Pró-Reitoria de Graduação Curso de Letras Trabalho de Conclusão de Curso ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS DAS NOMINALIZAÇÕES EM -ÇÃO E -MENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL Autora: Christiane Mesquita Pinheiro Orientadora: Profa. MSc. Déborah Christina de Mendonça Oliveira Brasília - DF 2012 CHRISTIANE MESQUITA PINHEIRO ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS DAS NOMINALIZAÇÕES EM -ÇÃO E -MENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL Monografia apresentada ao curso de graduação em Letras da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Licenciado em Português e Literaturas em Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. MSc. Déborah Christina de Mendonça Oliveira Brasília - DF 2012 Monografia de autoria de Christiane Mesquita Pinheiro, intitulada “ASPECTOS MORFOSSINÁTICOS DAS NOMINALIZAÇÕES EM -ÇÃO E -MENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL” apresentada como requisito parcial para obtenção de do grau de Licenciada em Letras da Universidade Católica de Brasília em 29 de novembro de 2012, defendida e aprovada pela Banca Examinadora abaixo assinada: _________________________________________________________ Profa. MSc. Déborah Christina de Mendonça Oliveira (Orientadora) Universidade Católica de Brasília - UCB ________________________________________________________ Profa. MSc. Deise Ferrarini (Membro) Universidade Católica de Brasília – UCB _______________________________________________________ Profa. Dra. Virgínia Andréa Garrido Meirelles (Membro) Universidade Católica de Brasília - UCB Brasília - DF 2012 AGRADECIMENTOS Como não agradecer primeiramente Aquele que me deu a vida e me permite desfrutar de momentos únicos e maravilhosos, como este agora, em que parte de meus sonhos são realizados? Deus, em sua infinita sabedoria e bondade, Pai, que me abençoa a cada dia, me concede a graça de poder chegar aonde eu imaginei chegar um dia. Ao grande e primeiro incentivador: “Russo”, o amor da minha vida, que está sempre comigo, me apoiando em tudo que faço e me acalmando sempre que preciso. À minha linda filha Nicolle, que com toda doçura e carinho tanto me ajudou desde o início deste trabalho. A todos os amigos que acreditaram e acreditam em mim. Aos casais: Ana e Élcio e Noelma e Enedino, anjos que intercedem pela minha felicidade; Ângela, Dalva, Rodrigo e Celeste, pessoas que tenho plena certeza do quanto torcem por mim; minhas irmãs Meire e Rosilene (partes do meu coração); Saliza (minha caixa de 48 lápis de cor); amigos da faculdade: Mayara, Enny, Kaio, Ângela, Isabel, Vânia. Minha orientadora Déborah, alguém de importância decisiva nesse trabalho e que serei eternamente grata a Deus por ter conhecido e colocado na minha vida nesse trajeto tão importante pra mim. Um agradecimento especial à minha sogra Isaura, essa pessoa tão maravilhosa (como eu costumo dizer: quase uma santa) que há muito tempo me ensina a caminhar com confiança, me fazendo acreditar em mim mesma (quando eu achava que não era capaz de realizar desde as pequenas coisas), me fortalecendo com fé e esperança. Que todos esses agradecimentos sejam motivação para que eu continue querendo aprender mais a cada dia, aprender com meus erros, com os erros dos outros, e, principalmente, dar o melhor de mim em tudo que faço. E que eu continue fazendo: amigos, novas aprendizagens e muitos trabalhos pela frente! RESUMO PINHEIRO, Christiane Mesquita de. Aspectos Morfossintáticos das nominalizações em ção e -mento no português do Brasil. Monografia (Licenciatura em letras) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012. O presente trabalho tem como objetivo analisar os aspectos morfossintáticos das nominalizações deverbais no português do Brasil sob a perspectiva da Gramática gerativa. A partir de um breve histórico dos primeiros estudos sobre morfologia, buscamos compreender como se dá o processo de formação de palavras e o que torna a nominalização um assunto considerado tão complexo. Nossa pesquisa abordará características sintático-semânticas do que também é chamado de substantivação deverbal e a importância da estrutura argumental nesse tipo de formação. Faremos uma análise mais detalhada dos dois sufixos considerados mais produtivos em português: -ção e –mento. Dentre as principais questões levantadas, estão: O que faz um sufixo ser mais produtivo do que outro? Que motivos levam o falante a essa escolha? A partir dessas questões, pretendemos apontar fatos que esclareçam melhor o fenômeno em análise e suscitar questionamentos para estudos futuros. Palavras-chave: Estrutura argumental. Nominalização. Sufixo -ção. Sufixo -mento. ABSTRACT This study aims to examine the morphosyntactic aspects of nominalizations deverbal nouns in in Brazilian Portuguese from the perspective of generative grammar. Starting from a brief history of the early studies on morphology, we seek to understand how the process of word formation happens and what makes nominalization considered a subject so complex. Our research will address syntactic-semantic characteristics of what is also called deverbal substantivation and the importance of argumental structure in this type of training. We will do a more detailed analysis of the two suffixes considered to be the most productive in Portuguese: - cão (tion) and – mento (ment). Among the main issues raised, are: What makes a suffix more productive than others? What reasons lead the speaker to that choice? From these questions, we want to point out facts that shed a better light on the phenomenon being analyzed and raise questions for future studies. Keywords: Argumental structure. Nominalization. The suffix -ção. The suffix -mento. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09 CAPÍTULO I..........................................................................................................................11 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: NOÇÕES DE MORFOLOGIA 1.1 MORFOLOGIA..................................................................................................................11 1.2 ABORDAGENS DE ESTUDO..........................................................................................12 1.3 CONCEITO DE MORFEMA.............................................................................................14 1.4 TIPOS DE MORFEMAS....................................................................................................15 1.5 LÉXICO..............................................................................................................................16 1.6 PRODUTIVIDADE LEXICAL..........................................................................................18 1.7 COMPETÊNCIA LEXICAL..............................................................................................19 1.8 FORMAÇÃO DE PALAVRAS..........................................................................................20 1.9 NOMINALIZAÇÃO...........................................................................................................23 1.10 CONCLUSÕES PRELIMINARES..................................................................................24 CAPÍTULO II ASPECTOS SEMÂNTICOS E MORFOSSINTÁTICOS DAS NOMINALIZAÇÕES 2.1 AS NOMINALIZAÇÕES NO PORTUGUÊS DO BRASIL.............................................26 2.2 OS SUFIXOS FORMADORES DE NOMINALIZAÇÕES..............................................29 2.3 ASPECTOS SINTÁTICO-SEMÂNTICOS .......................................................................30 2.4 A ESCOLHA DA PREPOSIÇÃO......................................................................................34 2.5 ESTRUTURA ARGUMENTAL........................................................................................34 CAPÍTULO III OS SUFIXOS –ÇÃO E –MENTO 3.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS........................................................................................37 3.2 O SUFIXO –ÇÃO...............................................................................................................38 3.3 O SUFIXO –MENTO..........................................................................................................39 3.4 A COMPETIÇÃO ENTRE OS SUFIXOS –ÇÃO E –MENTO..........................................40 3.5 RECURSIVIDADE NOS SUFIXOS –ÇÃO E –MENTO...................................................42 3.6 PREFIXAÇÃO....................................................................................................................43 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................45 9 INTRODUÇÃO A gramática tradicional tem como parte de seus estudos um tema de fundamental importância no que se refere a um dos aspectos da língua portuguesa: a morfologia, entendida, de modo geral, como o estudo da forma das palavras. Quando partimos para uma análise na perspectiva gerativa percebemos que o termo significa muito mais do que apenas saber em quantas partes uma palavra se divide, mas sim, como se dá o processo de formação de palavras quando pensamos na capacidade que os falantes têm em criar novas, a partir daquelas já existentes, de acordo com a necessidade do discurso. A morfologia gerativa aborda um fenômeno considerado muito complexo, que é o da nominalização ou substantivação deverbal, no qual as palavras sofrem uma mudança na sua estrutura e, consequentemente, mudam de classe gramatical. A nominalização pode ser definida como um conjunto de processos que formam substantivos a partir de qualquer categoria que não seja substantivo. Por se tratar de um padrão sufixal, é realizada, principalmente, com o uso de sufixos distintos. A determinação da função de adequação ao enunciado é o que a torna um fenômeno complexo, pois pode existir a presença de funções simultâneas. Este trabalho tem como objeto de estudo o fenômeno da nominalização do português brasileiro em seus aspectos morfossintáticos e se estruturará do seguinte modo: no capítulo I, traremos alguns conceitos e abordagens de estudo da morfologia, importantes para termos uma noção de como esse estudo começou e como se modificou ao longo do tempo. Em seguida, trataremos dos morfemas, suas definições e tipos. O léxico também é um dos assuntos, assim como a produtividade lexical. O processo de formação de palavras é de total relevância para a compreensão do nosso trabalho, já que entender como as palavras se formam está diretamente relacionada à questão da nominalização, que é o último tema deste capítulo. No capítulo II, daremos início à análise do nosso foco de estudo: a nominalização. Começaremos a tratar dos aspectos morfossintáticos das nominalizações do português brasileiro. Apresentaremos conceitos desse fenômeno e como seu processo de formação ocorre. Como a nominalização é marcada, notadamente, pelo uso de sufixos, faremos uma análise dos sufixos envolvidos nesse processo. Encerraremos o capítulo tratando das características sintáticas da nominalização, como por exemplo, o que faz de certas palavras, em sua mudança de classe, exigirem o uso da preposição antes de seus complementos como em: A professora analisou o artigo. / A análise do artigo pela professora. Além disso, ainda 10 temos alguns casos em que as palavras, se verbos, exigem complementos e quando substantivas, possuem significado completo. Na frase: *A professora analisou (o artigo) é imprescindível o complemento com um objeto direto, do contrário, a frase é agramatical. Já na frase: A análise do artigo, seu sentido está completo. Essas questões serão estudadas no capítulo II. No capítulo III, falaremos dos sufixos nominalizadores do português brasileiro. Por que certos sufixos são improdutivos? Sendo assim, escolhemos os considerados mais produtivos em português para fazermos nossa análise. Trataremos de suas características semânticas e morfológicas. Os sufixos escolhidos foram -mento e -ção, por serem os mais usados pelos falantes em suas construções. Pretendemos, com este trabalho, reunir informações que possam nos fazer compreender melhor o fenômeno da nominalização. Para isso, consideraremos os estudos anteriores realizados por Basílio (1980; 2003; 2011), por Sandmann (1991) e por Rocha (1998), dentre outros. 11 CAPÍTULO I PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: NOÇÕES DE MORFOLOGIA Como afirmado na Introdução deste trabalho, a presente pesquisa tem como objeto de estudo um fenômeno do português conhecido como substantivação deverbal ou nominalização, analisado sob a perspectiva da Gramática Gerativa. Para contextualizar esse estudo, é necessário apresentarmos, inicialmente, alguns conceitos básicos para uma melhor compreensão do assunto. Este primeiro capítulo está organizado da seguinte maneira: apresentaremos os conceitos de morfologia, morfema e tipos de morfema, as abordagens de estudo, a definição de léxico, produtividade lexical e processos de formação de palavras. 1.1 Morfologia Partindo do seu significado de origem grega morphê: forma e logos: estudo, tratado, temos: o estudo da forma. Do ponto de vista da gramática tradicional morfologia é o ramo que estuda a estrutura das palavras. Existem formas diferentes de compreensão dessas estruturas, por isso, o termo morfologia não é tão simples como parece. Conhecimento lingüístico e conhecimento de vocabulário se referem à aquisição da língua e estão diretamente relacionados à gramática. Para Rosa (2002), é preciso considerar a existência de princípios também no campo das palavras de uma língua, entendida aqui como morfologia, termo criado no século XIX, em meio à preocupação dos estudiosos da época com a língua mãe. Para muitos, a morfologia podia ser entendida como gramática interna das palavras. Dentro de uma perspectiva da gramática gerativa, desenvolvida pelo lingüista norte americano Noam Chomsky, algumas questões sobre a interação entre a morfologia e a gramática são importantes, como, por exemplo, qual a unidade básica de estudo na morfologia? E isso implica perguntar que tipo de estrutura as palavras tem, como essa estrutura se relaciona com a gramática e o com o léxico e como isso se reflete na relação entre as palavras. Sandmann (1991) define morfologia como o estudo das relações que podem se estabelecer entre elementos que não estão todos simultaneamente presentes numa frase ou texto e que é tarefa da morfologia analisar como as concordâncias se realizam, quais os meios e que tipos de flexões são utilizados. Isso quer dizer que na morfologia o que importa são as relações internas das palavras com elementos ausentes. Para Rocha (1998), a morfologia é um ramo 12 autônomo da linguística, com suas regras específicas, não coincidentes com as regras da fonologia, da sintaxe, da semântica ou do discurso. Enquanto a morfologia tradicional se preocupava em descrever as línguas, separando e classificando os fonemas, a morfologia gerativa se preocupava com a competência que os falantes tinham em criar novas palavras e rejeitar outras, dentro das estruturas já conhecidas em seu vocabulário. Chomsky foi o primeiro a chamar a atenção para a possibilidade de independência da morfologia da sintaxe. O falante, ainda que iletrado, que ouve uma palavra que até então desconhecia, é capaz de reconhecê-la como parte de sua língua e ter intuições quanto à sua estrutura e significado. Tentar explicar como isso acontece é um dos objetivos da teoria morfológica, procurando explicar esse tipo de ocorrência a partir dos mecanismos que criam novas palavras a partir de palavras já existentes. 1.2 Abordagens de estudo O estudo da formação das palavras foi abordado por quatro correntes que procuraram descrever e analisar os aspectos morfológicos da língua sob perspectivas teóricas e objetivos distintos: o descritivismo, o historicismo, o estruturalismo e o gerativismo. Enquanto as gramáticas tradicionais não dão muita atenção à questão da formação das palavras, se limitando apenas a classificar e exemplificar os processos, as gramáticas normativas se preocupam exaustivamente com a questão, tentando explicar e definir o significado final de todas as palavras criadas a partir de afixos. Quanto ao entendimento do termo formação, é possível interpretá-lo de duas maneiras: uma que se refere ao processo de formação das palavras e a outra que se refere à maneira que as palavras são constituídas, que é a linha que as gramáticas normativas seguem. Os gramáticos gregos tentaram explicar a relação entre a lógica e a linguagem, no intuito de estabelecer um critério de regularidade da língua. Esse era um modelo de estudo da morfologia, que passou a ser chamado de descritivismo, um modelo com base filosófica, que estabelecia critérios conhecidos como Elemento e Paradigma1, que se ocupava da descrição e fixação de paradigmas, como as declinações e as conjugações. Estudar os fenômenos linguísticos a partir de uma visão histórica, como o historicismo, mesmo tendo impulsionado o estudo da morfologia, parece não ter dado bons resultados. O fato é que, sendo a língua algo em evolução, se prender a parâmetros dificultaria 1 Conforme Rocha (1998), para saber mais sobre esse modelo, consultar Hocket (1954) e Villalva (1986). 13 continuar avançando nas descobertas da realidade linguista, ou seja, de certa forma, travar os usos dos vocabulários sempre em formação. A partir dos estudos do linguista Ferdinand de Saussure houve uma reviravolta nos estudos linguísticos. Considerado o pai do estruturalismo, ele considerava a língua como um sistema de valores, que opostos entre si, formam as mais diversas estruturas. Para ele, os fonemas, os morfemas, a palavras, as frases, o texto, representam esses valores. Com o objetivo de descrever as línguas, os estruturalistas chegaram ao conceito de Morfema, que estudaremos logo mais adiante. “Podemos dizer que a visão estruturalista desenvolveu com bastante rigor as técnicas de depreensão dos morfemas e essa foi a sua preocupação básica como movimento lingüístico” (ROCHA, 1998, p. 28). Dentre os pontos positivos desse movimento, podemos dizer que por meio dele a morfologia se beneficiou a partir do momento em que a sintaxe e a semântica não eram mais o centro dos estudos linguísticos. Na visão estruturalista, a análise morfológica tem como foco de estudo os morfemas e suas possíveis combinações na formação das palavras, ocasionando uma mudança na classe dessas palavras a partir dessas combinações. Dentro dessa abordagem, existe a preocupação com a determinação da estrutura das palavras já existentes2. No final da década de 50, a partir dos estudos do linguista Noam Chomsky, esse movimento deu lugar ao modelo gerativotransformacional. A teoria gerativa mudou a perspectiva dos estudos da linguagem, apresentando a gramática da competência (ou subjacente) como objeto da descrição lingüística. Trata-se de uma gramática internalizada, que mesmo não sabendo como descrevê-la, possuímos e a usamos adequadamente. A lingüística gerativa tem como objetivo explicitar essa gramática no âmbito da morfologia lexical. A partir dela devemos considerar nossas interpretações naturais das palavras já existentes ou criadas, de acordo com as necessidades do discurso. O gerativismo tem uma concepção bem diferente do estruturalismo. Enquanto o estruturalismo não tem intenção de estudar a língua no seu nível mais profundo, adotando uma postura de procedimentos, o que era considerado superficial, o gerativismo busca analisar a língua relacionando com sua capacidade criativa dos falantes. Esse tipo de abordagem tem como parâmetro a competência linguística do falante, ou seja, a capacidade criativa que eles têm de aprender e desenvolver a linguagem, criando novas palavras sempre que acharem necessário. 2 Um dos problemas apontados por Basílio (2003) nesse tipo de análise é que segundo ela, como no léxico as palavras apresentam um significado global, não poderíamos separar o significado por partes mínimas, já que essa não é função exclusiva dos morfemas, que são definidos em relação ao significado. 14 Enquanto os estruturalistas não se interessavam em estudar a língua num nível mais profundo, o gerativismo veio para mudar radicalmente a análise morfológica, levando em consideração primeiramente a competência do falante na utilização de sua linguagem, ou seja, o que importa não seria mais separar os morfemas e classificá-los, e sim, procurar explicações para a maneira como as palavras são produzidas. Trata-se, portanto, de uma análise interna da formação das palavras, como elas são criadas, por que são criadas e o que impede certas formações. Segundo essa teoria, o léxico não se trata de uma lista pronta e determinada de palavras que podem ser destrinchadas e explicadas por partes, mas sim, um conjunto de regras que não se esgotam em si. A partir do momento em que novas palavras são criadas pelos falantes de uma língua podemos concluir que o léxico é algo muito mais do que um conjunto de palavras com seus respectivos significados, mas algo em constante atividade. De acordo com a teoria padrão da gramática gerativa apresentada por Chomsky, a língua natural é composta por duas estruturas, que é a profunda e a superficial. A estrutura profunda é a forma abstrata internalizada que determina o significado de uma sentença. Ela se refere às construções fixas, regulares e constantes, como sujeito e predicado, verbo transitivo direto e indireto etc., que são os elementos existentes para formarmos sentenças. A estrutura superficial é uma representação do símbolo físico que produzimos ou ouvimos. Ela se refere às construções que podem ser formadas com os elementos da estrutura profunda. Essa estrutura é a maneira que dispomos para organizar nosso discurso de maneira compreensível, pois aprendemos a falar já organizando esses elementos. “Diz também que a estrutura profunda gera estruturas superficiais, daí o nome Gramática Gerativo-Transformacional, ou, simplesmente, Gramática Gerativa” (ROCHA, 1998, p. 32). Aqui fica clara a independência da sintaxe da morfologia. Enquanto a sintaxe se prende a regras, a morfologia é entendida aqui como algo independente, onde as palavras possuem regras próprias de criação dentro de certos padrões linguísticos. 1.3 O conceito de morfema A comunicação entre falantes de uma língua se dá por meio de palavras, que são formadas por combinações de unidades mínimas de som e significado conhecidas como morfemas, que é o objeto central de estudo da morfologia tradicional. Poderíamos entender morfemas como pedacinhos que se juntam na formação das mais variadas palavras. O morfema ainda pode ser definido como uma classe de morfes, que são elementos de um conjunto que formam o morfema. A variação dessas unidades, também definidas como 15 átomos de som e significado é chamada de alomorfia e a combinação desses elementos é conhecida por morfotática, que estuda a restrição da combinação dos morfemas, levando em consideração formas, ordem, construção e hierarquia de constituintes. Podemos compreender melhor esse conceito ao pensarmos que as classes mais universais das línguas do mundo são os radicais, que podem ser verbais ou nominais e os afixos, dentre eles podemos citar os sufixos. Como os sufixos seguem um radical, a construção docaminha, por exemplo, seria impossível no particípio de caminhar em português. Definir o morfema como unidade mínima de som e significado causou problemas para os estudiosos a partir do momento em que se procurou atribuir significado a ele, já que seria difícil conceituar formas mínimas, como por exemplo, na palavra re-ceb-er. Analisando as partes mínimas que compõem a palavra, assim como a raiz parece não ter significado, os afixos também se encontram na mesma situação. Esse fato fez com que houvesse um redimensionamento do conceito de morfema como centro da análise morfológica. Ao invés de analisar elementos mínimos, passou-se a dar maior importância à capacidade que os falantes têm de formar palavras, a competência lexical, que será tratada logo mais adiante. 3 1.4 Tipos de morfemas Os morfemas são constituídos de um radical e de afixos que se unem na formação das palavras. Eles estão classificados em: aditivo, reduplicativo, alternativo, morfema zero e substrativo. A gramática gerativa trabalha com itens que compõe a palavra e não com a noção de palavra como um todo. Os morfemas aditivos são os radicais e os afixos. A raiz ou radical é o elemento mínimo de significado lexical, que também é conhecido como base. Os afixos são os prefixos e sufixos, que se diferem um do outro pela posição que ocupam em relação à raiz. A morfologia define processos de formação distintos entre os tipos de afixos, que são a prefixação e a sufixação. Podemos também mencionar os infixos, que se diferem dos afixos por estarem presos no interior de uma raiz. O morfema reduplicativo consiste numa modificação da raiz, por meio da repetição de parte ou dela toda, comum em algumas línguas, principalmente no latim. Na linguagem infantil, como em palavras como mamãe, papai, Zezé 3 A partir desse redimensionamento, alguns linguistas que se dedicavam à morfologia flexional abandonaram a noção de morfema. 16 ou em compostos como pingue pongue, reco reco, tique taque, o que ocorre é o chamado redobro expressivo, pois eles não possuem valor morfológico4. No caso do morfema alternativo o que se percebe é uma pequena mudança ocasionada por uma troca de um ou mais elementos que pouco muda a forma da palavra. “O morfema alternativo consiste na mudança da estrutura fônica da raiz (seja por alternância da qualidade ou quantidade de vogais, se consoantes, de acento ou de tom), como em digo/dizer” (ROSA, 2002, p. 55). O morfema zero é um morfema que não possui nenhum alomorfe evidente. Por exemplo: nas palavras mestre e mestra, leitor e leitora, o que muda é apenas a marca de masculino para feminino. A ausência da letra “a” pode ser entendida apenas como característica do gênero masculino. Segundo Rosa (2002), a noção de morfema zero não foi aceita por todos os lingüistas em razão de ser desnecessário esse tipo de classificação em que poderíamos adicionar zeros a qualquer uma descrição. O morfema substrato é um radical que perde fonemas na formação de uma dada palavra para expressar alguma diferença de sentido. Ex: anão/anã, órfão/órfã. 1.5 Léxico O conjunto de palavras disponíveis para a atuação das regras da morfologia é definido como léxico, que, por sua vez, é constituído de uma lista de palavras. Considerando que não é possível catalogar todas as palavras existentes numa dada língua, como o português, por exemplo, o léxico é visto como irregular e imprevisível quando pensamos no fato de que os falantes se beneficiam da sua capacidade criativa de produzir palavras a partir de regras próprias que nem sempre estão enquadradas na gramática. As classes abertas de palavras5, ou seja, classes que sempre podem admitir novos membros com significado lexical são formadas por meio dos itens lexicais, ao contrário das classes de palavras fechadas6, que por possuírem um pequeno e limitado número de palavras não tem a mesma possibilidade de inserção de novos membros. O léxico está diretamente relacionado à língua, compreendida como um sistema de classificação e comunicação. Ele tem como papel principal nomear as coisas do mundo para facilitar a comunicação entre os falantes. Importante ressaltar que não se trata de uma lista 4 Em português não há infixos nem morfemas reduplicativos. As classes de palavras que admitem novos membros são: substantivos, adjetivos, verbos e advérbios de modo. 6 Classes gramaticais que possuem um número limitado de palavras, tais como: os artigos, os pronomes, as preposições, os numerais e as conjunções. 5 17 fechada e limitada de palavras, e sim, um sistema dinâmico composto de unidades usadas na formação de novas palavras. Podemos também defini-lo como o prévio conhecimento de certas estruturas que os falantes nativos dispõem que permitem interpretar e formar novas construções. Dar conta da definição de todas as palavras existentes na língua acarretaria uma sobrecarga da memória, sendo assim, o léxico é altamente amplo, dado o potencial criativo da linguagem humana. Segundo Basílio (2011, p. 9): “O léxico é uma espécie de banco de dados previamente classificados, um depósito de elementos de designação, o qual fornece unidades básicas para a construção dos enunciados”. De acordo com Basílio (2011), uma distinção importante precisa ser feita: o processo de formação de palavras e a formação concreta de novos itens. Isso quer dizer que existe um processo de formação de palavras que podem ser analisadas externamente e um processo de formação de palavras que devem ser analisadas internamente. Temos, portanto, o léxico real, que é conjunto de palavras da língua, e o léxico mental ou virtual, que são padrões específicos de construção e interpretação das palavras. O léxico mental de um falante, compreendido do ponto de vista de sua competência lexical, engloba o conhecimento que ele tem de certas formas linguísticas utilizáveis na formação das palavras, como os afixos, que não possuem significados próprios. Podemos entender esse fato como uma lista de entradas lexicais. Por outro lado, os itens lexicais constituem as palavras que vão das mais simples às complexas no vocabulário dos falantes. Daí surge o questionamento de que formas lingüísticas compõem a lista de itens lexicais de um falante nativo, se são os morfemas ou lexemas, por exemplo. Para alguns autores, como Halle (1973, apud ROCHA 1998, p. 62) essa lista é formada de morfemas, por considerar que o falante os conhece não só isoladamente, mas também quando usado em combinações, como na palavra paquerar, o morfema –dor e surge paquerador, mas isso não acontece o mesmo com a palavra apelidador, por ele saber que não existe. Sendo assim, há a hipótese de que os lexemas (palavras que tem raiz) devem também fazer parte desta lista. Além disso, ainda há as palavras consideradas complexas na língua produzidas por bases que não são consideradas morfemas, como mexicanizar, cuja base é mexicano e argentinização, que tem como base argentinizar, que são palavras que existem apenas no léxico mental dos falantes. É possível afirmar, portanto, que o léxico mental de um falante nativo é constituído de morfemas, lexemas e itens lexicais. As formas lingüísticas conhecidas desse falante, sejam morfemas ou não, constituem a lista de entradas lexicais. Podemos citar as entradas lexicais livres e dependentes, consideradas em português como palavras ou lexemas, que podem apresentar uma ou mais raízes. Ex: livro, gato, eletrônico, biologia. Já as entradas lexicais 18 presas não funcionam como palavras por não terem raiz, que são as bases, afixos, desinências e as vogais temáticas. “A lista de entradas lexicais de um falante nativo, ou, em outras palavras, o léxico mental de um falante, é formado por toda e qualquer forma lingüística que a pessoa conhece ou utiliza” (ROCHA, 1998, p. 75). Cabe acrescentar uma breve distinção entre palavra, vocábulo e lexema. A palavra é ao mesmo tempo uma unidade lexical e formal. Uma unidade lexical ou lexema é a palavra em si, como o verbo pegar, por exemplo. Já os vocábulos são as variações dessa palavra, ou seja, as formas flexionadas. Os vocábulos que não apresentam significado lexical não podem ser considerados como lexemas, como por exemplo, as preposições e conjunções, por não terem significado em si. 1.6 Produtividade lexical A formação de novas palavras a partir de determinadas regras é conhecida por produtividade lexical, essas regras, por sua vez, são denominadas Regras de Formação de Palavras. As RFP’s são um conjunto de regras que determinam relações lexicais, especificando as formações lexicais possíveis e formando novos objetos morfológicos. Ocorre que não podemos esquecer que em morfologia nem tudo é possível, ou seja, deve existir um parâmetro de formação de palavras que, ao mesmo tempo em que faz novas construções impede outras de serem realizadas. Segundo Aronoff (1976, apud ROSA 2002, p. 89), uma regra não é produtiva em termos absolutos. Portanto, para que uma regra seja considerada produtiva é necessário que haja três condições: deve existir uma base, ter coerência semântica e em alguns casos, a não ocorrência de uma forma devido à existência de outra, o chamado bloqueio. Podemos citar como exemplo certos sufixos como –ança ou –ância que dificilmente formarão nomes derivados de verbos, como ocorre em –ção. Ex: dormir: dormição e não dormância ou dormança; comer: começão e não comança ou comância. O falante tem a capacidade de prever o que é possível ou não na sua língua, a partir dessas condições. Dizer se tal palavra existe ou não requer um conhecimento que não se restringe ao registro dela no dicionário, pois, sendo o léxico um sistema amplo e dinâmico, sempre há novas palavras surgindo. Existem certas formações complexas que podem não estar incorporadas ao léxico. Para Rocha (1998), podemos fazer uma pequena divisão de palavras: as impossíveis, as possíveis, mas que são rejeitadas pelos falantes, as possíveis que podem ser usadas em qualquer tipo de discurso, as palavras reais não dicionarizadas, as dicionarizadas 19 conhecidas apenas por determinados grupos e as palavras reais que, mesmo sendo conhecidas pela comunidade lingüística, podem constar ou não no dicionário. Essa possibilidade de criação de novos itens lexicais é o que chamamos de produtividade. Mesmo existindo uma lista de palavras de uso comum e contínuo na linguagem dos falantes, sempre há um novo item sendo criado. Sob o ponto de vista morfológico e semântico, palavras como sequestrável, sambódromo, buzinaço etc, são considerados transparentes, ou seja, a derivação é previsível. Para Rocha (1998, p. 45), “com relação aos termos criados recentemente e aos termos possíveis de serem criados, o que se observa, é uma regularidade quase absoluta”. Mas existe um grande número de casos de irregularidades, como por exemplo, a palavra eleger, que não pode ter como derivado a palavra elegeção, e sim, eleição. E a palavra cana, que tem como derivada canavial e não canal. Essas irregularidades são motivo para que alguns estudiosos declararem que o léxico não é regular e que os processos de derivação é uma escolha individual do falante. Daí surge a importância de se fazer uma distinção entre formas existentes e as possíveis de serem criadas pelos falantes. Para Basílio (1987, p. 25 apud ROCHA 1998, p. 47): (...) como o léxico é um depósito de signos construídos, temos na lista virtualmente tudo o que aconteceu. E, muitas vezes, o que aconteceu não pode mais acontecer. Daí a fundamental importância de se distinguir as formas já feitas dos processos de formação. Uma das funções mais importantes da morfologia é determinar quais palavras um falante pode formar. Umas das hipóteses sobre a produtividade lexical considerada mais interessante por Basílio (1980) é a do linguista Aronoff. Para ele, é preciso reconhecer a interação entre a lista de itens já existentes no léxico e as regras normais de formação de palavras. Seu objetivo principal é definir a capacidade do falante de formar novas palavras em sua língua e que é preciso fazer uma distinção entre as classes teoricamente possíveis e as realmente possíveis. Quanto às regras de formação de palavras , segundo Basílio (1980), elas não são suficientes para descrever a competência lexical do falante, que não conhece todas as palavras no léxico de sua língua. 1.7 Competência lexical Com o surgimento da teoria gerativa foi possível relacionar a gramática com o aspecto criativo da linguagem humana, que dispõe de um conhecimento subjacente. O conhecimento que o falante nativo tem de sua língua é definido como competência lexical e esse é um dos 20 conceitos básicos dessa teoria7. A competência lexical representa muito mais do que uma lista de itens lexicais. “Conhecer uma língua é saber usá-la, tanto para produzi-la, quanto para entendê-la. Conhecer o léxico significa saber usar os itens lexicais e poder estabelecer relações entre eles” (ROCHA, 1998, p. 35). A competência lexical de um falante nativo deve incluir o conhecimento de uma lista de entradas lexicais e suas estruturas internas, fazendo relação entre elas e a capacidade de criar e rejeitar certas construções. O falante deve ser capaz de identificar estruturas, fazer novas construções e rejeitar outras, a partir de regras internas (ou gramática subjacente) existentes na língua. 1.8 Formação de palavras Quando pensamos em palavras podemos defini-las como os recursos que usamos para formamos enunciados na nossa comunicação, o que acontece de modo automático. Frequentemente formamos novas palavras de acordo com a necessidade do uso da língua. Um fato curioso é que aceitamos umas e de certa forma, rejeitamos outras, isso se dá não só por desconhecimento do significado, mas porque já existem outras consagradas pelo uso. As palavras convencional e religioso, por exemplo, dificilmente serão aceitas como convencioso e religional. O fato é que certos sufixos podem combinar ou não com certas palavras. Há duas motivações principais para a formação de palavras, que é a mudança de classe de uma palavra e a necessidade de um acréscimo semântico, como os sufixos: –inho, que denota uma referência pequena, e o sufixo –eiro, que é muito usado para indicar indivíduos que exercem alguma profissão. Ter uma palavra para cada classe gramatical e para cada acréscimo semântico certamente sobrecarregaria a memória, pois a quantidade de palavras seria imensa. De acordo com Basílio (2003), recorrer a certos recursos de formação é usar a eficiência da língua, ou seja, sua flexibilidade. É essa flexibilidade que nos permite contar com um número gigantesco de elementos básicos de comunicação sem termos que sobrecarregar a memória com esses mesmos elementos. Como elemento constitutivo da palavra, temos o morfema, que por sua vez, pode ser classificado por dois tipos: afixo e raiz. A raiz é um morfema que sozinha pode constituir uma 7 No modelo standard da Teoria Gerativa, entende-se por conhecimento de língua a capacidade que o falante tem de atribuir descrições estruturais a sentenças. Estas constituem um conjunto infinito cujos membros são definidos pelas regras (BASÍLIO, 1980, p. 08). 21 palavra, como luz, por exemplo. Os elementos que se unem à raiz na formação de novas palavras são os afixos. As palavras são estruturas em níveis ou camadas, e não formadas apenas por uma sequência de morfemas. Elas são estruturadas basicamente com a combinação de uma base (ou radical) com um afixo. Os principais processos de formação de novas palavras de mais produtividade são a derivação e a composição8. A derivação é a formação de palavras com o uso de afixos adicionados a uma base, que geralmente é uma forma livre, como verbos, substantivos, adjetivos e advérbios. Mas temos também derivação com bases presas, como em psicológico, onde há o sufixo –ico, formador de adjetivos, e a base psicolog, que é composta e presa ao mesmo tempo. Existem seis tipos de derivação: sufixal, prefixal, parassintética, conversiva, siglada e truncada. Podemos citar ainda a derivação regressiva e a derivação imprópria. Na derivação regressiva acontece uma subtração de morfemas, formando por sua vez, nomes abstratos de ação denominados deverbais, que são classificados como um dos processos mais comuns na formação de substantivos a partir de verbos em português. Ex: caça (de caçar), descanso (de descansar), corte (de cortar). Há uma substituição da desinência verbal do infinito e da vogal do verbo por uma vogal temática nominal (-a. -e, -o). Devemos observar que a palavra resultante não tem o mesmo significado ou uso da palavra derivante. O que nos levaria a afirmar que nem sempre é possível dizer se o nome deriva do verbo ou o verbo do nome. Ocorre a derivação regressiva quando uma palavra, entendida como uma construção base+afixo tem seu afixo suprimido para formar outra palavra constituída apenas por base. No processo de derivação imprópria ocorre uma mudança da classe de palavras, onde substantivos passam a serem adjetivos (manga rosa, colégio modelo etc) e adjetivos passam a serem advérbios (ler alto, custar caro etc). Nesse caso, esse processo não pode ser considerado como morfológico e sim, sintático-semântico. A construção de novos vocábulos a partir da combinação de outros já existentes é chamada de composição, que pode ser por justaposição e por aglutinação, onde acontece uma união semântica dos morfemas. Nesse processo os significados de cada vocábulo podem se aproximar ou não. Por exemplo, em guarda-chuva o significado tem certa transparência. Já em pé de moleque, o sentido das palavras é totalmente diferente. A composição por justaposição é quando na formação da palavra ela se mantem intacta, como em girassol, amor-perfeito, não há nenhuma mudança fonética. Na composição por aglutinação, as 8 Há também alguns processos de formação de palavras que não são tão produtivos, como a abreviação, a onomatopéia (ou redução) e as siglas. 22 palavras se unem, ocorrendo a perda ou alteração na sua estrutura, como em planalto, aguardente. Dentre os tipos de sufixos usados na formação de palavras, podemos citar os sufixos concorrentes e categoriais. “Os sufixos concorrentes são aqueles que, embora distintos sob o ponto de vista fonético apresentam o mesmo sentido e/ou função” (ROCHA, 1998, p. 112). Temos como exemplos de sufixos concorrentes: -ista e –eiro (florista, frentista, padeiro, lixeiro etc.); -dor e –nte (pescador, namorador, estudante, contribuinte etc); -mento e –ção (fingimento, engajamento, terceirização, mexicanização etc), dentre outros. Os sufixos categoriais mudam a classe lexical com relação à base. Ex: -dor: conquistar-conquistador; -mento: julgar-julgamento; -al: teatro-teatral. Sufixos significativos são aqueles que atribuem uma significação acessória à base. Ex: federalfederalismo denota um sistema político; seqüestrar-sequestrável, uma possibilidade. Os sufixos não são considerados significativos se não denotar alguma relação semântica e por isso são classificados como sufixos funcionais. Ex: teatro-teatral; feliz-felicidade. Quanto aos sufixos produtivos e sufixos improdutivos, “A rigor, não há sufixos produtivos e improdutivos, mas regras produtivas e improdutivas. É apenas por uma questão de comodidade que se fala em sufixos produtivos e improdutivos. (ROCHA, 1998, p. 116) Para Basílio (2003, p. 78): Dada a dificuldade que temos para determinar a natureza das classes de palavras, no sentido de se estabelecer ou não uma hierarquia de critérios e de que critérios seriam considerados essenciais no caso do estabelecimento de tal hierarquia, coloca-se também a questão da relativa relevância da função sintática e da função semântica nos processos de formação de palavras. A estas, devemos acrescentar a possibilidade de atribuir uma função discursiva a certos processos de formação. Basílio (1980) propõe um modelo de análise que diferencia as regras de formação de palavras (RFP’s) das regras que analisam as estruturas internas das palavras (RAE’s). Segundo esse modelo, todas as RFP’s têm contrapartes de análise estrutural. Se uma regra pode formar novas palavras na língua, isso afirma que essa regra é produtiva e para que ela seja usada é preciso que os falantes tenham um determinado conhecimento para, além de formar, também analisar a estrutura dessas palavras. Quanto à aplicabilidade da RAE’S, o prévio reconhecimento do sufixo e da base são fatores imprescindíveis na análise. Por exemplo. Se o falante conhece a palavra participar e ouve a palavra participação automaticamente ele saberá o significado da palavra. Segundo a autora, a aplicabilidade de uma regra de análise estrutural depende da capacidade de isolar os elementos constituintes da 23 palavra, melhor dizendo, depende das condições de isolabilidade da base, que, consequentemente, dependem das relações obtidas entre a forma e as outras formações no léxico. “A noção de aplicabilidade de RAE’s pertence à competência que o falante tem de analisar a estrutura das palavras em sua língua e estabelecer relações entre grupos de palavras” (BASÍLIO, 1980, p.58). Ainda segundo a autora, o estabelecimento de RAE’s é necessário, para que possamos solucionar os casos em que os falantes podem analisar a estrutura interna de palavras formadas por elementos morfológicos improdutivos. A base fundamental para a descrição dos processos de formação de palavras são as classes de palavras ou categorias lexicais, pois é por meio delas que podemos descrever processos gerais de formação, como a adição de um sufixo a um adjetivo onde há a mudança dessa classe para substantivo. “Assim, a definição das classes de palavras, para atender às necessidades de descrição dos processos de formação de palavras, deve corresponder a uma combinação de propriedades morfológicas, sintáticas e semânticas” (BASÍLIO, 2011, p. 24). 1.8 Nominalização O conjunto de processos que formam nomes a partir de qualquer categoria que não seja um nome é denominado nominalização. Esse fenômeno é considerado como um dos mais complexos na formação de palavras devido à sua determinação de função, pois pode haver funções múltiplas simultâneas. Dentre essas funções de adequação ao enunciado, que são chamadas de discursivas, podemos citar: função de atitude subjetiva, função textual, função da estrutura do texto e também podemos falar da função de sinalização ou adequação ao tipo de discurso, que normalmente é sempre exercida com outras funções. As nominalizações permitem fazer referência a um processo verbal como a um tipo de evento, ação, estado, etc., independentemente de circunstâncias particulares. Na frase Detesto guerras, odeio destruição, a forma nominalizada destruição foi criada apenas para se fazer referência ao aspecto semântico destruir da forma nominal, independente de sua associação a tempo, sujeito e objeto verbal, por exemplo. A nominalização também é tratada como a retomada de um verbo ou de um substantivo usados anteriormente. Ex: A moça foi declararse/ A declaração da moça; O testemunho do rapaz/ O rapaz testemunhou. A nominalização ou substantivação deverbal pode ocorrer por processos de derivação regressiva. As palavras sofrem uma mudança na sua estrutura e, consequentemente há uma mudança da classe gramatical. Ex: jantar- janta; encontrar-encontro. Podemos notar que a palavra passa de verbo para um nome (substantivo). A nominalização ocorre, principalmente, 24 por processos de derivação sufixal, na qual o acréscimo de um sufixo muda a estrutura e a classe das palavras. Ex: Ele não telefonou/ Ele não deu um telefonema. Rocha (1998) faz duas distinções de nominalização: a lato sensu e a stricto sensu. A lato sensu é a criação de um substantivo a partir de qualquer categoria que não seja substantivo, ou seja, a mudança categorial de um não-substantivo para um substantivo. A partir do emprego de certos sufixos (-mento,-ção,-nça,-agem,-ada,-dor,-nte,-douro,-itório, idade, -eza, -ura, -ice, -ismo,-idão, -ia,etc) temos essa mudança. Ex: preparar-preparação; pescar-pescador; dormir-dormitório; real-realidade; gaiato-gaiatice. Na nominalização stricto sensu, além dos aspectos fonológico, morfológico e sintático, o produto corresponderá ao ato, efeito, processo ou estado. A nominalização é um tipo de padrão sufixal e, portanto, é realizada pelo uso de sufixos distintos. Os sufixos considerados mais produtivos em português são –ção, -mento e – zero9. No decorrer deste trabalho, vamos analisar os dois sufixos considerados mais produtivos (-ção e –mento) e as razões que impedem novas formações, o chamado bloqueio. Por exemplo: por que temos palavras como: construção e não *construmento? E por que temos internação ao lado de internamento? 1.9 Conclusões preliminares O termo morfologia e suas particularidades é assunto que não se esgota em poucas linhas. As palavras de uma língua, entendida no nosso estudo como o português brasileiro, abrange uma série de características específicas que nos levam a crer que estudar sua forma é entender que existem determinados princípios que regem a formação de palavras. A linguagem humana é um sistema dinâmico, complexo e motivo para pesquisas em diversos níveis e a teoria gerativa se preocupa com seu aspecto criativo, no qual os falantes dispõem de um léxico que não é estático ou limitado, pois esses falantes fazem novas construções de acordo com a necessidade do discurso. A nominalização aparece como forma de se tentar compreender essas construções, em que a formação de palavras e a mudança de classe gramatical são as principais características desse fenômeno. A nominalização ou substantivação deverbal é um tipo de padrão sufixal, que compreende a formação de um substantivo abstrato a partir de um verbo. Nosso estudo estará 9 O sufixo zero consiste na mudança da categoria gramatical sem acréscimo de sufixos, como em: cantar – canto. 25 focado no processo de derivação sufixal, em que analisaremos os dois sufixos nominalizadores mais produtivos no ato de nominalizar no português do Brasil. 26 CAPÍTULO II ASPECTOS SEMÂNTICOS E MORFOSSINTÁTICOS DAS NOMINALIZAÇÕES Neste capítulo, trataremos de questões relacionadas aos aspectos semânticos e morfossintáticos das nominalizações do português do Brasil. Apresentaremos algumas características das nominalizações e dos sufixos utilizados na formação das nominalizações. Trataremos, ainda, da ambiguidade que envolve esse processo de formação de palavras e o papel da preposição como introdutora dos argumentos das nominalizações. Por fim, abordaremos a questão da estrutura argumental desse tipo de nominal. 2.1 As nominalizações no português do Brasil De acordo com Rocha (1998), há dois tipos de nominalizações: a lato sensu e a stricto sensu. A nominalização lato sensu pode ser definida como um substantivo criado a partir de qualquer categoria que não seja substantivo, havendo, portanto, uma mudança categorial. No que se refere à mudança de categoria, Basílio (2004) afirma que ela se dá por dois motivos principais. O primeiro é a motivação gramatical, que se refere à necessidade de se utilizar palavras de uma classe em estruturas gramaticais que exigem palavras de outra classe; e o segundo é a motivação semântica, ou seja, a necessidade de aproveitar conceitos ocorrentes em palavras de uma classe em palavras de outra classe. Diferentemente, a nominalização stricto sensu corresponde exclusivamente à formação de um nome a partir de um verbo. Nesse caso, o produto corresponderá ao ato, efeito, processo ou estado denotado pelo verbo correspondente. O presente trabalho terá como foco de análise a nominalização stricto sensu, também conhecida como deverbal. Já sabemos que, a priori, a nominalização consiste na formação de um substantivo a partir de um verbo. Ela pode ser entendida como um fenômeno derivacional, que se realiza por meio do uso de determinados sufixos. De acordo com a definição de Rocha (1998), também se deve considerar como nominalização a chamada derivação regressiva10, pois ela consiste na formação de substantivos abstratos a partir de verbos. Basílio (1980) afirma que a nominalização é determinada por uma relação paradigmática geral entre verbos e nomes na língua. Para a autora, o termo nominalização 10 “O que caracteriza basicamente a derivação regressiva é o fato de que uma nova palavra é formada pela supressão de um elemento, ao invés de por acréscimo”. São exemplos desse tipo de formação nomes, como: apito, beijo, luta, venda, grito, etc. (BASÍLIO, 2003, p. 37) 27 deverá cobrir não apenas nomes deverbais, como também nomes morfologicamente básicos associados a verbos, já que ela consiste em um processo de associação lexical entre nomes e verbos. Dessa forma, a direcionalidade do processo morfológico é irrelevante no fenômeno da nominalização. A nominalização é um processo de formação de palavras responsável pela expansão do léxico, fazendo uso de diferentes regras de formação de palavras (RFPs) 11. De acordo com Basílio (1999), não podemos confundir a produtividade de regras de formação de substantivos a partir de verbos com a produção de tais substantivos. É importante citar duas diferenças básicas entre nominalizações e outros processos de formação de palavras. A primeira é que nas nominalizações, os traços contextuais da base podem determinar os traços contextuais da forma nominalizada. A segunda é que o significado da forma nominalizada não depende, a princípio, do sufixo responsável por sua forma fonológica. Sendo assim, os sufixos nominalizadores não tem significado, são apenas marcadores sintáticos. Basílio (1980) chama a atenção para o termo “significado”, fazendo uma distinção entre dois níveis nas nominalizações. O primeiro nível, referido como significado lexical ou somente significado está relacionado ao que se conhece como significado extralinguístico. “Nesse sentido, toda e qualquer forma nominalizada é semanticamente relacionada ao verbo correspondente, já que nome e verbo partilham, ao menos, parcialmente, um significado lexical” (Basílio, 1980, p. 74). É preciso ressaltar que formas nominalizadas podem ter significados com modificações do significado lexical básico, assim como também pode não haver nenhuma relação com o significado primário da base. Podemos exemplificar com as palavras declaração, com sentido de documento escrito em que se declara alguma coisa e impressão, no sentido de noção vaga. O segundo nível do significado é o sintático, segundo o qual os nomes podem ter interpretação nominal ou verbal, dependendo do contexto. Na produção de nominalizações há duas funções básicas, conforme afirma Basílio (1996): a função gramático-textual e a função semântico-designadora. A nominalização do verbo com a finalidade de se enquadrar em uma estrutura nominal é a função gramáticotextual, que corresponde às nominalizações deverbais predicadoras. Já a função designadora é a utilização da semântica de um verbo com a finalidade de designar uma entidade; nesse caso, as nominalizações funcionam como argumentos. Poderíamos então dizer que somente as 11 Basílio utiliza o modelo de RFPs de Aronoff (1976, apud Basílio, 1980) para designar um conjunto de regras determinantes nas relações lexicais, especificando formações lexicais possíveis na formação de novos objetos. 28 formas nominalizadas de natureza gramático-textual exigem argumentos visíveis ao nível de discurso, enquanto que na função designadora, os argumentos nem sempre são exigidos. A nominalização é um recurso usado quando da necessidade de expressão de um evento verbal, sem as marcas gramaticais próprias do verbo, como tempo, modo, número e pessoa. Na mudança de categoria de verbo para nome é desfeita a obrigatoriedade de especificação de tempo e modo verbais. “Uma forma nominalizada permite referência neutra ao processo verbal, sendo, portanto, uma estratégia básica de estruturação textual, em especial por causa da possibilidade de referência anafórica” (BASÍLIO, 1999, p. 63). E ainda: “a formação do substantivo a partir do verbo permite a utilização do conteúdo do verbo sem as amarras de suas propriedades gramaticais” (BASÍLIO, 2004, p. 53). Como a nominalização é derivada de uma base verbal, as propriedades verbais se mantêm nos nomes enquanto outras propriedades específicas não. Conforme Oliveira (2005), dentre as propriedades que as nominalizações compartilham com seus verbos correspondentes, podemos citar: a) Ambos podem selecionar argumentos. (1) A empresa construiu a sede em três meses. (2) A construção da sede pela empresa durou três meses. b) Os argumentos de nomes e de verbos são categorialmente idênticos. (3) Júlia chegou à rodoviária meia hora antes do combinado. (4) A chegada de Júlia à rodoviária meia hora antes do combinado. c) A exigência dos argumentos é obrigatória em relação aos verbos, mas opcional em relação aos nomes. (5) O pedreiro construiu* (a loja). (6) A construção (da loja) demorou seis meses. d) Os complementos dos verbos podem ser ou não preposicionados, mas é obrigatório o uso de preposição nos complementos nominais. (7) A doação de cobertores ao asilo (pela prefeitura). (8) A prefeitura doou cobertores ao asilo. 29 De acordo com Basílio (2004), os substantivos deverbais são divididos em nomes de 12 ação , que apresentam função gramatical e são formados em contextos sintáticos que exigem um substantivo com noção verbal; e de agente e instrumento, que denotam seres e objetos a partir do significado verbal. A nominalização se dá por um conjunto de regras distintas e é formada com a utilização de certos sufixos, que adicionados a uma base verbal, formam substantivos. O papel desses sufixos é, a princípio, mudar a palavra de classe gramatical. “Por outro lado, o significado da forma nominalizada não é condicionado, a princípio, pelo sufixo responsável por sua forma fonológica, o que significa que o sufixo nominalizador pode não determinar o significado final da nominalização”. (OLIVEIRA, 2005, p. 41) 2.2 Os sufixos formadores de nominalizações A nominalização é operacionalizada em português por meio de regras distintas, ou seja, por meio de sufixos13 distintos. Para Rocha (1998), a nominalização é um tipo de padrão sufixal e os sufixos nominalizadores mais comuns são: -ção (doação, amarração), mento(direcionamento, questionamento), zero (abate, pesca), -ncia (tolerância, aliança), -da (molecada, palhaçada), -agem (embalagem, hospedagem), -ura (atadura, ligadura), -ário (arrendatário), -aço (buzinaço), -ema (grafema), -ia (alegria, filosofia) e –tiva (alternativa). Dentre os vários sufixos utilizados no processo de formação de substantivos deverbais, uns são mais produtivos e outros menos. “Os sufixos derivacionais funcionam como elementos que emprestam significações acessórias ao semantema vocabular ou servem para mudar a palavra de uma classe ou função gramatical para outra”. (MONTEIRO: 1991, p. 125). Para Monteiro (1991), podemos enriquecer o léxico da língua com o auxílio de morfemas, desde que certas regras básicas sejam respeitadas. Ocorre que certas palavras ainda não dicionarizadas nem sempre são aceitas como parte do vocabulário dos falantes dessa língua tão rica e em constante evolução, que é a língua portuguesa. O falante cria palavras de acordo com a necessidade de se comunicar, recorrendo a sufixos para tentar explicar seu enunciado apenas no momento em que está falando. 12 Os substantivos deverbais de ação também apresentam função denotativa, com o objetivo de nomear fatos, fenômenos, entidades, a partir do significado do verbo, muito úteis na constituição de terminologias acadêmicas, técnicas e profissionais. 13 Para Basílio (2003), os sufixos não são os responsáveis pela diferença de significado e sim a especialização semântica na esfera do desempenho, ou seja, do uso. 30 Quanto às regras de aplicação dos sufixos, Monteiro (1991), apresenta um conceito que explicaria o que leva à escolha de um e não de outro. A formulação das regras deve levar em conta a natureza da base (se nominal ou verbal) e o resultado (se nome abstrato, adjetivo, verbo ou advérbio). A base X estabelece uma relação paradigmática entre semantemas de idênticas propriedades morfológicas e assim é imprevisível a frequência de aplicações. (MONTEIRO, 1991, p. 145) Conforme Maroneze (2006), as gramáticas, de um modo geral, limitam-se a listar tais sufixos formadores de nominalização, apresentando, portanto, a classe gramatical a que se unem e a classe gramatical resultante. Dentre estes sufixos, podemos citar como os mais usados: -ame, -ura, -dura, -tura, -ança, -ença, -ata, -ada, -ida, -agem, -ário e os sufixos considerados mais produtivos nesses processos: -ção e –mento, sendo os escolhidos para a análise deste trabalho. Maroneze (2006) apresenta uma pesquisa na qual foi utilizada a Base de Neologismos do Português Contemporâneo do Brasil, constituída por unidades lexicais neológicas extraídas dos jornais “O Globo” e “Folha de S. Paulo” e das revistas “Isto É” e “Veja”, entre os anos de 1993 a 2000. Essa base conta com 13.572 unidades lexicais neológicas, totalizando mais de 24.600 ocorrências, desse total, cerca de 1% são formas nominalizadas. Foram encontradas cento e doze formações com o sufixo –ção, trinta formações com o sufixo –mento, treze formações com o sufixo –agem, cinco formações com o sufixo –da, sete formações com o sufixo –nc(i)a e quatro derivações regressivas. Segundo ele, esse estudo pode revelar aspectos importantes de formação de palavras. No que diz respeito à nominalização, esse estudo pode contribuir para uma melhor compreensão dos processos de mudança de classe e também para o que ele considera como fenômeno pouco compreendido no português, que é a derivação regressiva. 2.3 Aspectos sintático-semânticos Para Borba (1996), uma gramática de valências toma como núcleo o verbo, demonstrando como os demais elementos se dispõem em volta dele por meio de relações de dependência em torno deste verbo. Uma gramática de constituintes faz uma análise diferente, já que tem como foco a análise de aproximação e hierarquização dos constituintes, decompondo o enunciando por meio de regras. Segundo o autor, os itens lexicais da língua podem ter ou não valência de acordo com o número de argumentos que implicam. Uma 31 gramática de valências apresenta-se como uma visão global e sistemática da sintaxesemântica das classes lexicais dos nomes, verbos, adjetivos e alguns advérbios. Ou seja, ela procura analisar a capacidade que uma classe de elementos tem de poder unir-se a outros elementos, se distinguindo de outras classes com o mesmo nível sintático. Dentre as competências de uma gramática de valências está identificar e inventariar as funções sintáticas possíveis. A propriedade sintático-semântica dos nomes, que podem ser divididos em concretos ou abstratos14, é definida como valência nominal. A noção de concreto faz referência ao mundo dos objetos, implicando todas as qualidades, enquanto a noção de abstrato não tem referentes, constituindo-se em atos, eventos ou estados relacionados a seres, coisas ou estados de coisas. Sempre que um derivado abstrato se concretiza é comum outro item do mesmo conjunto morfológico tomar-lhe o lugar primitivo. Ex: adubar>adubo>adubação / ferir>ferida>ferimento. É possível perceber um paralelismo existente entre construções oracionais e nominais, considerando que os nomes abstratos parecem funcionar sempre como predicado. Ex: Caiu o ministério / A queda do ministério. Mas, mesmo aparentando não haver razões para separar nomes abstratos de verbos, há diferenças de comportamento sintático-semântico que justificam tal separação. Na teoria padrão ampliada, o nome verbal não é resultado de uma transformação de nominalização aplicada ao verbo correspondente porque nome e verbo são duas facetas de um mesmo item abstrato da base. Nome verbal e verbo tem as mesmas propriedades porque se relacionam pela base, mas a escolha da categoria [+N] ou [+V] é livre. (BORBA, 1996, p. 88-89) Essas transformações estão relacionadas às adaptações contextuais. Por exemplo, se optarmos por verbo, temos: “Ele recusa/recusou o convite. Se escolhermos um nome: “Sua recusa ao convite”. Nesse caso, ouve o acréscimo de preposição, mas as propriedades sintáticas do nome e do verbo são as mesmas. Para Borba (1996), o princípio do paralelismo importa à medida que revela relações mais profundas entre os constituintes, apresentando a variedade de possibilidades semânticas em torno de determinado contexto. No sintagma nominal – a educação de Pedro – há uma ambiguidade, pois, educação pode estar relacionada a Pedro é educado, como também a X 14 É importante ressaltar que há nomes abstratos independentes, ou seja, que não tem relação com verbos e adjetivos, como greve e apetite, por exemplo. 32 educa Pedro. Ou seja, educação pode indicar estado, indicando o sujeito, ou ação, com função de complemento. Descrever a semântica dos nomes abstratos é examinar seu potencial interpretativo num determinado contexto, tentando identificar estratégias que expliquem como o falante se guia para interpretar um enunciado ou que recursos ele usa para decodificar as mensagens que recebe. É o contexto que vai indicar se o nome abstrato tem interpretação dinâmica ou estática, ou seja, quando ele equivale a um verbo ou a um nome. “Chamamos de polissemia sistemática a multiplicidade de interpretações possíveis de caráter pré-determinado numa forma linguística”. (BASÍLIO, 2004, p. 56). A polissemia sistemática nas nominalizações está relacionada ao que a autora define como desverbalização do verbo. As diferentes maneiras de interpretação das formas nominalizadas são determinadas pela construção dos enunciados. Vejamos alguns exemplos: (9) Todos os funcionários se surpreenderam com a declaração do prefeito de que haveria redução dos salários. (10) Declarações não têm valor para mim, o que me importa são as atitudes do dia a dia. (11) Ontem o padre fez uma declaração e participou da missa. (12) O prefeito da cidade declarou que haveria redução dos salários até que a crise financeira passasse. A declaração desagradou os funcionários. Em (9), declaração apresenta uma interpretação verbal predicadora; em (10), declarações tem significado concreto resultante do ato de declarar; em (11), há a efetivação do ato de declarar; e em (12), o termo retoma todo o período anterior. Fica claro que há uma previsibilidade de possibilidade de interpretação e direcionamento das escolhas das formas nominalizadas. As nominalizações têm um importante aspecto a ser destacado, que é o fato de apresentarem ambiguidade. Isso quer dizer que é possível termos uma interpretação verbal e também uma interpretação nominal, segundo Basílio (1980). Os exemplos abaixo ilustram bem o exposto. (13) A análise do artigo. (14) A análise do artigo ficou na gaveta. (15) A análise do artigo contém trinta páginas. 33 (16) A análise do artigo durou três horas. (17) A análise do artigo resultou em vários debates. Em (13), o termo análise pode se referir tanto à análise pronta quanto ao processo de analisar. Mas dependendo do contexto, essa ambiguidade é desfeita, conforme em (14) e (15), em que análise se refere ao resultado do evento, e em (16) e (17), que se refere ao processo de analisar alguma coisa. Sendo assim, podemos afirmar que existe uma distinção entre nomes com interpretação verbal e nomes com interpretação nominal. Assim, o fato de as nominalizações poderem apresentar significados diferentes revela que a ambiguidade desses nomes se relaciona ao fato de manterem relação paradigmática com verbos, o que permite que apresentem tanto uma interpretação nominal, designando algo, como uma interpretação verbal, retomando o evento expresso pelo verbo. (OLIVEIRA, 2005, p. 55) Para Basílio (1980), quando uma forma nominalizada tem interpretação verbal, isso significa que há uma relação entre os elementos que a acompanham, do mesmo modo que o verbo. Quando a interpretação é nominal, isso quer dizer que há referência aos elementos do universo, havendo, portanto uma nomeação. A autora também define ambiguidade como extensões de significado, que é o sintático, que é a possibilidade de dupla leitura dependendo do contexto de ocorrência. Ela também utiliza termos como “interpretação”, “leitura" ou “sentido”, fazendo referência ao nível de significado, que é distinto do significado lexical. Segundo Basílio (1996), a parte semântica é a mais difícil de estabelecer nas nominalizações no que se refere à regularidade, em razão do teor da imprevisibilidade própria da lexicalização. Para ela, não é fácil determinar se uma forma nominalizada deve ser considerada regular ou não. Do ponto de vista fonológico, por exemplo, formas como decisão de decidir e rotação de rodar, apresentam problemas porque constituem sub-padrões alomórficos, não obedecendo, portanto, ao padrão geral. É o contexto morfossintático que vai determinar se uma formação é regular ou irregular, dependendo do sentido que ela terá. Para Basílio (1999), as nominalizações deverbais abstratas constituem um caso crucial devido a essa dupla função e das várias possibilidades de escolha dos sufixos nominalizadores. “Uma forma nominalizada permite referência neutra ao processo verbal, sendo, portanto, uma estratégia básica de estruturação textual, em especial por causa da possibilidade de referência anafórica” (BASÍLIO, 1999, p. 63). 34 2.4 A escolha da preposição Segundo Jackendoff (1981, apud Oliveira, 2005), verbos que tem complementos preposicionais preservam a mesma preposição de seus objetos quando realizados como complementos de nomes deverbais, fenômeno que também ocorre em português, como demonstram os exemplos abaixo: (18) A empresa doou alimentos ao asilo. (19) A doação de alimentos ao asilo. É importante ressaltar que há restrições quanto à escolha da preposição introdutória dos argumentos das nominalizações. A preposição de, por exemplo, pode introduzir argumentos internos (argumentos que se realizam dentro da projeção do verbo) e externos (argumentos do verbo realizados na posição de sujeito, fora da projeção máxima do verbo) isoladamente, mas dependendo da estrutura é mais utilizável o uso dessa preposição frente ao argumento interno e o uso da preposição por frente ao argumento externo, como ilustrado abaixo: (20) A apresentação do estudo durou 50 min. (21) A apresentação do Pedro durou 50 min. (22) A apresentação do estudo do Pedro durou 50 min. (23) A apresentação do estudo pelo Pedro durou 50 min. Nas sentenças (20), (21), a preposição de introduz o argumento interno, já que, semanticamente está relacionado à posição de complemento. Em (22) a mesma preposição apresenta dois argumentos, já que estende seu sentido do estudo até Pedro, que é interpretado como um genitivo (possuidor). Mas em (23), se faz necessário o uso da preposição por para que fique explícito que o estudo está sendo apresentado por Pedro (agente), funcionando, assim, como argumento externo. 2.5 A estrutura argumental O termo estrutura argumental é entendido como o conjunto de argumentos selecionados por um predicado, assim como o status desses argumentos em relação a esse 35 predicado. O nome destruição, por exemplo, não possui a obrigatoriedade de exibir argumentos, sendo uma construção bem formada, ao contrário de sentenças com o verbo destruir que exige a presença de argumentos. Nesse caso, é necessário, portanto, recorrer da utilização de argumentos para completar o sentido do termo. Nos enunciados abaixo é possível compreendermos o que os argumentos implicam em uma sentença: (24) A análise contém dez páginas. (25) A análise do artigo contém dez páginas (26) A análise do artigo ficou na gaveta. Em (24), (25) e (26) a nominalização é definida com uma leitura nominal, se referindo à análise pronta. A nominalização em (24) não apresenta argumentos. Já em (25) e (26), o nome análise ocorre juntamente com o argumento artigo. Observamos, assim, que a leitura de resultado não exige a realização de argumentos. (27) A destruição do prédio pelos invasores demorou algumas horas e chocou a (28) A destruição demorou algumas horas e chocou a cidade. cidade. Nos exemplos acima, o nome destruição caracteriza uma nominalização com interpretação verbal, já que se refere ao processo de destruir alguma coisa. Em (27), foram selecionados dois argumentos prédio e invasores. Já em (28), não há argumentos, mas a noção verbal permanece, indicando, portanto, que não é imprescindível a presença dos argumentos. Portanto, tanto na estrutura com nominalizações de interpretação nominal como em estruturas com nominalizações de interpretação verbal a presença de argumentos não é obrigatória. É o contexto sentencial, portanto, que desfaz a ambiguidade. Assim, um ponto importante a ser destacado é o fato dos nomes deverbais poderem selecionar argumentos15, assim como os verbos. A diferença é que não há obrigatoriedade no caso dos nomes, como demonstrado a seguir: (29) 15 João construiu a cerca. De acordo com Oliveira (2005), a simetria entre verbos e nominalizações é revelada também por meio da preservação da estrutura argumental nos nomes. 36 (30) *João construiu. (31) A construção da cerca pelo João. (32) A construção da cerca. (33) A construção. Observamos, portanto, que o verbo construir exige argumentos, ao contrário do nome construção, como ilustra o contraste entre os exemplos de (29) a (33). O nome possui sentido completo em si, enquanto que os verbos exigem a presença obrigatória de complementos. 37 CAPÍTULO 3 OS SUFIXOS –ÇÃO E –MENTO Neste capítulo, apresentaremos algumas análises referentes aos dois sufixos nominalizadores considerados mais produtivos do português brasileiro, mostrando as características que os diferenciam e que razões tornam um mais produtivo que o outro. Esses dois sufixos, ao mesmo tempo em que se apresentam como concorrentes também se estranham dependendo da formação, uma vez que alguns radicais podem não aceitar um ou outro. Segundo pesquisas, o sufixo –ção é três vezes mais produtivo do que –mento no português falado. Tentar compreender os motivos que levam essa diferença de uso é um dos objetivos do nosso estudo. Encerraremos o capítulo fazendo uma breve apresentação sobre a prefixação e sua relação com os sufixos –ção e –mento. 3.1 Características gerais Segundo a Gramática Tradicional, os sufixos –ção e –mento são classificados como derivacionais e apresentam algumas características importantes como resultado de processos de nominalização. Formações com o sufixo -ção tem sentido de ação ou resultado da ação expressa pelo verbo correspondente, enquanto formações com o sufixo –mento podem ter sentido de ação ou resultado dela, instrumento da ação e também pode ter uma noção coletiva. O que há em comum com os dois sufixos é que ambos formam substantivos a partir de verbos, como em: fingimento, falecimento, ferveção, correção. Segundo estudos, esses sufixos podem ser considerados concorrentes, já que alguns nomes podem ser formados com um ou outro. É o caso de internação e internamento. É importante atentar para o fato de que algumas bases são exclusivas de um ou de outro, havendo, portanto, regras específicas em sua descrição estrutural. Isso fica mais claro quando observamos que a verbos com terminação em -ecer adicionamos –mento e a verbos com terminação em -izar adicionamos –ção, como nos exemplos: aquecer/aquecimento comercializar/comercalização. Segundo Sandmann (1996), existem dois fenômenos importantes nas formações com esses sufixos. Um é que as derivações deverbais podem conviver como substantivos sinônimos e a outra é quanto à formação desses nomes. Segundo o autor, a necessidade de uma forma correlata se justifica por fatores semânticos, por exemplo: atendimento/atenção, recebimento/ recepção, atropelo/atropelamento. Percebemos, nessas formações, um 38 sentido estático e outro dinâmico. Enquanto atendimento, recebimento e atropelamento remetem ao sentido do resultado da ação, os termos atenção, recepção e atropelo têm sentido mais dinâmico, algo que não pode ser declarado como ato concreto. O sentido segundo o qual queremos dizer algo é que vai influenciar na escolha. Uma das razões para o uso mais frequente de –ção e –mento em oposição aos demais processos é o fato de que esses sufixos são semanticamente vazios, enquanto sufixos como –da e –agem apresentam especificações semânticas que restringem suas possibilidades de combinação com diferentes bases ou radicais. (BASÍLIO, 2011, p. 42) 3.2 O sufixo –ção Segundo Oiticica (1926, apud Souza 2010, p. 129): -ÇÃO – do latim tione, composto de íon e do t característico de particípio passado; designa a acção; exs: condição, acção de fundar, fundamento; flexão = flecsão, acção de dobrar; confirmação, acção de confirmar; função – gungção (radical fung, de fungi, exercer) acção de trabalhar. Esse sufixo toma a forma são quando o radical termina em r,s, n, ou vogal; exs: aversão, percussão (cus = CUT), extensão, prisão, visão, fusão. Tem a forma sião em ocasião. Esse sufixo é o maior formador de nominalizações, tanto em formações consagradas pelo uso, quanto em formações não consagradas. Ele é o único que se une a verbos formados com os sufixos –izar e –ficar, como em: comercialização, solidificação. Segundo Monteiro (1991), o sufixo –ção forma nomes abstratos de ação (coroação, abolição), pode indicar coletividade (congregação) e pode apresentar alografia: -são (agressão, suspensão). Esse sufixo é também usado em formações com conotações familiares ou jocosas (saração, ensebação). Podemos também citar nomes de uso privativo nos registros informal e coloquial, como: bater > bateção pegar > pegação encher > encheção sacar > sacação Basílio (1996) trata esses substantivos como exemplos de pejoratividade, que ela denomina de função expressiva de avaliação, sendo uma referência a uma ação exagerada em sua habitualidade. 39 Um tipo de nominalização recente e comum no português brasileiro é o acréscimo do sufixo –ção a verbos, denotando ação repetitiva e excessiva. Como nos exemplos a seguir: (34) Minha filha está numa começão o dia todo. (35) A empregada passa o dia nessa limpação de quintal. (36) O Gustavo fica o tempo todo numa beijação com a Júlia. De acordo com Borba (1996), nesses casos, o sufixo –ção expressa aspecto iterativo, ou seja, um ato repetitivo, imperfeito. Se fizermos uma comparação com formações com os sufixos –ada e –ida, por exemplo, percebemos nitidamente essa iteratividade de –ção. Nos pares: martelação/martelada e cortação/cortada; temos um ato acabado (martelada, cortada) e um aparentemente inacabado (martelação, cortação). Também podemos observar que ele tem sido usado em formações com verbos psicológicos, como em: durmição, pensação, sonhação, como aponta o estudo de Oliveira (2005): (37) Ultimamente eu ando numa durmição e numa sonhação. (38) Depois que a Maria começou a namorar anda numa pensação. Nessas formações, não seria possível dizer que os sufixos –ção e –mento são concorrentes, pois se fizéssemos a troca não teríamos o mesmo sentido. Podemos dizer que o falante do português brasileiro é capaz de reconhecer o contexto de uso de um ou outro e é isso o que define a escolha para dar a noção de sentido conforme a necessidade. 3.3 O sufixo –mento Segundo Oiticica (1926, apud Souza 2010, p. 155) -MENTO – do latim mentum onde formava substantivos neutros de acção, instrumento, serventia, etc.; exs: casamento, acção de casar; tormento, acção de torcer, atormentar; detrimento, o facto de estragar, prejudicar. A forma plural menta gerou alguns substantivos colectivos em português: ferramenta, ferros necessários ao artífice; vestimenta, as roupas especiais de uma personagem; tormenta, turbilhões de pó, folhas, chuva, produzidos pelo vento. 40 Como o segundo sufixo nominalizador mais frequente também é, praticamente, o único a ser usado com verbos em –ear (desbloqueamento, mapeamento, sucateamento). Seu uso é muito comum e frequente em formações com verbos parassintéticos (envelhecimento, enlutamento) e com verbos prefixados (desatrelamento, reaparelheamento). Uma característica que o diferencia do sufixo –ção é que ele não apresenta conotações familiares ou jocosas, sendo, portanto, um sufixo mais neutro e não apresenta variedade ortográfica, ao contrário de –ção. De acordo com Monteiro (1991), formações com esse sufixo indicam ação e/ou resultado dela (aquecimento, salvamento), como nome concreto pode se referir a utensílios e revestir a forma feminina (ferramenta, vestimenta). Uma característica importante desse tipo de sufixo é que ele é marcado pelo aspecto durativo, tendo a presença constante do sufixo –e(s)cer na sua base, conforme os exemplos abaixo: convencer > convencimento envelhecer > envelhecimento credenciar > credenciamento rejuvenescer > rejuvenescimento 3.4 A competição entre os sufixos –ção e –mento Sandmann (1996) afirma que as derivações deverbais em –ção e –mento não se bloqueiam, pois podem conviver lado a lado na língua como substantivos sinônimos. Quanto ao fato dos sufixos –ção e –mento serem concorrentes e viverem em aparente competição, Basílio (1996) explica que é importante distinguir os diferentes tipos de condição de produção. Se por um lado, existem condições determinadas pelas regras em competição, por outro lado, há o tipo de discurso utilizado que permitirá o enriquecimento ou o bloqueamento de certas formações, assim como as condições culturais e as condições de enunciação. Ainda que digamos que os sufixos –ção e –mento são mais produtivos do que o sufixo –agem, por exemplo, a utilização vai depender das condições externas de produção, que é o lugar e as condições de ocorrência, principalmente no português falado, já que esse acesso imediato a sufixos é mais relevante na língua falada. Sabemos que há diferenças importantes entre o discurso oral e o discurso formal escrito, já que no escrito não há relação de interatividade. Segundo Basílio (1996), de acordo com o corpus mínimo do Projeto Gramática do Português Falado, de um total de 362 formas nominalizadas, verificou-se a ocorrência de 218 formações com o sufixo –ção, o que corresponde a 60%, constituindo um teor de ocorrência três vezes maior que o sufixo –mento. Isso indica condições superiores de produção com o 41 sufixo –ção na língua falada. Segundo a autora, é necessário analisar as ocorrências com –ção e –mento para que seja verificado se elas derivam de fatores semânticos e/ou morfológicos. Uma das hipóteses levantadas foi quanto ao fato de um possível fator semântico favorecer a ocorrência com o sufixo –mento com verbos de semântica de processo. Essa hipótese não foi confirmada em razão da incidência morfológica de formações com verbos terminados em –izar terem semântica de causatividade16 de processo e condicionarem o uso de –ção. Outra hipótese seria a de que o uso de –mento seria mais significativo em textos mais formais, o que também não se revelou como uma diferença eficaz. Segundo a pesquisa do Projeto Gramática do Português Falado (cf. Basílio 1996), de 132 formas nominalizadas regulares em –ção e –mento em estruturas formais, foram encontradas 76,5% de nomes com – -ção e 23,4% com –mento, o que significa que não teríamos uma ocorrência maior de –mento em textos mais formais. Outra hipótese levantada para o estudo seria de que há maiores ocorrências com o sufixo –ção em razão da função semântica denominadora predominar sobre a função gramático-textual nos dados pesquisados, o que também foi descartado. Em um total de 291 ocorrências de –ção e –mento, foi verificado um total de 34% de ocorrências de –ção com função gramático-textual, contra 40,8% com função semântico-designadora; e 10,9% de ocorrências de –mento com função gramático-textutal contra 14% com função semântico-designadora. De acordo com a pesquisa do Projeto Gramática do Português Falado (cf. Basílio, 1996), os resultados em relação à possível hipótese de condições de produção relacionadas a fatores morfológicos foram os seguintes: mais de 60% das formações com o sufixo –ção ocorreram com bases derivadas e menos de 40% com bases primitivas. Aproximadamente 65% das formações com o sufixo -mento ocorreram com bases primitivas e 35% com bases derivadas. Segundo os resultados, as bases derivadas favorecem o sufixo –ção e as bases primitivas favorecem o sufixo –mento. Segundo a pesquisa, esses dados não são suficientes para explicar a diferença de proporção entre os sufixos analisados, mas evidencia que o número de verbos derivados aumenta mais rapidamente que os primitivos, o que faz que o sufixo –ção tenha melhores condições de produção que –mento. O conceito de produtividade deve ser entendido tão somente como a possibilidade que uma regra tem de operar sobre bases especificadas para produzir construções morfologicamente possíveis. Assim, a produtividade relativa de uma regra depende do maior ou menor teor de generalidade na especificação das bases. (BASÍLIO, 1996, p. 369) 16 Os verbos com semântica de causatividade são compostos de um morfema verbal causativo (-izar) e expressam a relação entre um causador e um evento causado, como na sentença: Shakespeare imortalizou Romeu e Julieta, com o verbo imortalizar, na qual Romeu e Julieta tornaram-se imortalizados. 42 3.5 Recursividade nos sufixos –ção e –mento A Teoria Gerativa criou a noção de recursividade com o objetivo de explicar todos os tipos de encaixamento sintático e destacar a ausência de limite para encaixamento em uma sentença. Já sabemos que em português o processo de nominalização se dá a partir de uma base verbal que originará um nome, o que torna característica fundamental nesse tipo de processo. Observamos que na formação de nominalização existe um caráter restritivo, dado que nem todos os sufixos são aceitos em qualquer base verbal. Daí surge a questão da recursividade. Um dos fatores que favorece a recursividade de -ção é a alomorfia, ao contrário de – mento, que não é tão receptivo assim. Podemos perceber esse fato nos exemplos abaixo: agir > ação > acionar transar > transação > transacionar convencer > convencimento > *convencimentar casar > casamento > *casamentar nascer > nascimento > *nascimentar O sufixo –mento aceita o acréscimo principalmente do sufixo –ar, formador de verbos a partir de nomes, produzindo assim, outro verbos: fundar > fundamento > fundamentar regular > regulamento > regulamentar Poderíamos dizer que nesse caso haveria uma saturação de afixos até –ção se tornar menos receptivo do que –mento: internalizar > internalização > *internalizacionar realizar > realização > *realizacionar O fato da nominalização se dar em –mento favorece a saturação, colocando limites na formação de um verbo denominal: ação > acionar > acionamento > *acionamentar relação > relacionar > relacionamento > *relacionamentar 43 Esses exemplos de novas formações ou bloqueios mostram a limitação do léxico de uma língua, o qual possui certas regras de formação de palavras que impõem que estruturas podem ou não ser formadas. 3.6 Prefixação A prefixação pode ser melhor compreendida de acordo com o seguinte exposto: “De fato, a prefixação é utilizada para a formação de palavras quando queremos, a partir do significado de uma palavra, formar outra semanticamente relacionada, que apresente uma diferença semântica específica em relação à palavra-base” (Basílio, 1987, apud Souza, 2010, p. 9). A prefixação é um processo morfológico com função semântica, que não muda a classe gramatical da palavra e os prefixos sempre mantêm uma relação de significado com a base. A nominalização, como processo semântico com contraparte morfológica, ao contrário, produz mudança categorial e os sufixos que participam desse processo possuem diferentes desempenhos de significado. Além de demonstrar a diferença entre um processo e outro, a prefixação pode ratificar que nomes deverbais em –ção e –mento são semanticamente distintos, em razão de um dado prefixo selecionar sempre um dos nomes deverbais. Podemos exemplificar isso quando pensamos no verbo acusar, que forma acusação e acusamento. Ocorre que somente acusação seleciona o prefixo auto-. Existe autoacusação, mas não existe autoacusamento. Também podemos tomar como exemplo acelerar, que forma aceleração e aceleramento, mas só aceleração aceita o prefixo des-. Temos desaceleração e não desaceleramento. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS A nominalização ou substantivação deverbal, definida, de modo geral, como um conjunto de processos que formam nomes a partir de qualquer categoria que não seja um nome, sofrendo, portanto, uma mudança de classe gramatical é um dos fenômenos estudados pela Teoria Gerativa e constituiu o objeto central do presente trabalho. A nominalização é realizada pela utilização de sufixos distintos, dos quais selecionamos para análise, os considerados mais produtivos no português do Brasil, os sufixos –ção e –mento. Ao mesmo tempo em que podem ser considerados concorrentes, muitas formações são exclusivas de um ou de outro, havendo, portanto, o chamado “bloqueio”. De acordo com a Pesquisa do Projeto Gramática do Português Falado, há evidências de que o sufixo –ção é mais produtivo do que –mento, pelo fato do número de verbos derivados aumentar mais rapidamente que os primitivos. No entanto, conforme a própria pesquisa, esses dados não são suficientes para explicar a diferença de proporção entre eles. Ficando, portanto, em aberto, uma questão para ser analisada posteriormente. No capítulo I, buscamos apresentar uma noção geral dos estudos da morfologia, seus aspectos históricos e abordamos conceitos centrais para essa área de pesquisa, tais como: léxico, morfemas, competência e produtividade lexical, processos de formação de palavras, no intuito de contribuir para uma melhor compreensão do tema abordado. No capítulo II, tratamos de questões relacionadas aos aspectos semânticos e morfossintáticos das nominalizações e suas principais características, a ambiguidade que envolve esse processo (leitura verbal e nominal), o papel da preposição como introdutora dos argumentos e a estrutura argumental das nominalizações em português. O capítulo III teve como foco de análise os sufixos –ção e –mento, buscando explicações para o fato do sufixo –ção ser considerado, de acordo com pesquisas, três vezes mais produtivo do que –mento. Fizemos também uma breve exposição sobre a prefixação e o que ela implica para a concorrência entre os sufixos –ção e –mento. Pretendemos, com esse estudo, compreender como se dá o processo da nominalização, em que circunstâncias ela ocorre e o que a torna tão complexa. A partir da pesquisa fica o desejo de continuar buscando explicações para o fato do sufixo –ção ser o mais produtivo nesse processo, já que ele está assim classificado em razão do próprio falante ser o responsável por esta escolha. 45 REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS BASÍLIO, Margarida. Estruturas Lexicais do português. Petrópolis: Vozes, 1980. BASÍLIO, Margarida. Formação e uso da nominalização deverbal sufixal no português falado. In: CASTILHO, Ataliba. & BASÍLIO, Margarida (Orgs.). Gramática do Português Falado. 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