QUEM NÃO É “DESENVOLVIMENTISTA”

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A AUSÊNCIA DE PROGRAMAS DE GOVERNO
Ubiratan Iorio
(publicado em 14/8/02 )
O debate ao vivo entre os presidenciáveis transmitido recentemente pela
TV revelou claramente que os quatro principais candidatos ao cargo máximo do
país têm duas características comuns: a primeira é que são todos de esquerda – e
fazem questão de proclamar isso - e a segunda é que nenhum deles apresenta
algo a que se possa chamar de “programa de governo”.
A causa da irresponsabilidade que é transformar o que deveriam ser
plataformas completas em meras declarações desencontradas de intenções é,
obviamente, moral e decorre da debilidade de nosso sistema político. Não temos
partidos na verdadeira acepção da palavra, o máximo que temos são grupos de
pessoas reunidas em torno de objetivos – muitas vezes, obscuros – comuns. Não
temos, nem de longe, uma concepção federalista, já não diríamos nos moldes dos
Founding Fathers, mas pelo menos algo que se assemelhe a pálidos princípios
gerais de subsidiariedade. Não temos estadistas, o que prolifera é o oportunismo
em todos os níveis. Não temos, por parte de uma população com baixo nível de
capital humano, cobranças efetivas das promessas de campanha dos candidatos
aos diversos cargos. Como desejar que quem aceitou passivamente que a carga
tributária fosse brutalmente elevada, como tem ocorrido nos oito anos de
tucanato, sem pelo menos exigir que os recursos dos impostos revertesem em seu
benefício, como desejar, repetimos, que essa população possa cobrar realismo e
coerência dos candidatos em seus programas de governo?
O Brasil não tem instituições partidárias bem fundamentadas e
programáticas e não existe representatividade em nosso sistema político, o que
explica que, em nosso país, se vote em pessoas, não em idéias. Isso esclarece,
talvez, um aparente paradoxo: o de nosso universo eleitoral, que tem,
historicamente, conforme atestam diversas evidências de eleições e situações
passadas, apenas de 20% a 30% de eleitores que votam sempre em candidatos
de esquerda, mas que será forçado a escolher, no próximo pleito, entre quatro
candidatos de esquerda: um socialista retrógrado e patrimonialista, outro
pretensamente sofisticado, um terceiro não mais que populista e, por fim, um
quarto, envergonhado, que nunca teve coragem para assumir-se nem como
socialista nem como liberal e cujo partido tem preferido refugiar-se, nos quase
oito anos em que está no poder, no discurso enganador da social-democracia que,
por sinal, não é mais do que um pleonasmo, pois toda democracia, por definição,
é “social”.
O primeiro candidato, embora venha evitando dizê-lo, detesta o mercado; o
segundo já mostrou no passado que gosta de dar “ordens” ao mercado; o terceiro,
segundo suas próprias palavras, “acredita” no mercado, mas não abre mão de
nele intervir em benefício dos sempre nebulosos “interesses sociais”; e o quarto,
com certeza, nem sabe o que vem a ser mercado...
O fato – irrefutável e grave – é que de 70% a 80% dos eleitores, que
historicamente não são de esquerda, não estão sendo representados!
Essa incrível falta de representatividade não é de hoje e só poderá ser
corrigida na medida em que surjam novas pessoas, talvez novos partidos, com
uma proposta modernizadora de aperfeiçoamento das instituições, sob a égide do
federalismo, de uma verdadeira separação de poderes e de um sistema político
realmente representativo, com partidos programáticos, para que todos os
eleitores, de todo o espectro político, possam votar em idéias que se assemelhem
às suas e não em pessoas que os enganam permanentemente com promessas e
que assumem as posições mais conflitantes sob o ponto de vista doutrinário,
desde que lhes rendam votos. Políticos, enfim, que se assemelham a rolhas de
cortiça, pois flutuam em qualquer líquido e que buscam alianças que, de tão
intragáveis, fazem-me lembrar de um ex-professor de latim dos meus tempos de
ginásio, quando dizia, em tom de brincadeira: “piranharum flumen, saurius dorsus
nadat”, ou seja, em rio de piranhas, o jacaré nada de costas...
Não há programas de governo. Há apenas promessas: de empregos, de
crescimento, de aumento de exportações e até de “fazer com que máquina pague
imposto”! Göethe avisou: “não digas que darás, mas dá! Nunca satisfarás a
esperança”. Mas bem que poderia ter acrescentado: poderás, contudo, conseguir
eleger-te...
Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ
MORAL, ECONOMIA E POLÍTICA
Ubiratan Iorio
(publicado em 5/8/02)
O que se denomina holisticamente de sociedade é a integração de três
grandes sistemas: o político, o econômico e o moral-cultural. Esses
compartimentos possuem ritmos diferentes de evolução e seguem normas
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distintas, que legitimam formas de conduta diferentes e, não raro, contrastantes.
As divergências e conflitos entre eles costumam gerar muitas das contradições
que costumam ocorrer nas sociedades.
Cada um dos três sistemas possui instituições especiais e métodos,
disciplinas e padrões, propósitos e limites, atrações e repulsões; cada um tem seu
próprio ethos e costuma, além disso, criar problemas e soluções para os outros
dois. Essas tensões são desejáveis em um sistema pluralista, porque é a partir do
fluxo de centelhas resultantes de seu contato que saem a energia para o
progresso e a capacidade de correção interna, em um processo contínuo de
evolução não planificada.
O homem que age e reage no campo moral é o mesmo homem racional e
volitivo que age e reage nos campos econômico, político, religioso, cultural,
esportivo e das artes. Nossa vida, queiramos ou não, está condicionada à
economia que, por sua vez, está subordinada à quantidade e à qualidade dos
bens produzidos nas atividades produtivas, que são o campo cheio de vida e
animação em que deve florescer a liberdade interior dos indivíduos, das
associações de indivíduos e das relações entre indivíduos, relações que se
constituem na fonte da responsabilidade e, portanto, da moralidade das ações
humanas, das virtudes e dos vícios que existem no mundo.
Quando ocorre uma deterioração simultânea nos três componentes do
sistema social, este fica contaminado de maneira generalizada, o que aumenta a
instabilidade da sociedade. Com efeito, se um dos sistemas apresenta deficiências
em seu funcionamento, estas podem ser compensadas durante algum tempo, na
medida em que os outros dois sistemas continuem operando satisfatoriamente.
Nesses casos, tudo se passa como se esses últimos assumissem o ônus de levar
adiante a sociedade, embora sem a colaboração do primeiro.
Mas quando, como vem ocorrendo em muitos países e, especialmente, no
Brasil, os três sistemas apresentam simultaneamente graves deficiências, o País
pára, pois a deterioração do tecido moral termina contaminando todo o organismo.
Aí, a economia não consegue andar para a frente (nem, muito menos, distribuir) e
a política não é capaz de desempenhar seu papel de servir aos cidadãos.
As ligações entre ética, política e economia tornam-se evidentes quando
analisamos o papel sofrível que o Estado - os três poderes e as três esferas - vem
desempenhando, já há bastante tempo, na sociedade brasileira, em termos dos
serviços essenciais que a população que o legitima e o sustenta dele espera.
Alguém duvida de que vivemos uma situação de anomia generalizada, em que os
brasileiros deixaram de crer no funcionamento adequado das instituições?
A atividade econômica não se realiza num vazio moral, institucional, jurídico
e político como o que se vê. Pelo contrário, pressupõe segurança no que se refere
à vida, à liberdade e à propriedade, moeda estável, leis justas, respeito a
contratos, serviços públicos eficientes, receita tributária bem aplicada e um
sistema político realmente representativo. A principal tarefa do Estado é a de
garantir essa segurança, para que os que trabalham e produzem possam gozar
dos frutos de seu esforço e sentirem-se estimulados a agir com eficiência e
honestidade.
Essa falta total de segurança que nos assola, acompanhada pela corrupção
dos poderes públicos e pela difusão de um ambiente de imoralidade que
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ridiculariza quem contra ele se insurge, é o maior dos obstáculos ao
desenvolvimento da economia e à própria paz dos cidadãos.
Na vida humana – da qual a econômica é parte – a primazia da moral é
uma lei demonstrável e fundamental para a prosperidade, um princípio empírico
que não pode ser violado, sob pena de fomentar os vícios tão conhecidos pelos
brasileiros, como a corrupção, a preguiça, a criminalidade, o déficit público, a
extorsão tributária, as alianças políticas espúrias como as que estamos assistindo
e tantos outros que, como traças, estão corroendo a sociedade.
O País, doente, clama por verdadeiros valores morais!
Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da
Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ
A TAXA DE JUROS, A CIGARRA E A FORMIGA
Ubiratan Iorio
(publicado em 24/7/02)
A revisão de 3,25% para 4% na meta de inflação para o ano de 2003 e o
aumento de quatro para cinco pontos percentuais na margem de erro do sistema,
longe de representarem motivos de alegria, são razões para preocupações.
Toda ação de política econômica produz efeitos de curto prazo - que se
vêem -, mas também resultados de longo prazo - que não se vêem, mas que
devem ser previstos. A tradição keynesiana de preocupar-se só com o curto prazo,
pois “no longo prazo todos estaremos mortos”, tem sido desastrosa sob os pontos
de vista econômico e político, além de configurar um vício moral, por sugerir uma
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pretensa superioridade da filosofia de vida da cigarra sobre a da formiga. A crença
de que sempre que o Banco Central diminui a taxa básica de juros o PIB vai
aumentar é falaciosa. É o efeito que se vê. Até porque ninguém pode entrar, por
exemplo, em uma padaria e pedir ao balconista um quilo de PIB...
A taxa de juros deve ser baixa para estimular a demanda e alta para
incentivar a oferta de loanable funds (fundos para empréstimos). Os
investimentos, para que se transformem em crescimento econômico, precisam
estar lastreados em poupança genuína e não em expansões artificiais do crédito.
Esta é a síntese de uma boa teoria, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
Quando a taxa de juros é estabelecida em nível inferior ao natural (aquele
que igualaria, em um mercado livre, a oferta de poupança e a demanda de
investimentos), normalmente, toda a economia, no curto prazo, vai ser
beneficiada, mas os benefícios não serão os mesmos para todos: serão maiores
nos estágios da cadeia produtiva que produzem bens de capital, porque os valores
presentes dos projetos de investimentos nesses setores aumentam mais do que
os dos projetos de investimentos nos setores próximos ao consumo final. São os
efeitos que se vêem, a primeira fase dos ciclos econômicos. É a vitória de Pirro da
cigarra sobre a formiga: para que poupar? Vamos gastar cada vez mais! Keynes
defendeu esse vício moral, chamando-o de paradoxo da poupança...
Mas sobrevirão efeitos que, embora invisíveis, devem ser previstos: como
não houve aumento na disposição de poupar, as rendas geradas nos setores de
bens de capital vão se transformar em demanda por bens de consumo que ainda
não ficaram prontos! É a segunda etapa na cronologia dos ciclos, em que a maior
demanda de loanable funds nos setores de consumo vai gerar um cabo-de-guerra,
uma disputa por mais crédito, cujo efeito será o de elevar a taxa de juros,
configurando a terceira fase.
O quarto capítulo é a recessão nos setores de bens de capital. Os ganhos
iniciais são jogados ladeira abaixo, com um agravante: agora, a economia já está
contaminada pela inflação e pelo desemprego, pois emitiu-se moeda falsa (sem
lastro em poupança) na primeira fase. O desemprego não é provocado por
poupança de mais e investimento de menos, mas por investimento de mais e
poupança de menos!
Na fase derradeira, a economia tenderá a voltar para uma situação
semelhante à que prevalecia antes da expansão artificial do crédito. Se o Governo
estimular novas quedas artificiais de juros na tentativa de fazer a economia
retornar à primeira etapa do ciclo, estará gerando inflação e desemprego! Eis a
verdadeira explicação para a Grande Depressão dos anos trinta, bem como para a
crise da economia japonesa dos anos noventa: o crédito falsamente barato e
abundante de hoje é o desemprego de amanhã!
A queda nas taxas de juros no Brasil nos próximos meses atende a
finalidades eleitoreiras e não resolverá nossos dilemas macroeconômicos. Os
juros e o risco estão entre os maiores do mundo porque nossos fundamentos
fiscais têm a falsa solidez de uma pedra de gelo.... O Banco Central, face ao atual
nervosismo dos mercados financeiros, deveria deixar o câmbio flutuar e trabalhar
no core do índice usado para controlar a inflação, expurgando-o – como fazem
todos os países que usam a estratégia de inflation targeting – das acidentalidades
que comprometem as metas estabelecidas.
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Afrouxamento da política monetária e queima de reservas para sustentar o
câmbio são medidas que gerarão mais desemprego e a volta da inflação,
marcando a vitória de Cipião da formiga sobre a cigarra...
Vice Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da Faculdade
de Ciências Econômicas da Uerj.
O DRAMA ARGENTINO
Ubiratan Iorio *
(publicado em 6/7/02)
O drama argentino é antigo: vem dos anos quarenta, tempo em que a
economia do país vizinho era a quinta maior do mundo. Sua gênese é simples:
ditaduras de direita, populismo de esquerda, estatismo e políticas de antolhos do
FMI. Nenhum país consegue resistir a essa combinação...
No governo Menem, os recursos externos foram aplicados em projetos de
ampliação do aparato do Estado, com a criação de um grande número de
empregos artificiais no setor público e em grandes empresas privadas,
naturalmente naquelas com robustas influências políticas... Com isso, os
investimentos nas pequenas e médias empresas, especialmente as do setor
exportador, diminuíram. O regime fiscal insalubre praticado pelo populismo político
e sancionado pelo FMI explica porque a quarta parte da dívida dos mercados
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emergentes em títulos está denominada em papéis, federais e provinciais, do
governo argentino! Um inacreditável contra-senso: privatizar para expandir o setor
público! Só mesmo na América Latina e, em especial, na Argentina, país que tem
uma alma bastante difícil de resistir às análises racionais...
Não é difícil apontar as causas do drama argentino: 1. no plano político, o
populismo, tradicional em um país que produziu, entre outros fenômenos, Juan
Domingo, Evita e Isabelita Perón; 2. no econômico, após os desastres dos Planos
Austrais, a teimosia do Ministro Domingo Cavallo, primeiro adotando o “currency
board” e depois insistindo em sua manutenção, mesmo após diversas crises
mundiais e a mudança de regime cambial feita pelo Brasil em 1999 (o “currency
board” era como se um mendigo tentasse entrar para sócio do Country Club...); 3.
no plano moral, a corrupção associada à forte presença do Estado na economia e
aos setores da iniciativa privada por ele privilegiados.
Quais as saídas, considerando o elevadíssimo índice de desemprego, a
fortíssima insatisfação popular e a possibilidade de virem a ocorrer até novas
ameaças à democracia? Infelizmente, não há panacéia nem solução indolor e
existem, a rigor, três possibilidades.
A primeira seria apenas um alívio temporário: a obtenção de novos recursos
do FMI proporcionaria tão somente uma sobre-vida de alguns meses e deve ser
descartada, pois não resolveria a questão crucial de como sair corretamente do
“corralito”. A dolarização da economia, que seria equivalente ao “currency board”
que provocou a crise, deve também ser esquecida.
A segunda seria cruel: a hiperinflação aberta! Como o equilíbrio somente
ocorreria, teoricamente, a salários reais negativos, o que seria inviável na prática,
o Governo provocaria uma hiperinflação, emitindo pesos que permitissem o
desbloqueio das contas bancárias, gerando fortes aumentos de preços e uma
acentuada desvalorização do peso. Cessados seus efeitos, o País, aos poucos,
iria retornando à normalidade. Paralelamente, far-se-ia uma substancial reforma
no Estado, eliminando-se o déficit federal e o das províncias e estimulando-se a
poupança e o investimento privados, a partir de uma redução de impostos da
ordem de 20%.
A terceira seria uma deflação provocada por uma moratória, em que o
Governo repudiaria toda a sua dívida, estabeleceria uma taxa de recolhimento
compulsório de 100% e aceitaria a falência do sistema bancário, impondo perdas
aos depositantes proporcionais aos depósitos. Haveria brusca redução no déficit
público, que precisaria ser complementada com um corte da ordem de 20% tanto
nos gastos como nos impostos, para mudar definitivamente o regime fiscal. Os
investimentos externos, por algum tempo, seriam carta fora do baralho, até que a
credibilidade fosse restaurada.
A recente tentativa de transformar os depósitos bloqueados em títulos só
poderá ter algum êxito caso o Governo mude de fato o regime fiscal do País.
Medidas monetárias isoladas são inócuas: face à gravidade do problema, a
solução está muito mais em um acordo político para eliminar o déficit
crônico do que em malabarismos da política econômica!
Longe de ser efeito de políticas “neoliberais”, a crise vem de sua ausência:
populismo, utilização de recursos de privatizações para expandir o próprio setor
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público e regime de “currency board”, tudo como em um tango com letra bem
trágica...e com o povo passando fome!
Ubiratan Iorio é Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia
Personalista e Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ.
MAS QUE “NEOLIBERALISMO” É ESSE?
Ubiratan Iorio
(publicado em 12/6/02)
Certos argumentos responsabilizando o “neoliberalismo” pelos problemas
do País, apesar de comuns, são falaciosos. Nossa pretensa opção “neoliberal”
teria sido adotada desde o início dos anos noventa, fruto de um tal “consenso de
Washington” de 1989, reunião surrealista em que os representantes dos países
ricos - como se não tivessem mais nada para fazer - teriam decidido que o livre
mercado e a globalização seriam o melhor caminho para e “explorar” as nações
emergentes.
Se houve algum consenso em 1989, não foi em Washington, mas em
Berlim, quando o povo resolveu derrubar aquele muro a golpes de marreta...Por
outro lado , dizer que alguém é um “neoliberal” é uma bobagem tão grande
quanto afirmar, por exemplo, que meu pai foi um tricolor, que eu sou um
“neotricolor”, que meus três filhos são “novos tricolores” e que meus futuros netos
serão “pós-tricolores”...todos, simplemente, torcemos pelo Fluminense, do mesmo
modo que todos, de Adam Smith a Hayek, de Mauá a Roberto Campos, são
liberais. Não é uma questão de adjetivos, mas de substância!
Feita essa ressalva, podemos passar a dados que desnudam a falácia.
Para tanto, podemos nos valer da última edição do Index of Economic Freedom
(2002), publicado pela Heritage Foundation desde 1995 e que monta um ranking
de liberdade econômica individual para 155 países, com base em dez critérios. Em
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uma escala de pontos que varia de 1 (liberdade plena) a 5 (ausência total de
liberdade), o índice mostra, por exemplo, que os países onde há maior liberdade
individual, com os respectivos pontos, são: Hong Kong (1,35) e Singapura ( 1,55),
e os que mais restringem a liberdade individual em todo o planeta são Cuba (que
o PT tanto endeusa, com 4,55), Líbia (4,75) e Iraque e Coréia do Norte (5,00).
O Brasil ocupa, ao lado de Algéria, Gâmbia, Madagascar, Malásia, Paraguai
e Eslovênia, apenas o 79 º lugar no ranking! Mais ainda, eis nossa evolução em
termos de pontuação: 1995-3,30; 1996-3,55; 1997-3,45; 1998-3,45; 1999-3,30;
2000-3,50 e 2001-3,25. Isso evidencia, primeiro, que o Brasil é uma nação com
baixa liberdade econômica, pois nossa média nos oito anos desde que o estudo
vem sendo realizado, que é 3,4, está mais perto de 5, do que de 1. Pelos critérios
da Heritage, países com score menor que 1,95 são considerados free, entre 2 e
2,95 mostly free, entre 3 e 3,95 (caso do Brasil), mostly unfree e, acima de 4,
repressed. Segundo, a baixa oscilação, entre 1995 e 2002, em torno da média de
3,4, mostra claramente que, nos anos do “tucanato”, o Brasil não avançou nas
reformas liberalizantes!
Ao perscrutarmos os países da América Latina e do Caribe, em um total de
vinte e seis, vemos que involuímos, passando do 14º lugar, em 1995, para o atual
17º posto, o que, embora frustrante, pelo menos é um poderoso argumento para
derrubar a tese de que temos um governo “neoliberal”. Comparando o Brasil com
o Chile, o melhor classificado entre os países da América Latina e do Caribe e que
ocupa a nona posição no ranking mundial, observamos que perdemos em nove
dos dez critérios usados para a montagem do índice geral e apenas empatamos
no restante. Olhando para as nossas performances anuais, critério a critério,
vemos que permanecemos estáveis em oito deles: protecionismo, regime fiscal,
intervenção governamental, investimento estrangeiro, bancos e finanças, salários
e preços, direitos de propriedade e regulação, enquanto melhoramos apenas nos
critérios política monetária e mercado informal. “Neoliberalismo” aonde?
Somos um país em que, primeiro, a direita foi incapaz de lançar um
candidato, após a malograda experiência com a governadora do Maranhão, talvez
por ser mais tentador sucumbir às tendências acomodatícias que permitirão que
tudo continue como está; segundo, em que os verdadeiros liberais - que não estão
nem à direita nem à esquerda - são permanentes órfãos de quem os represente
de fato e, por fim, em que os cidadãos são compelidos a escolher apenas entre
candidatos de esquerda, disfarçados ou não, votando em Fulano para que
Beltrano não vença e a ouvir a perpétuo ritornello de que o que está atrapalhando
o Brasil é o “neoliberalismo”. Mas que “neoliberalismo” é esse?
Ubiratan Iorio é Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia
Personalista e Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ.
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QUEM NÃO É “DESENVOLVIMENTISTA”?
Ubiratan Iorio*
“Civitas propter cives, non cives propter civitatem” (adágio romano)
(publicado em 3/6/02)
Alguns políticos e economistas são como as epidemias de dengue: de
tempos em tempos, quando pensamos que suas teses estão erradicadas, voltam
– especialmente em períodos de eleições – à feira social para tentar vender sua
mercadoria apodrecida.
Assim parece ser com os que gostam de se proclamarem
“desenvolvimentistas”, expressão sob a qual sentem-se magicamente revestidos
da aura de bem intencionados, de pessoas boazinhas. São “contra” as taxas de
juros altas, o desemprego, a pobreza, a concentração de renda, a austeridade
fiscal e monetária... como se demais economistas e cidadãos que não comungam
com suas idéias fossem todos uns desequilibrados mentais, que sentem frêmitos
de prazer sempre que o Copom não reduz a taxa básica de juros, ou que a taxa
de desemprego aumenta, ou que a pobreza se espalha, ou que a renda se
concentra...
Quem, gozando de boa saúde mental, pode deixar de ser
desenvolvimentista? Quem não quer ver a economia crescer, empregos sendo
gerados, pobres ascendendo na sociedade e o padrão médio de vida melhorando
continuamente ao longo do tempo? Mas, infelizmente, nenhuma economia cresce
aquilo que querem que cresça e sim o que pode crescer.
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Esse “poder crescer” significa que o verdadeiro crescimento econômico
pressupõe a aglutinação das energias necessárias à acumulação de capital físico,
humano e tecnológico, o que exige investimentos lastreados não em juros
artificialmente baixos, mas em poupança genuína. Essas forças requerem:
ambiente sem inflação e com regras estáveis, trabalho, inteligência, esforço,
criatividade, respeito aos demais, normas de conduta eticamente justas e, acima
de tudo, são bastante estimuladas pela presença da liberdade integral e
inseparável, ou seja, das três liberdades: econômica, política e de consciência!
Não podem e nem devem ser dirigidas pelo Estado, com políticas industriais e de
poupança forçada, com gastos públicos e subsídios a setores pré-escolhidos e
com políticas tributárias metidas a Robin Hood. O desenvolvimento verdadeiro é
tarefa dos cidadãos!
Ao Estado não cabe dirigi-los, mas estimulá-los,
proporcionando-lhes um ambiente institucional favorável.
O “conflito” entre inflação e crescimento é falso e, portanto, não existe
escolha entre inflação e desemprego, pelo simples motivo de que também não se
pode escolher entre comer demais e ter indigestão. Os governos negligentes no
combate à inflação e que buscaram estimular as atividades econômicas mediante
juros artificialmente baixos no lado monetário e desequilíbrios orçamentários no
lado fiscal, conseguiram apenas provocar surtos efêmeros de “crescimento” (com
aspas), logo abortados pela inflação e pelo desemprego que ela sempre gera.
A tese da aceitabilidade de uma taxa maior de inflação para reduzir o
desemprego é falaciosa, teoricamente frágil e já foi desmascarada, tanto pelas
boas teorias econômicas quanto – o que é mais importante – pela história. Como o
dengue e a malária, já deveria estar erradicada, mas, seja por incapacidade de
observação do mundo, por preguiça de raciocinar, por cacoete ideológico ou por
simples ânsia populista, volta sempre à baila em períodos eleitorais. A inflação
não é capaz de diminuir o desemprego, pelo contrário, ela aumenta as taxas
de desemprego! Enquanto houver inflação ou expectativa de que ela poderá
voltar a existir no futuro, não pode haver crescimento sustentado! É triste ainda
termos que enfatizar isso, em pleno ano de 2002...
Se há problemas, que tal contrariarmos Gilberto Amado, que definia
brasileiro como aquele sujeito que confunde sistematicamente causas com
efeitos? Que tal pararmos de culpar o FMI, o Copom, as dívidas externa e interna,
o câmbio flutuante, a globalização, o “neoliberalismo”, as remessas de juros e
lucros para o exterior e a prioridade no combate à inflação? Que tal pararmos de
apontar tantos bodes expiatórios e irmos direto à causa?
A raiz de nossos problemas é a mentalidade estatista que sempre
prevaleceu em nosso país, causadora do déficit público e, por conseguinte, da
inflação, da extorsão tributária que sufoca o trabalho e o capital, das dívidas
externa e interna, do desemprego, da concentração de renda, da falta de
perspectivas de vida, da baixa eficiência, da corrosão dos valores éticos, enfim,
dessa anomia geral em que tudo é desalento. Uma prova da prevalência dessa
mentalidade é que nenhum dos candidatos à Presidência e tampouco seus
assessores podem ser apontados como liberais ou, pelo menos, como defensores
do princípio da integrabilidade e inseparabilidade das liberdades.
A política econômica – e o país - precisam mudar, mas para melhor! É
preciso avançar, e não retroceder!
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Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da
Faculdade de Ciências
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