“Doctor, do you speak english? No, I don't (Freud)- Yes, I do (Lacan).”; Por uma clinica possível da psicose. Silvana Mary da Cunha Feitosa1 Juçara Rocha Soares Mapurunga2 O presente trabalho pretente, atraves do recorte de um caso clinico, discutir a questão da transferencia na psicose. Neusa Santos Souza(1991) aponta em seu livro As Psicoses- Um Estudo Lacaniano que “uns dizem que o psicotico não transfere; outros, ao contrario, que a transferencia nela é maciça”. Assim, o caso clinico de um paciente de 79 anos, que foi atendido por 6 meses no serviço de psicologia de uma universidade serviu como base para construção desse trabalho. Esse trabalho tentara apontar como o manejo da clinica da psicose se modificou desde Freud para Lacan ate a clinica atual. Freud em seus textos pre-psicanalisticos atribuiu inicialmente a paranoia a uma neurose de defesa, pois acreditava que esse mecanismo de defesa estava associado a da histeria e a obsessão com o da paranoia cronica, em sua forma patologica. Assim, para ele - uma pessoa se torna paranoica por coisas que nao tolera.(1986a, p.247). De acordo com Simanke(2009) “Freud acredita a paranoia um mecanismo especial para a repressão; esta, que na histeria teria agido por conversão e na neurose obsessiva por substituicao ou deslocamento do afeto ao longo de determinadas trilhas associativas, maifesta-se na paranoia sob forma de projecao”Mais adiante, apos elaborar sua teoria sobre o narcisismo em 1914, Freud realiza da divisao de fenomenos clinicos entre neuroses atuais e neuroses de defesa. Freud cunha o termo neurose narcisica em oposicao ao termo neurose de transferencia no sentido nosografico. Assim, na neurose narcisica a capacidade de transferencia, isto é, capacidade de estabelecer vinculos libidinais com objetos, o que permite, na clinica o surgimento do fenomeno da transferencia, mola propulsora do tratamento esta perdida ou ao menos seriamente prejudicada. Assim, ao escrever Analise Terminavel e Interminavel(1937), na secao V deste ensaio, Freud toma como exemplo o caso do psicotico “ aquele que o comprometimento do ego é tao profundo que o esforço analitico de estabelecer uma aliança com fins terapeuticos fracassa sistematicamente. Assim, a transferencia na psicose trata-se portanto de uma questao tecnica e nao metapsicologica. Para Freud, assim, “ha uma inacessibilidade de individuos psicoticos aos instrumentos da psicanalise.” Ja, Lacan acreditava, de acordo com a sua experiencia clinica, que o analista ao ocupar a posicao de secretario do alienado, assim como descrita por Lacan no seu seminario 3 de 1955, pode direcionar o tratamento do sujeito psicotico, ou os fora-do discurso. Antonio Quinet em seu livro Psicose e laço social aponta que “nao ha tratamento que nao seja efetivado atraves de um discurso, Nesse sentido, todo tratamento se insere no laço social.” O caso clinico utilizado para embasar o trabalho, diz respeito, ao atendimento de um senhor de 79 anos encaminhado para psicoterapia pelo serviço de psiquiatra do uma instituição de saude mental. Apos ser levado ao atendimento deste hospital por entrar em crise. Encontrava-se sem dormir e agitado ha alguns dias. A família se dizia preocupada, pois o paciente, apesar da idade, estava saindo de casa de madrugada para longos passeios pela cidade.Para Quinet, “o paranoico faz laço social muito rigido devido a identificacao imediata com o significante ideal, ao qual ele se encontra retido devido ao mecanismo de Verhaltung (retençao)”. O paciente chegou para o atendimento no Serviço de Psicologia Aplicada acompanhado pelo seu filho e ao encontrar com a analista, ainda na recepção faz, de imediato, a seguinte perguntaDoctor, Do you speak engish? A analista responde- I do!. A resposta da analista, nesse caso, foi dada por acreditar que o analista ao ocupar a posicao de secretario do alienado pode direcionar o tratamento do sujeito psicotico, ou os fora-do discurso. De acordo com Souza (1991)” do ponto de vista clinico, o trabalho com psicoticos sempre foi polemico, tendo um carater de excepcionalidade. A rigor, a psicanalise é uma pratica própria a neuroticos.Em relacao a eles os conceitos clinicos perdem quase que completamente sua consistencia e referencia” Desta forma, pode-se discutir como o manejo da tranferencia na psicose pode ser possível na clinica individual.O paciente ja possuia 39 anos de internacoes em diferentes hospitais e clinicas psiquiatricas. Foi submetido aos mais diversos tratamentos, dentre eles, o choque eletrico. A família, naquele instante, buscando a analise, queria evitar que o paciente voltasse a ser internado, pois em sua avançada idade havia certo receio quanto ao uso excessivo de psicofármacos e novas internacoes. Assim, sua familia procurava zelar por sua seguranca.Iniciaram-se as sessões com a frequencia de 2 vezes por semana, durante 6 meses. Sr. F intercalava a lingua portuguesa e a inglesa. Relatou que aprendeu ingles em 16 anos de estudo e foi motivado por conhecer alguns americanos da igreja evangelica de sua cidade. Ele se reconhecia como autodidata e dizia ter estudado atraves de gramaticas e dicionarios. De acordo com ele, “estudei todo o dicionario de ingles-portugues durante 16 anos”. Para Quinet, “o autodidatismo é uma caracteristica megalomaniaca. O paranoico nao admite um outro como seu mestre porque ele é o mestre” Relatava que gostava muito das sessões pois sentia-se a vontade falando ingles, algo que nao podia fazer na cidade onde morava, pois ‘ quase ninguem falava ingles’. A analista respondia as suas perguntas e era elogiada pela fluencia na lingua inglesa. Ele dizia- ‘ como é bom conversar com alguem que me entende”. Assim, Souza(1991) ao analisar o caso de um paciente relata, “se dedicou a estudar línguas estrangeitas para traduzir automaticamente, “o mais rapido possivel” as palavras ouvidas na língua materna, “esta maldita língua, o ingles”. Coisa nociva, coisa ruim- eis o estatuto dessa palavra materna é causa de reacões agudas que lhe tornara tao doloroso escuta-la se não pudesse, rapido, converter seus vocabulos em palavras estrangeiras ou destrui-las” Desta forma, a apreensao da língua inglesa por parte do paciente analisado funciona dentro de sua metafora delirante como uma forma de defesa desta língua materna tao avassaladora. Assim, ao utilizar a língua inglesa com a analista conseguiu inclui-la em seu delirio fazendo um possível direcionamento do tratamento da psicose. Colette Soler( 2007) aponta que se na neurose o trabalho de transferencia consiste na ligação libidinal com um Outro feito objeto, na psicose esse trabalho consiste, não do retorno do recalcado, mas no “ retorno do real”. Sendo assim, o delirio é um trabalho de auto-elaboração, no que Lacan chama de “eficacia do sujeito”. Desta forma, o trabalho do psicanalista seria certificar-se que esse delirio pode ser incluido no discurso psicanalitico. Continua Soler(2007) “ o sujeito não inventa, mas toma emprestado do Outro, quase sempre materno, um significante que lhe permite, pelo menos por algum tempo, cobrir um ser de pura conformidade o ser imundo que ele tem a certeza de ver”. Desta forma, o uso da língua inglesa pelo paciente consistiu esse emprestimo do Outro, que de alguma forma, lhe dava alivio e possibilitou a transferencia. REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS FREUD, Sigmund. Análise Terminável e Interminável, 1937 –E.S.B. Vol. XXIII LACAN, Jacques. O Seminário: Livro 3 as psicoses. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. 376 p. QUINET, Antonio. Psicose e Laço Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. 236 p. SIMANKE, Richard. A formação da teoria freudiana das psicoses. São Paulo: Edições Loyola. 2009.258 p. SOLER, Collete. O inconsciente a ceu aberto. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. 261 p. SOUZA, Neuza Santos. A Psicose Um Estudo Lacaniano. Rio de Janeiro: Campus, 1991. 80 p.