REVISTA NEUROCIÊNCIAS U NIVERSIDADE F EDERAL DE S ÃO P DISCIPLINA DE NEUROLOGIA E S C O L A P A U L I S TA D E M E D I C I N A JUNTA EDITORIAL EDITOR EXECUTIVO JOSÉ OSMAR CARDEAL EDITORES ASSOCIADOS ALBERTO ALAIN GABBAI ESPER ABRÃO CAVALHEIRO FERNANDO MENEZES BRAGA CONSELHO EDITORIAL ACARY DE SOUZA BULLE DE OLIVEIRA CARLOS JOSÉ REIS DE CAMPOS DELRIO FAÇANHA DA SILVA GILBERTO MASTROCOLA MANZANO HENRIQUE BALLALAI FERRAZ JOÃO ANTONIO MACIEL NÓBREGA JOÃO BAPTISTA DOS REIS FILHO LUIZ CELSO PEREIRA VILANOVA MARCIA MAIUMI FUKUJIMA PAULO HENRIQUE FERREIRA BERTOLUCCI SUSANMEIRE NEGRO MINATTI-HANUCH AULO 102 EXPEDIENTE REVISTA NEUROCIÊNCIAS Disciplina de Neurologia – Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo VOLUME VI – NÚMERO 3 – SET/DEZ 1998 Produção Editorial: LEMOS EDITORIAL & GRÁFICOS LTDA. Rua Rui Barbosa, 70 – Bela Vista CEP 01326-010 – São Paulo/SP Telefax: (011) 251-4300 e-mail: [email protected] Diretor Executivo: Paulo Lemos Diretor Comercial: Idelcio D. Patrício Gerente-geral: Silvana De Angelo Gerentes de Negócio: Exalta de Camargo Dias, Jefferson Motta Mendes e Jorge Rangel Produção Editorial: Danielle Biancardini e Miriam Aloia Editoração Eletrônica: Fabiana Fernandes Revisão: Lúcia T.T. Iwassaki, Claudia Blanco Padovani e Nilma Guimarães Coordenadora Depto. Comercial: Elieuza P. Campos Atendimento às Agências de Publicidade: Valéria Silva Representante no Rio de Janeiro: Roberto Amoêdo Periodicidade: Quadrimestral Toda correspondência relacionada ao Editorial, bem como textos para publicação devem ser encaminhados aos cuidados do Conselho Editorial para: REVISTA NEUROCIÊNCIAS Disciplina de Neurologia – Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo ISSN 0104-3579 Rua Botucatu, 740 – CEP 04023-900 – São Paulo / SP e-mail: [email protected] Pede-se Permuta On prie l’echange Exchange is requested 103 ÍNDICE EDITORIAL 105 ARTIGOS Aspectos Neurológicos do Desenvolvimento do Comportamento da Criança 106 LUIZ CELSO PEREIRA VILANOVA Múltipla Deficiência e Baixa Visão 111 MARIA INÊS R. S. NOBRE, HELOISA G. R. G. GAGLIARDO, K. MONTEIRO DE CARVALHO, MARILDA B. S. BOTEGA & PAULO R. SAMPAIO Esclerose Múltipla 114 ENEDINA MARIA LOBATO DE OLIVEIRA & NILTON AMORIM DE SOUZA Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias 119 IVAN HIDEYO OKAMOTO & PAULO HENRIQUE FERREIRA BERTOLUCCI Hidroterapia 126 MÁRCIA CRISTINA BAUER CUNHA, RITA HELENA DUARTE DIAS LABRONICI, ACARY DE SOUZA BULLE OLIVEIRA & ALBERTO ALAIN GABBAI Enxaqueca na Infância e na Adolescência 131 DEUSVENIR DE SOUZA CARVALHO Aspectos Gerais e Práticos do EEG 137 DÉLRIO FAÇANHA DA SILVA & MÁRCIA MARQUES DE LIMA RELATO DE CASO Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: Relato de um Caso com Imagem Radiológica Atípica 147 MARIO FERNANDO PRIETO PERES, ROBERTO GOMES NOGUEIRA, MÍRIAM VERA CHIRCIU, JOÃO NORBERTO STÁVALE & ALBERTO ALAIN GABBAI Rev. Neurociências 6(3): 103, 1998 104 NORMAS PARA PUBLICAÇÕES A Revista Neurociências é voltada à Neurologia e às ciências afins. Publica artigos de interesse científico e tecnológico, feitos por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com ênfase em temas de cunho prático. Os artigos devem ser inéditos e fica subentendido que serão publicados exclusivamente nesta revista, com o que se comprometem seus autores. A Junta Editorial da revista reserva-se o direito de avaliar, aceitar ou recusar artigos. Quando aceitos, sugerir modificações para aprimorar seu conteúdo, se necessário aperfeiçoar a estrutura, a redação e a clareza do texto. São aceitos artigos em português e inglês. Para publicação, será observada a ordem cronológica de aceitação dos artigos. Provas tipográficas serão fornecidas em casos especiais. Poderão ser oferecidas separatas dos artigos, responsabilizando-se os autores pela despesa de sua tiragem. Os artigos são de responsabilidade de seus autores. Para avaliação, devem ser encaminhados ao Editor Executivo em disquete e poderão ser utilizados editores de texto “Word” para “Windows 95”, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaço duplo; alternativamente no formato “texto.txt”. Deverá também ser enviada uma cópia do texto original conforme digitado. Adotar as recomendações abaixo. Título: em português e em inglês, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação. Autor(es): referir nome(es) e sobrenome(s) do modo como preferir para indexação, seu grau e posição. Referir a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo e referir o título maior de cada autor ou grupo de autores, ex.: * Professor Adjunto, ** Pósgraduando, *** Residente. Identificar o endereço para correspondência. Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica do trabalho contendo objetivos, métodos, resultados e conclusões. Nos artigos com casuística, não exceder 250 palavras. Nas comunicações breves ou relato de casos, não exceder 150 palavras. Unitermos e key words: referir após o Resumo e o Summary, respectivamente. Texto: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução, material (casuística) e métodos, resultados, comentários (discussão e conclusões), referências bibliográficas, eventualmente agradecimentos, suporte financeiro. Não repetir no texto dados que constem de tabelas e ilustrações, bem como de suas legendas. O texto deverá ser redigido em espaço duplo; a cada início de parágrafo, dar 5 espaços. Numerar as páginas no alto e à direita. Tabelas: até cinco, apresentadas em páginas separadas. Não separar com linhas horizontais ou verticais os dados que contêm. De cada uma, devem constar seu número de ordem, título e legenda. Ilustrações: até duas figuras (gráficos ou fotos), com tamanho não superior a 6 cm x 9 cm cada. Gráficos devem ser encaminhados, de preferência suas fotos. Fotos em preto e branco bem contrastadas; eventuais detalhes com setas, números ou letras. Identificar cada ilustração com seu número de ordem, nome do autor e NORMAS PARA PUBLICAÇÕES do artigo, com etiqueta colada no verso e nela marcada na parte superior. Não grampear, nem colar as ilustrações, embalar cada uma em separado. Encaminhar em separado as respectivas legendas. Ilustrações reproduzidas de textos já publicados devem ser acompanhadas de autorização de reprodução, tanto do autor como da publicadora. Ilustrações em cores podem ser publicadas; dado seu custo elevado, a despesa será de responsabilidade dos autores, assim como o custo por número de tabelas e ilustrações acima dos mencionados e desde que sua publicação seja autorizada pela editora. As fotos não serão devolvidas aos autores. Manter os negativos destas. Referências: até cerca de 30, restritas à bibliografia essencial ao conteúdo do texto. Numerar consecutivamente as referências na ordem de ocorrência no texto. O padrão de disposição das referências segue as normas do Index Medicus. Artigos: Autor(es) — Título. Periódico, volume: página inicial — página final, ano. Livros: Autor(es) ou editor(es), título, edição, se não for a primeira; se for o caso, tradutor(es). Cidade, publicadora, ano, páginas inicial e final. Capítulos de livros: Autor(es), título, demais dados sobre o livro como no item anterior. Resumos: Autor(es), título, publicadora, ano, páginas inicial e final e, entre parênteses “abstr”. Tese: Autor, título, cidade, ano, páginas inicial e final, nível (mestrado, doutorado, ...), instituição. Endereçar os trabalhos a: Prof. Dr. José Osmar Cardeal Rua Borges Lagoa, 873 — Cj 11 CEP 04038-031 — São Paulo e-mail: [email protected] Rev. Neurociências 6(3): 104, 1998 105 EDITORIAL O s indiscutíveis avanços que vem sofrendo a avaliação neuropediátrica, tanto a nascida de termo como a de pré-termo decorrem, em grande parte, da melhor compreensão sobre o comportamento das crianças. O artigo “Aspectos neurológicos do desenvolvimento do comportamento da criança”, escrito pelo professor Vilanova, possibilita-nos inteirar sobre esses novos conhecimentos à luz da prática clínica diária. A eficácia do tratamento de pacientes portadores de múltiplas deficiências depende, em grande parte, da obtenção de um diagnóstico preciso. Na criança, o momento do diagnóstico é de fundamental importância, pois o diagnóstico tardio pode significar dificuldades adicionais à reabilitação, como estabelecido nos estudos de Nobre e colaboradores em “Múltipla deficiência e baixa visão”. Pacientes com esclerose múltipla continuam apresentando grandes dificuldades, particularmente diagnósticas e de tratamento. Na medida em que os conhecimentos sobre a sua imunopatologia avançam, novas perspectivas terapêuticas se abrem. Nesse sentido, o artigo “Esclerose múltipla” dos autores Oliveira e Souza mostra-nos essa entidade contemplada pelos seus vários aspectos, como vista atualmente. O diagnóstico das demências primárias ainda apresenta grandes desafios, em que pesem os progressos conseguidos em outras áreas, principalmente com os recursos da tomografia computadorizada e da ressonância nuclear magnética. Para as demências a avaliação neuropsicológica presta relevantes contribuições no diagnóstico diferencial. Para conferir esses aspectos basta o leitor apreciar as informações contidas no artigo dos autores Okamoto e Bertolucci. Desde 1987, pacientes com limitações físicas decorrentes de afecções neuromusculares contam com um método alternativo para tratamento, a hidroterapia na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Cunha e colaboradores apresentam-nos os métodos modernos aplicados a esses pacientes, além de nos brindarem com precioso histórico evolutivo sobre a hidroterapia até os dias atuais. É relativamente comum observar que crianças e adolescentes portadores de enxaqueca tenham seu problema neurológico não adequadamente equacionado, ora com investigações e tratamentos desnecessários, ora colocadas em lugar comum como portadoras de “problema psicológico”. Para atualização, em termos de diagnóstico e de tratamento, o professor Deusvenir apresenta-nos seu artigo enfocando exatamente esses aspectos. O desenvolvimento dos métodos diagnósticos por imagem foi tão exuberante que os neurofisiológicos parecem ter sido colocados em segundo plano. No entanto, o eletrencefalograma (EEG) também evoluiu, incorporando técnicas digitais (EEG digital, EEG com mapeamento), e continua sendo insubstituível em muitas condições clínicas. O artigo “Aspectos gerais e práticos do EEG”, dos autores Silva e Lima, nos proporciona preciosos conhecimentos de natureza prática para a boa leitura e interpretação do EEG. Uma das principais contribuições que a tomografia computadorizada trouxe para o setor das doenças neurovasculares foi, sem dúvida, possibilitar o diagnóstico mais preciso e fazer diagnóstico diferencial com outras patologias, particularmente com tumores cerebrais. O caso relatado por Peres e colaboradores mostra que a etapa diagnóstica ainda não está totalmente resolvida e nos apresenta um caso como correlação anatomopatológica sobre acidente vascular cerebral com imagem atípica, sugerindo tumor cerebral. José Osmar Cardeal EDITORIAL Rev. Neurociências 6(3): 105, 1998 106 ARTIGO Aspectos Neurológicos do Desenvolvimento do Comportamento da Criança Luiz Celso Pereira Vilanova* RESUMO O autor faz uma análise do desenvolvimento do comportamento da criança, procurando integrar conhecimentos de natureza teórica com a prática clínica. UNITERMOS Desenvolvimento, comportamento da criança. * Prof. Adjunto, Chefe do Setor de Neurologia Infantil da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. O desenvolvimento do comportamento da criança tem sido motivo de várias publicações nas últimas décadas, tanto da criança nascida a termo como da pré-termo. Em 1923, foi criada uma comissão destinada a coordenar e estimular as investigações no campo do desenvolvimento infantil, patrocinada pelo National Research Council. Em 1925, o Dr. Arnould Gessel e a Dra. Catherine S. Amatruda iniciaram uma série de publicações sobre o desenvolvimento do comportamento infantil, cujo conteúdo, ainda nos dias atuais, constitui um alicerce do conhecimento nessa área1. Esses trabalhos, com características normativas e descritivas, mostraram o comportamento infantil encontrado em 50% das crianças, sem, contudo, uma análise qualitativa ou do que é patológico ou simplesmente variação da normalidade. Em 1931, Shirley estudou, longitudinalmente, 25 crianças (Minnesota Infant Study) caracterizando os comportamentos, principalmente de locomoção e da função visuo-motora, que foram observados em 25%, 50% e 75% das crianças2. Em 1948, Jean Piaget publicou suas pesquisas teóricas no campo do desenvolvimento da cognição infantil3,4. Em 1950, Lèfevre, em nosso meio, ao padronizar o exame neurológico do recém-nascido a termo, caracterizou o comportamento e as reações dos neonatos normais5. Posteriormente, Andrè Tomas e seus discípulos descreveram, comparativamente, o padrão neurológico do recém-nascido a termo e a pré-termo6. No final da década de 70 e principalmente no início da década de 80, os trabalhos sobre o desenvolvimento do recém-nascido a pré-termo, especialmente os de muito baixo peso, passaram a ser realizados por equipes multidisciplinares. Desse modo, o enfoque, inicialmente mais dirigido a aspectos psiconeurológicos, foi deslocado para aspectos mais abrangentes, envolvendo avaliações multidisciplinares. Pôde-se, então, delinear melhor o comportamento do recém-nascido a termo e a pré-termo, bem como do lactente e suas reações perante a estímulos de diversas naturezas. Assim, a integração VILANOVA, L.C.P. – Aspectos Neurológicos do Desenvolvimento do Comportamento da Criança Rev. Neurociências 6(3): 106-110, 1998 107 intersensorial tem sido melhor avaliada, evidenciando-se que a auditivo-visual e a auditivo-motora já estão presentes ao nascimento 7,8,9. Assim, tem sido documentado que o recém-nascido normal apresenta resposta de orientação ao som, voltando a cabeça lentamente em direção à fonte sonora, desde que, em condições ideais de teste (estado de alerta, posição facilitadora e estímulo acústico de longa duração)7,8,9,10,11. A resposta de orientação ao som, de controle subcortical, tem sido observada de 50% a 100% dos neonatos nos primeiros dias de vida, com decréscimo da sua ocorrência aos dois meses e reaparecimento com uma resposta mais elaborada, de localização aos quatro meses12,13. De um lado, tal resposta pode ser considerada como um automatismo inato que se modifica com a maturação do sistema nervoso central (SNC). Por outro, ainda utilizando-se estímulos auditivos, Hammond 11, num estudo com 31 neonatos verificou que, especialmente quando alerta, a criança entre 5 e 8 dias após o nascimento e previamente estimulada pela voz materna é capaz de reagir de modo diferente a ela. De Casper & Fifer14 demonstraram, em experimento realizado correlacionando registro de mudanças de sucção e presença de voz materna, que o recém-nascido, ainda no berçário, onde tem pouco contato com a mãe, já discrimina e prefere a voz materna. Esses experimentos, mostrando que a criança é capaz de reagir de modo diferente à voz materna em relação a outro tipo de voz, podem indicar uma capacidade de comportamento aprendido precocemente. Essa análise mais global do desenvolvimento das crianças tem acarretado inclusive a necessidade de uma revisão da terminologia até então empregada, levando-se em conta os novos conceitos e conhecimentos determinados por essas pesquisas. Termos como reflexo, reflexo arcaico, reflexo primitivo, reação e automatismo têm sido empregados pelos neurologistas, muitas vezes como sinônimos, gerando dificuldade inclusive na compreensão desses fenômenos pela equipe multidisciplinar que atende ao lactente, especialmente aos patológicos. A medula espinhal, com seus circuitos neuronais controla a maioria dos reflexos, sendo as primeiras descrições feitas no início do século por Sherrington, possibilitando a ativação e inibição integrada em diferentes grupos musculares. Assim, a percussão com um martelo sobre um tendão provoca a distensão dos fusos musculares excitando as terminações nervosas localizadas na fibra intrafusal. Desse modo, um estímulo nervoso é gerado e, pela via aferente, estabelece sinapse com o centro de associação medular, em que será elaborado um potencial de ação como resposta. As salvas de potenciais de ação produzidas irão ativar os motoneurônios do corno anterior da medula corres- pondentes àquele músculo estirado, com conseqüente contração dos músculos agonistas e relaxamento dos antagonistas, determinando uma resposta que é um movimento. Esse padrão de resposta mais primitivo, o primeiro a surgir na vida intra-uterina, com seu substrato anatomofisiológico bem-definido, pode também ser organizado por estruturas do tronco encefálico, como o reflexo estapediano, o reflexo fotomotor ou o pupilar. Todos esses reflexos podem ser obtidos nos recémnascidos normais, variando apenas de um grupo muscular para outro o seu tempo de latência, devido à variação do comprimento do arco reflexo. Padrões comportamentais mais complexos, muitas vezes denominados de reflexos arcaicos ou primitivos, são na realidade comportamentos automáticos inatos claramente desencadeados por determinada incitação. Desse modo, a reação tônica cervical assimétrica (RTCA) deve ser considerada uma reação postural desencadeada pela rotação do segmento cefálico, alternando a distribuição do tônus corporal flexor e extensor determinando a postura do esgrimista. Esse padrão de organização de resposta necessita da integração entre centros motores medulares e do tronco cerebral15. Do mesmo modo, a reação de Moro, a reação do endireitamento, a marcha inata, a sucção, a preensão palmar, a reação de voracidade ou dos pontos cardeais são padrões motores automáticos inatos, determinados geneticamente e característicos da espécie, que estarão presentes em todas as crianças normais. Entretanto, em situações clínicas é possível que esses automatismos possam não ser observados, especialmente se não forem pesquisados nos estados ideais do sistema nervoso central, principalmente com a criança em vigília e sem choro e fora da fase do choque do nascimento, que pode durar até 48 horas após o nascimento. Esses padrões primitivos de reação comportamental desaparecerão de estruturas mais recentes do SNC, do ponto de vista evolutivo, especialmente as do sistema extrapiramidal localizadas em região subcortical. Desse modo, a permanência da reação tônica cervical assimétrica além dos 3 meses ou da preensão palmar exagerada após os 6 meses é mais comum acontecer na encefalopatia hiperbilirrubínica do que no comprometimento motor de padrão espástico, o que comprova serem esses fenômenos controlados pelo sistema extrapiramidal16. Assim, padrões mais primitivos darão lugar a automatismos adquiridos relacionados com postura e locomoção, isto é, padrões táxicos que também são determinados biologicamente e que são característicos de cada espécie. Dessa forma é o desenvolvimento do tônus postural: inicialmente o tônus cervical, que VILANOVA, L.C.P. – Aspectos Neurológicos do Desenvolvimento do Comportamento da Criança Rev. Neurociências 6(3): 106-110, 1998 108 permitirá à criança o sustento da cabeça aos 3 meses; posteriormente o do tronco, que permitirá que ela se mantenha sentada com apoio aos 6 meses e sem apoio manual aos 9 meses, e finalmente possa se manter em pé apoiada aos 11 meses, determinando um desenvolvimento do tônus em direção cefalocaudal. Tanto a inibição de automatismos inatos como o surgimento dos automatismos adquiridos seguem uma cronologia determinada pelo relógio biológico e um atraso em uma das etapas poderá ser prejudicial para o desenvolvimento global da criança, já que estas estão inter-relacionadas. Desse modo, a reação tônica cervical assimétrica determinando a extensão do braço ipsilateral à face e flexão do contralateral contribui tanto para um melhor contato físico da criança ao mamar no seio materno como para uma exploração visual do que a criança segura. A sua não-inibição, após os 3 meses de idade, irá impedir que a criança, ao segurar um objeto, possa olhá-lo e levá-lo à boca, já que o braço ipsilateral ao rosto será mantido com tônus extensor. Além de prejudicar a exploração do mundo, que é feita inicialmente de modo oral, irá também impedir que a criança desenvolva sua postura sentada, já que em sua fase inicial ela irá necessitar se apoiar com as mãos à frente. O nível superior do controle motor é realizado por estruturas corticais e subcorticais, com destaque o córtex motor primário, a área pré-motora e as áreas motoras suplementares. Esse conjunto de estruturas enviará influências para os neurônios da medula espinhal e para o tronco cerebral, permitindo a coordenação e seqüencialização de movimentos automáticos mais complexos e que serão adquiridos no transcorrer da vida da criança, por um processo de aprendizagem. Esse conjunto de estruturas não está totalmente pronto ao nascimento, mas à medida que apresenta uma maturação mais adequada, passa a inibir padrões mais primitivos que eram organizados por níveis hierarquicamente inferiores. Desse modo, a criança desenvolverá suas habilidades ou comportamentos aprendidos, isto é, atos práxicos, dos mais elementares (praxia motora) aos mais complexos (praxias ideomotoras e ideatórias). Entretanto, diferente das outras etapas do desenvolvimento, essa etapa depende não apenas do componente biológico, mas das vivências e experiências da criança. Assim, o componente biológico irá sofrer uma modulação pelos estímulos externos ou pelo circunstancial, as células cerebrais poderão sofrer modificações, diminuindo ou aumentando o número de conexões com as células subjacentes. Apesar de o indivíduo nascer com o número total e definitivo de células do SNC, a maior parte das sinapses neocorticais irá acontecer após o nascimento. Esse processo de formação de sinapses (sinaptogênese) e o de mielinização dependem não somente de um componente biológico, mas também de estímulos externos. A modulação cerebral pela experiência, um tipo particular do fenômeno mais amplo da plasticidade cerebral, é responsável por processos mais básicos como o de adaptação e mais complexos, como o da aprendizagem. Assim, é fácil entendermos que, apesar de a criança normal, nos primeiros meses de vida, apresentar um desenvolvimento neurológico regido basicamente por um programa biológico, com pouca interferência dos estímulos externos, esses estímulos serão fundamentais nessa ocasião para realizar um processo silencioso naquele momento de modulação cerebral. Assim, para uma criança poder ter todo seu potencial para os processos de aprendizagem, é necessário e fundamental que ela, já desde as primeiras semanas, possa ter experiências adequadas somestésicas, como ser tocada, sensoriais pelos estímulos visuais, auditivos e olfativos, e motoras, realizando movimentos, manipulando objetos e, também, interagindo com adultos, para poder ir ajustando o controle postural e de tônus e, posteriormente, ao desenvolver maior número de possibilidades sinápticas, possa ter memória e aprendizagem mais eficientes. Contudo, é fundamental reconhecermos a importância da possibilidade de modulação cerebral pela experiência, especialmente no seguimento de lactentes nascidos a pré-termo. Desse modo, nesse seguimento, se nos basearmos no comportamento esperado para criança nascida a termo, fazendo a compensação matemática para os prematuros denominada de idade corrigida, teremos em muitos comportamentos, especialmente naqueles mais sensíveis à modulação cerebral pela experiência (como os comportamentos relacionados aos estímulos auditivos), a curiosa e perigosa sensação de constatarmos que os prematuros amadurecem mais cedo que as crianças a termo. Isso acaba acarretando uma impossibilidade de identificarmos precocemente, muitas vezes, uma criança prematura com o desenvolvimento anormal, pois a idade corrigida colocou-a junto com a criança nascida a termo, fato esse também observado por Miller et al. 17. De fato, temos verificado que a curva de desenvolvimento da criança prematura normal tende a ser igual a da criança de termo em épocas diferentes dependendo da função analisada. Assim teríamos primeiramente o comportamento a estímulos auditivos se equiparando entre 9 e 12 meses, o motor aos 15 meses e o de linguagem posteriormente. Por esse motivo, para o trabalho multidisciplinar do desenvolvimento da criança VILANOVA, L.C.P. - Aspectos Neurológicos do Desenvolvimento do Comportamento da Criança Rev. Neurociências 6(3): 106-110, 1998 109 na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP – EPM), não temos adotado a idade corrigida como válida para esse seguimento. Assim acreditamos ser necessário estabelecermos a curva do desenvolvimento da criança prematura, que será diferente para cada faixa de prematuridade. Um outro aspecto importante nesse seguimento é, além de observar o comportamento espontâneo e as padrão táxico pode ser normal para faixa etária, mas com grave alteração nos comportamentos que envolvem a interação e a comunicação com outro. Crianças prematuras, especialmente com prematuridade extrema (idade gestacional inferior a 30 semanas), têm sido consideradas como crianças de risco, por possuírem uma situação potencial para apresentarem um distúrbio neurológico ocasionado por fatores biológicos ou ambientais 18 . Além disso, as condições clínicas quando adversas podem favorecer o aparecimento de distúrbios da maturação biológica afetando o desenvolvimento global. Por essa razão, o acompanhamento do desenvolvimento dessas crianças tem um enfoque preventivo, em que a criança que apresenta um desvio do padrão esperado deve ser identificada precocemente para sua família ser orientada. SUMMARY Neurological aspects of the child’s development and behavior The author makes an analysis of the development of the child’s behavior, trying to integrate theoretical knowledge with clinical practice. KEY WORDS Development, child’s behavior. FIGURA 1 Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. FIGURA 2 10. 11. reações aos estímulos de natureza diversa, avaliar as funções que importam na interação sociocultural, se adequadas para o contato e a comunicação com outras pessoas, possibilitando o diagnóstico mais precoce dos distúrbios pervasivos do desenvolvimento em que o 12. 13. Gessel, A. & Amatruda, C. Diagnostico del dasarrollo normal y anormal del nino. 2 aed, version Serebrinsky, B. Buenos Aires, 1962, Paidos. Shirley, M.M. In: Murchinson, C. Manual de Psicologia del Niño. Barcelona, 1950, Seix, 286-331. Turner, J. Desenvolvimento Cognitivo. 1975, Zahar. Piaget, J. O nascimento da inteligência na criança. 1970. Zahar Lefèvre, A.F.B. Contribuição para a pradonização do exame neurológico do recém-nascido normal. Tese Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 1950, S. Paulo. Thomas, A. & Dargassies, S.A. Études neurologiques sur le nouveauné et le jeune nourrison. Masson, 1952. Paris. Turkewitz, B.; Birch, H.G.; Moreau, T.; Levy, L. & Cornwell, A.C. Effect of intensity of auditory stimulation on directional eye movements in the human neonate. Anim Behav, 14:93101, 1966. Muir, D. & Field, J. Newborn infants orient to sound. Child Dev, 50:431-36, 1979. Field, J.; Muir, D.; Pilon, R.; Sinclair, M.; Dodwell, P. Infants’ orientation to lateral sounds from birth to three monts. Child Dev, 51:295-8, 1980. Azevedo, M.F., Vilanova, L.C.P. & Vieira, R.M. Desenvolvimento auditivo de crianças normais e de alto risco. Plexus, 1995, São Paulo. Hammond, J. Hearing and response in the newborn. Dev Med Child Neurol, 12:3-5, 1970. Pinto, E.B.; Vilanova, L.C.P. & Vieira, R.M. O desenvolvimento do comportamento da criança no primeiro ano de vida. Casa do Psicólogo, 1997. São Paulo. Costa, S.A. Avaliação da resposta de movimentação da cabeça ao som, em crianças: evolução no primeiro semestre VILANOVA, L.C.P. – Aspectos Neurológicos do Desenvolvimento do Comportamento da Criança Rev. Neurociências 6(3): 106-110, 1998 110 14. 15. 16. 17. 18. de vida. Tese de Doutorado Universidade Federal de São Paulo, 1998. São Paulo. De Casper, A. & Fifer, W.P. Of human bonding: newborns prefer their mother voice.Science, 208:1174-1176, 1980. Barraquer, L.B. Neurologia Fundamenta.l 2ª ed. Toray, 1968, Barcelona. Volpe, J.J. Neurology of Newborn. Saunder. 1987, Pliladelphia. Miller, G.; Dubowitz, L.M.S. & Palmer, P. Follow-up of preterm infants: is correction of the development quotient for prematurity helpful? Early Hum Dev, 9:137-144, 1984. Wajnsztejn, R.; Vilanova, L.C.P. & Vieira, R.M. Desenvolvimento neurológico no segundo ano de vida de crianças nascidas pré-termo e de baixo peso. In: Bassetto, M.C.A.; Brock, R. & Wajnsztejn, R. Neonatologia um convite à atuação fonoaudiológica. Lovise, 1998. Endereço para correspondência: Luiz Celso Pereira Vilanova Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina – Disciplina de Neurologia Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] VILANOVA, L.C.P. – Aspectos Neurológicos do Desenvolvimento do Comportamento da Criança Rev. Neurociências 6(3): 106-110, 1998 111 ARTIGO Múltipla Deficiência e Baixa Visão Maria Inês R.S. Nobre* Heloisa G.R.G. Gagliardo** K. Monteiro de Carvalho*** Marilda B.S. Botega**** Paulo R. Sampaio***** RESUMO Crianças com múltipla deficiência apresentam com freqüência deficiência visual associada. Geralmente, as crianças com quadro neurológico grave têm o quadro motor intensamente comprometido, sendo esse priorizado em programas de habilitação infantil. Devido à dificuldade em se observar as respostas visuais nessas crianças, normalmente o possível diagnóstico oftalmológico é tardio, comprometendo ainda mais seu desenvolvimento. Durante um período de 3 meses, em um serviço de visão subnormal, os autores encontraram uma freqüência de 50% de crianças com múltipla deficiência associada à deficiência visual. Verificou-se que a média de chegada dessas crianças ao serviço foi de 21 meses, sendo todas institucionalizadas. Conclui-se que o comprometimento neuromotor pode retardar o encaminhamento dessas crianças ao oftalmologista. As que apresentam resíduo visual podem ser privadas de estimulação adequada nos períodos sensíveis de desenvolvimento da visão, podendo ter prejudicado seu desenvolvimento visual e, em conseqüência, o desenvolvimento neuromotor. UNITERMOS Visão subnormal, desenvolvimento neuromotor, múltipla deficiência. * Mestre em Neurociências. Terapeuta Ocupacional – CEPRE-FCM-UNICAMP. ** Mestre em Neurociências. Terapeuta Ocupacional – CEPRE-FCM-UNICAMP. *** Prof a Dra. Médica Oftalmologista. Departamento de Oftalmologia – FCM-UNICAMP. **** Fonoaudióloga – CEPRE/FCM-UNICAMP. *****Médico Oftalmologista — Departamento de Oftalmologia – FCM-UNICAMP. INTRODUÇÃO O nível de gravidade dos comprometimentos em crianças multideficientes tem aumentado nos últimos anos, principalmente pelo alto índice de prematuros que sobrevivem graças ao progresso da medicina pré-natal e neonatal. O potencial dessas crianças era, em muitos casos, subestimado, ora pelas reais dificuldades e pela não-clareza dos diagnósticos, ora pela escassez de terapeutas especializados nessa área. Hoje, muitos desses problemas foram superados, mas alguns ainda persistem. Segundo a nomenclatura do Centro Técnico Nacional Francês, para a identificação desse grupo de crianças “diferentes”, muitos termos têm sido utilizados: crianças com deficiências associadas, multideficientes, plurideficientes, multincapacitados. Zaldivar & Rubio1 definem como pessoas plurideficientes aquelas que apresentam simultaneamente uma combinação de deficiências sensoriais, psíquicas e/ou físicas. Para esses autores, falar de pessoas plurideficientes implica algo mais que falar em uma ou mais deficiências. Os plurideficientes são indivíduos com uma combinação particular de déficits, que se interrelacionam, estabelecendo determinadas limitações em cada pessoa. Há uma grande dificuldade em se definir essas crianças. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a incapacidade é definida como toda restrição ou ausência da capacidade de realizar uma atividade na forma ou dentro da margem que se considera normal para o ser humano. Partimos do princípio de que crianças com múltipla deficiência apresentam uma ampla gama de necessidades e, dificilmente, uma única pessoa estará apta a solucionar todas as necessidades dessas crianças. Sendo assim, elas devem ser atendidas por uma equipe multidisciplinar. Devido à complexidade na evolução dessas crianças, sugerimos avaliações em intervalos pequenos. A criança com múltipla deficiência, em geral, chega tardiamente ao serviço de estimulação visual; isso pode ser devido à gravidade neurológica dos casos, NOBRE, M.I.R.S.; GAGLIARDO, H.G.R.G.; CARVALHO, K.M.; BOTEGA, M.B.S. & SAMPAIO, P.R. – Múltipla Deficiência e Baixa Visão Rev. Neurociências 6(3): 111-113, 1998 112 dificuldade de acesso aos centros especializados, dificuldade para se definir o diagnóstico ou, ainda, por outros motivos. Essas crianças recebem intervenção prioritariamente na área motora. O desenvolvimento neuromotor pode estar atrasado se a terapia física não se iniciar precocemente. O atraso motor faz a criança atuar como tendo uma idade menor e aumentar o risco de superproteção, o que é comum em famílias de deficientes. A ausência de atividades devido à baixa estimulação visual é um problema comum entre essas crianças. Isso leva, em muitos casos, a uma auto-estimulação caracterizada, nos casos de deficiência visual, como maneirismos. Esses comportamentos, socialmente, podem ser mais incapacitantes que a própria deficiência visual. Segundo Veitzman 2 , no cuidado com crianças deficientes visuais, o diagnóstico precoce e o tratamento médico adequado assumem primordial importância. A ausência total ou parcial da visão pode interferir na habilidade motora, fundamental para o processo de independência. Leal et al.3 referem que as experiências visuais são as mais numerosas e minuciosas em relação às oferecidas pelos outros sentidos. OBJETIVOS Este trabalho tem o propósito de apresentar os resultados preliminares de um estudo e comentar as características do atendimento em intervenção precoce a crianças com visão subnormal, em um hospital universitário. Assim, verificar o número de crianças com deficiência visual que chegam a um serviço de intervenção precoce em visão subnormal e que apresentam outras deficiências associadas; verificar a média de idade com que essas crianças chegam ao serviço; levantar as características específicas da população de estudo. CASUÍSTICA E MÉTODOS A população-alvo foi constituída por crianças na faixa etária de 0 a 3 anos, com diagnóstico de deficiência visual, moradoras em diferentes regiões do Brasil, atendidas em um serviço de estimulação em visão subnormal. Compôs-se uma amostra de tamanho 18, não probabilística, obtida segundo critério de viabilidade da coleta de dados e de facilidade do acesso ao usuário. Utilizou-se um protocolo para avaliação do desenvolvimento infantil e avaliação funcional da visão, adaptado de Knobloch & Pasamanick 4 e Barraga 5 e, avaliação oftalmológica de rotina. Fizeram parte desse estudo, crianças atendidas num período de 3 meses durante o ano de 1998. Não pretendeu-se, portanto, generalizar os resultados. As avaliações foram aplicadas por uma equipe multidisciplinar, composta por terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogo e médico oftalmologista, com duração média de quarenta minutos. Os pais ou responsáveis estiveram presentes durante a realização de todos os procedimentos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Verificou-se que 9 (50%) dentre os 18 casos apresentaram outras deficiências, associadas à deficiência visual. Gagliardo et al.6 relatam que dentre os casos avaliados, 67,51% apresentaram associação de deficiência visual com outras deficiências. Sobre esse mesmo aspecto, Hyvärinen 7 relata que 70% das crianças deficientes visuais possuem também outras deficiências. Devido à dificuldade em se observar as respostas visuais nessas crianças, normalmente o possível diagnóstico oftalmológico é tardio, comprometendo ainda mais seu desenvolvimento. Geralmente é difícil de se obter ou entender as respostas dadas pelas crianças com múltipla deficiência, principalmente aquelas com quadro neurológico associado. Nesses casos, a maioria dos métodos convencionais apresenta resultados duvidosos no que se refere à estimativa da acuidade visual, devido aos comportamentos reflexos dessas crianças, que vão interferir nas respostas. Assim, Veitzman 2 relata que é urgente a participação dos oftalmologistas em equipes multidisciplinares. Da mesma forma, Hyvärinen8 sugere uma interação maior entre médicos e outros membros da equipe, pois, a partir dessa interação, os médicos adquirem mais conhecimentos sobre o funcionamento da visão em crianças com múltipla deficiência. Verificou-se que foi de 21 meses a média de idade de chegada dessas crianças ao serviço de intervenção precoce. Observa-se que o comprometimento neuromotor pode retardar o encaminhamento dessas crianças ao oftalmologista, pois a deficiência motora é primeiramente diagnosticada. Essas crianças poderiam ser beneficiadas por uma intervenção, se a detecção e o diagnóstico fossem realizados no primeiro ano de vida. Dessa forma, obteria repercussão favorável no seu desenvolvimento como um todo, a partir da estimulação visual adequada. Sonksen et al. 9 sugerem que a intervenção seja realizada no primeiro ano de vida, favorecendo um maior benefício para a eficiência visual. NOBRE, M.I.R.S.; GAGLIARDO, H.G.R.G.; CARVALHO, K.M.; BOTEGA, M.B.S. & SAMPAIO, P.R. – Múltipla Deficiência e Baixa Visão Rev. Neurociências 6(3): 111-113, 1998 113 O primeiro ano de vida corresponde a um período em que o organismo está pronto para receber e utilizar os estímulos ambientais, reunindo condições satisfatórias para a aquisição e desenvolvimento das diferentes funções. Assim, esse período entre o nascimento e o primeiro ano de vida caracteriza-se como sendo um dos mais críticos no desenvolvimento da criança, o que reforça a idéia da importância de nele se diagnosticar qualquer alteração de desenvolvimento10. A detecção e o diagnóstico precoce necessita, pois, de educação da equipe de saúde dos postos de saúde e da família. Kara-José et al. 11 sugerem que os pediatras deveriam ser conscientizados quanto à necessidade de avaliar a acuidade visual das crianças. Recomendam alertar os pediatras quanto ao papel fundamental que podem e devem desempenhar na prevenção da deficiência visual. Em relação à variável sexo, verifica-se predominância do sexo masculino, obtendo-se uma freqüência de 72,22%. Esse resultado coincide com os observados em outros estudos 12,13. KEY WORDS Low vision, neuromotor development, multiple deficience. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. CONCLUSÃO Em crianças com múltipla deficiência o diagnóstico oftalmológico ocorre tardiamente, em geral após o diagnóstico de outras especialidades. A avaliação oftalmológica de crianças com comprometimentos neuromotores deveria ser efetuada concomitante à avaliação neurológica e pediátrica. A associação de quadro neurológico à deficiência visual sugere que crianças com lesão neurológica devam passar por avaliação oftalmológica, tão logo seja detectado o problema. SUMMARY Multiple Deficiencies and Low Vision Children with multiple deficiencies present associated visual deficiency frequently. Generally, children with serious neurological disorders have serious motor impairment which is prioritized in programs of rehabilitation. Due to the difficulty in observing the visual answers in those children, the diagnosis of possible visual impairment is delayed. Over a period of 3 months, the authors found a frequency of 50% of children with multiple deficiency associated to the visual deficiency. It was verified that those children took 21 months on average to be seen in our service. The neuromotor impairment can delay the referral of those children to on eye specialist. Children presenting low vision can be prevented of habilitation during sensitive periods of development of the vision. This could have harmed its visual development and in consequence, the neuromotor development. 10. 11. 12. 13. Zaldivar, F. & Rubio, V. La evaluación de personas plurideficientes. Siglo Cero, 148:21-32, 1993. Veitzman, S. O papel do oftalmologista numa equipe multidisciplinar para a habilitação de crianças deficientes visuais. Arq Bras Oftal, 55:215-217, 1992. Leal, D.B.; Tavares, S.S.; Ventura, L.O.; Florêncio, T. Atendimento a por tadores de visão subnormal: estudo retrospectivo de 317 casos. Arq Bras Oftal, 58:439-42, 1995. Knobloch, H. & Pasamanick, B. Gesell e Amatr uda. Diagnóstico do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Atheneu, 1990. 550p. Barraga, N. Sensory Perceptual Development. In: School, G.T. Foundations of Education for Blind and Visually Handicapped Children and Youth. New York, American Foundation for the Blind, 1986. p.83-98. Gagliardo, H.G.R.G.; Nobre, M.I.R.S.; Carvalho, K.M.M. Intervenção precoce ambulatorial: orientação à família. Arq Bras Oftal, 59:352, 1996. Hyvärinen, L. La visión normal y anormal en los niños. Madri, ONCE, 1988. 92p. Hyvärinen, L. Considerations in evaluation and treatment of the child with low vision. American J of Occupational Therapy, 59:891-97, 1995. Sonksen, P.M.; Petrie, A.; Drew, K.J. Promotion of visual development of severely visually impaired babies: evaluation of a developmentally based programme. Dev Med Child Neurol, 33:320-335, 1991. Nakamura, H.Y. Investigação do comportamento auditivo em recém-nascidos e lactentes. Campinas, 1996. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas. Kara-José, N.; Carvalho, K.M.M.; Caldato, R.; Pereira, V.L.; Oliveira, A.M.N.D.; Fonseca Neto, J.C. Atendimento de amblíopes e prevalência na população pré-escolar, Campinas, São Paulo, Brasil. Bol Of Sanit Panamer, 97:31-37, 1984. Carvalho, K.M.M. Visão subnormal: apresentação de um modelo de atendimento e caracterização das condições de diagnóstico e tratamento em um serviço universitário do Brasil. Campinas: 1993, Tese de Doutorado – Universidade Estadual de Campinas. Nobre, M.I.R.S. Atendimento de estimulação em serviço de visão subnormal: características de usuários, opinião e conduta de mães. Campinas, 1996. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas. Endereço para correspondência: CEPRE – Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP Av. Adolfo Lutz S/n. – Cidade Universitária Zeferini Vaz Barão Geraldo CEP 13084-880 Campinas (SP) NOBRE, M.I.R.S.; GAGLIARDO, H.G.R.G.; CARVALHO, K.M.; BOTEGA, M.B.S. & SAMPAIO, P.R. – Múltipla Deficiência e Baixa Visão Rev. Neurociências 6(3): 111-113, 1998 114 ARTIGO Esclerose Múltipla Enedina Maria Lobato de Oliveira* Nilton Amorim de Souza** RESUMO Esclerose múltipla é uma doença crônica que afeta o sistema nervoso, causando destruição da mielina, proteína fundamental na transmissão do impulso nervoso. Embora as características clínicas sejam bem conhecidas, os aspectos etiológicos continuam alvo de exaustivos estudos. Com o aprofundamento dos conhecimentos imunopatológicos, têm-se ampliado as perspectivas terapêuticas. UNITERMOS Esclerose múltipla, desmielinização. * ** Pós-graduanda da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Pós-graduando da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. INTRODUÇÃO E HISTÓRICO Esclerose múltipla, conhecida na literatura de língua francesa como esclerose em placas, é uma doença que afeta o sistema nervoso, causando destruição da mielina (desmielinização), proteína fundamental na transmissão do impulso nervoso1. Embora as características clínicas sejam bem conhecidas, os aspectos etiológicos constituem o alvo principal de exaustivos estudos. Os fatores imunológicos e genéticos, a influência ambiental, enfim, fatores que direta ou indiretamente podem contribuir para a determinação da evolução clínica também têm sido objeto de pesquisas e estudos multicêntricos em diversos países. A esclerose múltipla é considerada uma enfermidade inflamatória, provavelmente auto-imune 1. A suscetibilidade genética e a influência ambiental talvez sejam responsáveis pelo aparecimento dos primeiros surtos. No entanto, há ainda muitas perguntas sem respostas, especialmente quanto aos mecanismos básicos da doença. Medaer menciona que, já no século XIV, uma freira alemã, Lidwina van Schiedam, cuja doença começou aos 16 anos, seria o caso mais antigo descrito. Poser conta a lenda de uma jovem na Islândia que, ao perder subitamente a visão e a capacidade de falar, fez uma promessa e, sob a intercessão de Santo Thorlakr, recuperou-se gradativamente em 15 dias. No século XIX, Jean Cruvellier fez uma descrição clínico-patológica da esclerose múltipla. Coube a Charcot, em 1868, a primeira correlação de achados clínicos com a topografia das lesões desmielinizantes. As primeiras propostas em relação à etiopatogenia datam do século XIX. Em 1884, Pierre Marie sugeriu a presença de um agente infeccioso no início dos sintomas. Eichhorst, em 1896, chamou a esclerose múltipla de “doença hereditária e transmissível”. O diagnóstico de esclerose múltipla é clínico. Não há exame laboratorial isolado que o comprove. Entretanto, a evolução, especialmente dos exames de imagem, elevou o papel dos exames subsidiários. OLIVEIRA, E.M.L. & SOUZA, N.A. - Esclerose Múltipla Rev. Neurociências 6(3): 114-118, 1998 115 EPIDEMIOLOGIA Os estudos epidemiológicos realizados entre 1920 e 1940 na Irlanda, Suíça, Estados Unidos da América, Canadá e Itália estabeleceram um gradiente de prevalência mais alta em áreas temperadas2. Estudos realizados por Kurtzke 3 , quarenta anos depois, sobre a distribuição geográfica e a incidência permitiram dividir o mundo e, especialmente a Europa, em três zonas. Zonas de alta prevalência, com índices acima de 30/100.000 habitantes, incluíam o norte da Europa e dos Estados Unidos da América, o sul do Canadá e da Austrália e a Nova Zelândia. Zonas de média prevalência com taxas de 5 a 25/100.000, compreendiam o sul da Europa e dos Estados Unidos e a maior parte da Austrália. Zonas de baixa prevalência, com taxas inferiores a 5/100.000 habitantes, eram representadas por regiões da Ásia e da África. Esses estudos atribuíam um gradiente relacionado à latitude na distribuição da esclerose múltipla3. A partir de 1990, novos estudos têm evidenciado que essa distribuição geográfica não é tão real. O Brasil é considerado um país de baixa prevalência. Segundo Callegaro et al.4, a estimativa da cidade de São Paulo é de aproximadamente 5/100.000 habitantes. Entretanto, os estudos na América Latina apontam para taxas de prevalência entre 4 a 12/100.000. Em relação à distribuição por raça, a esclerose múltipla é mais comum em brancos, sendo considerada rara entre os orientais, negros e índios. Entretanto, alguns trabalhos brasileiros demonstraram a presença de 30% de negros entre os doentes5. Quanto à distribuição por sexo, a esclerose múltipla é mais comum nas mulheres e, levando-se em consideração a faixa etária, verificamos que a doença é mais comum nos adultos jovens, sendo rara antes da puberdade e após 60 anos. ANATOMIA PATOLÓGICA Do ponto de vista anatômico, existem características gerais bem-definidas em relação ao comprometimento observado na esclerose múltipla. Afeta o sistema nervoso central, predominantemente o nervo óptico, a medula cervical, o tronco cerebral e a substância branca periventricular. Não é conhecida a razão para tal predileção; porém, pode haver relação com a distribuição vascular, o que permitiria maior concentração de citoquinas e células inflamatórias nessas regiões 6. As lesões são multifocais com evolução temporal diferente e variáveis em tamanho. OLIVEIRA, E.M.L. & SOUZA, N.A. - Esclerose Múltipla Macroscopicamente, as placas parecem focos cinzas de tamanhos variados: desde muito pequenas, semelhantes à cabeça de alfinete, até vastas extensões, comprometendo a totalidade de um hemisfério cerebral. As placas antigas apresentam-se bem demarcadas, enquanto as mais novas, por causa do edema, possuem limites imprecisos7. Existe perda axonal e redução dos oligodendrócitos nas lesões crônicas que, de modo geral, se apresentam com poucas células e perda abrupta de mielina, mais intensa no meio da placa. Em casos de longa duração, nota-se atrofia cerebral com alargamento dos ventrículos laterais. A histopatologia da esclerose múltipla compreende a presença de processo inflamatório e áreas confluentes de desmielinização. Entretanto, há achados post mortem compatíveis com esclerose múltipla, sem que o paciente tenha apresentado sintomas ou sinais neurológicos durante a vida6. A atividade inflamatória das lesões pode ser definida pela associação de quatro fatores: a) quebra da barreira hemato-encefálica, caracterizada pela presença de proteínas séricas no espaço extracelular; b) processo inflamatório na parede vascular; c) expressão antigênica caracterizada pela presença de antígenos de histocompatibilidade e moléculas de adesão; d) presença de marcadores da ativação linfocitária traduzidos pela expressão de interleucina. Nos estágios iniciais, a lesão de esclerose múltipla começa com uma reação imune celular mediada por células T, determinando inflamação e desmielinização. Com a cronicidade do processo, existem reações imunes específicas que determinam lesão do complexo mielinaoligodendrócito8. QUADRO CLÍNICO A esclerose múltipla pode envolver qualquer parte do sistema nervoso central, de modo que a lista de sintomas e sinais pode ser infinita9. Caracteristicamente a doença é descrita como disseminada no tempo e no espaço, o que implica comprometimento de diversas áreas do sistema nervoso central e em épocas diferentes. Evolui na maioria dos casos com exacerbações e remissões. De acordo com Lublin e Reingold, a evolução clínica da doença foi subdividida em surto-remissiva, progressiva primária, progressiva secundária e surto-progressiva10. A forma surto-remissiva caracteriza-se por apresentar episódios agudos de comprometimento neurológico, com duração de 24 horas ou mais e com intervalo de, no mínimo, trinta dias entre cada surto11. Rev. Neurociências 6(3): 114-118, 1998 116 A forma progressiva apresenta piora contínua e gradual de sinais neurológicos, presentes por seis meses ou mais. Ocasionalmente, pode ocorrer estabilização do quadro. Quando a fase progressiva ocorre após um início em surtos, diz-se progressiva secundária. A forma surto-progressiva apresenta uma combinação de exacerbações e progressão, mas de acordo com Lublin & Reingold é a forma mais difícil de ser definida10. Os sintomas iniciais mais comuns compreendem alterações piramidais, sensitivas e cerebelares, conhecidas como sinais maiores, e manifestações visuais e esfincterianas, ditas menores 12. Os sinais piramidais englobam fraqueza, espasticidade, sinais de liberação piramidal (hiper-reflexia, sinal de Babinski, clônus uni ou bilateral). As alterações cerebelares podem ser divididas em comprometimento do equilíbrio e da coordenação. Parestesias, como sintoma sensitivo, são descritas como “formigamento” ou “adormecimento”, podem estar acompanhadas de hipoestesia superficial e profunda em um ou mais membros. Os principais distúrbios visuais são diminuição da acuidade visual, diplopia e escotomas, quase sempre reconhecidos como embaçamento visual. O comprometimento esfincteriano apresenta-se sob a forma de incontinência ou retenção urinária e fecal. Além da alteração esfincteriana, observa-se também, disfunção sexual. Embora menos comuns, existem outros sinais e sintomas que podem estar presentes no início da doença. Sintomas paroxísticos, tais como distonias ou espasmos tônicos, disartria e ataxia, dores paroxísticas (neuralgia do trigêmeo e outras) são as queixas iniciais dos pacientes em pequena porcentagem dos casos, estimados numa média de 3,8% a 17%. Sintomas raros são as manifestações psiquiátricas. Fadiga, que pode significar menor tolerância às atividades diárias ou ser um sintoma vago e mal caracterizado, é uma queixa muito comum e pode ser o sintoma mais limitante. Foi relatada em até 87% dos pacientes e piora com a presença de alterações piramidais. Alterações do sono podem estar presentes e altas taxas de depressão, também foram encontradas em até 50,3% de pacientes com esclerose múltipla13. Alterações cognitivas podem acometer de 13% a 65% dos pacientes com esclerose múltipla. A aplicação sistemática de testes neuropsicológicos revela especialmente alteração de memória. A freqüência de epilepsia varia de 1% a 5% entre os pacientes com esclerose múltipla e é maior que a da população em geral e alguns autores mostraram compro- OLIVEIRA, E.M.L. & SOUZA, N.A. - Esclerose Múltipla metimento do córtex ou áreas subcorticais em pacientes com esclerose múltipla clinicamente definida e que tinham crises generalizadas tônico-clônicas14. Existe a possibilidade de haver diferenças raciais dentre os quadros de esclerose múltipla15. O tipo asiático ou oriental tem maior comprometimento do nervo óptico e da medula espinhal, maior idade de início e menor número de lesões observadas na ressonância nuclear magnética. Também são apontadas diferenças no grupo de pacientes com início dos sintomas após 50 anos, chamado de esclerose múltipla de início tardio. Os pacientes apresentaram comprometimento motor mais acentuado e progressão mais rápida 16. ETIOPATOGENIA O modelo animal experimental conhecido, encefalomielite aguda experimental, tem uma diferença básica: o antígeno é conhecido. Entretanto, muitos aspectos da doença puderam ser reproduzidos e estudados. O processo inicial compreende a resposta do endotélio da barreira hemato-encefálica, que adquire a capacidade de expressar antígenos da classe II do MHC, permitindo a migração de células T CD4+ e CD8+ para o espaço perivascular 17. A hipótese para a alteração de permeabilidade da barreira é a capacidade de células T ativadas na periferia induzirem a expressão de moléculas de adesão que permitem a interação com as células endoteliais e a migração transbarreira. As moléculas de adesão envolvidas são ICAM-1 VCAM-1 e seus respectivos receptores 18,19. O processo inflamatório celular envolve células T CD4 + e CD8 + e macrófagos, dispostos em forma de manguito perivascular. Tanto a encefalomielite aguda experimental como a esclerose múltipla apresentam padrão celular semelhante. A rede de citoquinas na esclerose múltipla foi estudada, sugerindo que as citoquinas associadas aos linfócitos com fenótipo TH1 (fator de necrose tumoral alfa, interleucina-2, interferon -j) promovem a doença. As citoquinas associadas ao fenótipo TH2 (Tgf-b, interleucina-10 e interleucina-4) podem estar envolvidas na modulação do processo inflamatório. Estudos genéticos evidenciaram haplótipos DR e DQ que podem conferir predisposição à doença, assim como um efeito protetor, ressaltando a complexidade do traço genético envolvido20. Os haplótipos Dw2, Dw12, Dw21 e Dw22 foram associados à doença. O haplótipo Dw2 é o mais comum no norte da Europa e o que tem um papel mais definido. Os demais foram encontrados com maior freqüência Rev. Neurociências 6(3): 114-118, 1998 117 entre japoneses e pacientes oriundos do sul da Europa 21. A existência de grupos étnicos resistentes à doença contribuiu para evidenciar a importância dos fatores genéticos. No entanto, a suscetibilidade à esclerose múltipla não pode ser apenas explicada por determinantes hereditários. A complexidade do fenótipo reflete fatores ambientais ainda não-estabelecidos. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de esclerose múltipla ainda é clínico e baseia-se em dados de história e exame físico. Vários esquemas foram propostos para facilitar o diagnóstico e a classificação da doença. Os mais usados são os de Schumacher et al. (1965) 22 e Poser et al. (1983) 12 . Ambos têm como propósito a demonstração da disseminação no tempo e no espaço, característicos dessa doença. A acuidade dos vários critérios em identificar pacientes com esclerose múltipla pode variar de 40% a 87%, às vezes, com atraso de alguns anos 23 (Rolak, 1996). Schumacher et al. (1965) 11 postularam como essencial para o diagnóstico de esclerose múltipla clinicamente definida: a) duas lesões separadas no sistema nervoso central; b) dois ataques ou surtos com duração mínima de 24 horas, separados por um período de, no mínimo, um mês; c) exame neurológico alterado; d) sintomas e sinais de comprometimento da substância branca; e) intervalo de idade entre 10 e 50 anos; f) ausência de qualquer outra doença que possa justificar o quadro. Os critérios de Poser et al. (1983)12 admitem quatro tipos de situações clínicas: A: Clinicamente definida: A1) dois surtos e evidência clínica de duas lesões separadas; A2) dois surtos; evidência clínica de uma lesão e paraclínica (compreendendo os achados na RNM e nos estudos eletrofisiológicos) de outra. B: Laboratorialmente definida: B1) dois surtos; evidência clínica ou paraclínica de uma lesão e presença de IgG à eletroforese de proteínas liquóricas; B2) um surto; evidência clínica de duas lesões e presença de IgG; B3) um surto; evidência clínica de uma lesão e paraclínica de outra, e presença de IgG. C: Clinicamente provável: C1) dois surtos e evidência clínica de uma lesão; C2) um surto e evidência clínica de duas lesões; C3) um surto; evidência clínica de uma lesão e paraclínica de outra. D: Laboratorialmente provável: D1) dois surtos e presença de IgG. A avaliação paraclínica é composta de RNM e estudos eletrofisiológicos (potenciais evocados) e identificam o comprometimento neurológico não observado no exame físico. A associação com evidências clínicas e labora- OLIVEIRA, E.M.L. & SOUZA, N.A. – Esclerose Múltipla toriais permite o diagnóstico de esclerose múltipla. As lesões são imagens periventriculares, confluentes às vezes, com aspecto crespo e rugoso, maiores que 6 mm, com localização também infratentorial. São chamadas placas, que têm aspecto iso ou hipointensas nas imagens em T1 e hiperintensas em T2. As lesões apresentam realce anelar após a injeção de contraste paramagnético e isso, caracteristicamente, reflete a quebra de barreira hematoencefálica19. Devido à existência de doenças que podem determinar o mesmo padrão de lesão à RNM, tais como vasculites, sífilis, doenças desmielinizantes agudas, HTLV-1, neoplasias, Paty et al. (1988)15 e Fazekas et al.6 (1988) criaram critérios para o diagnóstico de esclerose múltipla do ponto de vista de imagens à ressonância nuclear magnética. Fazekas et al. (1988)6 consideraram sugestivo para o diagnóstico de esclerose múltipla RNM com três ou mais áreas de sinal hiperintenso em T2 e densidade de próton, acompanhadas de dois dos seguintes critérios: a) tamanho maior ou igual a 5 mm; b) lesão infratentorial; c) lesões adjacentes aos ventrículos laterais. A avaliação do líquor permite diferenciar a esclerose múltipla de outras doenças neurológicas. De rotina, encontra-se um processo inflamatório linfomonocitário. O aumento da taxa de imunoglobulinas, com distribuição oligoclonal, é considerado um aspecto importante, por refletir síntese de imunoglobulinas intratecal. TRATAMENTO Vários tratamentos já foram propostos para a esclerose múltipla, nem todos eficazes. O tratamento divide-se em curativo, profilático, sintomático e de reabilitação. Até o momento não há profilaxia ou cura, pois os mecanismos básicos da doença não foram ainda plenamente esclarecidos. Em uma visão multidisciplinar, o tratamento tornou-se mais complexo e engloba diversos outros profissionais, ligados a fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia. A tentativa de encontrar um agente capaz de alterar a evolução da esclerose múltipla, fez com que agentes imunossupressores clássicos fossem usados como tratamento24. Os resultados foram modestos e pouco alteraram a evolução natural. Os resultados promissores com o uso do β interferon25,26 e do copolímero-127, nas formas surtoremissão da esclerose múltipla, e mais recentemente o β -interferon também nas formas progressivas, abriram novas possibilidades no tratamento. Até o momento, parecem alterar a evolução natural de uma forma mais significativa. Na fase aguda, os pacientes têm sido tratados com corticóides endovenosos sob a forma de Rev. Neurociências 6(3): 114-118, 1998 118 pulsoterapia 24, o que pode aumentar o intervalo entre os surtos. Outras tentativas de tratamento com anticorpos monoclonais, sobrecarga de antígeno endovenoso, plasmaferese, imunoglobulina endovenosa não apresentaram resultados satisfatórios e conclusivos nos estudos clínicos e experimentais realizados. SUMMARY Multiple sclerosis Multiple sclerosis is a chronic disease of the central nervous system that causes destruction of myelin, an essential protein related to the conduction of the nervous impulse. Although the clinical features are well recognized, the etiology is the aim of many rearches. With the recent studies of immunopathology, new therapies are being attempted. 16. 17. 18. 19. 20. KEY WORDS Multiple sclerosis, demyelinization. 21. Referências 22. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Adams, R.D. & Victor, M. Multiple sclerosis and allied demyelinative diseases. In: Principles of Neurology. 4a ed. New York, McGraw-Hill international editions, 1989. p. 755-774. Tachibana, N.; Howard, R.S.; Hirsch, N.P.; Miller, D.H.; Moseley, I.F.; Fish, D. Sleep problems in multiple sclerosis. Eur Neurol, 34:320-323, 1994. Kurtzke, J.F.; Beebe, G.W.; Nagler, B.; Auth, T.L.; Kurland, L.T.; Nefzger, M.D. Studies on natural history of multiple sclerosis. Acta Neurol Scandinav, 44:467-494, 1968. Poser, C. The epidemiology of Multiple Sclerosis: a general overview. Ann Neurol, 36:S180-S193, 1994. Hartung, H.-P.; Michels, M.; Reiners, K.; Seeldrayers, P.; Archelos, J.J.; Toyka, K.V. Soluble ICAM-1 serum levels in multiple sclerosis and viral encephalitis. Neurology, 43:2331-2335, 1993. Fazekas, F.; Offenbacher, H.; Fuchs, S.; Schmidt, R.; Niederkorn, K.; Horner, S.; Lechner, H. Criteria for an increased specificity of MRI interpretation in elderly subjects with suspected multiple sclerosis. Neurology, 38:1822-1825, 1988. Kurtzke, J.F. Epidemiologic contributions to multiple sclerosis: an overview. Neurology, 30:61-79, 1980. Medaer, R. Does the history of multiple sclerosis go back as faz as the 14 th century? Acta Neurol Scand, 60:189-192, 1979. Haegert, D.G.; Swift, F.V.; Benedikz, J. Evidence for a complex role of HLA class II genotypes in susceptibility to multiple sclerosis in Iceland. Neurology, 46:1107-1111, 1996. Shibasaki, H.; McDonald, W.I.; Kuroiwa, Y. Racial modification of clinical picture of multiple sclerosis: comparison between British and Japanese patients. J. Neurol SCI, 49:253-271, 1981. Schumacher, G.A.; Beebe, G. Kibler, R.F.; Kurland, L.T.; Kurtzke, J.F.; McDowell, F.; Nagler, B.; Sibley, W.A.; Tourtellotte, W.W.; Willmon, T.L. Problems of experimental trials of therapy in multiple sclerosis: report by the panel on evaluation of experimental trials of therapy in multiple sclerosis. Ann NY Acad Sci, 122:552-568, 1965. Poser, S. & Poser, W. Multiple sclerosis and gestation. Neurology, 33:1422-1427, 1983. Weiner, H.L.; Hohol, M.J.; Khoury, S.J.; Dawson, D.M.; Hafler, D. A. Therapy for Multiple Sclerosis. Neurol Clin, 13-173-96, 1995. The IFNB Multiple Sclerosis Study Group. Interferon beta-1b is effective in relapsing-remitting multiple sclerosis: clinical results of a multicenter, randomized, double-blind, placebocontrolled trial. Neurology, 43:655-661, 1993. Paty, D.W.; Oger, J.J.F.; Kastrukoff, L.F.; Hashimoto, S.A.; Hooge, J.P.; Eisen, A.A.; Eisen, K.A.; Purves, S.J.; Low, M.D.; OLIVEIRA, E.M.L. & SOUZA, N.A. - Esclerose Múltipla 23. 24. 25. 26. 27. Brandejs, V.; Robertson, W.D.; Li, D.K.B. MRI in the diagnosis of MS: a prospective study with comparison of clinical evaluation, evoked potentials, oligoclonal banding and CT. Neurology, 38: 180-185, 1988. Sarchielli, P.; Trequattrini, A.; Usai, F.; Muraresco, D.; Gallai, V. Role of viruses in the etiopathogenesis of multiple sclerosis. Acta Neurol (Napoli), 15:363-381, 1993. Owens, T. & Sriram, S. The immunology of multiple sclerosis and its animal model, experimental allergic encephalomyelitis. Neurol Clinic, 13:51-74, 1995. Sobel, R.A. The pathology of multiple sclerosis. Neurol Clinic, 13:1-22, 1995. Esiri, M.M. Multiple (disseminated) sclerosis. In: Oppe nheimer’s Diagnostic Neuropathology. 2 a ed. London, Blackwell Science, 1996. p.257-268. Papais-Alvarenga, R.M.; Santos, C.M.M.; Abreu, J.S.; Siqueira, H.; Camargo S.M.G.G.; Almeida, A.M.V.; Oliveira, S.; Klajnberg, M. Esclerose múltipla: perfil clínico e evolutivo no município do Rio de Janeiro. Rev Bras Neurol, 31:75-87, 195. Brück, W.; Porada, P.; Poser, S.; Rieckmann, P.; Hanefeld, F.; Kretzschmar, H.A.; Lassmann, H. Monocyte/macrophage differentiation in early multiple sclerosis lesions. Ann Neurol, 38:788-796, 1995. Osbor n, A.G. Aquired metabolic, white matter, and degenerative disease of the brain. In: Diagnostic neuroradiology. St. Louis, Mosby, 1994. p.748-784. Rolak, L.A. The diagnosis of multiple sclerosis. Neurol Clinic, 14:27-42, 1996. Johnson, K.P.; Brooks, B.R.; Cohen, J.A.; Ford, C.C.; Goldstein, J.; Lisak, R.P.; Myers, L.W.;Panitch, H.S.; Rose, J.W.; Schiffer, R.B.; Vollmer, T.; Weiner, L.P.; Wolinsky, J.S. Extended use of glatiramer acetate (Copaxone) is well tolerated and maintain its clinical effect on multiple sclerosis relapse rate and degree of disability. Copolimer 1 Multiple Sclerosis Study Group. Neurology, 50:701-708, 1998. Poser, C. Multiple sclerosis: diagnosis and treatment. Med Principles Pract 93:1-16, 1992. Lublin, F.D. & Reingold, S.C. Defining the clinical course of multiple sclerosis: results of an international survey. Neurology 46:907-911, 1996. The IFNB Multiple Sclerosis Study Group & University of British Columbia MS/MRI Analysis Group. Interferon beta-1b in the treatment of multiple sclerosis: final outcome of the randomized controlled trial. Neurology, 45:1277-1285, 1995. Endereço para correspondência: Nilton Amorim de Souza Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina – Disciplina de Neurologia Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] Rev. Neurociências 6(3): 114-118, 1998 119 ARTIGO Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Ivan Hideyo Okamoto* Paulo Henrique Ferreira Bertolucci** RESUMO As doenças degenerativas primárias abrangem a maioria das causas de demência, com a avaliação neuropsicológica contribuindo com o diagnóstico diferencial e auxiliando na avaliação da gravidade do comprometimento cognitivo. A doença de Alzheimer é a principal causa de demência primária, com comprometimento em testes de avaliação de memória explícita (declarativa, episódica), destacando-se das demais áreas cognitivas. Outras causas de demência, como demência por corpúsculos de Lewy e demências fronto-temporais apresentam maior alteração em testes de função executiva. A avaliação neuropsicológica na doença de Huntington revela um comprometimento precoce na memória explícita (dificuldade no processamento de informações). O exame neuropsicológico nas demais causas de demências não possui particularidades que as diferenciem. UNITERMOS Demências primárias, diagnóstico, testes neuropsicológicos. * ** Pós-graduando da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Professor Adjunto, Chefe do Setor de Neurologia do Comportamento da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Demência é uma síndrome de comprometimento cognitivo e comportamental, severo o suficiente para interferir com a atividade de vida diária e a qualidade de vida. Existem cerca de 70 doenças que podem causar demência, entretanto nem todas são progressivas. As demências ocorrem primariamente em fases mais tardias da vida, com uma prevalência de 1% aos 60 anos, dobrando a cada 5 anos até atingir 30% a 50% aos 85 anos1. O diagnóstico preciso das síndromes demenciais é importante para detectar causas reversíveis de demência, permitindo ao médico predizer o curso da doença, facilitando o planejamento do paciente e da família quanto a suas atividades sociais, além disso, a padronização do enfoque diagnóstico nas demências é importante na pesquisa clínica, incluindo estudos epidemiológicos e terapêuticos. Embora existam diversas causas de demência, a doença da Alzheimer (DA) responde por cerca de 70% (isolada ou em associação) dos casos em países industrializados2. Em uma pequena porcentagem dos casos, uma etiologia reversível ou tratável poderá ser identificada como causa de demência, sendo os exemplos mais importantes as doenças da tireóide, neurossífilis, infecções por fungos, deficiências de vitaminas, e lesões estruturais do cérebro como tumores, hematomas subdurais e hidrocefalia (tabela 1). As doenças degenerativas primárias abrangem a maioria das causas de demência (tabela 2), havendo critério clínico bem-estabelecido para alguns tipos de demência, como DA, demência com corpúsculos de Lewy e demência do tipo lobo frontal. O diagnóstico clínico das demências inclui o teste neuropsicológico do paciente examinado, podendo ajudar no diagnóstico diferencial das diversas causas de demência, bem como avaliar o grau de severidade do comprometimento cognitivo. A exatidão do diagnóstico clínico (neuropsicológico), quando comparado com o diagnóstico anatomopatológico, varia de doença para doença, atingindo 91,4% na DA5 e 85% na demência vascular6. Neste artigo tentaremos apresentar algumas características neuropsicológicas das diferentes causas de demência degenerativa primária que podem OKAMOTO, I.H. & BERTOLUCCI, P.H.F. – Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Rev. Neurociências 6(3): 119-125, 1998 120 TABELA 1 TABELA 2 Causas freqüentes de síndromes demenciais (CoreyBloom, 1996) 3 Doenças degenerativas do SNC causando demência (Mayeux, Foster, Rossor e Whitehouse, 1993) 4 • Doença de Alzheimer (DA) • Doença de Alzheimer (DA) • Demência associada com corpúsculos de Lewy • Doença de Pick • DA e demência vascular (demência mista) • Doença de Huntington • Depressão • Doença de Parkinson • Demência vascular • Paralisia supranuclear progressiva • Distúrbios metabólicos • Síndrome de Hallervorden-Spatz • Intoxicação por drogas • Epilepsia mioclônica progressiva • Infecções • Gliose subcortical progressiva • Lesões estruturais • Complexo demência-parkinsonismo – ELA • Demência secundária ao álcool • Degeneração do lobo frontal do tipo não Alzheimer • Hidrocefalia • Doença de Parkinson • Demência de Pick e outras demências frontais nos ajudar no diagnóstico diferencial entre elas, bem como, no caso de DA, mostrar algumas características que se diferenciam no estadiamento da doença. O exame neuropsicológico, em geral, inicia-se com um teste breve, abrangente e simples, que funciona como triagem para detecção do comprometimento cognitivo, sendo os mais utilizados, o miniexame do estado mental7 e a escala de demência de Blessed8. Esses testes devem ser aplicados de maneira criteriosa, adaptados para idade e escolaridade9, não sendo aplicáveis como instrumento único para diagnóstico e acompanhamento das demências. DOENÇA DE ALZHEIMER A principal característica cognitiva em DA é o comprometimento progressivo da memória, entretanto os testes dessa área cognitiva são aplicáveis apenas nos estágios mais precoces da doença (leve e moderado), pois os pacientes em estágio severo não são passíveis de teste. Memória de trabalho (working memory, memória primária): tanto para informações verbais como para visuoespaciais, parece haver comprometimento na DA leve, embora haja controvérsias. Tipicamente essa memória é testada por meio do span de dígitos, que consiste no indivíduo repetir seqüências de números que acabou de ouvir; podem ainda ser solicitados a reproduzir seqüências de "toque de blocos" como no Corsi Block Tapping Test10. Memória explícita (declarativa, episódica): os pacientes devem ter comprometimento desse subsistema de memória para preencher os critérios diagnósticos do DSM-IV 11 de demência. O déficit de aprender informações, no nível episódico, aparece precocemente e está sempre presente, ou seja, o aprendizado de eventos e pessoas, que é importante têmporo-espacialmente para o conhecimento autobiográfico, está prejudicado. Outra marca da DA é a dificuldade em resolver problemas do dia-a-dia e de planejar atividades corretamente (secundárias ao déficit de aprendizado de informações). Um déficit em evocar fatos e eventos, principalmente os adquiridos mais recentemente, também está presente, é proporcional ao déficit de aprendizado episódico e pode ser percebido na dificuldade dos pacientes em reconhecer locais e a relação de pessoas e objetos com esses locais. Isso explica a confusão, precocemente notada nos indivíduos, quando têm de enfrentar mudanças rápidas de cena e locais 12. Testes aqui utilizados são vários, como teste da lista de palavras, teste de aprendizado de associação pareada, evocação de história (memória lógica), entre outros. Memória implícita (não-declarativa, semântica, procedural): podemos testar de diferentes maneiras esse subsistema, havendo muita discussão a respeito do OKAMOTO, I.H. & BERTOLUCCI, P.H.F. – Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Rev. Neurociências 6(3): 119-125, 1998 121 comprometimento ou não de suas diversas áreas. Eslinger e Damasio 13 demonstraram que o aprendizado de habilidades, por testes sensório-motores como o teste de perseguição rotatória (outros testes dessa área são o desenho pelo espelho e o teste de leitura invertida), está preservado em pacientes com DA, apesar do desempenho inicial desses indivíduos estar abaixo daquele da população-controle. Heindel et al.14 também encontraram preservação no aprendizado desse teste, entretanto encontraram comprometimento no teste de pré-ativação verbal (priming). Alguns testes de avaliação de priming verbal (priming de complementação de palavras) consistem em ler palavras (por exemplo: cadeira), sendo posteriormente apresentadas as letras iniciais (por exemplo: C-A-D-) e solicitado para completar com a primeira palavra que vier à cabeça. Esses testes apresentam discussão quanto aos resultados encontrados, com alguns estudos demonstrando uma redução significativa no teste de priming na complementação de palavras14,15,16 nos pacientes, enquanto outros estudos não apresentam comprometimento nos testes de memória procedural17. Então, pacientes com DA têm evidências de bases neurais separadas para o aprendizado sensório-motores de habilidades, preservado em muitos demenciados leves; para a pré-ativação verbal comprometida em outros tantos pacientes. Diferente do que ocorre, por exemplo, na doença de Huntington (doença degenerativa, que inclui demência como critério diagnóstico), em que ocorre comprometimento nos testes de aprendizado de habilidades, e preservação no desempenho de testes de pré-ativação verbal18. Linguagem: os déficits de linguagem observados precocemente na DA podem ser notados com a dificuldade em nomear objetos (teste de nomeação de Boston), análise de discurso, vocabulário, capacidade descritiva e compreensão de leitura. A fala pode tornar-se um pouco lenta, podendo haver perseveração, repetição de palavras e frases fora de contexto. O teste de fluência verbal é muito sensível e utilizado para avaliar linguagem em estágios precoces da DA. Consiste em solicitar ao paciente, dentro de um tempo determinado, a falar o maior número de palavras possíveis que comecem com certa letra (categoria simbólica) ou de determinada categoria semântica (por exemplo: animais). Na DA leve, a categoria simbólica parece estar mais comprometida que a categoria semântica, embora em DA moderada e severa, as duas categorias estejam igualmente comprometidas 19. Em estágios iniciais da DA, as capacidades léxicas e semânticas parecem ser mais vulneráveis à doença, enquanto as capacidades sintáticas e fonológicas estão relativamente preservadas20. Nos estágios moderados da doença, as alterações incluem parafasias (paragramáticas), permanecendo morfemas sintáticos, apesar de haver algumas trocas semânticas e neologismos. Desenvolvem ainda dificuldade de compreensão com a evolução da doença (afasia de Wernicke ou afasia transcortical). Na fase severa da DA, há uma diminuição da fluência, ecolalia, perseveração e sons ininteligíveis, como grunhido e murmúrio, estando a capacidade de comunicação global severamente comprometida21. Atenção: déficits de atenção seletiva, medidos por testes de tempo de reação, com lentificação do tempo, foram demonstradas na DA22. Outros testes utilizados, e que também apresentaram alterações, são o teste de símbolo de dígitos, teste das trilhas e teste de Stroop10, embora existam relatos de desempenho normal nos testes de atenção dos pacientes com DA23. Demais áreas cognitivas: as funções visuoespaciais estão comprometidas no curso da doença, com os pacientes perdendo-se, com desorientação espacial, e dificuldade em manusear aparelhos complexos. Os testes visuoespaciais podem ser testes de desenho, cópia, orientação de linhas, construção com blocos, labirinto, leitura de mapa, entre outros21. As funções executivas podem estar comprometidas, porém parece não ocorrer em estágios iniciais da doença17. DEMÊNCIA COM CORPÚSCULOS DE LEWY O diagnóstico clínico de demência com corpúsculos de Lewy (DL) inclui um progressivo declínio cognitivo, que interfere nas atividades de vida diária do indivíduo. Além das alterações cognitivas, que discutiremos a seguir, deve apresentar outros sinais e sintomas como alucinações visuais recorrentes (em geral bem estruturadas e detalhadas) e alterações motoras de parkinsonismo. Pode apresentar história de quedas, síncopes, perdas transitórias de consciência, hipersensibilidade a neurolépticos. Uma das características em DL é a flutuação das funções cognitivas, havendo a possibilidade de o indivíduo alternar períodos (horas ou semanas) de profundo déficit cognitivo com períodos de quase-normalidade 24. Quando comparados com o exame anatomopatológico, o diagnóstico clínico pode atingir até 90% de sensibilidade e 97% de especificidade no diagnóstico de DL25. Testes de exame mental podem confirmar a presença OKAMOTO, I.H. & BERTOLUCCI, P.H.F. – Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Rev. Neurociências 6(3): 119-125, 1998 122 de alteração cognitiva, mas podem ser insuficientes para diferenciar DL de DA e outras demências, necessitando de teste neuropsicológico mais detalhado. Memória: sintomas de alteração da memória persistente nem sempre estão presentes no início da doença, porém tornam-se evidentes com a evolução da doença. Os pacientes com DL estão particularmente comprometidos nos testes de evocação da memória, enquanto na DA parece haver prejuízo na aquisição e consolidação da memória. Demais áreas cognitivas: os indicadores clínicos no diagnóstico de DL são o mal desempenho nos testes de funções executivas e resolução de problemas, como nos testes de Wisconsin (Wisconsin card sorting Test), teste das trilhas (Trail Making), e fluência verbal (por letras e categorias), com relativa preservação das funções nos testes de desempenho visuoespacial (construção com blocos, desenho do relógio ou cópia de figuras). Com o progredir da demência, essas diferenças podem perderse, tornando difícil o exame clínico e a diferenciação com outras demências em estágio severo 24. DEMÊNCIAS FRONTO-TEMPORAIS (INCLUINDO DOENÇA DE PICK) As manifestações precoces das demências frontotemporais (DFT), apesar de representar um grupo heterogêneo de doenças com características clínicas e patológicas diversas, são relacionadas às alterações de comportamento; podendo apresentar-se como isolamento social, depressão, psicose, perda de crítica, desinibição e irritabilidade. Essas alterações podem preceder em alguns anos as alterações intelectuais, mas representam as características diferenciais desse tipo de demência. Os testes neuropsicológicos de triagem, como o MEEM, podem estar normais no início da doença 26, porém variam com a severidade da demência. Memória: os pacientes com DFT são tipicamente bem orientados no tempo e espaço, sendo capazes de fornecer informações; entretanto, desempenham-se mal nos testes formais de memória. Essa dissociação pode representar uma falha de estratégia na utilização da memória, mais até que uma dificuldade em adquirir e reter informações 27. Linguagem: segundo os critérios clínicos e neuropatológicos das DFT 28 , os distúrbios de linguagem caracterizam-se pela progressiva redução da fala (falta de espontaneidade e economia na forma de falar), estereotipia da fala (repetição de repertório limitado de palavras, frases e temas), ecolalia e perseveração, e mais tardiamente, mutismo. Demais áreas cognitivas: outras características que diferenciam DFT são o déficit de iniciação, atingir objetivos e planejamento (funções executivas), em fases mais tardias da doença. Outras alterações como apraxia e funções visuoespaciais não são comprometidas com freqüência 29. DOENÇA DE HUNTINGTON A doença de Huntington (DH) é uma doença neurodegenerativa autossômica dominante, caracterizada por movimentos anormais, demência e alterações psiquiátricas. O quadro demencial tem características psiquiátricas predominantes, incluindo delírios, depressão e mania. As alterações cognitivas colocam a DH em um grupo de demências também chamadas de “demências subcorticais”, junto com a doença de Parkinson, a paralisia supranuclear progressiva e a doença de Wilson; aqui, sintomas como afasia, apraxia e agnosia, marcadamente de envolvimento cortical, não são vistos com freqüência30. Memória: está comprometida e aparece precocemente na evolução da doença, apresentando dificuldade em se lembrar de fatos e eventos públicos, assim como em testes de evocação (memória explícita); entretanto, parece haver mais um déficit em processar informações e uma falha na estratégia de evocação do que aquisição e consolidação da memória como ocorre na DA. Nos testes de aprendizado motor e de pré-ativação léxica (priming), que avaliam memória implícita, os indivíduos com DH têm desempenho normal no teste de priming, e prejuízo no teste de perseguição motora (oposto ao que acontece em DA)14. Demais áreas cognitivas: a linguagem não tem comprometimento tão importante como nas demências corticais, mas parece haver discussão entre os autores 31, com os trabalhos demonstrando comprometimento em alguns testes que precisam de um acesso eficiente a reserva léxica (WAIS-R vocabulary subtest, teste de nomeação de Boston e fluência verbal). O comprometimento de funções visuoespaciais é marcante em DH, como na cópia da figura complexa de Rey-Osterrieth e teste de orientação espacial (Standardized road map test of directional sense), relacionando-os a uma percepção anormal do espaço pessoal30. OKAMOTO, I.H. & BERTOLUCCI, P.H.F. – Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Rev. Neurociências 6(3): 119-125, 1998 123 DOENÇA DE PARKINSON A doença de Parkinson (DP) é a causa mais comum de demência associada com alterações extrapiramidais. Em um estudo, mais de 65% dos pacientes com DP desenvolveram demência aos 85 anos 31. Na DP com demência, também ocorre alteração de memória, dificuldade em manter atenção, porém as alterações cognitivas corticais não são muito evidentes, como afasia e apraxia, pelo menos em estágios iniciais da doença. Memória: em geral os trabalhos sugerem um comprometimento de memória com capacidade preservada em registrar, armazenar e consolidar informações, porém com dificuldade em utilizar adequadamente essas informações. Os testes para avaliar a memória primária (working memory) parecem estar comprometidos devido ao déficit de atenção dos pacientes com DP, ou dependem dos recursos de atenção solicitados em cada teste32. A memória explícita (declarativa) está preservada para testes de reconhecimento com estímulo verbal e visuoespacial33,34, porém podem estar comprometidos quando os testes implicam organizar a informação mentalmente, escolher e organizar de forma ativa a resposta, principalmente quando o material a ser aprendido não está semanticamente organizado (lista de palavras, Rey Auditory Verbal Learning Test, teste de evocação seletiva de Buschke)32. A memória implícita, abrangendo aprendizado procedural e priming léxico, parece estar comprometida nos pacientes demenciados com DP, porém estaria preservada nos não-demenciados com DP14. Linguagem: são freqüentes as alterações de fala, tornando-se monótona, com diminuição do uso de parâmetros vocais para demonstrar ênfase e alteração. A articulação é imprecisa, por vezes caracterizando uma disartria hipocinética. Outro fenômeno que ocorre é a aceleração do ritmo de fala (taquifemia), e menos freqüentemente a repetição compulsiva de palavras e frases (palilalia). Há ainda uma diminuição na velocidade do movimento articulatório, e possivelmente uma alteração no planejamento da fala, assim como ocorre em outras partes do corpo; entretanto, a taxa de deterioração da fala nem sempre acompanha as alterações motoras (bradicinesia)35. Demais áreas cognitivas: há comprometimento no desempenho de testes visuoespaciais, quer por alteração visuomotora, quer por alteração visuoperceptual, podendo estar relacionadas a um comprometimento de representação interna. Testes de função executiva (Wisconsin card sorting test, teste das trilhas B, teste de Stroop, fluência verbal, torre de Hanói e variantes) estão prejudicados nos pacientes com DP32. PARALISIA SUPRANUCLEAR PROGRESSIVA (SÍNDROME DE STEELE-RICHARDSON-OLSZEWSKI) A paralisia supranuclear progressiva (PSP) é uma doença progressiva, crônica, caracterizada por rigidez extrapiramidal, distonia axial, labilidade pseudobulbar de afeto, dificuldade de deglutição, dificuldade severa de marcha, oftalmoplegia supranuclear e demência. O quadro demencial não é um critério necessário para o diagnóstico, entretanto ocorre em 60% a 80 % dos pacientes com PSP. O comprometimento cognitivo da PSP pode ser atribuído a alterações subcorticais, como esquecimento, lentificação do pensamento, mudanças de personalidade mais do que afasia, agnosia ou alterações visuoespaciais, e as alterações são similares, porém mais severas que na DP36. Particularmente, os indivíduos com PSP apresentam alterações em testes que solicitam movimentos seqüenciais e mudança de conceito, e outros testes de função de lobo frontal. Além desses, testes de procura visual, fluência verbal, span de dígitos, memória verbal e memória lógica podem estar comprometidos na PSP37. GLIOSE SUBCORTICAL PROGRESSIVA A gliose subcortical progressiva (GSP) é uma doença neurodegenerativa rara, freqüentemente familiar, com início na quarta até sexta décadas. O curso é progressivo por 5 a 30 anos. Inicialmente, é caracterizada por mudanças emocionais, de personalidade e psiquiátricas, com delírios, paranóia, alucinações auditivas, depressão, idéias suicidas, perda de julgamento e comportamento social. Mais tarde, as mudanças cognitivas tornam-se evidentes, afetando memória, raciocínio e percepção visual, não podendo ser distinguidas clinicamente da doença de Pick. Achados neurológicos focais não fazem parte da síndrome, porém mutismo pode ocorrer em fases tardias da doença. O exame microscópico mostra intensa astrogliose da substância branca subcortical, principalmente na junção córtico-subcortical37. COMPLEXO ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA – DEMÊNCIA Esta doença tem sido descrita no Japão e em países do Oriente, como um quadro de demência leve a moderada associado com amiotrofia. Na maioria dos casos, as mudanças de personalidade iniciam o quadro38. A demência é descrita com comprometimento de funções OKAMOTO, I.H. & BERTOLUCCI, P.H.F. – Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Rev. Neurociências 6(3): 119-125, 1998 124 fronto-temporais, por vezes não sendo possível distinguir das alterações cognitivas encontradas na doença de Pick39. 8. 9. EPILEPSIA MIOCLÔNICA PROGRESSIVA A epilepsia mioclônica progressiva (EMP) abrange um grupo de doenças caracterizadas por mioclonias espontâneas e de ação, crises generalizadas, por vezes ataxia, e variáveis níveis de comprometimento intelectual40. Alguns autores colocam a DA de início precoce como causa de EMP41. 10. 11. 12. 13. SUMMARY Neuropsychological examination in the differential diagnosis of primary dementias Primary degeneration of the Central Nervous System is the main cause of dementia. Neuropsychological examination may be helpful not only in stablishing the etiology, but also the level of cognitive deficits. Most of the so called primary dementia cases are due to Alzheimer’s disease, in wich the first disturbances are in explicit episodic memory, at a time when other functions are largely spared. Other causes of dementia, like fronto-temporal dementia and Lewy body disease show disturbance in executive functions. In Huntington’s disease there is an early disturbance of explicit memory with slowing of information processing. Though some patterns can be identified (eg slowing of processing and difficulty in shifting strategies in subcortical dementias), other causes of dementia do not have specific changes at the neuropsychological examination. 14. 15. 16. 17. 18. KEY WORDS Primary dementias, diagnosis, neuropsychological examination. 19. 20. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Evans D.A.; Funkenstein H.H; Albert M.S; et al. Prevalence of Alzheimer’s disease in a community population of older persons: higher than previously reported. JAMA, 262:25512556, 1989. Kokmen E.; Beard C.M.; Offord K.P. and Kur land L.T. Prevalence of medically diagnosed dementia in a defined US population: Rochester, Minnesota. Neurology, 39:773-776, 1989. Corey-Bloom J. The diagnosis and evaluation of dementia. In Dementia Update. American Academy of Neurology — 48 th Annual Meeting — San Francisco 441:1-19,1996. Mayeux R.; Foster N.L.; Rossor M.; Whitehouse P.J. The clinical evaluation of patients with dementia. In: Dementia. Whitehouse PJ, ed. Contemporar y neurology ser ies. Philadelphia: F.A. Davis, 4:92-129, 1993. Becker J.T.; Boller F.; Lopez O.L.; Saxton J.; McGonigle K.L. The natural history of Alzheimer’s disease. Arch Neurol, 51:585-594, 1994. Erkinjuntti T.; Haltiam, Palo J.; et al. Accuracity of the clinical diagnosis of vascular dementia: a prospective clinical and post-mortem neuropatological study. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 51:1037-1044, 1988. Folstein M.F.; Folstein S.E.; McHugh P.R. “Mini- Mental State“: a practical method of granding the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatric Res, 12:189-198, 1975. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. Blessed G.; Tomlinson B.E. and Roth M. The association between quantitative measures of dementia and ofsenile change in the grey matter of elderly subjects. Br J Psychiatry, 114:797-811, 1968. Brucki, S.M.D. Avaliação do desempenho no Mini-Exame do Estado Mental em pacientes de um hospital geral. São Paulo, 1993, Tese de Mestrado, Escola Paulista de Medicina. Almkivist O. Neuropsychological features of early Alzheimer Disease preclinical and clinical stages. Acta Neurol Scand, 165(suppl.):63-71, 1996. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical manual of Mental Disorders, 4th ed. (DSM-IV). Washington: American Psychiatric Association, 1994. Damasio A.R.; Tranel D.; Damasio H. Amnesia caused by herpes simplex encephalitis, infarctions in basal forebrain, Alzheimer’s disease and anoxia/ischemia. In: Handbook of Neuropsychology, Vol. 3. C F. Boller e J. Grafman (eds.). Elsevier Science publisers B.V. Amsterdam, 6:149-166, 1991. Eslinger P.J.; Damasio A.R. Preserved motor learning in Alzheimer’s disease: implications for anatomy and behavior. J Neurosci, 6:3006-3009, 1986. Heindel WC, Salmon DP; Schults C.W.; et al. Neuropsychological evidence for multiple implicity memory systems: a comparison of Alzheimer’s, Huntington’s, an Parkinson’s disease patients. J Neurosci, 9:582-587, 1989. Shimamura A.P.; Salmon D.P.; Squire L.R.; Butters N. Memory dysfunction and word priming in dementia and amnesia. Behav Neurosci, 101:347-351, 1987. Salmon D P. Shimamura Ap, Butters N. Lexical and semantic deficits in patients with A.D. J Clin Exp Neuropsychol, 10:477494, 1988. Bondi M.W.; Kasniak A.W. Implicit and explicit memory in AD and PD. J Clin Exp Neuropsychol, 13:339-358, 1991. Heindel W.C.; Butters N.; Salmon D.P. Impaired learning of a motor skill in patients with Huntington’s disease. Behav Neurosci, 102:141-147, 1988. Rosen W.G. Verbal fluency in aging and dementia. J Clin Neuropsychol, 2:135-140, 1980. Huff F.J. Language in normal aging and age — related neurological diseases. In: Handbook of neuropsychology, vol. 4 C. F. Boller e J. Grafman (eds.). Elsevier Science publisers B.V. Amsterdam, 12:251-264, 1990. Kertesz A.; Mohs C. Cognition. In: Clinical diagnoses and management of Alzheimer’s disease. S. Gautier (ed.). Martin Dunitz. London, 10:155-174, 1996. Cronin-Golomb A., Corkin S., Rosen T.J. Neuropsychological assessment of dementia In: Dementia. Whitehouse PJ, ed. Contemporary neurology series. Philadelphia: FA Davis, 5:130-164, 1993. Lines C.R.; Dawson C.; Preston G.C.; et al. Memory and attention in patients with senile dementia of AD type and in normal elderly subjects. J Clin Neuropsychol, 13:691-702, 1991. Mackeith I.G.; Galasko D.; Kosaka K.; et al. Consensus guidelines for the clinical and pathologic diagnosis of dementia with Lewy bodies (DLB): report of the consortium on DLB international workshop. Neurology, 47:1113-1124, 1996. Mackeith I.G.; Fairbairn A.F.; Bothwell R.A.; et al. An evaluation of the predictive validity and inter-rater reliability of clinical diagnostic criteria for senile dementia of Lewy body type. Neurology, 44:872-877, 1994. Geldmacher D.S.; Whitehouse Jr. P.J. Diferential diagnosis of Alzheimer’s disease. Neurology, 48(suppl.): S2-S9, 1997. Neary D.; Snowden J.S.; Northen B.; Goulding P. Dementia of frontal lobe type. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 51: 353361, 1988. OKAMOTO, I.H. & BERTOLUCCI, P.H.F. – Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Rev. Neurociências 6(3): 119-125, 1998 125 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. Lund and Manchester groups. Clinical and neuropathological criteria for frontotemporal dementia. J Neurol Neurosurg Psychiatriy, 57: 416-418, 1994. Geldmacher D.S.; Whitehouse Jr. P.J. Evaluation of dementia. New Eng J of Medicine, 335: 330-336, 1996. Brandt J. Cognitive impairments in Huntington’s disease: insights into the neuropsychology of the striatum. In: Handbook of Neuropsychology, Vol. 5. C. F. Boller e J. Grafman (eds.). Elsevier Science publisers B.V. Amsterdam. 1991. 11: 241-264. Mayeux R.; Chen J.; Mirabello E.; et al. An estimate of the incidence of dementia in Parkinson’s disease. Neurology, 40:1513-1516, 1990. Dubois B.; Boller F.; Pillon B. et al. Cognitive deficits in Parkinson’s disease. In: Handbook of Neuropsychology, Vol 5. Boller F. e Grafman (eds.) Elsevier Science Publishers B.V. Amsterdam, 10:195-240, 1991. El Awar M.; Becker J.T.; Hammond K.M.; et al. Learning deficits in Parkinson’s disease: comparative with Alzheimer’s disease and normal aging. Arch Neurol, 44:180-184, 1987. Taylor A.E.; Saint-Cyr J.A.; Lang A.E. Frontal lobe dysfunction in Parkinson’s disease. Brain, 109:845-883, 1986. Critchley EMR. Speech disorders of parkinsonism: a review. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 44:751-758, 1981. Maher E.R.; Lees A.J. The clinical features and natural history of the Steele-Richardson-Olszewski syndrome. Neurology, 36:1005-1008, 1986. 37. 38. 39. 40. 41. Civil R.H.; Whitehouse P.J.; Lanska D.J.; et al. Degenerative dementias. In: Dementia. Whitehouse PJ, ed. Contemporary neurology series. Philadelphia: FA Davis, 6:167-214, 1993. Morita K.; Halya H.; Ikeda T.; Namba M. Presenile dementia combined with amyotrophy: A review of 34 Japanese cases. Arc Gerontol Geriatrics, 6:263-277, 1987. Montgomer y G.K.; Erickison L.M. Neuropsychological perspectives in amyotrofic lateral sclerosis. Neurol Clin, 5:6181, 1987. Marseille Consensus Group. Classification of progressive myoclonus epilepsies and related disorders. Ann Neurol, 28:113-116, 1990. Melanson M.; Nalbantoglu J.; Berkovic S.; et al. Progressive myoclonus epilepsy in young adults with neuropathologic features of Alzheimer´s disease. Neurology, 49:1732-1733, 1997. Endereço para correspondência: Ivan Hideyo Okamoto Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina – Disciplina de Neurologia Setor de Neurologia do Comportamento Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] OKAMOTO, I.H. & BERTOLUCCI, P.H.F. – Exame Neuropsicológico no Diagnóstico Diferencial das Demências Primárias Rev. Neurociências 6(3): 119-125, 1998 126 ARTIGO Hidroterapia Márcia Cristina Bauer Cunha* Rita Helena Duarte Dias Labronici** Acary de Souza Bulle Oliveira*** Alberto Alain Gabbai**** RESUMO Os autores realizam uma revisão histórica evolutiva da hidroterapia como método alternativo para tratamento de pessoas com limitação física. Esta é uma forma antiga de tratamento que passou por várias fases de aceitação e credibilidade. Atualmente, a hidroterapia tem recebido grande prestígio, especialmente na reabilitação de pacientes portadores de doenças neurológicas, relacionada particularmente com a introdução de métodos modernos como o Bad Ragaz, Halliwick e Watsu. UNITERMOS Hidroterapia, reabilitação. INTRODUÇÃO A hidroterapia originada das palavras gregas hydro (de hydor, hydatos = água) e therapéia (tratamento) tem apresentado grande prestígio como forma alternativa de tratamento para pacientes portadores de deficiência física, incluindo-se aqueles com doenças neurológicas. Entretanto, este não é um método novo. Por uma análise histórica verificamos que o tratamento por meio da água passou por várias fases, alternando entre o modismo e o esquecimento. O nosso objetivo é o de realizar uma avaliação histórica, e desse modo apresentar as técnicas mais modernas de terapia, sem dúvida responsáveis pelo seu prestígio atual. HISTÓRICO A origem do uso da água como forma de terapêutica * Fisioterapeuta, Mestre em Neurociências, Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. ** Fisioterapeuta, Mestre em Neurociências, Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. *** Doutor em Neurologia, Chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. **** Professor Titular da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Em muitas culturas o uso da água foi relacionado ao misticismo e às religiões. O uso da hidroterapia como forma terapêutica data de 2400 a.C. pela cultura proto-indiana que fazia instalações higiênicas1,2. Era sabido que anteriormente, egípcios, assírios e muçulmanos usavam a água com propostas curativas1,3. Há também documentação de que os hindus em 1500 a.C. usavam a água para combater a febre1,3. Arquivos históricos constam que civilizações japonesas e chinesas antigas faziam menções de culto (adoração) para a água corrente e faziam banhos de imersão por grandes períodos 1,3 . Homero mencionou o uso da água para tratamento da fadiga, como cura de doenças e combate da melancolia1,3,4. Na Inglaterra, as águas de Bath foram usadas anteriormente a 800 a.C. com propostas curativas3. A era da água curativa — 500 a.C. até 300 a.C. Em 500 a.C., a civilização grega deixou de ver a água como um ponto místico e começou a usá-la para tratamento físico específico1,2. Escolas de CUNHA, M.C.B.; LABRONINI, R.H.D.D.; OLIVEIRA, A.S.B. & GABBAI, A.A. – Hidroterapia Rev. Neurociências 6(3): 126-130, 1998 127 medicina apareceram próximas a nascentes2. Hipócrates (460-375 a.C.) usou a imersão em água quente e fria para tratar muitas doenças, incluindo espasmos musculares e doenças reumáticas3,5. Recomendava ainda a hidroterapia para o tratamento de outras doenças incluindo icterícia, paralisias e reumatismo2. Os lacedônios criaram em 334 a.C. o primeiro sistema público de banhos que se tornou parte integrante das atividades sociais3. A civilização grega foi a primeira a reconhecer esses banhos, desenvolvendo centros perto de nascentes naturais e rios e observando a relação entre os benefícios para o corpo e a mente, pelos banhos e recreação1,4. Uso da água durante o Império Romano Mais adiante, o Império Romano expandiu o sistema de banho desenvolvido pelos gregos 1 . Os romanos destacaram-se por sua habilidade na arquitetura e construção. Como no sistema grego, os banhos romanos foram originalmente usados por atletas e tinham por objetivo higiene e prevenção das doenças2. O sistema romano envolvia uma série de banhos com diferentes temperaturas: muito quente “caudarium”, água morna “tepidarium” e muito fria “frigidarium”5. Muitos desses banhos eram elaborados e realizados em grandes áreas. Os banhos do imperador Caracalla6 cobriam uma milha quadrada com uma piscina que media 1.390 pés3. Os banhos começaram a ser usados por mais pessoas e não somente por atletas. Os spa (“special public assistance”) tornaram-se centros de saúde, higiene, descanso para intelectuais, locais para exercícios e recreação1. Por volta de 330 d.C., a primeira proposta dos banhos romanos foi a cura e tratamento de doenças reumáticas, paralisias e lesões1. Entretanto, o primeiro modo foi o da terapia em “tanques de água”7, consistindo em sentar dentro do tanque e permanecer submerso sem se movimentar. Uso da água durante o declínio do Império Romano e Idade Média Com o declínio do Império Romano a natureza higiênica dos banhos romanos começou a deteriorar-se. Houve então a proibição do uso de banhos públicos pelo Cristianismo, havendo um declínio no uso do sistemas de banhos romanos 1. Esses banhos elaborados foram desaparecendo com o decorrer das décadas e por volta de 500 d.C., eles deixaram de existir3. A influência da religião durante a Idade Média conduziu para um novo declínio no uso dos banhos públicos e da água como forma curativa. O Cristianismo nesse período via o uso de forças físicas incluindo-se a água como um ato pagão1,3. Essa atitude pública persistiu até o século XV, quando ressurgiu o interesse pelo uso da água como um meio curativo1. Uso da água durante 1600-1700 No séculos XVII e XVIII banhos com propostas higiênicas não eram aceitos na prática. Entretanto, o uso terapêutico da água começou a ressurgir gradualmente. Em 1700, um físico alemão, Sigmund Hahn, e seus filhos usaram a água para “dores nas pernas e comichão” e outros problemas médicos 2 . A disciplina médica começou a se referir a “hidroterapia” e foi então definida por Wyman e Glazer como aplicação externa da água para tratamento de qualquer forma de doença9. Alguns físicos na Inglaterra, França, Alemanha e Itália promoveram aplicações internas, (que consistia em beber as águas) e externas (por meio de banhos e compressas quentes e frias) para tratamento de várias doenças4. Baruch10 creditou à Grã-Bretanha o berço do nascimento da hidroterapia científica, com a publicação do Sr. John Floyer, em 1697, com o tratado: “An Inquiry into the Right Use and Abuse of Hot, Cold and Temperature Bath”. Floyer dedicou muito da sua vida ao estudo da hidroterapia. Baruch acreditava que o tratado de Floyer influenciou o professor Frederich Hoffmann da Universidade de Heidelberg para incluir as doutrinas de Floyer em suas aulas. De Heidelberg esses ensinamentos foram levados para a França10. Depois disso, o Dr. Currie, de Liverpool, Inglaterra, escreveu trabalhos relatando sobre a hidroterapia, fornecendo-lhe uma base científica pelos seus experimentos2. Esses trabalhos foram traduzidos em várias línguas9,10. Embora os trabalhos de Currie não fossem bem aceitos na Inglaterra, eles foram bem valorizados na Alemanha9. John Wesley, o fundador do Metodismo, publicou um livro em 1747 titulado “An Easy and Natural way of Curing Most Diseases”. Este livro falava sobre o uso da água como uma forma de cura1,3 . Os escandinavos e russos popularizaram o uso de banhos frios após os banhos quentes. Os banhos quentes com vapor precedidos por banhos frios tornaram-se um tradição e foram populares por muitas gerações3. Ressurgimento da água como cura em 1800 O uso da hidroterapia neste ponto da história prosseguiu com técnicas de tratamento que incluíam lençóis, CUNHA, M.C.B.; LABRONINI, R.H.D.D.; OLIVEIRA, A.S.B. & GABBAI, A.A. – Hidroterapia Rev. Neurociências 6(3): 126-130, 1998 128 compressas, fricção fria, banhos sedativos, banhos de rede (“hammock”) e de dióxido de carbono10. Em 1830, um silesiano, Vicent Priessnitz, desenvolveu programas de tratamento e usava primariamente banhos ao ar livre1,5. Esses tratamentos consistiam de banhos frios, banhos de chuveiro e bandagens 3,11. Pelo fato do Sr. Priessnitz não possuir nenhuma credibilidade médica, ele não foi visto favoravelmente por todos os físicos dessa época. A comunidade científica desacreditou-o de seus programas de tratamento e viam-no como um empírico 1. Esses empíricos eram chamados “Naturarezie” (Naturopatas)3. Alguns “hidroterapeutas”, nessa época, viajaram para a Silésia para aprenderem as técnicas desenvolvidas por Priessnitz 2. Durante esse tempo, Sebastian Kniepp (1821-1897), um bavário, modificou as técnicas de tratamento de Priessnitz alternando as aplicações frias com mornas e depois banhos quentes parciais, ou seja, imergir parte do corpo em tanques ou piscinas de diferentes temperaturas 1,3,11. Os tratamentos da água de Kniepp também consistiam em molhar o corpo com duchas e banhos de chuveiro em diferentes temperaturas com finalidades curativas 2 . A “Kniepp Cure” tornou-se popular na Alemanha, no Norte da Itália, Holanda e França e é utilizada até hoje 11. Winterwitz (1834-1912), um professor austríaco, foi o fundador da Escola de Hidroterapia e Centro de Pesquisa em Viena; ele é lembrado como um dos mais devotos profissionais no estudo da prática da hidroterapia, também chamada “hybratics”. Seu instituto ficou conhecido como “Instituto de Hidroterapia”. Ele foi inspirado nos trabalhos de Priessnitz e Currie que observaram as reações dos tecidos na água em várias temperaturas 5,9. Os estudos de Winterwitz encontraram os fundamentos da hidroterapia e estabilizaram bases fisiológicas da hidroterapia 1,9. Alguns dos alunos de Winterwitz, particularmente Kelogg, Buxbaum e Strasser, contribuíram significantemente para o estudo dos efeitos fisiológicos de aplicações de calor e frio, a termorregulação do corpo humano e a hidroterapia clínica 2. Um dos primeiros americanos a se dedicar à pesquisa sobre hidroterapia foi o Dr. Simon Baruch. Ele viajou para a Europa para estudar com o Dr. Winterwitz e para conversar com aqueles que eram considerados empíricos, como Prieissnitz3. Em seu livro “An Epitome of Hydrotherapy”, Baruch10 discutiu os princípios e métodos do uso da água como tratamento de várias doenças como febre tifóide, gripe, insolação, tuberculose, neurastenia, reumatismo crônico, gota e neurite. Baruch também publicou dois outros livros em 1893: “The Uses of Water in Modern Medicine” e “The Principles and Practice of Hydrotherapy”3. Ele foi o primeiro professor da Columbia University de Nova Iorque (EUA) a ensinar hidroterapia. Desenvolvimento de Spa e hidroterapia nos EUA no século XVIII Spa é um local que é construído numa nascente natural e circundado por beleza natural12. O mais antigo dos EUA foi Berkely Springs, West Virginia, conhecido em 1761 como Warm Springs 6. Muitas pessoas que sofriam de reumatismo visitaram esse lugar em que as águas eram ditas curativas. Posteriormente esse spa se tornou um grande hotel para 2.000 pessoas6. O mais famoso spa dos Estados Unidos foi o Saratoga Springs em Nova Iorque. Em 1792, as águas do spa Saratoga foram consideradas como medicinais, e em 1794 foi construída uma estrutura com casa de banhos e chuveiros para o uso de pessoas com deficiência física 6. Spa e hidroterapia no século XIX Em 1830 foi construída a primeira casa de banho em Hot Springs, Arkansas 6. A classe média tinha como objetivo o turismo e a parte social mais do que a terapêutica. Nos Estados Unidos, escolas médicas começaram a ensinar os conceitos de hidroterapia. Cada spa tinha um físico que, geralmente, era o proprietário6. Na América, os spa com objetivos de recreação e interação social eram conduzidos em conjunto com a hidroterapia. Logo após a guerra civil, houve um aumento transitório do número de spa nos Estados Unidos. Embora houvesse valor curativo e muitos físicos continuassem mantendo o interesse pelo valor da hidrologia médica, no final do século XIX, houve um declínio dos spa. Spa no século XX Baruch foi considerado o melhor especialista em hidroterapia nos Estados Unidos. Em 1907 ele ocupou a primeira cadeira de hidroterapia na Columbia University6. Embora a hidroterapia não fosse considerada tão importante, Baruch continuou os seus estudos até 19306. Houve então um declínio da hidroterapia que Baruch atribuiu à comunidade médica que consentia com a realização de terapias sendo executadas por pessoas não treinadas como “massagistas”. Em 1937, o presidente do Congresso Americano de Fisioterapia criou um comitê para estudar as causas do declínio dos spa nos Estados Unidos6. CUNHA, M.C.B.; LABRONINI, R.H.D.D.; OLIVEIRA, A.S.B. & GABBAI, A.A. – Hidroterapia Rev. Neurociências 6(3): 126-130, 1998 129 História moderna da hidroterapia na Europa Durante o século XIX as propriedades da flutuação começaram a ser estudadas para realizar exercícios em pacientes na água. Para Basmajian13 a finalidade dos spa europeus era a de começar a tratar distúrbios “locomotores” e reumáticos. Em 1898, o conceito de hidroginástica foi introduzido por Leydeen e Goldwater 1,3 que incluíam a realização de exercícios na água que serviram como precursores do conceito de reabilitação aquática. A hidroginástica implicava realização de exercícios na água, sendo estes realizados por um profissional da saúde. Em 1928, o físico Water Blount descreveu o uso de um grande tanque com um redemoinho em que estava incluso um motor para ativar os jatos d’água6. Este se tornou conhecido como “tanque de Hubbard”. O tanque de Hubbard foi utilizado inicialmente para realizar exercícios na água 6 . Este auxiliava e assistia no desenvolvimento dos programas de exercícios na piscina. Durante a primeira metade do século, na Europa, os tratamentos foram baseados em duas técnicas: Bad Ragaz e Halliwick. Mais tarde foi apresentada uma técnica adaptada denominada Watsu. Hidroterapia no Brasil No Brasil, a hidroterapia científica teve seu início na Santa Casa do Rio de Janeiro, com banhos de água doce e salgada, com Artur Silva, em 1922, que comemorou o centenário do Serviço de Fisiatria Hospitalar, um dos mais antigos do mundo sob orientação médica. No tempo em que a entrada principal da Santa Casa era banhada pelo mar, eles tinham banhos salgados, aspirados do mar, e banhos doces, com a água da cidade14. MÉTODOS UTILIZADOS num plano horizontal. O paciente era auxiliado com flutuadores (anéis) no pescoço, quadril e tornozelos, e por isso a técnica ficou conhecida como “método dos anéis”. As técnicas do “Bad Ragaz” foram passadas de terapeuta para terapeuta, mas só foram publicadas em 1970, em alemão, por Beatrice Egger que desenvolveu a técnica de facilitação proprioceptiva neuromuscular, aplicada por Bridget Davis14. A língua foi um dos obstáculos para muitos fisioterapeutas americanos que começaram a ouvir sobre o “método dos anéis” nos Estados Unidos. Toda a documentação dessas técnicas e os cursos realizados deram-se na Alemanha. Hoje há dois livros em inglês que documentam as técnicas do método Bad Ragaz5,12. As técnicas modernas do Bad Ragaz incorporaram as de movimento com planos diretos e padrões diagonais com resistência e estabilização realizadas pelo fisioterapeuta12. Foram utilizados exercícios com o paciente posicionado horizontalmente, com auxílio de flutuadores, ou estabilizado na borda da piscina15. As técnicas consistiam em: redução do tônus, treino de marcha, estabilização do tronco e exercícios ativos e resistidos8,12. Estas foram utilizadas em pacientes com problemas ortopédicos e neurológicos. Halliwick Foi desenvolvido por James McMillan em 1949 na Halliwick School for Girls em Southgate, Londres16. A proposta inicial foi a de auxiliar pessoas com problemas físicos a tornarem-se mais independentes para nadar16. A ênfase inicial do método era recreativa com o objetivo de independência na água. Com o decorrer dos anos, McMillan manteve a sua proposta original e adicionou outras técnicas a esse método. Mais recentemente, essas técnicas têm sido usadas por muitos terapeutas para tratar crianças e adultos com enfermidades neurológicas, na Europa e Estados Unidos. O método Halliwick enfatiza as habilidades dos pacientes na água e não suas inabilidades16. Bad Ragaz Bad Ragaz é uma cidade na Suíça que foi construída ao redor de um spa de águas termais. As águas desse spa alimentavam três modernas piscinas, que começaram a ser utilizadas para exercícios em 193015. Em 1957 o Dr. Knupfer desenvolveu, na Alemanha, a técnica original do método “Bad Ragaz”, que foi trazida para a cidade de Bad Ragaz por Nele Ipsen15. A proposta inicial dessa técnica foi a de promover a estabilização do tronco e extremidades, e também trabalhar com exercícios resistidos. Os exercícios foram primeiramente executados Watsu Watsu ou “água Shiatsu” foi criado em 1980 quando o autor, Harold Dull, começou a flutuar pessoas numa piscina de água quente, aplicando alongamentos e movimentos do “Zen Shiatsu”. O “Zen Shiatsu” é um método que se originou no Harbin Hot Springs e que foi estudado por Harold Dull no Japão, seguindo os ensinamentos de Shizuto Masunaga. Esse método foi considerado mais eclético e criativo que as formas tradicionais do Shiatsu, que utilizava estritamente pontos CUNHA, M.C.B.; LABRONINI, R.H.D.D.; OLIVEIRA, A.S.B. & GABBAI, A.A. – Hidroterapia Rev. Neurociências 6(3): 126-130, 1998 130 específicos. São utilizados alongamentos passivos, mobilização das articulações e relaxamento, assim como pressão em pontos de acupuntura para balancear a energia dos meridianos18. Zen Shiatsu e Watsu utilizaram muitos termos e conceitos alheios à medicina ocidental. Também a filosofia oriental adotou a relação de integração corpomente, que não era utilizada no conceito tradicional de reabilitação aquática. Watsu foi criado como uma forma de massagem na água e era utilizada para qualquer pessoa. Entretanto, os terapeutas que realizam reabilitação aquática têm usado essa técnica para pacientes com doenças neuromusculares e músculo-esqueléticas, sem muito sucesso. No Watsu o paciente permanece flutuando e a partir dessa postura são realizados alongamentos e rotações do tronco, que auxiliam para o relaxamento profundo, vindo por meio do suporte da água e dos movimentos rítmicos dos batimentos cardíacos. De acordo com Morris 16, Watsu pode ser descrita como uma reeducação muscular dirigida que utiliza basicamente alongamentos. Essa técnica deverá ser realizada com cautela pois se não for realizada de forma correta poderá causar danos específicos como estiramentos musculares e lesões articulares. SUMMARY Hydrotherapy This an historical overview of hydrotherapy used as a method of treatment for motor disabilities. Hydrotherapy passed along the centuries though phases different of acceptance and credibility. Nowadays hydrotherapy is accepted, specially for the rehabilitation of patients with neurological diseases. The modern methods used are: Bad Ragaz, Halliwick and Watsu. KEY WORDS Hydrotherapy, rehabilitation. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. HIDROTERAPIA NA UNIFESP – EPM Considerando-se a hidroterapia uma forma de terapia que pode ser realizada em piscina aquecida (temperatura entre 28° e 33° C), ou até mesmo em piscina não aquecida, com grande potencialidade na recuperação de pacientes portadores de distúrbios neurológicos, instituímos essa forma de tratamento na UNIFESP — EPM, em 1987. Inicialmente, os nossos pacientes foram tratados na piscina aquecida na UNICID (Universidade Cidade de São Paulo — Clínica de Fisioterapia) e, posteriormente, na UNIBAN (Universidade Bandeirantes – Clínica de Fisioterapia). Mais recentemente, em especial no período do verão, temos utilizado a piscina não aquecida do Centro Olímpico do Ibirapuera em um programa de reabilitação de pacientes portadores dos mais diversos problemas neurológicos. A técnica utilizada, mais freqüentemente, é o método Halliwick. Temos observado, durante esses anos de trabalho, que a hidroterapia proporciona relaxamento, auxilia no fortalecimento muscular, proporciona liberdade de movimentos, melhorando a própria imagem e o desenvolvimento da independência. Não temos dúvida de que ela tem grande importância como método terapêutico auxiliar para os portadores de doenças neurológicas, por exemplo as neuromusculares. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. Baruch, S. An Epitome of Hydrotherapy. Philadelphia, Pa: WB Saunders; 1920: 45-99, 151-198. Lianza, S. Medicina de Reabilitação. Ed Guanabara, Rio de Janeiro; 1985. Finnery, GB & Corbitt, T. Hydrotherapy. New York, NY: Frederich Ungar Publishing CO; 1960;1-4. Martin, J. The Halliwick method. Physiotherapy, 67:288, 1981. Skinner, AT & Thomson, AM. Duffields Exercise in Water. 3. ed. London, England: Bailliere Tindall; 1983: 1-3. Krizek, V. History of balneotherapy. In: Licht S, ed. Medical Hydrology. Baltimore, Md: Waverly Press; 1963:132, 134-135, 140-145, 147-149. Haralson, KM. Therapeutic pool program. Clinical Management, 5:10-13, 1985. Johnson, C & Garret, G.Taking the plung.Team Rehab Report, 5:15-17, 1994. Wyman, JF.& Glazer, O. Hydrotherapy in Medical Physics. Chicago, III: Year Book Publisher; 1944: 619. Becker, B.E. & Cole, A.J.. Comprehensive Aquatic Therapy. Oxford, England: Butterworth-Heineimann, 1997. Davis, B & Harrison, RA. Hydrotherapy in Practice. New York, NY: Churchill Livingstone; 1988: 171-177. Cinningham, J. Applying Bad Ragaz method to the orthopedic client. Orthopedic Physical Therapy Clinics in North America. June, 251-260, 1994. Basmajian, JV. Therapeutic Exercise. 3. ed. Baltimore, Md: Wiliiams & Wilkins; 1978: 275. Lowan, C. Therapeutic use of Pools and Tanks. Philadelphia, Pa: WB Saunders: 1952. Campion, Mr. Adult hydrotherapy: A practical approach. Oxford, England: Heinem Medical Books; 1990: 4 e 5, 199239. Morris, DM. Aquatic rehabilitation for the treatment of neurological disorders, Journal of Back and Musculoeskeletal. Rehabilitation, 4:297-308, 1994. Grosse, SJ & Gildersleeve, LA. The Halliwick Method. Milwaukee Public Schools, 1984:1. Dull, H. Freeing the Body in Water. Middle-town, Calif: Harbin Springs Publishing; 1993. Roberts, P. Hydrotherapy: Its History, Theory, and Practice in Occupational Health. May 1981: 235-244. Endereço para correspondência: Márcia Cristina Bauer Cunha Disciplina de Neurologia – Setor Neuromuscular Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) CUNHA, M.C.B.; LABRONINI, R.H.D.D.; OLIVEIRA, A.S.B. & GABBAI, A.A. – Hidroterapia Rev. Neurociências 6(3): 126-130, 1998 131 ARTIGO Enxaqueca na Infância e na Adolescência Deusvenir de Souza Carvalho* RESUMO Embora seja freqüente a queixa de cefaléia na infância e na adolescência, os quadros de enxaqueca têm sido pouco reconhecidos e conseqüentemente mal conduzidos. Nesse artigo revela-se de forma sucinta os aspectos clínicos fundamentais, enfatizando-se o tratamento em bases atuais. UNITERMOS Cefaléia na infância e na adolescência, enxaqueca na infância e na adolescência, tratamento da enxaqueca na infância e na adolescência. * Professor Adjunto, Chefe do Setor de Investigação e Tratamento da Cefaléia (SITC), Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. Os diversos sinais e sintomas do quadro clínico da enxaqueca na infância e na adolescência têm sido revisados à luz de novos conhecimentos fisiopatológicos. Os estudos mais recentes apontam para uma desordem neurológica, contrapondo-se à idéia anterior de uma desordem sistêmica, bioquímica, com maiores efeitos sobre vasos intra e extracranianos1. A idéia de que a enxaqueca seja uma patologia em primeiro lugar neurológica e secundariamente vascular ganha apoio se observarmos essa síndrome na infância e na adolescência, quando há maior associação com a epilepsia e maior incidência de anormalidades no eletrencefalograma (EEG)2,3,4,5,6,7,8,9,10. O fenômeno da depressão alastrante de Leão tem sido associado aos mecanismos que teoricamente podem explicar diversos aspectos da síndrome enxaquecosa11. A observação clínica da aura, nas crises de enxaqueca em crianças, cujos sintomas progridem respeitando mais a seqüência de envolvimento parenquimatoso cerebral (isto é, sintoma visual, seguido de sintoma sensitivo e finalmente déficit motor) do que dos territórios das artérias cerebrais, também colabora com a hipótese neuronal e da associação com o fenômeno da depressão alastrante de Leão (Fig.1). FIGURA 1 Enxaqueca com aura. Freqüência, em porcentagem, do tipo de aura em 72 crianças e seqüência dos sintomas clínicos12. CARVALHO, D.S. – Enxaqueca na Infância e na Adolescência Rev. Neurociências 6(3): 131-136, 1998 132 Diagnóstico – As primeiras manifestações de enxaqueca podem ser bastante precoces como aos 6 meses de idade 13 . A anamnese é fundamental para caracterizar corretamente o quadro e, uma vez superadas as eventuais dificuldades anamnésticas, principalmente nas crianças de baixa idade, o diagnóstico de enxaqueca na infância tem sido firmado por diversos critérios 14,15,16,7,17,18,19 . Os critérios propostos por Prensky & Sommer 7 têm sido mais comumente aceitos e citados na literatura. Segundo esses autores, a enxaqueca na infância caracteriza-se por: crises de cefaléias recorrentes, acompanhadas de pelo menos 3 dos 6 aspectos seguintes: 1 - dor abdominal, náusea, vômito; 2 - localização hemicraniana da dor; 3 - caráter latejante; 4 - alívio após sono; 5 - aura visual, sensitiva ou motora; 6 - história familiar. Mais recentemente, utiliza-se a Classificação e Critérios Diagnósticos das Cefaléias, Nevralgias Cranianas e Dor Facial, proposta pelo Comitê de Classificação das Cefaléias da Sociedade Internacional de Cefaléia20 (tabela 1). Exames subsidiários não confirmam o diagnóstico e devem ser realizados, quando necessários, com outras finalidades, como, por exemplo, para afastar diversas patologias. Adicionalmente, compondo o quadro clínico, o fator hereditariedade não deve estar separado da definição da enxaqueca. Aparece em 60% a 90 % dos parentes próximos 21 . É suposta uma herança autossômica dominante, poligênica 22. A concordância em gêmeos dizigóticos varia de 7% a 13%, enquanto nos monozigóticos varia de 22% a 26% 23,24,25 . A enxaqueca hemiplégica familiar tem sido ligada a um fator transmitido no braço curto do cromossomo 19, ou seja, 19p1326 . Epidemiologia – Estudos populacionais da enxaqueca na infância e na adolescência mostram uma freqüência de 2,7% a 22% 14,15,27,28,29,30,18,31,32,33. Em escolares de Porto Alegre (RS), na faixa etária de 10 a 18 anos, foi observada a enxaqueca em 9,9%34. Quanto ao sexo, em baixa idade, há algumas evidências de preponderância em meninos. À medida que se vai aumentando a faixa etária há uma equiparação com o sexo feminino e finalmente, na adolescência, passa a predominar nesse sexo, como em adultos. Os meninos parecem iniciar mais cedo que as meninas, sendo a forma com aura também iniciada mais cedo nos meninos 35. Quadro clínico – Além dos critérios já descritos como de grande utilidade para o diagnóstico, enfatiza-se que as manifestações da enxaqueca em crianças diferem das do adulto por preponderar no sexo masculino, considerando-se baixa idade, menor duração das crises, localização freqüentemente frontal bilateral, associação de dor abdominal recorrente, dores TABELA 1 Classificação e critérios diagnósticos da IHS (IHS, 1978), propostos e revisados por diversos autores53,54,55,56 Enxaqueca sem aura Enxaqueca com aura A. Pelo menos 5 crises preenchendo itens B-D A. Pelo menos 2 crises que safisfaçam itens B-C B. Cefaléia durando de 1 a 48 horas B. Cefaléia durando de 1 a 48 horas C. A cefaléia tem pelo menos 2 das abaixo: C. A cefaléia tem pelo menos 3 das abaixo: 1. bilateral (frontal, temporal) ou unilateral 1. um ou mais sintomas aurais totalmente reversíveis que indicam disfunção focal cortical e/ou de tronco cerebral; 2. caráter pulsátil 2. pelo menos um sintoma da aura desenvolve-se gradualmente em mais de 4 minutos, ou 2 ou mais sintomas ocorrem em sucessão; 3. intensidade moderada a intensa 3. nenhum sintoma da aura dura mais de 60 minutos. 4. agravada por atividade física de rotina D. Durante a cefaléia há, no mínimo, um dos itens: 1. náusea e/ou vômitos 2. fotofobia e/ou fonofobia CARVALHO, D.S. – Enxaqueca na Infância e na Adolescência Rev. Neurociências 6(3): 131-136, 1998 133 do crescimento, cinetose, vômitos cíclicos, vertigens, hiperatividade e distúrbios de sono 36,37,38 (vide Fig. 2). Além disso, a precipitação das crises após traumas irrelevantes e a melhora com breve período de sono também são fatos mais freqüentemente observados nas crianças com enxaqueca. Crises disfrênicas foram inicialmente quadros descritos apenas na enxaqueca da infância 39,40. Tratamento – Não se deve desprezar o fato de que FIGURA 2 Porcentagem de ocorrência ou da ausência de distúrbio de sono (DS), dor abdominal recorrente (DAR), cinetose (C), hiperatividade (H), vertigens (V), dores do crescimento (DC), vômitos cíclicos (VC) e pseudo-angina (Pa) em 68 crianças com (gráfico 37 superior) e sem (gráfico inferior) enxaqueca . 50% das crianças que visitam o médico por cefaléia ficam livres desse incômodo após a primeira consulta, sem medicação específica 41,42. Em relação ao grande contingente de crianças e adolescentes com cefaléia, ainda é pequeno o número de crianças com enxaqueca que é referido ao especialista35. Diante disso, vale muito uma orientação não-medicamentosa inicial, principalmente quando se aguarda uma investigação subsidiária. Nesse período, um diário de anotações das crises ajuda inclusive para identificar fatores de- CARVALHO, D.S. – Enxaqueca na Infância e na Adolescência sencadeantes. A maioria dos pais de crianças com enxaqueca quer saber a causa, como aliviar a dor e ter certeza de que não se trata de um tumor cerebral43. Procedimentos como restrição dietética, acupuntura, biofeedback, auto-hipnose e psicoterapia necessitam estudos controlados44, embora as crianças e adolescentes parecem responder bem ao relaxamento e ao biofeedback 45. É de suma importância, conscientizar os pais sobre a necessidade de, no momento da crise, dar aos filhos o maior apoio psíquico, para abrandar a vivência desagradável da enxaqueca. Propiciar repouso em ambiente confortável, tranqüilo, silencioso. Observa-se que um breve período de sono, muitas vezes, é suficiente para resolver a crise. A curta duração da crise, em crianças, em geral dificulta a tentativa de tratamento oral medicamentoso e a apresentação de medicamentos nãoorais (supositórios, por exemplo) evitariam a via injetável que tanto desagradam as crianças35. O tratamento farmacológico, quando necessário, deve ser proposto em duas bases distintas, ou seja, visando a melhora da crise e a sua prevenção. O tipo de enxaqueca, com aura, sem aura, basilar, familiar hemiplégica, oftalmoplégica ou disfrênica não diferencia a escolha do tratamento medicamentoso. Os efeitos colaterais podem contribuir tanto positiva como negativamente para essa escolha. Os fatores associados à enxaqueca tais como episódios de vertigem paroxística, dor abdominal recorrente e vômitos cíclicos podem eventualmente ser tão freqüentes e duradouros, a ponto de se indicar tratamento medicamentoso para o episódio e para a sua prevenção46. O uso de medicação para melhora da crise, é resumido no quadro 1 e para prevenção, no quadro 2. Em crianças de baixa idade (pré-escolares, menores de 6 anos), deve ser sistematicamente muito bem ponderado o uso de medicação e, sempre que possível, evitado. O uso da aspirina, em crianças febris, abaixo de 12 anos, deve ser evitado pelo risco em potencial de desenvolverem a síndrome de Reye. Os derivados de ergot, associados à cafeína, analgésicos e/ou antieméticos não têm ação benéfica em faixas etárias baixas47. O uso de metoclopramida em baixas idades pode levar a efeitos extrapiramidais indesejáveis, mesmo em doses reduzidas48. Assim sendo, esses medicamentos são usados empiricamente acima dos 6 anos de idade. O sumatriptan, entre os agonistas dos receptores de serotonina, mostrou-se ineficaz em um grupo com idade média de 8 anos49, e ainda são muito controversos os resultados nas crianças de baixa idade. Tem sido usado empiricamente acima dos 10 anos. Os novos triptanos (rizatriptano, naratriptano, zolmitriptano Rev. Neurociências 6(3): 131-136, 1998 134 QUADRO 1 Medicações para tratamento da crise de enxaqueca em crianças Medicação Apresentação Dose Via de administração Crianças de baixa idade (pré-escolares ou abaixo de 6 anos): AAS Comprimido 50 a 100 mg via oral Paracetamol Solução 10 mg/kg via oral Se houver proeminentes vômitos, associar: Domperidona Solução 0,25 mg/kg via oral Metoclopramida Solução Ampola Ampola 0,20 mg/kg 0,30 mg/kg 0,20 mg/kg via oral intramuscular intravenosa Crianças de 6 a 12 anos e adolescentes: AAS Comprimido 100 a 200 mg via oral Paracetamol Comprimido 250 a 375 mg via oral Se houver vômitos, associar o mesmo esquema para baixa idade Medicamentos de uso empírico e controverso em idades acima de 6 ou 10 anos: Ergotamina Comprimido 1 a 2 mg via oral Diidroergotamina Comprimido 0,5 a 1 mg via oral Sumatriptano Comprimido 50 a 100 mg via oral Sumatriptano Ampola 3 a 6 mg via subcutânea etc.) ainda não fazem parte de ensaios terapêuticos em crianças e adolescentes. O tratamento preventivo deve ser instituído quando, após orientações gerais ao paciente e aos seus responsáveis para evitar estresse e afastar sempre que possível outros fatores desencadeantes e agravantes, houver uma freqüência de crise igual ou maior que duas por mês. Pode estar indicada a prescrição de medicamento preventivo quando o tratamento da crise não é totalmente eficaz e, além disso, o paciente apresente crises longas e muito incapacitantes, principalmente para as atividades escolares. Os escolares enxaquecosos perdem em média 2,8 dias de aula por ano devido às crises de enxaqueca e perdem mais dias de aula por outras moléstias que as crianças nãoenxaquecosas 50 . Em nosso meio, o propranolol tem baixo custo e não havendo contra-indicação, deve ser a primeira escolha. A flunarizina é a única droga disponível em solução que pode ser melhor dosada em crianças de pouca idade. A CARVALHO, D.S. – Enxaqueca na Infância e na Adolescência amitriptilina é bem-indicada quando há sinais de depressão associados, embora possa levar à sonolência prejudicando o rendimento escolar. O pizotifeno deve ser evitado em crianças com tendência à obesidade. Ao pizotifeno, além de ganho de peso, são atribuídos também, efeitos indesejáveis como sonolência, náusea, vertigens, reações cutâneas e dores musculares. Vale lembrar os efeitos colaterais atribuídos ao propranolol, tais como: broncoespasmo, intolerância gástrica, distúrbios de sono (insônia e pesadelos) aumento do apetite, dor abdominal, anorexia. Quando ocorre a associação de enxaqueca com epilepsia, deve ser instituído cada um dos tratamentos com suas considerações pertinentes. A suspensão da medicação preventiva deve ser gradativa e após 4 a 6 meses de sucesso em diminuir a freqüência, intensidade e duração das crises. Observar que o melhor momento para essa interrupção é o das férias escolares. Nas pré-adolescentes, é mais aconselhável prolongar o período de uso da medicação Rev. Neurociências 6(3): 131-136, 1998 135 QUADRO 2 Medicações para tratamento preventivo de enxaqueca em crianças Medicação Apresentação Dose diária Propranolol Comprimidos de 10 a 80 mg 5 a 80 mg Flunarizina Comprimidos e cápsulas de 10 mg Solução a 5 mg/ml 5 a 10 mg 5 a 10 mg Amitriptilina Comprimidos de 25 e 75 mg 12,5 a 100 mg Pizotifeno Drágeas de 0,5 mg 0,5 a 1,5 mg preventiva por pelo menos outros 4 ou 6 meses após a menarca. Evolução e prognóstico – Bille51, em 1997, mostra a melhor figura desse aspecto, acompanhando indivíduos com enxaqueca de início na infância, por 37 anos. As crianças com enxaqueca, ao chegarem a jovens adultos, 62% ficaram livres dos sintomas por mais de 2 anos, porém na idade de 30 anos, somente 40% continuaram livres. De modo geral, as crianças e adolescentes lidam melhor com sua enxaqueca que os adultos52. O fator mais importante para o sucesso no tratamento da enxaqueca na infância e adolescência é o próprio “médico” e esse deve estar em dose muito adequada e com mínimos efeitos colaterais. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. SUMMARY Migraine in childhood and adolescence Headache in childhood and teenage is very common. Migraine is rarely recognized and not so well treated. This article reviews the main clinical aspects and proposes an updated treatment. 16. 17. 18. KEY WORDS Childhood headache and migraine, treatment of migraine on childhood. 19. Referências 20. 1. 2. 3. 4. 5. 6. Pearce, J.M.S. Migraine: a cerebral disorder. Lancet, II: 86-9, 1984. Ziegler, D.K. & Wong, G. Jr. Migraine in children: clinical and eletroencephalographic study of families. The possible relation to epilepsy. Epilepsia, 8: 171-87, 1967. Whitehouse, D.; Pappas, J. A.; Escala P.H. Eletroencephalographic changes in children with migraine. New Engl J. Med., 276: 23-7, 1967. Slatter, K.H. Some clinical and EEG findings in patients with migraine. Brain, 91: 85-98, 1968. Basser, L.S. The relation of migraine and epilepsy. Brain, 92: 285-300, 1969. Camfield, P.R.; Metrakos, K. & Andermann, F. Basilar migraine, seizures, and severe epileptifor m EEG abnormalities. Neurology, 28: 584-8, 1978. CARVALHO, D.S. – Enxaqueca na Infância e na Adolescência 21. 22. 23. 24. 25. Prensky, A.L. & Sommer, D. Diagnosis and treatment of migraine in children. Neurology, 29:506-10, 1979. Jay, G.W. Epilepsy, migraine and EEG abnormalities in children: a review and hypothesis. Headache, 22:110-14, 1982. Seshia, S.S.; Reggin, J.D. & Stanwick, R.S. Migraine and complex seizures in children. Epilepsia, 26:232-6, 1985. Brinciotti, M.; DiSabato, M.L.; Matricardi, M.; Piccioni, E.; Guidetti, V. Migraine and epilepsy in children with occipital EEG abnormalities. Cephalalgia, 17:345, 1997. Olesen, J. Is isquemia involved in the pathogenesis of migraine ? Path. et Biol., 30:318-24, 1982. Jesus, C.A.S.; Zukerman, E. & Hannuch, S.N.M. Migraine with aura in childhood and adolescence – clinical features of the aura. Cephalalgia, 16:376, 1996. Guidetti, V.: Marioni, P.; Ottaviano, S.; Pagliarini, M.; Seri, S. Headache risk symptoms in first six months of life. In: International Headache Congress, 1, Munich, 1983. Abstracts. Munich, 1983. p.98. Vahlquist, B. Migraine in children. Int.Arch.Allergy, 7:348-55, 1955. Bille, B. Migraine in school children. Acta paediat.(Uppsala), 51:1-151, 1962. Prensky, A.L. Migraine and migranous variants in pediatric patients. Pediat.Clin.N.Amer., 23:461-71, 1976. Jay G.W. & Tomasi, L.G. Pediatric headaches: a one year retrospective analysis. Headache, 21:5-9, 1981. Sillanpää, M. Changes in the prevalence of migraine and other headache during the first seven school years. Headache, 23:15-9, 1983. Kurtz, Z.; Dilling, D.; Blau, J.N.; Peckham, C. Migraine in children: findings from the National Child Development Study. In:Clifford Rose, F. ed. – Progress in migraine research. London, Pitman Books, 1984. p.9-17. IHS - International Headache Society. Headache Classification Commitee. Classification and diagnostic criteria for headache disorders, cranial neuralgias and facial pain. Cephalalgia, 8:suppl. 7:1-96, 1988. Dalsgaard-Nielsen, T. Migraine and heredity. Acta neurol. Scand., 41:287-300, 1965. Baier, W.K. Genetics of migraine and migraine accompagnee: a study of eighty-one children and their families. Neuropediatrics, 16:84-91, 1985. Ziegler, D.K.; Hassanein, R.S.; Harris, D. Headache in a nonclinic twin population. Hadache, 14:213-18, 1975. Lucas, R.N. Migraine in twins. J. Psychosom. Res., 21:14756, 1977. Ziegler, D.K.; Rhodes, R.J.; Hassanein, R.S. Association of psychological measurements and anxiety and depression with headache history in a non-clinic population. Res. Clin. Stud. Headache, 6:123-35, 1978. Rev. Neurociências 6(3): 131-136, 1998 136 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. Ferrari, M. From gentics to prophylaxis. Cephalalgia, 17:2-5, 1997. Dalsgaard-Nielsen, T.; Engberg-Pedersen, H. & Holm, H.E. Clinical and statistical investigation of the epidemiology of migraine. Dan.Med.Bull., 17:138-48, 1970. Deubner, D.C. An epidemiologic study of migraine and headache in 10-20 year olds. Headache, 17:173-80, 1977. Waters, W.E. Community studies of the prevalence of headache. Headache, 9:178-86, 1974. Sparks, J.P. The incidence of migraine in school children. Practitioner, 221:407-11, 1978. Collin, C.; Hockaday, J.M. & Waters, W.E. Headache and school absence. Arch.Dis.Childh., 60:245-7, 1985. Sillanpää, M.; Piekkala, P. & Kero, P. Prevalence of headache at preschool age in an unselected population. Cephalalgia, 11:239-242, 1991. Lipton R.B.; Silberstein, S.D. & Stewart, W.F. An update on the epidemiology of migraine. Headache, 34:319-28, 1994. Barea, L.M.; Tanhouser M. & Rotta, N.T. An epidemiologic study of headache among children and adolescents of southern Brazil. Cephalalgia, 16:545-9, 1996. Massiou, H. – What is lacking in the treatment of paediatric and adolescent migraine? Cephalalgia, 17:suppl.17:21-4, 1997. Del Bene, E. Multiple aspects of headache risk in children. Adv. Neurol., 33:187-98, 1982. de Souza Carvalho, D.; Zukerman, E.; Hannuch, S.N.M.; Levyman, C.; Lima, J.G.C. Fatores de risco da enxaqueca na faixa etária de 7 a 15 anos. Arquivos de Neuropsiquiatria, 45:371-8, 1987. Arruda, M.A.; Speciali, J.G.; Ciciarelli, M.C.; Bordini, C.A. Risk factors and associated disorders of childhood migraine. Cephalalgia, 15:suppl.16:83, 1995. de Souza Carvalho, D.; Zukerman, E.; Hannuch, S.N.M.; Levyman, C. Estado confusional e enxaqueca infantil: relato de um caso. Arquivos de Neuropsiquiatria, 44:51-4, 1986. Nezu, A.; Kimura, S.; Ohtsuki, N.; Tanaka, M.; Takebayashi, S. Acute confusional migraine and migrainous infarction in childhood. Brain Dev., 19:148-51, 1997. Fr iedman, A.P. & Har ms, E. Headaches in children. Springfield, Thomas, 1967. Winner, P.; Wasiewski, W.; Gladstein, J.; Linder, S. Multicenter prospective evaluation of proposed pediatric migraine revisions to the IHS criteria. Headache, 37:545-8, 1997. Lewis, D.W.; Middlebrook, M.T.; Mehallick, L.; Rauch, T.M.; Deline, C.; Thomas, E.F. Pediatric headaches: What do the children want? Headache, 36:224-30, 1996. CARVALHO, D.S. – Enxaqueca na Infância e na Adolescência 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. Hockaday, J.M. Headaches in children. In: Vinken, P.J.; Bruyn, G.W. & Klawans H.L. eds. Headache. Amsterdam, Elsevier, 1986. Hermann, C.; Kim, M. & Blanchard, E.B. Behavioral and prophylatic pharmacological intervention studies of pediatric migraine: an exploratory meta-analysis. Pain, 60:239-56, 1995. Bar l ow, C. F. Headaches and migraine in childhood. Philadelphia, Spastics International Medical, 1984. 288p. (Clinics in Developmental Medicine nº 91). Thrush, D. Does ergotamine work for migraine? In: Warlow, C. & Garfield, J. eds. – Dilemmas in the Manegement of the Neurological Patient. Edinburgh, Churchill Livingstone, 1984. p.106-14. Gatrad, A.R. Dystonic reactions to metoclopramide. Dev. Med.Child Neurol., 18:767-9, 1976. Hämäläinen, M.L.; Hoppu, K. & Santavuori, P. Is response to oral sumatriptan in childhood migraine different from adults? Cephalalgia, 16:358, 1997. Abu-Arefeh, I. & Russell, G. Prevalence of headache and migraine in schoolchildren. Br. Med. J., 309:765-9, 1994. Bille, B. 40-year follow-up of school children with migraine. Cephalalgia, 17:488-91, 1997. Dooley, J. & Bagnell, A. The prognosis and treatment of headaches in children – a ten year follow-up. Can. J. Neurol. Sci., 22:47-49, 1995. Winner, P.; Martinez, W.; Mate, L.; Bello, L. Classification of pediatric migraine: proposed revisions to the IHS criteria. Headache, 35:407-10, 1995. Jesus, C.A.S.; Zukerman, E.; Hannuch, S.N.M. Migraine with aura in childhood and adolescence – an evaluation of the IHS criteria. Cephalalgia, 16:376, 1996. Maytal, J.; Young, M.; Shechter, A.; Lipton, R.B. Pediatric migraine and the International Headache Society (IHS) criteria. Neurology, 48:602-7, 1997. Winner, P. Headache in children: diagnostic problems and emerging treatments. Cephalalgia, 17:228, 1997. Endereço para correspondência: Deusvenir de Souza Carvalho Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina – Disciplina de Neurologia Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] Rev. Neurociências 6(3): 131-136, 1998 137 ARTIGO Aspectos Gerais e Práticos do EEG Délrio Façanha da Silva* Márcia Marques de Lima** RESUMO O conhecimento de alguns aspectos práticos na rotina da interpretação do EEG são importantes para evitarmos conclusões errôneas. Nas epilepsias, o uso correto das montagens facilita uma melhor interpretação do traçado e o EEG é imprescindível para o diagnóstico das síndromes. Nas demências, podemos encontrar diferentes padrões, sem nenhum achado patognomônico. Variantes benignas não devem ser interpretadas como anormalidades. Do mesmo modo, atividade epileptiforme no EEG, sem história de epilepsia, não justifica tratamento. O EEG do recém-nascido é um dos exames de maior importância diagnóstica e sobretudo prognóstica nas lesões encefálicas. Nos “status epilepticus” não-convulsivos, o EEG é fundamental para os diagnósticos diferenciais. Nas encefalopatias metabólicas, podemos avaliar o grau da encefalopatia pelo EEG. Nos comas, o EEG pode avaliar o prognóstico e confirmar o diagnóstico de morte encefálica. O mapeamento cerebral, exame realizado somente após a interpretação do EEG digital, não é um exame de rotina. UNITERMOS EEG, aspectos gerais. * ** Médico Eletrencefalografista do Setor de EEG e Polissonografia da Disciplina de Neurologia – Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Médica Eletrencefalografista do Setor de EEG e Polissonografia da Disciplina de Neurologia – Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Neste breve resumo geral a respeito de alguns assuntos dentro do vasto campo do EEG, abordaremos alguns aspectos práticos nas epilepsias, no recém-nascido, demências, encefalopatias metabólicas, nas variantes benignas e nos comas. Por último, resumidamente alguns conceitos de EEG digital x EEG convencional x mapeamento cerebral e sua aplicabilidade prática. EEG NAS EPILEPSIAS Atividade epileptiforme focal x montagem Na dependência do tipo de montagem escolhido para a análise do EEG, a atividade epileptiforme focal (AEF) pode conduzir a uma errônea interpretação do traçado. Por exemplo, o foco temporal anterior (FTA) é bem evidenciado na montagem com referencial Cz, assim como a onda aguda do vértex (OAV) (Fig. 1). Porém, podem ser interpretados de outra forma quando usarmos a montagem biauricular (Fig. 2): o FTA praticamente não é visualizado e passamos a observar uma onda aguda difusa e bilateral, com aspecto morfológico de “V”, simulando a OAV (grafoelemento fisiológico do sono). Do mesmo modo, a figura 2 mostra logo ao lado do FTA, a nova apresentação da OAV que simula uma AEF. Em suma, o FTA e a OAV são bem visualizados na montagem com referencial Cz, enquanto com a biauricular (Rf) o FTA simula a OAV e esta ao assumir um aspecto focal assemelha-se a uma AEF. Desse modo, na montagem com Rf (biauricular), devemos estar atentos para não interpretarmos o FTA como OAV, assim como a OAV como uma AEF. Isso decorre da contaminação do Rf pela FTA (pela proximidade de F8 ao Rf) e pelos eletrodos centro-parietais serem G1 apenas em duas derivações à esquerda e à direita (C3-Rf, P3-Rf, C4-Rf, P4-Rf), enquanto na montagem com Cz não ocorreu a contaminação com o FTA e a OAV atinge todas as derivações por Cz ser G2. A OAV é um achado normal no EEG durante o sono não-REM, porém devemos lembrar que temos os focos da linha média (FLM) e que estes são semelhantes às OAV e não devem ser confundidos com grafoelementos SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 138 FIGURA 1 Presença de atividade epileptiforme de projeção temporal anterior esquerda, de fácil identificação na montagem com Cz. fisiológicos. Do mesmo modo devemos estar atentos para não laudarmos as OAV como anormalidade. O diagnóstico diferencial pode ser feito pela presença de FLM durante a vigília, por polipontas e pela presença de dipolo tangencial1. Outro cuidado é quando a AEF muda de lateralidade. A fig. 3 mostra claramente uma AEF esquerda com a utilização da montagem com referencial Cz. Ao fazermos a mudança, no mesmo momento, para a montagem que utiliza o referencial Rf, a AEF é nitidamente melhor vizualizada no hemisfério cerebral direito (Fig. 4). As figs. 5 e 6 ilustram outras situações semelhantes. Nesses casos, a utilização de uma montagem transversa ou bipolar seqüencial pode ser útil na elucidação da real lateralidade. Isso tem muita importância na avaliação pré-cirúrgica de pacientes epilépticos. A utilização de uma montagem bipolar seqüencial, sem a utilização de Cz ou de Rf, pode não demonstrar a AEF ou apenas de forma frustrada devido à equipotencialidade, enquanto é de fácil identificação com referencial Cz no mesmo momento. De maneira geral, inicialmente é recomendável uma análise de todo o traçado com a montagem referencial Cz e depois com Rf auricular (A1, A2 ou A1 + A2). As montagens bipolares seqüenciais e transversas utilizamos em um segundo tempo, após a prévia identificação da AEF, e não como opção inicial de uma análise. Técnica FIGURA 2 O mesmo momento da fig. 1, porém em montagem com eletrodo biauricular. SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG O EEG de rotina em um paciente epiléptico, ou qualquer outro paciente deve ser realizado no mínimo por 30 minutos. Os eletrodos devem ser colocados corretamente de acordo com o sistema internacional 1020 2. O paciente deve estar em repouso, relaxado, bem alimentado, Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 139 FIGURA 3 EEG mostra foco temporal esquerdo, em montagem com Cz. com olhos fechados, em ambiente calmo e com a cabeça lavada e sem a utilização de cremes no couro cabeludo. Realizamos a hiperpnéia por 3 minutos, a fotoestimulação e a prova de abrir e fechar os olhos, para verificarmos a reatividade do ritmo alfa. Em crianças, é comum observarmos no EEG ondas lentas difusas e bilaterais (Fig. 7), frontais ou de predomínio posterior e que geralmente são normais. O EEG em sono é muito importante em todos os pacientes epilépticos. Em relação ao sono, é imprescindível que o EEG seja realmente realizado em sono e que o paciente permaneça nesse estado por 30 minutos. A simples presença de fusos e ondas agudas do vértex por alguns segundos ou minutos, durante o traçado, não nos deve levar a escrevermos na conclusão do laudo que o exame foi realizado em sono, sobretudo se foi normal. Sabemos que nas fases III e IV do sono nãoREM (sono por ondas lentas) a sincronização é maior e, portanto, a possibilidade de obtermos uma atividade epileptiforme no EEG é muito grande. Se possível, a obtenção do sono REM, tem maior valor para localização da atividade epileptiforme. Crise de ausência (“Petit maladie”) FIGURA 4 O foco temporal da fig. 3, no mesmo momento, agora melhor vizualizado à direita, em montagem com biauricular. SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG As crises de ausências (epilepsia generalizada primária) apresentam no EEG complexos ponta e polipontaonda a 3 Hz, difusos e bilaterais, sobretudo durante a hiperpnéia, e atividade de base normal (Fig. 8). Entretanto, também podemos encontrar atividade lenta delta difusa e bilateral 3 , isoladamente, ou precedendo os complexos ponta-onda a 3 Hz. A presença de AEF não descarta o diagnóstico de ausência, pois podemos encontrar no EEG desses pacientes, além dos clássicos complexos ponta-onda 3 Hz, AEF na Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 140 região central, temporal média e occipital. Entretanto, a identificação de AEF na região frontal e/ou temporal4,5, no EEG desses pacientes, pode gerar dificuldade diagnóstica: ausência? epilepsia frontal? epilepsia do lobo temporal? O EEG em sono, assim como as características semiológicas da crise e a reposta ao tratamento instituído, podem ajudar no diagnóstico diferencial. Epilepsia rolândica FIGURA 5 EEG evidencia atividade epileptiforme de projeção frontotemporal esquerda, em montagem com Cz. Uma das epilepsias mais comuns da criança e do adolescente, benigna, em que, em torno dos 16-18 anos de idade as crises parciais motoras desaparecem. O EEG apresenta atividade elétrica cerebral de base normal e AEF na região central ou temporal média (Fig. 9), sobretudo durante o sono, quando fica muito freqüente. A identificação do dipólo nessa epilepsia é um dos importantes critérios para considerá-la como benigna6,7. Epilepsia do lobo temporal As crises parciais complexas da epilepsia do lobo temporal são as crises mais freqüentes do adulto e geralmente rebeldes ao tratamento, sendo a lobectomia temporal um dos recursos terapêuticos, com excelentes resultados na maioria dos casos. O EEG apresenta AEF na região temporal anterior (Fig. 10). O sono é importante nesses tipos de pacientes, principalmente quando o EEG é normal durante a vigília. Devemos lembrar que a AEF pode ser por onda aguda, complexo pontaonda, polipontas ou por onda lenta8. FIGURA 6 O foco da fig. 5, no mesmo instante, ao ser visto com a montagem biauricular, é melhor evidenciado à direita. SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG Síndrome de West Os espasmos infantis nas crianças entre 3 meses e 1 ano de idade, Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 141 não devem ser sempre encarados como a síndrome de West (SW). É necessário que o EEG apresente a hipsarritmia, isso ajuda a estabelecer o diagnóstico diferencial com espasmos infantis que não são enquadrados como SW. São vários os quadros que simulam SW, porém o EEG é fundamental nessa distinção. Além disso, o EEG é importante na SW criptogênica, podendo fazer a diferenciação se estamos diante de uma SW benigna (primária) ou secundária9. Síndrome de LennoxGastaut FIGURA 7 Ondas lentas difusas e bilaterais, durante a hiperpnéia. A síndrome de Lennox-Gastaut (SLG), encefalopatia epiléptica grave, com retardo mental, que geralmente inicia em torno dos 2 anos de idade, sobretudo com crises de ausência atípica, crises tônicas e drop attacks, apresenta no EEG atividade de base alentecida e complexos ponta e poliponta-onda, 1-2 Hz, difusos e bilaterais, de predomínio frontal, semicontínuos durante o sono, e polipontas. O EEG ajuda a estabelecer o diagnóstico diferencial com outras epilepsias que simulam a SLG, os chamados pseudo-SLG. Terminologia FIGURA 8 Complexos ponta-onda 3 Hz difusos e bilaterais da crise de ausência. SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG Devemos evitar o uso de termos como disritmia, atividade irritativa, equivalente epiléptico e foco irritativo. Temos preferência por “atividade epileptiforme caracterizada por ondas agudas, ondas lentas, complexos ponta-onda ou polipontaonda, polipontas de projeção na região ...”. As ondas agudas e ondas lentas geralmente são AEF, enquanto os complexos ponta ou polipontaonda e polipontas são descritos freqüentemente como atividade epileptiforme difusa e bilateral, pois são encontrados nas epilepsias Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 142 FIGURA 9 Foco temporal médio esquerdo (rolândico). conseqüência não deve ser estabelecido um tratamento com drogas antiepilépticas. Parentes de pacientes epilépticos, pacientes com diagnóstico de enxaqueca, crianças hiperativas, distúrbio escolar, dor abdominal, perda de folego e crianças normais podem apresentar alterações no EEG e sem história de crise epiléptica10. Do mesmo modo, pacientes idosos comumente apresentam ondas agudas e ondas lentas na região temporal e, também, não devem ser catalogados de epilépticos 11 . Contudo, achamos que a presença de AEF de projeção frontal ou temporal anterior mereça uma investigação e questionamento em relação à ocorrência de “desligamentos” e “esquecimentos” (crises parciais complexas), mesmo que o paciente negue crises, pois essa AEF geralmente é sintomática e lesional (epilepsia parcial secundária). “Status Epilepticus” Pode haver dificuldade diagnóstica no status epilepticus (SE) não-convulsivo, seja por crise parcial complexa ou por ausência. Esses pacientes, às vezes, são diagnosticados como portadores de doença psiquiátrica, pois suas formas de apresentação são muito variadas, FIGURA 10 desde uma confusão mental até um Foco temporal anterior bilateral, mais evidente à esquerda. distúrbio de conduta. Nesses casos, o EEG é imprescindível para o diagnóstico diferencial. No SE que se apresenta apenas generalizadas. Entretanto, devemos lembrar que como afasia 12 ou sob a forma de hemiparesia13, o EEG podemos também identificar esses padrões nos EEG das afasta o diagnóstico de AVC e confirma essa forma epilepsias parciais. Nesses casos, o achado de AE incomum de SE. Do mesmo modo, alguns casos de SE caracterizada por complexo ponta-onda ou polipontas tipo parcial simples não devem ser confundidos com focais, e que se propagam para regiões ipsi e crises de enxaqueca14. contralaterais, pode dar ao EEG um aspecto difuso e Em algumas síndromes a atividade epileptiforme bilateral (pseudogeneralizado). contínua ou semicontínua não deve ser interpretada como SE. A identificação desses quadros evita condutas Atividade epileptiforme no EEG x emergenciais. Por exemplo, a síndrome da ponta-onda paciente sem epilepsia contínua do sono não-REM (“status” eletrográfico do sono não-REM) não deve ser confundida com SE não A identificação no EEG de AEF ou difusa e bilateral convulsivo, pois ocorre apenas no sono não-REM e não significa que o paciente seja epiléptico e por desaparece com o despertar e durante o sono REM 15 SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 143 EEG X DEMÊNCIAS Na demência mais freqüentemente diagnosticada, a de Alzheimer (DA), o EEG na fase inicial pode ser útil no diagnóstico diferencial com uma depressão (pseudodemência), pois uma redução na freqüência do ritmo alfa em EEG seriados sugere que não seja apenas uma depressão, mas sim a fase inicial da DA 20. Alguns pacientes com DA podem apresentar no EEG um padrão periódico curto e difuso, semelhante ao da demência de Creutzfeldt-Jakob (CJ) 21,22 , que pode gerar dificuldade diagnóstica, sobretudo se esses pacientes com DA apresentarem mioclonias. A demência de CJ caracteriza-se no EEG por um padrão periódico curto e difuso, com ondas trifásicas de predomínio anterior. Entretanto, esse padrão periódico pode predominar nas regiões posteriores ou apresentar-se no EEG como periódico curto e focal (“PLEDs”) 23. Devemos lembrar que o padrão periódico na demência de CJ nem sempre está presente, mesmo com EEG seriados durante a evolução da doença. Quando isso ocorre em pacientes com CJ, sobretudo na forma familiar, na faixa etária dos 50-65 anos de idade e que não apresentam mioclonias, pode ser difícil um diagnóstico diferencial com DA, dependendo da fase em que se encontra o FIGURA 11 24,25 . O diagnóstico diferencial “Status” eletrográfico do sono não-REM (a) desaparece durante o REM (b). paciente com a DA também pode ser dificultado quando a demência de CJ se apresenta apenas com afasia progressiva, sem mioclonias e sem padrão periódico no EEG (apenas na fase final), em paciente na faixa (fig.11). Esse achado no EEG da ponta-onda contínua etária dos 60 anos26. Algumas drogas, como o baclofen também pode ocorrer durante a vigília e é conhecido e o carbonato de lítio, podem provocar no EEG o padrão como “status” eletrográfico da vigília16. A epilepsia com periódico curto e difuso e o paciente clinicamente estar ponta-onda occipital reativa a abertura e fechamento demente, simulando uma demência de CJ27,28. Nesses ocular, em que a atividade epileptiforme occipital casos, a retirada de droga leva ao desaparecimento da contínua, com os olhos fechados, desaparece com a periodicidade e da demência. abertura ocular17. Algumas disgenesias corticais também A demência da coréia de Huntington apresenta no cursam com atividade epileptiforme contínua, porém EEG um padrão de atenuação da atividade elétrica sem SE clínico. Por outro lado, durante as crises parciais cerebral, difuso e bilateral. Na demência por múltiplos simples geralmente o EEG cursa sem alteração18, o que infartos, as alterações são geralmente multifocais com não deve ser interpretado como pseudocrise ou doença paroxismos por ondas lentas theta e delta. Na doença extrapiramidal. Nesses casos, o aumento do número de de Parkinson que cursa com demência, o EEG apresenta eletrodos facilita o registro da crise no EEG19. alentecimento difuso e bilateral29. SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 144 ENCEFALOPATIAS METABÓLICAS A encefalopatia metabólica (EM) hepática apresenta no EEG alentecimento difuso e bilateral, com predomínio de ondas theta e/ou delta, assim como períodos de supressão, dependendo da gravidade da encefalopatia. A presença de ondas trifásicas típicas, de predomínio anterior, é um achado no EEG muito comum nesse tipo de EM. A EM renal apresenta achados semelhantes aos da hepática, porém não é comum a ocorrência de ondas trifásicas típicas e mais freqüentemente o EEG apresenta crises eletrográficas, sobretudo durante a fotoestimulação. Na hipocalcemia o EEG pode apresentar atividade epileptiforme freqüente, por vezes contínuas, sob forma de status epilepticus, de predomínio posterior ou difusas e bilaterais. VARIANTES BENIGNAS DO EEG A identificação de alguns padrões eletrográficos conhecidos como variantes benignas (VB) é importante para que o EEG não seja laudado como anormal. Algumas VB são semelhantes às atividades epileptiformes, como o complexo ponta-onda 6 Hz (ponta-onda “fantasma”), a pequena ponta benigna do sono, a pseudo ponta-onda e as wickets spikes. Temos também as pontas positivas 6/ 14 Hz, o “SREDA” (Fig. 12)30, que pode ser confundido com crise eletrográfica, a descarga rítmica temporal média, a pseudo-ponta-onda (hipersincronia hipnagógica), o ritmo da fenda em pacientes craniotomizados e mais recentemente o potencial “N”31. No caso de dúvida entre a atividade epileptiforme e a VB, a primeira geralmente fica mais freqüente conforme o sono vai aprofundando, enquanto a VB só aparece durante a sonolência32. Alguns padrões eletrográficos significam mau prognóstico, ou seja, o risco é alto para que o RN apresente uma encefalopatia: a) as pontas positivas freqüentes33; b) surto-supressão; c) traçado de baixa amplitude; d) longos períodos de inatividade (> 30s, no prematuro), com ausência de grafoelementos próprios da prematuridade (delta brush; sawtooth). Ao contrário, o EEG normal do prematuro (traçado descontínuo, com período de atenuação variando de 5 a 20 s; presença de delta brush e de sawtooth) ou do RN a termo (tracé alternant) correlacionam-se com um bom prognóstico, tanto do ponto de vista motor como intelectual. Em relação ao diagnóstico, o EEG é importante para complementar o diagnóstico da encefalopatia de Ohtahara, a encefalopatia mioclônica precoce de Aicardi, pelo aspecto de surto-supressão. No status convulsivo de 5o dia, a presença do padrão eletrográfico theta pointu alternant complementa o diagnóstico. Além disso, o EEG é imprescindível para o diagnóstico de determinados tipos de crises epilépticas neonatais, como apnéia, taquipnéia, mastigação, piscamentos e outros tipos de crises sutis ou ocultas do RN. COMAS O EEG tem importância prognóstica no coma traumático, pois a identificação do spindle coma ou sleep like e a presença de reatividade do EEG aos estímulos dolorosos, na fase aguda do coma, correlacionam-se a um melhor prognóstico em 87% dos casos, enquanto a ausência desse achados, com atividade delta difuso e sem reatividade no EEG à estimulação dolorosa, está associada à má evolução em 86% dos pacientes comatosos34. RECÉM-NASCIDO O EEG realizado no recémnascido (RN) é um dos exames mais importantes da investigação neurológica, sobretudo pelo aspecto prognóstico e, às vezes, como imprescindível para o diagnóstico de determinados quadros clínicos que atingem o RN. No RN, além do EEG, também monitoramos os movimentos oculares, a respiração, outro eletrodo para EMG e um para o ECG. FIGURA 10 Foco temporal anterior bilateral, mais evidente à esquerda. SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 145 A presença da atividade alfa em um paciente comatoso leva ao diagnóstico do “coma alfa”. Esse achado no EEG ocorre geralmente em pacientes com lesão de tronco cerebral, sobretudo na região pontina, e as etiologias mais comuns são o AVC e trauma35. Alguns pacientes comatosos que não melhoram, apesar de todos os exames neurorradiológicos e clínicos gerais sugerirem que o paciente está com boa evolução, podem estar em SE não-convulsivo. O EEG nesses casos é fundamental, pois ao demonstrar o status eletrográfico, apesar de clinicamente não ser visível, está indicado o tratamento de emergência com drogas antiepilépticas, o que leva o paciente a uma melhor e rápida recuperação. Em relação à morte cerebral, para considerarmos o EEG com silêncio elétrico cerebral, devemos observar se há presença de hipotermia, uso de drogas (benzodiazepínicos, barbitúricos) e alterações metabólicas. Devemos evitar falar em morte cerebral para o recémnascido até 7 dias de vida, pois existem muitas discordâncias entre o quadro de coma, angiografia cerebral e resultado do EEG, devido à imaturidade do sistema nervoso central. Até os 2 anos de idade é recomendável dois exames clínicos e 2 exames de EEG, com intervalo variando de 24 a 48 h. O exame deve ser realizado por 30 minutos, com todos os eletrodos cerebrais colocados de acordo com sistema 10-20, aumentar a sensibilidade para 2 µV/mm, usar filtros de 0,5-70 Hz e não deve ser observada reatividade no EEG aos estímulos dolorosos, visuais e auditivos. Em relação à colocação dos eletrodos no couro cabeludo, devemos usar distâncias duplas, com um mínimo de 10 cm de separação intereletrodos: F3P3; C3-O1; FP1-T3; F7-T5; F4-P4; C4-O2; FP2-T4; F8T6. Do mesmo modo, aplicamos essa medida para as montagens transversas anterior (F7-Fz; Fz-F8), média (T3-Cz; Cz-T4) e posterior (T5-Pz; Pz-T6). Devemos deixar um canal para o registro dos potenciais cardíacos e outro para a monitorização do ambiente (eletrodos podem ser colocados sobre o dorso da mão)36. processado pelo microcomputador, podendo ser armazenado em disquetes, dispensando o uso de arquivos gigantes para empilhamento de papéis. O ED possui grande vantagem em relação ao EC, por permitir o manuseio das montagens após o registro, de grande importância no estudo das atividades epileptiformes. O MC é a representação gráfica do ED por meio de mapas elaborados pelo microcomputador 36 . Encerrado o registro do ED, realiza-se a leitura e seleciona-se os melhores momentos para o MC, ou seja, este só é realizado após a escolha dos fragmentos do ED. Dessa forma, é fundamental a correta seleção dos melhores momentos, pois todos os passos seguintes durante a realização do MC serão baseados nos fragmentos escolhidos. Uma escolha inadequada pode levar a uma interpretação e conclusão errôneas do exame. Achamos que brevemente o ED dominará o cenário mundial da eletrencefalografia, de modo que os aparelhos de EEG convencional farão parte de um passado da história do EEG. Em relação ao MC, que é uma extensão do ED, não deve ser interpretado isoladamente, mas em conjunto com o ED. Somos de opinião que o MC é um exame que não deve ser solicitado como rotina, estando reservado apenas para a pesquisa científica em alguns campos na neurologia e psiquiatria. SUMMARY General and Practical Aspects of the EEG The knowledgment of some practical aspects in the analysis of the EEG are important to avoid misdiagnosis in the final reports. About epilepsies, the correct use of the montages makes easy the study of the EEG and we can make the diagnosis of epileptic syndromes. In demented patients we may find different patterns without a patognomonical type. Benign variants of the EEG must not be misinterpreted as abnormal findings. In the same way, patients with epileptiform activity on EEG without a history of epilepsy, should not receive antiepileptic drugs. The EEG in the newborn has diagnostic and prognostic values in the encephalic lesions. In non-convulsive epileptic “status” the EEG makes the differential diagnosis. In metabolic encephalopathies we can evaluate the degree of severity by the EEG. The comas may have their prognosis established by the EEG and it helps in the diagnosis of brain death. The brain mapping, carried out only after the digital EEG, is not a routine exam. KEY WORDS EEG, general aspects. EEG CONVENCIONAL X EEG DIGITAL X MAPEAMENTO CEREBRAL Temos observado muita dúvida em relação à importância do EEG digital (ED) e o mapeamento cerebral (MC), assim como acharem que o ED e o MC são sinônimos. Podemos dizer que EEG convencional é o registro que não utiliza o computador, não podendo ser arquivado em disquetes, não permitindo a mudança das montagens após a captação do registro e nos obriga a utilização de pilhas de papel. Ao contrário, o EEG digital é exibido na tela do monitor colorido, após ser SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG Referências 1. 2. 3. 4. Lima, M.M. Estudo dos focos da linha média em uma população. São Paulo, 1997, 111 pg. Tese - Mestrado - Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Jasper, H. The ten-twenty electrode system of the International Federation. Electroenceph clin Neurophysiol, 10:371-5, 1958. Silva, D.F.; Lima, M.M.; Anghinah, R.; Zanoteli, E.; Lima, J.G.C. Atypical EEG pattern in children with absence seizures. Arq Neuropsiquiatr, 53:258-61, 1995. Lombroso, C.T. Consistent EEG focalities detected in subjects with primar y generalized epilepsies monitored for two Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 146 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. decades. Epilepsia, 38:797-812, 1997. Kudo, T.; Sato, K.; Yagi, K.; Seino, M. Can absence status epilepticus be of frontal lobe origin? Acta Neurol Scand, 92:472-7, 1995. Coelho, C.M.F. Estudo do dipólo rolândico em uma população. São Paulo, 1996, 120 pg. Tese - Mestrado - Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Djabraian, A.A.F.; Coelho, C.M.F.; Pradella-Hallinan, M.; Silva, D.F. A study of dipole rolandic spikes in partial epilepsies of childhood. Epilepsia, 1997; 38(Suppl 3):119. Nor mand, M.M.; Wszolek, Z.K.; Klass, D.W. Temporal intermittent rhythmic delta activity in electroencephalograms. J Clin Neurophysiol, 12:280-4, 1995. Dulac, O.; Plouin, P.; Jambaqué, I. Predicting favorable outcome in idiopathic West Syndrome. Epilepsia, 34:747-56, 1993. Lerman, P.; Kivity-Ephraim, S. Focal epileptic EEG discharges in children not suffering from clinical epilepsy: etiology, clinical significance, and management. Epilepsia, 22:551-8, 1981. Asokan, G.; Pareja, J.; Niedermeyer, E. Temporal minor slow and sharp EEG activity and cerebrovascular disorder. Clin Electroenceph, 18:201-10, 1987. Wells, C.R.; Labar, D.R.; Solomon, G.E. Aphasia as the sole manifestation of simple partial status epilepticus. Epilepsia, 33:84-7, 1992. Hanson, P.A.; Chodos, R. Hemiparetic seizures. Neurology, 28:920-23, 1978. Walker, M.C.; Smith, J.M.; Sisodiya, S.M.; Shorvon, S.D. Case of simple partial status epilepticus in occipital lobe epilepsy misdiagnosed as migraine: clinical, electrophysiological, and magnetic resonance imaging characteristics. Electroenceph cli. Neurophysiol, 36:1233-6, 1995. Djabraian, A.A.F.; Pradella-Hallinan, M.; Silva, D.F. Continuous spikes and waves during slow sleep: a study of 15 cases from Brazil. Epilepsia, 38(Suppl 3):121, 1997. Gokyigit, A.; Caliskan, A. Diffuse spike-wave status of 9-year duration without behavioral change or intellectual decline. Epilepsia, 36:210-3, 1995. Gastaut, H. Benign epilepsy of childhood with occipital paroxysms. In: Roger, J.; Dravet, C.; Bureau, M.; Dreifuss, F.E.; Wolf, P., ed. Epileptic Syndromes in Infancy, Childhood and Adolescence. John Libbey & Company Ltd., London, 1., 1985, pp. 159-70. Devinsky, O.; Kelley, K.; Porter, R.J.; Theodore, W.H. Clinical and electroencephalographic features of simple partial seizures. Neurology, 38:1347-52, 1988. Bare, M.A.; Bur nstine, T.H.; Fisher, R.S.; Lesser, R.P. Electroencephalographic changes during simple par tial seizures. Epilepsia, 35:715-20, 1994. Prinz, P.N.; Vitiello, M.V. Dominant occipital (alpha) rhythm frequency in early stage Alzheimer’ s disease and depression. Electroenceph clin Neurophysiol, 73:427-32, 1989. Ehle, A.L.; Johnson, P.C. Rapidly evolving EEG changes in a case of Alzheimer disease. Ann Neurol, 1:593-5, 1977. Watson, C.P. Clinical similarity of Alzheimer and CreutzfeldtJakob disease. Ann Neurol, 6:368-9, 1979. SILVA, D.F. & LIMA, M.M. – Aspectos Gerais e Práticos do EEG 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. Furlan, A.J.; Henry, C.E.; Sweeney, P.J.; Mitsumoto, H. Focal EEG abnor malities in Heidenhain’s variant of JakobCreutzfeldt disease. Arch Neurol, 38:312-4, 1981. Tietjen, G.E.; Drury, I. Familial Creutzfeldt-Jakob disease without periodic EEG acticity. Ann Neurol, 28:585-8, 1990. Brechet, R.; Sicard, C.; Moret-Chalmin, C.; Olivesi, L.; Cathala, F.; Brown, P.; Cathala, H.P. Étude électro-encéphalographique de vingt-cinq cas de maladie de Creutzfeldt-Jakob. Rev. EEG Neurophysiol., 10:55-63, 1980. Mandell, A.M.; Alexander, M.P.; Carpenter, S. CreutzfeldtJakob disease presenting as isolated aphasia. Neurology, 39:55-8, 1989. Hormes, J.T.; Benarroch, E.E.; Rodrigues, M.; Klass, D.W. Periodic sharp waves in baclofen-induced encephalopathy. Arch Neurol, 45:814-5, 1988. Smith, S.J.M.; Kocen, R.S. A Creutzfeldt-Jakob like syndrome due to lithium toxicity. J Neurol Neurosurg Psych, 51:120-23, 1988. Soikkeli, R.; Partanen, J.; Soininen, H.; Paakkonen, A.; Riekkinen Sr., P. Slowing of EEG in Parkinson’ s disease. Electroenceph Clin Neurophysiol, 79:159-165, 1991. Silva, D.F.; Zanoteli, E.; Lima, M.M.; Anghinah, R.; Lima, J.G.C. Subclinical rhythmic electrographic discharge of adult: an atypical evolution. Arq Neuropsiquiatr, 53:266-9, 1995. Silva, D.F.; Lima, M.M.; Kanda, P.M.; Anghinah, R.; Zanoteli, E.; Lima, J.G.C. Atypical pattern related to 14Hz positive spikes. Arq Neuropsiquiatr, 53:262-5, 1995. Silva, D.F.; Lima, M.M.; Anghinah, R. Variantes benignas do eletrencefalograma. Rev Neurociências, 2:14-8, 1994. Marret, S.; Parain, D.; Jeannot, E.; Eurin, D.; Fessard, C. Positive rolandic sharp waves in the EEG of the premature newborn: a five year prospective study. Arch Dis Child, 67:94851, 1992. Bricolo, A.; Turella, G. Electroencephalographic patterns of acute traumatic coma: diagnostic and prognostic value. J Neurosurg Sci, 17:278-85, 1973. Chatrian, G.E.; Lowell, M.D.; White, E. Jr.; Shaw, C.M. EEG pattern resembling wakefulness in unresponsive decerebrate state following traumatic brain stem infarct. Electroenceph Clin Neurophysiol, 16:285-9, 1964. American Electroencephalographic Society Committee. Guideline three: minimum technical standards for EEG recording in suspected cerebral death. J Clin Neurophysiol, 3(Suppl. 1):12-7, 1986. Silva, D.F.; Lima, M.M.; Anghinah, R.; Lima, J.G.C. Mapeamento Cerebral. Rev. Neurociências, 3:11-18, 1995. Endereço para correspondência: Délrio Façanha da Silva Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina – Disciplina de Neurologia Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] Rev. Neurociências 6(3): 137-146, 1998 147 RELATO DE CASO Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: Relato de um Caso com Imagem Radiológica Atípica Mario Fernando Prieto Peres* Roberto Gomes Nogueira** Míriam Vera Chirciu*** João Norberto Stávale**** Alberto Alain Gabbai***** RESUMO Os autores apresentam um caso de acidente vascular cerebral isquêmico com uma imagem radiológica atípica, com realce periférico da lesão à tomografia computadorizada com contraste, assemelhando-se a imagem neoplásica. O diagnóstico foi feito pelo exame anatomopatológico. UNITERMOS Acidente vascular cerebral, circulação de luxo, neurorradiologia. * Médico Residente da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. ** Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. *** Médica Residente da Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. **** Professor Adjunto do Departamento de Patologia Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. *****Professor Titular de Neurologia da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. RELATO DE CASO JAS, 60 anos, sexo feminino, parda, veio encaminhada de um hospital de atendimento primário com história de rebaixamento súbito do nível da consciência, diminuição da força muscular no hemicorpo esquerdo e abalos musculares localizados em membro superior esquerdo. Ao exame de entrada, a paciente apresentava-se do ponto de vista clínico com hipertensão arterial, níveis oscilando entre 180x110 e 160x100 mmHg, ausculta cardíaca não apresentava sopros, era rítmica e hipofonética. Ausculta respiratória evidenciava estertoração em dois terços inferiores de hemitórax direito, ritmo respiratório regular, freqüência elevada e fadiga respiratória. Exame neurológico revelou paciente não-responsiva a comandos verbais, desvio do olhar conjugado para direita, resposta motora ausente em dimídio esquerdo, localizava à dor no hemicorpo direito, paresia facial central esquerda. Reflexo cutâneo-plantar sem resposta à esquerda, em flexão à direita. Apresentava assimetria de reflexos comparando-se os dimídios. Pupilas isocóricas e fotorreagentes, restante do exame sem anormalidades. Familiares relataram antecedente pessoal da paciente de hipertensão arterial de controle irregular. Foi realizada intubação orotraqueal e instalada ventilação mecânica nos primeiros momentos da paciente no setor de emergência do Hospital São Paulo. O exame radiológico convencional do tórax mostrou imagem sugestiva de broncoaspiração e a paciente recebeu antibioticoterapia adequada. Exames de bioquímica e hematológicos na entrada não revelaram alterações. O eletrocardiograma mostrou hipertrofia ventricular esquerda. A tomografia computadorizada de crânio (figura 1) mostrou imagem hipodensa na região fronto-temporal direita com limites irregulares e com realce perilesional ao contraste. PERES, M.F.P.; NOGUEIRA, R.G.; CHIRCIU, M.V.; STÁVALE, J.N. & GABBAI, A.A. – Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: Relato de um Caso com Imagem Radiológica Atípica Rev. Neurociências 6(3): 147-149, 1998 148 FIGURA 1 Imagem frontal direita, não respeitando território vascular, com realce periférico da lesão e desvio de linha média. A paciente apresentou piora do ponto de vista clínico, entrando em sepse e evoluindo a óbito três dias após a internação, sendo realizada necrópsia. ANATOMOPATOLOGIA O exame anatomopatológico mostrou que a lesão interpretada inicialmente como neoplasia primária do sistema nervoso central apresentava amolecimento isquêmico em organização, sendo um acidente vascular cerebral isquêmico. Apresentava também aterosclerose generalizada, aorta e ramos, e vasos do polígono de Willis. Hipertensão arterial sistêmica foi confirmada pelos achados de hialinização de vasos do córtex cerebral e arteríolas renais. DISCUSSÃO No presente caso, relatamos uma apresentação radiológica atípica de um acidente vascular cerebral isquêmico. Segundo Osborne1, o diagnóstico clínico pode ser inexato em cerca de 10% dos casos de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI), e outras doenças como neoplasias e infecções podem apresentar uma manifestação inicial súbita, e ter os mesmos sinais localizatórios, assemelhando-se a uma doença vascular cerebral. Os achados que sugerem AVCI são: o início súbito do acometimento neurológico, fatores de risco para doença vascular, imagem radiológica afetando substância branca e cinzenta, de aspecto cuneiforme ou giriforme, e de típica distribuição vascular 2. Os aspectos clássicos de neoplasia 3 incluem a evolução gradual dos sintomas. A imagem radiológica apresenta característica arredondada ou infiltrativa, podendo poupar o córtex cerebral, e não está confinado a nenhum território arterial específico. Com a injeção de contraste, a imagem radiológica de um AVCI pode ter um realce periférico que denominamos “circulação de luxo”, adaptado do termo em inglês luxury perfusion 4. Esse achado, porém, pode aparecer em casos de encefalite, neoplasia infiltrante ou até mesmo contusão cerebral, o que torna dificultada por vezes a interpretação do exame de imagem5,6. PERES, M.F.P.; NOGUEIRA, R.G.; CHIRCIU, M.V.; STÁVALE, J.N. & GABBAI, A.A. – Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: Relato de um Caso com Imagem Radiológica Atípica Rev. Neurociências 6(3): 147-149, 1998 149 Estudo recente7 revelou que em apenas 0,05% dos casos de acidente vascular cerebral, havia uma imagem incidental sugestiva de neoplasia do sistema nervoso central. Outros métodos de imagem podem ser utilizados, para melhor diferenciar o diagnóstico, entre eles a ressonância magnética 6,8 , a angiorressonância 9 , o SPECT10 e o PET 11. 4. SUMMARY 7. Acute Ischemic Stroke: Case Report with an Atypical Radiologic Image The authors report an uncommon case of acute ischemic stroke with an atypical radiologic image, showing a peripheral contrast enhancement lesion on the computerized tomography, resembling a neoplastic disease. The diagnosis was made by autopsy. 5. 6. 8. 9. KEY WORDS Stroke, luxury perfusion, neuroradiology. Referências 1. 2. 3. Osborne A.G. Ictus In: Neurorradiologia diagnóstica. Ed. Mosby. Madrid. Cap 11: Pp 330-381. Bryan R.N.; Caille J.M.; Chakeres D.W.; DeBrun G.; Dillon W.P.; Fram E.K.; Lo W.W.; Masaryk T.J.; Mawad M.E.; Moody D.M.; et al. Highlights of the 29 th annual meeting of the American Society of Neuroradiology, Washington, DC, June 9-14, 1991. AJNR Am J Neuroradiol, 12:1241-9, 1991. Wen, P.Y.; Fine HA; Black P.M.; Shrieve D.C.; Alexander E. Loeffler J.S. High-grade astrocytomas. Neurologic clinics. 1995, 13 (4) pp. 875-900. 10. 11. Infeld B.; Davis S.M.; Donnan G.A.; Lichtenstein M.; Baird A.E.; Binns D.; Mitchell P.J.; Hopper J.L. Streptokinase increases luxury perfusion after stroke. Stroke, 27:1524-9, 1996. Marchal G.; Furlan M.; Beaudouin V.; Rioux P.; Hauttement J.L.; Serrati C.; de la Sayette V.; Le Doze F.; Viader F.; Derlon J.M.; Baron J.C. Early spontaneous hyperperfusion after stroke. A marker of favourable tissue outcome? Brain, 119, ( Pt 2):409-19, 1996. Runge V.M.; Muroff L.R.; Wells J.W. Principles of contrast enhancement in the evaluation of brain diseases: an overview. J Magn Reson Imaging, 7:5-13, 1997. Yue N.C.; Longstreth W.T. Jr; Elster A.D.; Jungreis C.A.; OLeary D.H; Poirier V.C. Clinically serious abnormalities found incidentally at MR imaging of the brain: data from the Cardiovascular Health Study. Radiology, 202:41-6, 1997. Hagen T.; Bartylla K.; Stoll M.; Piepgras U. Perfusion-MRI in cerebral infarct. Radiologe, 37:865-70, 1997 Van Hemer t R.L. MRA of cranial tumors and vascular compressive lesions. Clin Neurosci, 4:146-52, 1997. Weir C.J.; Bolster A.A.; Tytler S.; Murray G.D.; Corrigall R.S.; Adams F.G.; Lees K.R. Prognostic value of single-photon emission tomography in acute ischaemic stroke. Eur J Nucl Med, 24:21-6, 1997. Brooks D.J. The clinical role of PET in cerebrovascular disease. Neurosurg Rev, 14:91-6, 1991. Endereço para correspondência: Mario Fernando Prieto Peres Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina – Disciplina de Neurologia Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-900 São Paulo (SP) E-mail: [email protected] PERES, M.F.P.; NOGUEIRA, R.G.; CHIRCIU, M.V.; STÁVALE, J.N. & GABBAI, A.A. – Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: Relato de um Caso com Imagem Radiológica Atípica Rev. Neurociências 6(3): 147-149, 1998 150 AGENDA • II Congresso Paulista de Neurologia 13 a 15 de maio de 1999 Campos do Jordão, SP Departamento de Neurologia da Associação Paulista de Medicina Inf.: Setor de Eventos Científicos da APM Fone: (011) 232-3141 Fax: (011) 3107-7979 AGENDA • II Congresso Brasileiro de Doenças Cerebrovasculares 18 a 20 de novembro de 1999 Pousada do Rio Quente – Goiás, GO Inf.: Classe Promoções e Eventos Telefax: (062) 241-7399 Fone: (062) 241-6021 e-mail: [email protected] Rev. Neurociências 6(3): 00-00, 1998