DISCURSO DE POSSE NA PRESIDÊNCIA DA ABA – UNB - AUDITÓRIO DAS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS 10 de janeiro de 2013 Carmen Rial Agradeço a Carine, nossa Mestra de Cerimônias, que hoje dá mais uma prova de sua eficiência e charme. Cumprimento inicialmente os participantes de nossa mesa de honra: WILSON TRAJANO FILHO, Chefe do Departamento de Antropologia da UNB, que tem levado adiante na ABA um projeto de observação do campo antropológico brasileiro; GUSTAVO LINS RIBEIRO; ex-presidente da ABA, atual Presidente da ANPOCS, o que certamente favorecerá um trabalho em conjunto de nossas duas instituições, Vice-Presidente da IUAES, um dos responsáveis pela acelerada internacionalização da ABA; LUIZ FERNANDO DIAS DUARTE, Comendador pela Ordem do Mérito Nacional, Vice-Presidente na atual gestão; RENATO ATHIAS, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, que assumirá a Secretaria; ELLEN WOORTMANN, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, que assumirá a Vice-Ppresidência; BELA FELDMAN-BIANCO, atual Presidente da ABA, que nos liderou nos últimos dois anos com uma energia, um dinamismo e uma capacidade de realização ímpar; o Professor ROQUE DE BARROS LARAIA, nosso Presidente de Honra, um dos sábios a quem recorreremos frequentemente para nos ajudar com a precisão de sua memória, em relação à ABA e à Antropologia Brasileira de modo gera; 1 e, finalmente, cumprimento JOANA MARIA PEDRO, Pró-Reitora de Pós-Graduação da UFSC, colega no Instituto de Estudos de Gênero, e que representa nossa Reitora ROSELANE NECKEL, primeira mulher a dirigir a Universidade Federal de Santa Catarina nos seus mais de 50 anos de existência. Muito me alegra a presença de todos vocês nesta noite, assim como a dos colegas antropólogos aqui presentes. Ex-Presidentes da ABA (Roque Laraia, João Pacheco De Oliveira, Miriam Pillar Grossi, Luís Roberto Cardoso de Oliveira). Ex-vices presidentes (Mariza Peirano, Antonio Carlos de Souza Lima, Peter Fry). Ex-Secretárias e Secretário (Claudia Fonseca, minha orientadora de sempre, Henyo Barreto, companheiro em duas gestões, Cornelia Eckert colega na graduação, mestrado e doutorado, e Jane Beltrão, uma das lideranças da Antropologia no Norte), Ex-Tesoureira (Cecília Helm), Coordenadores de Cursos de Pós-Graduação (Julie Cavignac, Carlos Steil, Marcia C. Faria). Sinto-me agradecida e feliz em poder contar na Diretoria com um grupo de colegas tão qualificado. A começar pela nossa Vice, Ellen Woortman, conhecida, respeitada e muito querida, de norte a sul, e não apenas entre os antropólogos que trabalham com saberes tradicionais, o seu campo de pesquisa. Ellen já dirigiu também o Instituto de Ciências Sociais da UnB e será uma voz forte em Brasília, juntamente com a Andrea de Souza Lobo, nossa TesoureiraAdjunta, que já integrou o Conselho Fiscal da ABA, e com seu trabalho em Cabo Verde é um exemplo deste estudar alhures que se afirma cada vez mais na Antropologia brasileira. 2 Renato Athias, que comandará a Secretaria, tem tido um trabalho importante, no campo indígena, e também e cada vez mais no dos museus. Área em que também atua o nosso Secretário-Adjunto, Manuel Ferreira Lima, ex-Coordenador do PPGAS da Universidade Federal de Goiás, liderando um grupo muito dinâmico integrado também pela Telma da Silva, uma das conselheiras fiscais. Antônio Carlos de Souza Lima, Diretor, nos aporta os conhecimentos de quem já foi Vice-Presidente da ABA, Diretor em outras gestões, longa experiência administrativa à frente do Museu Nacional, além de conhecer o difícil campo político das populações indígenas como poucos. Marcia C. Farias Rufino, Diretora, jovem liderança do Norte, Coordenadora do PPGAS da UFAM, tem atuado em pesquisa em Antropologia Urbana e Marítima, e particularmente sobre mulheres pescadoras. Carlos Steil, Diretor, especialista nos campos da Antropologia da Religião e da Política, atual coordenador do PPGAS da UFRGS, traz consigo a experiência como representante da CAPES na área de Antropologia. M.Amélia S.Dickie, Tesoureira da UFSC, especialista em Religião e Política, com trabalhos sobre movimentos Sócio-Religiosos e Ensino Religioso, e Heloisa B. De Almeida, Diretora da USP e pesquisadora do PAGU da Universidade Estadual de Campinas, estudiosa nas áreas de gênero, consumo, mídia, família e corpo. Hoje, aqui, não assume apenas a nova Diretoria da ABA. Assumem também os novos integrantes do Conselho Diretor (Cornélia, Luiz, Peter, Julie e Jane) e do Conselho Fiscal (Cecília, Telma e Parry); e 3 a presença de quase todos aqui reflete a intenção da nossa Diretoria de trabalhar coletivamente, com forte participação dos Conselhos. Olho em volta e vejo ex-professores e colegas a quem admiro e respeito, e vejo sobretudo antropólogas e antropólogos engajados na nossa Associação. Muitos dos quais amigos próximos. Esta cerimônia se desenvolve em Brasília por ser a sede permanente da nossa Secretaria já há 4 anos e seu foro jurídico, mas isto me deixa particularmente contente por recordações marcantes de minha juventude. Foi aqui que em 1976 assisti meu primeiro Congresso Nacional – uma reunião da SBPC. Foi aqui, nos subterrâneos da UNB, que em plena Ditadura, participei de um dos primeiros encontros de estudantes, onde se iniciou um diálogo nacional entre um movimento estudantil enfraquecido nos pós-golpe militar, que contava com micro-organizações espalhadas pelo País, numa das quais me incluía, aluna recém-ingressa na UFRGS. A rede de estudantes tecida nos catacumbas da UNB ganhou impulso nos anos seguintes, como uma das forças políticas mais efetivas na redemocratização do País. E foi em Brasília também, em 1984, que assisti a minha primeira Reunião Brasileira de Antropologia, na gestão da ABA, presidida por Gilberto Velho. Vim de ônibus desde Santa Catarina, dormi em sleepbags, mas saí daqui me sentindo antropóloga, parte de uma comunidade maior, embora apenas balbuciasse o idioma antropológico. Brasília foi, portanto, lugar de iniciação política e de iniciação acadêmica. Conciliar o acadêmico e o político tem sido um desafio e a marca da nossa Associação. Todos sabemos da importância de sujeitos políticos coletivos, como é uma associação científica, reforçam 4 identidades e pertencimentos, ecoam vozes mais fortemente, propiciando intervenções políticas mais eficazes. Meu ingresso efetivo numa Diretoria da ABA também se deu em Brasília, na gestão do Gustavo Lins Ribeiro. A ABA que encontrei então, era bem maior do que a primeira Diretoria que conheci e da que tenho uma lembrança muito cara, a liderada pelo Silvio Coelho dos Santos. Pude espioná-la de perto, porque estava sediada em Florianópolis. Era uma equipe de apenas 3 pessoas: Silvio, Cecilia Helm e Claudia Fonseca. E Claudia, para se reunir com eles, tomava um ônibus em Porto Alegre, viajava toda a noite. A ABA não tinha como custear suas passagens de avião... A ABA cresceu. Hoje temos uma situação financeira estável, a experiência de muitas gestões, uma secretaria permanente, com três funcionários. Estamos distantes dos tempos heroicos, quando para arrecadar fundos, não se hesitava em escrever e colocar à venda os diários perdidos de Edmund Leach ou de imaginar uma barraca das estrelas, onde os estudantes teriam direito a meia hora de entrevista com um antropólogo(a) famoso(a), mediante pagamento, claro. Ideias que revelou Eunice Durham, uma de nossas ilustres ex-presidentes, na última RBA. Não somos tão ricos, mas já não precisamos bolar estratégias para fechar o mês. A ABA continua uma associação séria, mas não sisuda. São outros os tempos. Hoje temos cerca de 130 antropólogos diretamente envolvidos na gestão da Associação: a Diretoria com 10 nomes, 26 conselheiros, mais de 90 distribuídos pelas diversas comissões e comitês, e assessorias especiais, e representações em órgãos públicos. Estaremos de ouvidos atentos também para as sugestões dos expresidentes, com quem pude conversar antes da eleição e de quem ouvi recomendações preciosas. Infelizmente, farão muita falta os carinhosos 5 telefonemas matinais do Gilberto Velho, de quem guardo presente as últimas recomendações, sussurradas na mesa do Hotel Glória – ele que era sempre o primeiro a chegar na sala de refeições. Deste último encontro, em que estava também Roque Laraia, além de orientações políticas, tenho a recordação da sua voz cantando o hino da ABA, aquele que com seu humor particular escreveu, e que vamos tentar recuperar, sim, para a abertura da 29 RBA. Expandir os diálogos antropológicos e suas fronteiras, nacionais e internacionais, tema do nosso programa, é levar adiante projetos que vêm sendo construídos ao longo de 57 anos, através das diversas diretorias, com apoio de seus associados. Foram muitas as lutas desta Associação eminentemente científica, mas que não se abstém do seu papel na arena política. A ABA foi e tem sido instrumento fundamental na defesa de populações ameaçadas tanto quanto para o êxito de nossa Antropologia. Temos sido uma voz significativa nas demandas por terras de populações indígenas e quilombolas, nas reivindicações de direitos étnicos, de direitos de minorias sexuais. Continuaremos a ser. Mais recentemente, de proteção ao Meio Ambiente e defesa da biodiversidade ambiental, de políticas patrimoniais e de museus, de direitos sexuais e reprodutivos, e de acessibilidade. São chamados constantes ao qual temos respondido, assumindo nosso papel de responsabilidade na dinâmica social, sabendo, como lembram muitos etnólogos, que os grupos indígenas têm sua própria agenda política e seus próprios movimentos: eficazes, organizados. Não somos seus porta-vozes ou intermediários, mas aliados. Continuaremos atentos aos movimentos conjunturais, especialmente os que atingem populações subalternas que historicamente 6 temos estudado, dialogando com os governos sempre que possível, buscando alianças com outros atores políticos quando necessário. Belo Monte, o avanço acelerado das empresas mineradoras na Amazônia, e outros projetos desenvolvimentistas que potencialmente ameacem as populações indígenas e ribeirinhas serão vigiados, e se preciso, combatidos. Não porque a ABA se oponha ingenuamente ao desenvolvimento. Mas porque pensamos que este deva ser sustentável, com respeito à biodiversidade e efetivo consentimento das populações possivelmente atingidas. Esta foi a lição precursora de antropólogos como Silvio Coelho dos Santos, que muito cedo alertou para os graves problemas que a construção de hidroelétricas e a exigência de um crescimento econômico poderiam provocar. E é tarefa do Forum de Desenvolvimento da ABA levar adiante uma reflexão sobre o significado deste e dos possíveis modelos outros de desenvolvimento. Contaremos nestes diálogos, muitas vezes tensos, com o apoio de nosso ex-presidente, João Pacheco de Oliveira, que permanece à frente da Comissão de Assuntos Indígenas. Sua presença informada é uma garantia de que a ABA continuará como uma atuação política destacada nesta que tem sido historicamente uma das áreas mais sensíveis. Buscaremos expandir o diálogo também com a grande mídia, mas não somos ingênuos – sabemos bem dos interesses que sustentam matérias pseudojornalísticas em alguns dos mais lidos veículos de comunicação, suas relações com forças do mercado e do capital. A mídia é, como a sociedade, fragmentada e contraditória – um canal poderoso de reforço de estereótipos. Mas não se limita a ser isto. Cabe a nós buscar lidar politicamente com suas fissuras. A Antropologia no Brasil mudou, acompanhando o processo de mudança mais geral da ciência e tecnologia. Temos um cenário positivo 7 para a Antropologia brasileira dentro e fora das fronteiras nacionais, mas que precisa ser acompanhado e avaliado. No País, observa-se a abertura de novos cursos de pós-graduação, que mais do que se duplicaram em número desde 1990, chegando em 2012 a 21 cursos de mestrado e doutorado. As políticas de ensino superior têm favorecido a implantação também de cursos de graduação de Antropologia. Esta recente ampliação teve inúmeras consequências das quais só aos poucos vamos nos apercebendo – entre elas, uma reaproximação com os museus dos quais tínhamos nos afastados desde os anos 1970. A qualidade da Antropologia que se faz no Brasil deve estar no cerne das preocupações da Associação. No exterior, observa-se um incremento da inserção internacional da Antropologia produzida no Brasil, paralelo ao novo protagonismo do País no cenário político e econômico global. Minha geração mirava o Norte; era o diálogo com os países centrais da Antropologia (França, Estados Unidos, Inglaterra ) que desejávamos. Íamos buscar lá teorias que nos ajudavam a melhor olhar localmente. Hoje a Antropologia brasileira é fonte de teorias, serve de modelo. Esta expansão recente, dentro e fora do País, coloca uma responsabilidade para a ABA: a de continuar sendo, fundamentalmente, uma instituição acadêmica que zela pela excelência da Antropologia produzida aqui e, ao mesmo tempo, estimular uma agenda reflexiva capaz de contribuir para as políticas públicas do País. Sem dúvida, somos, hoje, parte de uma comunidade transnacional de Antropologia. Ampliamos consideravelmente os contatos e o diálogo com outras associações antropológicas no interior do Conselho Mundial de Associações Antropológicas (WCAA) onde a ABA tem tido um papel extremamente importante. Ali, graças à autoridade que soubemos 8 construir com a sociedade civil e as instituições governamentais, somos olhados como exemplos de estratégias bem sucedidas de influência sobre políticas públicas. Este reconhecimento do protagonismo político da Associação busca se estender de modo mais claro à Antropologia brasileira que fazemos aqui. A revista VIBRANT, neste sentido, tem tido um desempenho extraordinário, tendo amadurecido sob a condução editorial de Peter Fry, e seu ingresso em importantes portais, nacionais e internacionais, será capital na maior divulgação da Antropologia produzida em nosso País. Podemos ser tentados a pensar que é mais simples tomar o bastão quando a passagem se dá a partir de uma diretoria, como a anterior, que se colocou desafios de diversas ordens, e os cumpri; porém cada nova gestão tenta fazer mais e melhor – um pouco como no potlach que nossos ancestrais estudaram. Por isso, não será nada fácil dar continuidade a uma gestão como a liderada pela Bela e pelo Luiz, que souberam tão bem navegar numa conjuntura efervescente. Para concluir, gostaria de lembrar meu colega e amigo Silvio Coelho dos Santos, que estará para sempre marcado como um dos pilares da Antropologia de Santa Catarina e da ABA. É uma grande responsabilidade estar num lugar que já foi seu. A ABA cresceu. Mas o espírito de entrega, de esforço pessoal, que presenciei de perto nas diretorias de que participei, e também na diretoria do Silvio e na da Miriam, continuo vendo hoje. São muitos os colegas que doam à ABA o que tem de mais precioso, que é o seu tempo. E é este espírito que esperamos que prevaleça nesta gestão. 9 É uma grande honra e uma imensa responsabilidade assumir como a 27a Presidente da ABA, a 7a mulher. Mas desta responsabilidade todos da Diretoria eleita estamos conscientes. Nosso patrimônio/matrimônio mais valioso é o nome “ABA”, que reflete uma credibilidade construída ao longo de 57 anos. Assumo o compromisso de preservá-lo. Obrigada *** 10