justamente por sua universalidade e necessidade. Quando penso: “Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo”, sei, sem necessidade de provas ou demonstrações, que isto é verdade. Ou seja, tenho conhecimento intuitivo do princípio da contradição. Quando digo: “O amarelo é diferente do azul”, sei, sem necessidade de provas e demonstrações, que há diferenças. Vejo, na intuição sensível, a cor amarela e a cor azul, mas vejo, na intuição intelectual, a diferença entre cores. Quando afirmo: “O todo é maior do que as partes” sei, sem necessidade de provas e demonstrações, que isto é verdade, porque intuo uma forma necessária de relação entre as coisas. A intuição intelectual é o conhecimento direto e imediato dos princípios da razão (identidade, contradição, terceiro excluído, razão suficiente), das relações necessárias entre os seres ou entre as idéias, da verdade de uma idéia ou de um ser. ### Fala-se também de uma intuição emotiva ou valorativa. Trata-se daquela intuição na qual, juntamente com o sentido ou significação de alguma coisa, captamos também seu valor, isto é, com a idéia intuímos também se a coisa ou essência é verdadeira ou falsa, bela ou feia, boa ou má, justa ou injusta, possível ou impossível, etc. Ou seja, a intuição intelectual capta a essência do objeto (o que ele é) e a intuição emotiva ou valorativa capta essa essência pelo que o objeto vale. A razão discursiva: dedução, indução e abdução A intuição pode ser o ponto de chegada, a conclusão de um processo de conhecimento, e pode também ser o ponto de partida de um processo cognitivo. O processo de conhecimento, seja o que chega a uma intuição, seja o que parte dela, constitui a razão discursiva ou o raciocínio. Ao contrário da intuição, o raciocínio é o conhecimento que exige provas e demonstrações e se realiza igualmente por meio de provas e demonstrações das verdades que estão sendo conhecidas ou investigadas. Não é um ato intelectual, mas são vários atos intelectuais internamente ligados ou conectados, formando um processo de conhecimento. Quando, porém, um raciocínio se realiza em condições tais que a individualidade psicológica do sujeito e a singularidade do objeto são substituídas por critérios de generalidade e universalidade, temos a dedução, a indução e a abdução. Dedução e indução são procedimentos racionais que nos levam do já conhecido ao ainda não conhecido, isto é, permitem que adquiramos conhecimentos novos graças a conhecimentos já adquiridos. Por isso, se costuma dizer que, no raciocínio, o intelecto opera seguindo cadeias de razões ou os nexos e conexões internas e necessárias entre as ideias ou entre os fatos. * Dedução - consiste em partir de uma verdade já conhecida (seja por intuição, seja 14 Filosofia - 2011 Turma -2211 por uma demonstração anterior) e que funciona como um princípio geral ao qual se subordinam todos os casos que serão demonstrados a partir dela. Em outras palavras, na dedução parte-se de uma verdade já conhecida para demonstrar que ela se aplica a todos os casos particulares iguais. Por isso também se diz que a dedução vai do geral ao particular ou do universal ao individual. O ponto de partida de uma dedução é ou uma idéia verdadeira ou uma teoria verdadeira. A indução *Indução - realiza um caminho exatamente contrário ao da dedução. Com a indução, partimos de casos particulares iguais ou semelhantes e procuramos a lei geral, a definição geral ou a teoria geral que explica e subordina todos esses casos particulares. A definição ou a teoria são obtidas no ponto final do percurso. E a razão também oferece um conjunto de regras precisas para guiar a indução; se tais regras não forem respeitadas, a indução será considerada falsa. *A abdução - é uma espécie de intuição, mas que não se dá de uma só vez, indo passo a passo para chegar a uma conclusão. A abdução é a busca de uma conclusão pela interpretação racional de sinais, de indícios, de signos. Segundo o filósofo inglês Peirce, a abdução é a forma que a razão possui quando inicia o estudo de um novo campo científico que ainda não havia sido abordado. Ela se aproxima da intuição do artista e da adivinhação do detetive, que, antes de iniciarem seus trabalhos, só contam com alguns sinais que indicam pistas a seguir. Os historiadores costumam usar a abdução. Diz-se que a indução e a abdução são procedimentos racionais que empregamos para a aquisição de conhecimentos, enquanto a dedução é o procedimento racional que empregamos para verificar ou comprovar a verdade de um conhecimento já adquirido. Realismo e idealismo Falar numa razão objetiva significa afirmar que a realidade externa ao nosso pensamento é racional em si e por si mesma e que podemos conhecê-la justamente por ser racional. Significa dizer, por exemplo, que o espaço e o tempo existem em si e por si mesmos, que as relações matemáticas e de causa-efeito existem nas próprias coisas, que o acaso existe na própria realidade, etc. Chama-se realismo a posição filosófica que afirma a existência objetiva ou em si da realidade externa como uma realidade racional em si e por si mesma e, portanto, que afirma a existência da razão objetiva. Há filósofos, porém, que estabelecem uma diferença entre a realidade e o conhecimento racional que dela temos. Dizem eles que, embora a realidade externa exista em si e por si mesma, só podemos conhecê-la tal como nossas idéias a formulam e a organizam e não tal como ela seria em si mesma. Não podemos saber nem dizer se a realidade exterior é racional em si, pois só podemos saber e dizer que ela é racional para nós, isto é, por meio de nossas ideias. Essa posição filosófica é conhecida com o nome de idealismo e afirma apenas a existência da razão subjetiva. A razão subjetiva possui princípios e modalidades de conhecimento que são universais e necessários, isto é, válidos para todos os seres 15 Filosofia - 2011 Turma -2211 humanos em todos os tempos e lugares. O que chamamos realidade, portanto, é apenas o que podemos conhecer por meio das ideias de nossa razão. RAZÃO: INATA OU ADQUIRIDA? De onde vieram os princípios racionais? De onde veio a capacidade para a intuição (razão intuitiva) e para o raciocínio (razão discursiva)? Nascemos com eles? Ou nos seriam dados pela educação e pelo costume? Seriam algo próprio dos seres humanos, constituindo a natureza deles, ou seriam adquiridos através da experiência? Durante séculos, a Filosofia ofereceu duas respostas a essas perguntas. A primeira ficou conhecida como inatismo e a segunda como empirismo. O inatismo afirma que nascemos trazendo em nossa inteligência não só os princípios racionais, mas também algumas idéias verdadeiras, que, por isso, são idéias inatas. O empirismo, ao contrário, afirma que a razão, como a razão rege o mundo, a história universal transcorre racionalmente, mas a razão que se manifesta ou revela na história é a razão divina, absoluta. É a razão que constitui a história, seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, é adquirida por nós através da experiência. Em grego, experiência se diz: empeiria – donde, empirismo, conhecimento empírico, isto é, conhecimento adquirido por meio da experiência. *Idéias inatas: são aquelas que não poderiam vir de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória. São inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com elas. O empirismo Contrariamente aos defensores do inatismo, os defensores do empirismo afirmam que a razão, a verdade e as idéias racionais são adquiridas por nós através da experiência. Antes da experiência, dizem eles, nossa razão é como uma “folha em branco”, onde nada foi escrito; uma “tábula rasa”, onde nada foi gravado. Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera. Problemas do inatismo e do empirismo Do lado do inatismo, o problema pode ser formulado da seguinte maneira: como são inatos, as idéias e os princípios da razão são verdades intemporais que nenhuma experiência nova poderá modificar. Do lado do empirismo, o problema pode ser formulado da seguinte maneira: a racionalidade ocidental só foi possível porque a Filosofia e as ciências demonstraram que a razão é capaz de alcançar a universalidade e a necessidade que governam a própria realidade, isto é, as leis racionais que governam a Natureza, a sociedade, a moral, a política. A RAZÃO NA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA Chamamos de filosofia contemporânea aquela que teve início no século 19, atravessou o século 20 e chegou até os dias de hoje. 16 Filosofia - 2011 Turma -2211 A filosofia contemporânea fundamenta-se em alguns conceitos que foram elaborados no século 19. Um desses conceitos é o conceito de história, que foi formulado pelo filósofo G.W.F. Hegel. A filosofia de Hegel relaciona-se com as ideias de totalidade e de processo. Passamos a entender o homem como um ser histórico, assim como a sociedade. Uma das conseqüências dessa percepção é a ideia de progresso. O filósofo Auguste Comte foi um dos principais teóricos a pensar essa questão. As utopias políticas elaboradas no século 19, como o anarquismo, o socialismo e o comunismo, também devem muito à idéia de desenvolvimento e progresso, como caminho para uma sociedade justa e feliz. O triunfo da razão A ideia de que a razão, ciência e o conhecimento são capazes de dar conta de todos os aspectos da vida humana também foi pensada criticamente por dois grandes filósofos: Karl Marx e Sigmund Freud. No campo político, Marx tornou relativa a ideia de uma razão livre e autônoma ao formular a noção de ideologia - o poder social e invisível que nos faz pensar como pensamos e agir como agimos. No campo da psique, Freud abalou o edifício das ciências psicológicas ao descobrir a noção de inconsciente - como poder que atua sem o controle da consciência. Referências Bibliográficas: - CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia.13ª edição. São Paulo, Editora Ática, 2004. - SÁTIRO, Angélica & WUENSCH, Ana Miriam. Pensando Melhor - Uma iniciação ao filosofar. 3ª ed.. São Paulo, Ed. Saraiva 1999. - WWW.portaleducacional.com.br 17