A AUSÊNCIA DE PROGRAMAS DE GOVERNO Ubiratan Iorio (publicado em 14/8/02 ) O debate ao vivo entre os presidenciáveis transmitido recentemente pela TV revelou claramente que os quatro principais candidatos ao cargo máximo do país têm duas características comuns: a primeira é que são todos de esquerda – e fazem questão de proclamar isso - e a segunda é que nenhum deles apresenta algo a que se possa chamar de “programa de governo”. A causa da irresponsabilidade que é transformar o que deveriam ser plataformas completas em meras declarações desencontradas de intenções é, obviamente, moral e decorre da debilidade de nosso sistema político. Não temos partidos na verdadeira acepção da palavra, o máximo que temos são grupos de pessoas reunidas em torno de objetivos – muitas vezes, obscuros – comuns. Não temos, nem de longe, uma concepção federalista, já não diríamos nos moldes dos Founding Fathers, mas pelo menos algo que se assemelhe a pálidos princípios gerais de subsidiariedade. Não temos estadistas, o que prolifera é o oportunismo em todos os níveis. Não temos, por parte de uma população com baixo nível de capital humano, cobranças efetivas das promessas de campanha dos candidatos aos diversos cargos. Como desejar que quem aceitou passivamente que a carga tributária fosse brutalmente elevada, como tem ocorrido nos oito anos de tucanato, sem pelo menos exigir que os recursos dos impostos revertesem em seu benefício, como desejar, repetimos, que essa população possa cobrar realismo e coerência dos candidatos em seus programas de governo? O Brasil não tem instituições partidárias bem fundamentadas e programáticas e não existe representatividade em nosso sistema político, o que explica que, em nosso país, se vote em pessoas, não em idéias. Isso esclarece, talvez, um aparente paradoxo: o de nosso universo eleitoral, que tem, historicamente, conforme atestam diversas evidências de eleições e situações passadas, apenas de 20% a 30% de eleitores que votam sempre em candidatos de esquerda, mas que será forçado a escolher, no próximo pleito, entre quatro candidatos de esquerda: um socialista retrógrado e patrimonialista, outro pretensamente sofisticado, um terceiro não mais que populista e, por fim, um quarto, envergonhado, que nunca teve coragem para assumir-se nem como socialista nem como liberal e cujo partido tem preferido refugiar-se, nos quase oito anos em que está no poder, no discurso enganador da social-democracia que, por sinal, não é mais do que um pleonasmo, pois toda democracia, por definição, é “social”. O primeiro candidato, embora venha evitando dizê-lo, detesta o mercado; o segundo já mostrou no passado que gosta de dar “ordens” ao mercado; o terceiro, segundo suas próprias palavras, “acredita” no mercado, mas não abre mão de nele intervir em benefício dos sempre nebulosos “interesses sociais”; e o quarto, com certeza, nem sabe o que vem a ser mercado... O fato – irrefutável e grave – é que de 70% a 80% dos eleitores, que historicamente não são de esquerda, não estão sendo representados! Essa incrível falta de representatividade não é de hoje e só poderá ser corrigida na medida em que surjam novas pessoas, talvez novos partidos, com uma proposta modernizadora de aperfeiçoamento das instituições, sob a égide do federalismo, de uma verdadeira separação de poderes e de um sistema político realmente representativo, com partidos programáticos, para que todos os eleitores, de todo o espectro político, possam votar em idéias que se assemelhem às suas e não em pessoas que os enganam permanentemente com promessas e que assumem as posições mais conflitantes sob o ponto de vista doutrinário, desde que lhes rendam votos. Políticos, enfim, que se assemelham a rolhas de cortiça, pois flutuam em qualquer líquido e que buscam alianças que, de tão intragáveis, fazem-me lembrar de um ex-professor de latim dos meus tempos de ginásio, quando dizia, em tom de brincadeira: “piranharum flumen, saurius dorsus nadat”, ou seja, em rio de piranhas, o jacaré nada de costas... Não há programas de governo. Há apenas promessas: de empregos, de crescimento, de aumento de exportações e até de “fazer com que máquina pague imposto”! Göethe avisou: “não digas que darás, mas dá! Nunca satisfarás a esperança”. Mas bem que poderia ter acrescentado: poderás, contudo, conseguir eleger-te... Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ MORAL, ECONOMIA E POLÍTICA Ubiratan Iorio (publicado em 5/8/02) O que se denomina holisticamente de sociedade é a integração de três grandes sistemas: o político, o econômico e o moral-cultural. Esses compartimentos possuem ritmos diferentes de evolução e seguem normas 2 distintas, que legitimam formas de conduta diferentes e, não raro, contrastantes. As divergências e conflitos entre eles costumam gerar muitas das contradições que costumam ocorrer nas sociedades. Cada um dos três sistemas possui instituições especiais e métodos, disciplinas e padrões, propósitos e limites, atrações e repulsões; cada um tem seu próprio ethos e costuma, além disso, criar problemas e soluções para os outros dois. Essas tensões são desejáveis em um sistema pluralista, porque é a partir do fluxo de centelhas resultantes de seu contato que saem a energia para o progresso e a capacidade de correção interna, em um processo contínuo de evolução não planificada. O homem que age e reage no campo moral é o mesmo homem racional e volitivo que age e reage nos campos econômico, político, religioso, cultural, esportivo e das artes. Nossa vida, queiramos ou não, está condicionada à economia que, por sua vez, está subordinada à quantidade e à qualidade dos bens produzidos nas atividades produtivas, que são o campo cheio de vida e animação em que deve florescer a liberdade interior dos indivíduos, das associações de indivíduos e das relações entre indivíduos, relações que se constituem na fonte da responsabilidade e, portanto, da moralidade das ações humanas, das virtudes e dos vícios que existem no mundo. Quando ocorre uma deterioração simultânea nos três componentes do sistema social, este fica contaminado de maneira generalizada, o que aumenta a instabilidade da sociedade. Com efeito, se um dos sistemas apresenta deficiências em seu funcionamento, estas podem ser compensadas durante algum tempo, na medida em que os outros dois sistemas continuem operando satisfatoriamente. Nesses casos, tudo se passa como se esses últimos assumissem o ônus de levar adiante a sociedade, embora sem a colaboração do primeiro. Mas quando, como vem ocorrendo em muitos países e, especialmente, no Brasil, os três sistemas apresentam simultaneamente graves deficiências, o País pára, pois a deterioração do tecido moral termina contaminando todo o organismo. Aí, a economia não consegue andar para a frente (nem, muito menos, distribuir) e a política não é capaz de desempenhar seu papel de servir aos cidadãos. As ligações entre ética, política e economia tornam-se evidentes quando analisamos o papel sofrível que o Estado - os três poderes e as três esferas - vem desempenhando, já há bastante tempo, na sociedade brasileira, em termos dos serviços essenciais que a população que o legitima e o sustenta dele espera. Alguém duvida de que vivemos uma situação de anomia generalizada, em que os brasileiros deixaram de crer no funcionamento adequado das instituições? A atividade econômica não se realiza num vazio moral, institucional, jurídico e político como o que se vê. Pelo contrário, pressupõe segurança no que se refere à vida, à liberdade e à propriedade, moeda estável, leis justas, respeito a contratos, serviços públicos eficientes, receita tributária bem aplicada e um sistema político realmente representativo. A principal tarefa do Estado é a de garantir essa segurança, para que os que trabalham e produzem possam gozar dos frutos de seu esforço e sentirem-se estimulados a agir com eficiência e honestidade. Essa falta total de segurança que nos assola, acompanhada pela corrupção dos poderes públicos e pela difusão de um ambiente de imoralidade que 3 ridiculariza quem contra ele se insurge, é o maior dos obstáculos ao desenvolvimento da economia e à própria paz dos cidadãos. Na vida humana – da qual a econômica é parte – a primazia da moral é uma lei demonstrável e fundamental para a prosperidade, um princípio empírico que não pode ser violado, sob pena de fomentar os vícios tão conhecidos pelos brasileiros, como a corrupção, a preguiça, a criminalidade, o déficit público, a extorsão tributária, as alianças políticas espúrias como as que estamos assistindo e tantos outros que, como traças, estão corroendo a sociedade. O País, doente, clama por verdadeiros valores morais! Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ A TAXA DE JUROS, A CIGARRA E A FORMIGA Ubiratan Iorio (publicado em 24/7/02) A revisão de 3,25% para 4% na meta de inflação para o ano de 2003 e o aumento de quatro para cinco pontos percentuais na margem de erro do sistema, longe de representarem motivos de alegria, são razões para preocupações. Toda ação de política econômica produz efeitos de curto prazo - que se vêem -, mas também resultados de longo prazo - que não se vêem, mas que devem ser previstos. A tradição keynesiana de preocupar-se só com o curto prazo, pois “no longo prazo todos estaremos mortos”, tem sido desastrosa sob os pontos de vista econômico e político, além de configurar um vício moral, por sugerir uma 4 pretensa superioridade da filosofia de vida da cigarra sobre a da formiga. A crença de que sempre que o Banco Central diminui a taxa básica de juros o PIB vai aumentar é falaciosa. É o efeito que se vê. Até porque ninguém pode entrar, por exemplo, em uma padaria e pedir ao balconista um quilo de PIB... A taxa de juros deve ser baixa para estimular a demanda e alta para incentivar a oferta de loanable funds (fundos para empréstimos). Os investimentos, para que se transformem em crescimento econômico, precisam estar lastreados em poupança genuína e não em expansões artificiais do crédito. Esta é a síntese de uma boa teoria, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos. Quando a taxa de juros é estabelecida em nível inferior ao natural (aquele que igualaria, em um mercado livre, a oferta de poupança e a demanda de investimentos), normalmente, toda a economia, no curto prazo, vai ser beneficiada, mas os benefícios não serão os mesmos para todos: serão maiores nos estágios da cadeia produtiva que produzem bens de capital, porque os valores presentes dos projetos de investimentos nesses setores aumentam mais do que os dos projetos de investimentos nos setores próximos ao consumo final. São os efeitos que se vêem, a primeira fase dos ciclos econômicos. É a vitória de Pirro da cigarra sobre a formiga: para que poupar? Vamos gastar cada vez mais! Keynes defendeu esse vício moral, chamando-o de paradoxo da poupança... Mas sobrevirão efeitos que, embora invisíveis, devem ser previstos: como não houve aumento na disposição de poupar, as rendas geradas nos setores de bens de capital vão se transformar em demanda por bens de consumo que ainda não ficaram prontos! É a segunda etapa na cronologia dos ciclos, em que a maior demanda de loanable funds nos setores de consumo vai gerar um cabo-de-guerra, uma disputa por mais crédito, cujo efeito será o de elevar a taxa de juros, configurando a terceira fase. O quarto capítulo é a recessão nos setores de bens de capital. Os ganhos iniciais são jogados ladeira abaixo, com um agravante: agora, a economia já está contaminada pela inflação e pelo desemprego, pois emitiu-se moeda falsa (sem lastro em poupança) na primeira fase. O desemprego não é provocado por poupança de mais e investimento de menos, mas por investimento de mais e poupança de menos! Na fase derradeira, a economia tenderá a voltar para uma situação semelhante à que prevalecia antes da expansão artificial do crédito. Se o Governo estimular novas quedas artificiais de juros na tentativa de fazer a economia retornar à primeira etapa do ciclo, estará gerando inflação e desemprego! Eis a verdadeira explicação para a Grande Depressão dos anos trinta, bem como para a crise da economia japonesa dos anos noventa: o crédito falsamente barato e abundante de hoje é o desemprego de amanhã! A queda nas taxas de juros no Brasil nos próximos meses atende a finalidades eleitoreiras e não resolverá nossos dilemas macroeconômicos. Os juros e o risco estão entre os maiores do mundo porque nossos fundamentos fiscais têm a falsa solidez de uma pedra de gelo.... O Banco Central, face ao atual nervosismo dos mercados financeiros, deveria deixar o câmbio flutuar e trabalhar no core do índice usado para controlar a inflação, expurgando-o – como fazem todos os países que usam a estratégia de inflation targeting – das acidentalidades que comprometem as metas estabelecidas. 5 Afrouxamento da política monetária e queima de reservas para sustentar o câmbio são medidas que gerarão mais desemprego e a volta da inflação, marcando a vitória de Cipião da formiga sobre a cigarra... Vice Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj. O DRAMA ARGENTINO Ubiratan Iorio * (publicado em 6/7/02) O drama argentino é antigo: vem dos anos quarenta, tempo em que a economia do país vizinho era a quinta maior do mundo. Sua gênese é simples: ditaduras de direita, populismo de esquerda, estatismo e políticas de antolhos do FMI. Nenhum país consegue resistir a essa combinação... No governo Menem, os recursos externos foram aplicados em projetos de ampliação do aparato do Estado, com a criação de um grande número de empregos artificiais no setor público e em grandes empresas privadas, naturalmente naquelas com robustas influências políticas... Com isso, os investimentos nas pequenas e médias empresas, especialmente as do setor exportador, diminuíram. O regime fiscal insalubre praticado pelo populismo político e sancionado pelo FMI explica porque a quarta parte da dívida dos mercados 6 emergentes em títulos está denominada em papéis, federais e provinciais, do governo argentino! Um inacreditável contra-senso: privatizar para expandir o setor público! Só mesmo na América Latina e, em especial, na Argentina, país que tem uma alma bastante difícil de resistir às análises racionais... Não é difícil apontar as causas do drama argentino: 1. no plano político, o populismo, tradicional em um país que produziu, entre outros fenômenos, Juan Domingo, Evita e Isabelita Perón; 2. no econômico, após os desastres dos Planos Austrais, a teimosia do Ministro Domingo Cavallo, primeiro adotando o “currency board” e depois insistindo em sua manutenção, mesmo após diversas crises mundiais e a mudança de regime cambial feita pelo Brasil em 1999 (o “currency board” era como se um mendigo tentasse entrar para sócio do Country Club...); 3. no plano moral, a corrupção associada à forte presença do Estado na economia e aos setores da iniciativa privada por ele privilegiados. Quais as saídas, considerando o elevadíssimo índice de desemprego, a fortíssima insatisfação popular e a possibilidade de virem a ocorrer até novas ameaças à democracia? Infelizmente, não há panacéia nem solução indolor e existem, a rigor, três possibilidades. A primeira seria apenas um alívio temporário: a obtenção de novos recursos do FMI proporcionaria tão somente uma sobre-vida de alguns meses e deve ser descartada, pois não resolveria a questão crucial de como sair corretamente do “corralito”. A dolarização da economia, que seria equivalente ao “currency board” que provocou a crise, deve também ser esquecida. A segunda seria cruel: a hiperinflação aberta! Como o equilíbrio somente ocorreria, teoricamente, a salários reais negativos, o que seria inviável na prática, o Governo provocaria uma hiperinflação, emitindo pesos que permitissem o desbloqueio das contas bancárias, gerando fortes aumentos de preços e uma acentuada desvalorização do peso. Cessados seus efeitos, o País, aos poucos, iria retornando à normalidade. Paralelamente, far-se-ia uma substancial reforma no Estado, eliminando-se o déficit federal e o das províncias e estimulando-se a poupança e o investimento privados, a partir de uma redução de impostos da ordem de 20%. A terceira seria uma deflação provocada por uma moratória, em que o Governo repudiaria toda a sua dívida, estabeleceria uma taxa de recolhimento compulsório de 100% e aceitaria a falência do sistema bancário, impondo perdas aos depositantes proporcionais aos depósitos. Haveria brusca redução no déficit público, que precisaria ser complementada com um corte da ordem de 20% tanto nos gastos como nos impostos, para mudar definitivamente o regime fiscal. Os investimentos externos, por algum tempo, seriam carta fora do baralho, até que a credibilidade fosse restaurada. A recente tentativa de transformar os depósitos bloqueados em títulos só poderá ter algum êxito caso o Governo mude de fato o regime fiscal do País. Medidas monetárias isoladas são inócuas: face à gravidade do problema, a solução está muito mais em um acordo político para eliminar o déficit crônico do que em malabarismos da política econômica! Longe de ser efeito de políticas “neoliberais”, a crise vem de sua ausência: populismo, utilização de recursos de privatizações para expandir o próprio setor 7 público e regime de “currency board”, tudo como em um tango com letra bem trágica...e com o povo passando fome! Ubiratan Iorio é Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ. MAS QUE “NEOLIBERALISMO” É ESSE? Ubiratan Iorio (publicado em 12/6/02) Certos argumentos responsabilizando o “neoliberalismo” pelos problemas do País, apesar de comuns, são falaciosos. Nossa pretensa opção “neoliberal” teria sido adotada desde o início dos anos noventa, fruto de um tal “consenso de Washington” de 1989, reunião surrealista em que os representantes dos países ricos - como se não tivessem mais nada para fazer - teriam decidido que o livre mercado e a globalização seriam o melhor caminho para e “explorar” as nações emergentes. Se houve algum consenso em 1989, não foi em Washington, mas em Berlim, quando o povo resolveu derrubar aquele muro a golpes de marreta...Por outro lado , dizer que alguém é um “neoliberal” é uma bobagem tão grande quanto afirmar, por exemplo, que meu pai foi um tricolor, que eu sou um “neotricolor”, que meus três filhos são “novos tricolores” e que meus futuros netos serão “pós-tricolores”...todos, simplemente, torcemos pelo Fluminense, do mesmo modo que todos, de Adam Smith a Hayek, de Mauá a Roberto Campos, são liberais. Não é uma questão de adjetivos, mas de substância! Feita essa ressalva, podemos passar a dados que desnudam a falácia. Para tanto, podemos nos valer da última edição do Index of Economic Freedom (2002), publicado pela Heritage Foundation desde 1995 e que monta um ranking de liberdade econômica individual para 155 países, com base em dez critérios. Em 8 uma escala de pontos que varia de 1 (liberdade plena) a 5 (ausência total de liberdade), o índice mostra, por exemplo, que os países onde há maior liberdade individual, com os respectivos pontos, são: Hong Kong (1,35) e Singapura ( 1,55), e os que mais restringem a liberdade individual em todo o planeta são Cuba (que o PT tanto endeusa, com 4,55), Líbia (4,75) e Iraque e Coréia do Norte (5,00). O Brasil ocupa, ao lado de Algéria, Gâmbia, Madagascar, Malásia, Paraguai e Eslovênia, apenas o 79 º lugar no ranking! Mais ainda, eis nossa evolução em termos de pontuação: 1995-3,30; 1996-3,55; 1997-3,45; 1998-3,45; 1999-3,30; 2000-3,50 e 2001-3,25. Isso evidencia, primeiro, que o Brasil é uma nação com baixa liberdade econômica, pois nossa média nos oito anos desde que o estudo vem sendo realizado, que é 3,4, está mais perto de 5, do que de 1. Pelos critérios da Heritage, países com score menor que 1,95 são considerados free, entre 2 e 2,95 mostly free, entre 3 e 3,95 (caso do Brasil), mostly unfree e, acima de 4, repressed. Segundo, a baixa oscilação, entre 1995 e 2002, em torno da média de 3,4, mostra claramente que, nos anos do “tucanato”, o Brasil não avançou nas reformas liberalizantes! Ao perscrutarmos os países da América Latina e do Caribe, em um total de vinte e seis, vemos que involuímos, passando do 14º lugar, em 1995, para o atual 17º posto, o que, embora frustrante, pelo menos é um poderoso argumento para derrubar a tese de que temos um governo “neoliberal”. Comparando o Brasil com o Chile, o melhor classificado entre os países da América Latina e do Caribe e que ocupa a nona posição no ranking mundial, observamos que perdemos em nove dos dez critérios usados para a montagem do índice geral e apenas empatamos no restante. Olhando para as nossas performances anuais, critério a critério, vemos que permanecemos estáveis em oito deles: protecionismo, regime fiscal, intervenção governamental, investimento estrangeiro, bancos e finanças, salários e preços, direitos de propriedade e regulação, enquanto melhoramos apenas nos critérios política monetária e mercado informal. “Neoliberalismo” aonde? Somos um país em que, primeiro, a direita foi incapaz de lançar um candidato, após a malograda experiência com a governadora do Maranhão, talvez por ser mais tentador sucumbir às tendências acomodatícias que permitirão que tudo continue como está; segundo, em que os verdadeiros liberais - que não estão nem à direita nem à esquerda - são permanentes órfãos de quem os represente de fato e, por fim, em que os cidadãos são compelidos a escolher apenas entre candidatos de esquerda, disfarçados ou não, votando em Fulano para que Beltrano não vença e a ouvir a perpétuo ritornello de que o que está atrapalhando o Brasil é o “neoliberalismo”. Mas que “neoliberalismo” é esse? Ubiratan Iorio é Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ. 9 QUEM NÃO É “DESENVOLVIMENTISTA”? Ubiratan Iorio* “Civitas propter cives, non cives propter civitatem” (adágio romano) (publicado em 3/6/02) Alguns políticos e economistas são como as epidemias de dengue: de tempos em tempos, quando pensamos que suas teses estão erradicadas, voltam – especialmente em períodos de eleições – à feira social para tentar vender sua mercadoria apodrecida. Assim parece ser com os que gostam de se proclamarem “desenvolvimentistas”, expressão sob a qual sentem-se magicamente revestidos da aura de bem intencionados, de pessoas boazinhas. São “contra” as taxas de juros altas, o desemprego, a pobreza, a concentração de renda, a austeridade fiscal e monetária... como se demais economistas e cidadãos que não comungam com suas idéias fossem todos uns desequilibrados mentais, que sentem frêmitos de prazer sempre que o Copom não reduz a taxa básica de juros, ou que a taxa de desemprego aumenta, ou que a pobreza se espalha, ou que a renda se concentra... Quem, gozando de boa saúde mental, pode deixar de ser desenvolvimentista? Quem não quer ver a economia crescer, empregos sendo gerados, pobres ascendendo na sociedade e o padrão médio de vida melhorando continuamente ao longo do tempo? Mas, infelizmente, nenhuma economia cresce aquilo que querem que cresça e sim o que pode crescer. 10 Esse “poder crescer” significa que o verdadeiro crescimento econômico pressupõe a aglutinação das energias necessárias à acumulação de capital físico, humano e tecnológico, o que exige investimentos lastreados não em juros artificialmente baixos, mas em poupança genuína. Essas forças requerem: ambiente sem inflação e com regras estáveis, trabalho, inteligência, esforço, criatividade, respeito aos demais, normas de conduta eticamente justas e, acima de tudo, são bastante estimuladas pela presença da liberdade integral e inseparável, ou seja, das três liberdades: econômica, política e de consciência! Não podem e nem devem ser dirigidas pelo Estado, com políticas industriais e de poupança forçada, com gastos públicos e subsídios a setores pré-escolhidos e com políticas tributárias metidas a Robin Hood. O desenvolvimento verdadeiro é tarefa dos cidadãos! Ao Estado não cabe dirigi-los, mas estimulá-los, proporcionando-lhes um ambiente institucional favorável. O “conflito” entre inflação e crescimento é falso e, portanto, não existe escolha entre inflação e desemprego, pelo simples motivo de que também não se pode escolher entre comer demais e ter indigestão. Os governos negligentes no combate à inflação e que buscaram estimular as atividades econômicas mediante juros artificialmente baixos no lado monetário e desequilíbrios orçamentários no lado fiscal, conseguiram apenas provocar surtos efêmeros de “crescimento” (com aspas), logo abortados pela inflação e pelo desemprego que ela sempre gera. A tese da aceitabilidade de uma taxa maior de inflação para reduzir o desemprego é falaciosa, teoricamente frágil e já foi desmascarada, tanto pelas boas teorias econômicas quanto – o que é mais importante – pela história. Como o dengue e a malária, já deveria estar erradicada, mas, seja por incapacidade de observação do mundo, por preguiça de raciocinar, por cacoete ideológico ou por simples ânsia populista, volta sempre à baila em períodos eleitorais. A inflação não é capaz de diminuir o desemprego, pelo contrário, ela aumenta as taxas de desemprego! Enquanto houver inflação ou expectativa de que ela poderá voltar a existir no futuro, não pode haver crescimento sustentado! É triste ainda termos que enfatizar isso, em pleno ano de 2002... Se há problemas, que tal contrariarmos Gilberto Amado, que definia brasileiro como aquele sujeito que confunde sistematicamente causas com efeitos? Que tal pararmos de culpar o FMI, o Copom, as dívidas externa e interna, o câmbio flutuante, a globalização, o “neoliberalismo”, as remessas de juros e lucros para o exterior e a prioridade no combate à inflação? Que tal pararmos de apontar tantos bodes expiatórios e irmos direto à causa? A raiz de nossos problemas é a mentalidade estatista que sempre prevaleceu em nosso país, causadora do déficit público e, por conseguinte, da inflação, da extorsão tributária que sufoca o trabalho e o capital, das dívidas externa e interna, do desemprego, da concentração de renda, da falta de perspectivas de vida, da baixa eficiência, da corrosão dos valores éticos, enfim, dessa anomia geral em que tudo é desalento. Uma prova da prevalência dessa mentalidade é que nenhum dos candidatos à Presidência e tampouco seus assessores podem ser apontados como liberais ou, pelo menos, como defensores do princípio da integrabilidade e inseparabilidade das liberdades. A política econômica – e o país - precisam mudar, mas para melhor! É preciso avançar, e não retroceder! 11 Vice-Presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista e Diretor da Faculdade de Ciências 12