Tratamento Medicamentoso das Epilepsias Perspectiva do Tempo no Tratamento das Epilepsias Elza Márcia Targas Yacubian CRM-SP 27.653 Livre-docente em Neurologia e Professora Afiliada do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo Este texto resulta de uma adaptação da aula “Perspectiva do tempo no tratamento das epilepsias” ministrada por professor Peter Wolf no tópico Tratamento Medicamentoso das Epilepsias na Escola Latino-Americana de Verão de Epilepsia (LASSE 2010). Conferência do professor Peter Wolf na IV LASSE, em 9 de fevereiro de 2010, no Centro de Convenções Santa Mônica em Guarulhos, São Paulo Peter Wolf Danish Epilepsy Centre Kolonivej 1 DK – 4293 Dianalund Denmark Índice Questão da Adesão ao Tratamento____________________________________ 4 Consultas____________________________________________________ 5 Horário______________________________________________________ 5 Distribuição Circadiana Contribuição da das Crises_____________________________________ 7 Farmacocinética______________________________________ 7 Aspectos Farmacodinâmicos_________________________________________ 12 Tolerância___________________________________________________ 12 Tolerância farmacocinética_ ____________________________________ 13 Tolerância farmacodinâmica_____________________________________ 13 Tolerância aguda_____________________________________________ 14 aguda ou intermitente de fármacos antiepilépticos____________ 20 Administração Referências_______________________________________________________ 28 Como todos os fármacos, as drogas antiepilépticas (DAEs) podem ser distribuídas ao longo do dia em dose única ou, dependendo de suas meias-vidas, de acordo com estas. A questão do tempo no número de administrações necessita de algumas considerações sobre aspectos fundamentais para o tratamento de um distúrbio crônico como as epilepsias: adesão, distribuição circadiana das crises, farmacocinética e farmacodinâmica. Questão da Adesão ao Tratamento Vinte a 82% dos pacientes com epilepsia podem não realizar o tratamento, de forma adequada pois em muitos casos o distúrbio tem início na infância e estende-se por toda a vida adulta até a terceira idade (Cramer e Russel, 1988). A importância da falta de adesão como um dos fatores críticos para o insucesso terapêutico na epilepsia é muito evidente na pesquisa de Cramer et al. (1989), a qual avaliou o grau de adesão de pacientes devidamente orientados quanto à necessidade do uso adequado da medicação, tendo sido acompanhados durante 3.428 dias. Tais pacientes receberam uma embalagem que deveria ser aberta apenas quando fossem fazer uso do medicamento. Nela, um microprocessador (sistema de monitoração da medicação) anotava a data e o horário de cada tomada de medicamento. Constatou-se que quando a medicação prescrita deveria ser ingerida uma vez ao dia, o grau de adesão era de 87%, duas vezes, 81%, em três tomadas, 77%, e em quatro, apenas 39% (Figura 1). Figura 1. Adesão à terapêutica de acordo com o número de tomadas diárias (Cramer et al., 1989). 4 Esses resultados corroboram a premissa de que quanto mais frequentemente a medicação é prescrita, menos regularmente é ingerida. Assim, reduz-se a adesão à terapêutica significativamente quando se prescreve uma medicação em três ou mais doses diárias. Tais resultados, que parecem óbvios, infelizmente são muitas vezes esquecidos no momento da prescrição de medicamentos a pacientes com doenças crônicas. No momento em que o paciente começa a perceber que necessita de medicamentos para que sua vida se assemelhe ao que era antes, ele lida com a negação e dificuldade em aceitar o diagnóstico. A ocorrência de efeitos adversos das DAEs complica ainda mais o tratamento inicial, pois o paciente experimenta um retorno negativo ao uso da medicação. A administração da medicação em uma única dose diária facilita a adesão do paciente e, consequentemente, os resultados do tratamento. Infelizmente, a maioria das DAEs tem meias-vidas curtas, o que exige várias tomadas diárias. Nesse aspecto é ainda fundamental a conscientização do paciente de que é a dosagem total diária das medicações e não a quantidade de comprimidos que promoverá o controle das crises. Mas lembre-se: o número elevado de comprimidos facilita a não adesão à terapêutica! Consultas A adesão ao tratamento medicamentoso pode piorar muito durante os longos intervalos de consultas (Cramer et al., 1990). Isso se relaciona a regimes medicamentosos pouco factíveis, falta de compreensão do que foi dito durante a consulta, descrença no diagnóstico, custo e reações negativas à medicação. Tipos de falta de adesão podem incluir esquecimento de doses ou doses extras ou a adaptação do que o médico receita de forma que o paciente ou seus familiares acreditam ser as doses corretas ou mais adequadas. Horário A dosagem deve associar-se ao horário mais adequado segundo os hábitos de vida do paciente, tentando-se simplificar o esquema terapêutico e facilitando o horário da ingesta da medicação, como no momento das refeições ou ao deitar. Em pacientes em politerapia, uma lista com as diferentes formulações e horários pode ser muito útil, particularmente a idosos e indivíduos com declínio cognitivo. Para tais pacientes, cada tomada deverá ser anotada com uma 5 marca com canetas coloridas. Ou, ainda, é possível criar associações para que um comportamento desejado seja adquirido, como deixar a medicação ao lado da xícara de café. O uso de alarmes, no relógio de pulso ou no telefone celular, pode representar estratégia facilitadora de adesão. A administração de DAEs, uma ou duas vezes ao dia, é a melhor precondição para aderir ao tratamento. A decisão de prescrever uma ou duas doses deve basear-se na farmacocinética e nos padrões de repetição das crises epilépticas. Cramer e Russell (1988) descreveram que quando as crises estão controladas, os pacientes tendem a vivenciar outra situação que pode ajudar a criar um comportamento-padrão ante a adesão. Em longo prazo, entretanto, há tendência a diminuir ou omitir doses no decorrer do dia. Diferentemente do que ocorre no diabetes, doença na qual a falta do uso de insulina ocasiona uma reação negativa imediata, as crises epilépticas podem demorar a se manifestar após a interrupção do tratamento. O quadro 1 resume os preceitos fundamentais quanto à adesão à terapêutica nas epilepsias. Aspectos fundamentais para a adesão •A administração de DAE em uma ou duas tomadas é a melhor conduta para facilitar a adesão •A decisão para prescrever 1 ou 2 doses deve levar em consideração os parâmetros farmacocinéticos e o padrão de repetição das crises •Frequentemente será uma questão de conveniência dependendo do padrão de vida do paciente •Uma dose única terá de ser lembrada apenas uma vez em um dia •O esquecimento de uma dose quando a medicação é tomada duas vezes ao dia produzirá um intevalo de 24 horas enquanto num esquema de uma única tomada ao dia, de 48 horas o que resultará em maior risco de recorrências de crises •“Dose única diária” é a que oferece menor sobrecarga ao paciente, mas exige adesão quase perfeita Quadro 1. Aspectos importantes no momento da prescrição do número de tomadas da medicação a pacientes com epilepsia. 6 Distribuição Circadiana das Crises Crises epilépticas geralmente não ocorrem ao acaso, mas apresentam distribuição circadiana relativamente bem definida. Assim, nas encefalopatias epilépticas da criança, como as síndromes de West e Lennox-Gastaut, as crises ocorrem principalmente no início do sono; nas epilepsias do lobo temporal, as crises tendem a ocorrer no sono, inclusive durante cochilos vespertinos; as crises hipermotoras da epilepsia do lobo frontal predominam no final do sono, em horário próximo ao despertar, enquanto as crises das epilepsias generalizadas idiopáticas, particularmente as crises convulsivas da síndrome das crises tônicoclônicas do despertar, tendem a ocorrer em até duas horas após o despertar. A distribuição circadiana das crises epilépticas tem implicações em vários aspectos fundamentais no tratamento das epilepsias, como na caracterização clínica da síndrome epiléptica, na caracterização eletrencefalográfica da síndrome epiléptica, na instituição terapêutica e nos aspectos psicossociais das epilepsias. Como se enfatizou anteriormente, para a caracterização sindrômica dos diferentes tipos de epilepsia, o momento de ocorrência das crises epilépticas é de fundamental importância e, ainda, para caracterizá-las nos registros eletrencefalográficos, os quais deverão ser realizados necessariamente nos períodos de maior propensão ao aparecimento dos paroxismos epileptiformes. Dados sobre a distribuição circadiana das crises permitirão chegar a conclusões sobre a ictogênese, pois demonstrarão flutuações ao longo do dia do limiar crítico e da propensão a crises. Como consequência, será possível determinar, em alguns pacientes, o risco de terem crises em determinados períodos do dia e esse padrão terá implicações na instituição da terapêutica, que deverá sempre considerar a distribuição dos eventos críticos. Outras consequências da distribuição circadiana das crises incluem aspectos sociais como o horário de trabalho, a direção de veículos automotores e, ainda, o momento em que a dose da DAE deve ser mais elevada para minimizar o risco de crises. Contribuição da Farmacocinética Um objetivo imediato é coincidir o tempo da concentração máxima da DAE (Cmáx) com o período de máxima propensão a crises. Para desenvolver esse conceito, é necessário relembrar os conceitos farmacocinéticos básicos de uma DAE (Figura 2). 7 Parâmetros farmacocinéticos obtidos na curva de concentração plasmática em função do tempo C máx •Concentração máxima (Cmáx) atingida pelo fármaco Nível plasmático •Tempo máximo Tmáx, que corresponde ao tempo necessário para o fármaco atingir Cmáx •Área sob a curva (ASC) ASC T máx Tempo Figura 2. Curva típica da concentração plasmática para uma droga administrada em dose oral única em função do tempo. Observe a Cmáx no eixo das ordenadas e o Tmáx no das abscissas. A Cmáx é a concentração máxima atingida pelo fármaco e o Tmáx corresponde ao tempo que o fármaco atinge a Cmáx. Enquanto a ASC é um indicador da quantidade total do fármaco absorvida, a Cmáx e o Tmáx são indicadores da velocidade de absorção do fármaco. Conhecer o perfil farmacocinético de cada DAE é fundamental quando da prescrição desta. Por exemplo, se um paciente apresenta crises ao adormecer e a DAE atinge sua Cmáx em 2 a 2,5 horas após a ingestão, ele deverá ser aconselhado a ingerir a dose total de seu medicamento 2 horas antes de ir para a cama e desaconselhado a tirar cochilos à tarde. Com essas medidas simples, poderá obter o controle das crises com uma dose diária do fármaco que antes parecia insuficiente para torná-lo livre delas. Um problema mais complexo do que o anterior é o das epilepsias do lobo frontal que cursam com crises hipermotoras frequentes, por vezes quase diárias, as quais tendem a ocorrer próximas ao horário de despertar. O paciente está sendo tratado com carbamazepina, cujo Tmáx ocorre 1 hora e meia a 2 horas e 8 meia após a ingestão e cuja meia-vida é de cerca de 12 horas. Com a administração em duas ou três tomadas diárias, após 7 a 8 horas de sono sua concentração plasmática estará se aproximando de seus valores mínimos (Cmin, nível de vale) no momento de máxima propensão a crises. Nesse caso, seria aconselhável aumentar a dose noturna e prescrever carbamazepina de liberação lenta. Uma das vantagens da ocorrência de crises apenas no período noturno, durante o sono, é o fato de que é possível administrar doses mais elevadas antes de dormir, pois a Cmáx e o Tmáx do fármaco coincidirão com seu período de sono profundo, evitando os sinais de ataxia coincidentes com a Cmáx. Esse paciente poderá ser tratado com essa dose, que deverá ser considerada sua dose terapêutica individual, sem experimentar sinais de toxicidade durante o dia. Ainda são importantes as flutuações nos níveis plasmáticos das DAEs e os níveis de pico e de vale, responsáveis pelos efeitos adversos e risco de crises ao longo do dia (Figura 3). Nela se observa que a estabilidade dos níveis plasmáticos após a introdução de uma DAE será atingida após cinco meias-vidas, ou seja, o tempo que o nível da DAE cai para a metade devido à excreção, após o que, ao longo do dia, a DAE apresentará níveis de pico e de vale dependentes de sua metabolização e excreção. Algumas vezes, a determinação desses parâmetros farmacocinéticos será fundamental para o sucesso terapêutico. Estado estável e meias-vidas Nível máximo Níveis séricos da DAE Efeitos tóxicos Faixa terapêutica Sem proteção 1 Nível mínimo 1 2 3 4 5 Tempo em meias-vidas 6 Figura 3. Níveis de pico e de vale após a estabilização dos níveis séricos. 9 7 No entanto, o sucesso terapêutico não depende apenas das questões farmacocinéticas como as mencionadas anteriormente. A DAE administrada pode ser uma pró-droga, como a oxcarbazepina, que foi desenvolvida a partir da molécula de carbamazepina, mas que diferente da última, independe do sistema microssomal P-450 hepático. A oxcarbazepina é rapidamente reduzida pelas aldocetorredutases, enzimas citosólicas, sendo imediatamente convertida para o derivado monoidróxido (DMH), seu composto ativo. A figura 4 mostra as diferentes vias metabólicas dos dois compostos. Citosol Oxcarbazepina Sistema microssomal OXC CBZ Carbamazepina CBZ Indução CYP 3A4 OXC (Pró-droga) P450 CYP 3A4 Epoxidase Areno-óxidos* Citosol aril redutase CBZ-EPÓXIDO *Hepatotoxicidade *Hipersensibilidade *Teratogenicidade DMH (ativo) Figura 4. Diferenças metabólicas da oxcarbazepina e da carbamazepina. A interação da oxcarbazepina mais significativa na prática clínica é a indução da CYP3A4, aumentando o metabolismo do etinilestradiol e reduzindo a eficácia de contraceptivos orais. As aldocetorredutases são enzimas não sujeitas à indução, o que reduz significativamente as chances de interação da oxcarbazepina com outros fármacos, sua autoindução e acúmulo. O DMH é responsável pelas diferenças muito significativas observadas na prática clínica quando se compara oxcarbazepina 10 a carbamazepina. Uma vantagem farmacocinética da oxcarbazepina é que, por não depender do sistema P-450 de oxidação de moléculas, não é convertida para epóxido, o metabólito ativo e tóxico da carbamazepina, principal responsável por efeitos adversos desse último fármaco. Uma outra vantagem é que a oxcarbazepina não apresenta o fenômeno de autoindução metabólica, um dos problemas farmacocinéticos da carbamazepina. Deve-se ressaltar ainda que diferentemente do observado com a carbamazepina, para a qual a aferição dos níveis plasmáticos é muito útil no acompanhamento terapêutico, uma vez que há correlação entre estes e o controle das crises ou o aparecimento de efeitos adversos, há dificuldades para monitorar os níveis plasmáticos da oxcarbazepina. Estes advêm do fato de que a aferição dos níveis plasmáticos da oxcarbazepina, que é, portanto, uma pró-droga rapidamente convertida para DMH, não tem importância prática. Seria essencial mensurar os níveis plasmáticos do DMH. Embora se acredite que os níveis de pico e de vale do DMH possam ser úteis na compreensão dos sinais de toxicidade (como borramento visual, nistagmo e outros distúrbios oculomotores, tontura e ataxia) ocasionalmente verificados em indivíduos tratados com doses elevadas de oxcarbazepina (1.800 a 2.400 mg/dia), ainda não se determinou a faixa terapêutica do DMH e os estudos realizados até o momento mostraram que os indivíduos que respondem e os que não respondem à oxcarbazepina apresentam níveis plasmáticos similares. Acredita-se que pacientes com concentrações séricas de DMH iguais ou superiores a 30 mg/l apresentam maior risco de desenvolver efeitos adversos (Striano et al., 2008). Naqueles que desenvolvem sinais de toxicidade ao longo do dia, a aferição dos níveis plasmáticos de DMH antes da dose matinal (nível de vale) e 2 a 3 horas após a ingestão do medicamento permitiria chegar a conclusões quanto à melhor conduta visando à adesão à terapêutica. Suponha que o nível de pico de um determinado paciente exceda 30 mg/ml. Nessa situação, uma pequena redução da dose ou a mudança no número de administrações para três ou quatro vezes ao dia poderia impedir o surgimento dos sintomas (Striano et al., 2008). Assim, a monitoração das flutuações diárias, como as de DMH, poderia representar um procedimento útil no acompanhamento de pacientes que necessitam de doses elevadas de oxcarbazepina para controlar as crises, ou seja, dever-se-ia realizar a personalização das doses para cada paciente individualmente. 11 Customização do número de tomadas de medicação ao longo do dia Para pacientes individuais com crises e/ou sintomas tóxicos decorrentes de flutuações de níveis séricos, a aferição de níveis plasmáticos pode representar um instrumento poderoso para adequar o número de administrações e resolução de efeitos adversos. Aspectos Farmacodinâmicos Finalmente, os parâmetros farmacodinâmicos, que são o tópico mais interessante deste tema. São esses os parâmetros responsáveis pela ação efetiva do fármaco, não podendo ser aferidos apenas pelo que se pode mensurar a nível plasmático, sendo dependentes de aspectos funcionais da barreira hematencefálica que permitirão ou não a entrada da DAE no tecido cerebral e sua ação no nível dos receptores neuronais. Finalmente, a ligação da DAE ao receptor é uma questão essencial na determinação dos efeitos terapêuticos. Como exemplo, há a interação dos benzodiazepínicos nos receptores GABAérgicos e o desenvolvimento de tolerância, definida como redução na resposta à droga após administrações repetidas resultando em perda da eficácia terapêutica ao longo do tempo. Tolerância O desenvolvimento de tolerância é uma resposta adaptativa do corpo à exposição prolongada a substâncias químicas estranhas ao corpo (xenobióticos). Trata-se de um fenômeno biológico observado com numerosos fármacos que atuam tanto no sistema nervoso central como no periférico. A tolerância a algumas drogas se desenvolve muito mais rapidamente do que a outras. A extensão dessa tolerância depende das características das drogas e de fatores individuais (genéticos?). O desenvolvimento de tolerância pode promover um efeito desejável, como a atenuação a efeitos adversos, mas também pode ocasionar perda da eficácia das DAEs, sendo reversível após a descontinuação do tratamento. Há dois tipos fundamentais de tolerância: a tolerância farmacocinética (metabólica) e a farmacodinâmica (funcional), decorrente da adaptação dos receptores das DAEs. Quase todas as DAEs de primeira, segunda e terceira gerações, embora em graus diferentes, perdem sua atividade antiepiléptica durante trata12 mento prolongado. Esse fenômeno é mais importante na classe dos benzodiazepínicos os quais, por esse motivo, não são considerados drogas de primeira linha para o tratamento crônico da epilepsia (Loscher e Schmidt, 2006). Tolerância farmacocinética A tolerância farmacocinética ou de disposição (anteriormente também chamada “metabólica”) se refere a alterações na distribuição ou metabolismo da droga após administrações repetidas, de tal forma que a mesma dose produzirá concentrações menores nos locais de ação. O mecanismo mais comum é o aumento no metabolismo da própria droga. Observa-se esse fenômeno com várias DAEs de primeira geração, como fenobarbital, fenitoína e carbamazepina, as quais estimulam a produção das enzimas microssomais hepáticas, causando remoção dessas drogas da corrente sanguínea e, consequentemente, seu metabolismo. Isso resultará em redução de seus níveis plasmáticos e, assim, de seus efeitos. Ainda, a indução das enzimas hepáticas por DAEs pode promover o fenômeno de “tolerância cruzada” a outras DAEs. As mesmas DAEs de primeira geração, por induzir a atividade de várias enzimas envolvidas no metabolismo hepático, promovem redução das concentrações plasmáticas e diminuem os efeitos farmacológicos de drogas que são substratos das mesmas enzimas (como valproato, lamotrigina e topiramato). Esse tipo de tolerância pode ser facilmente contrabalançado pelo aumento em suas dosagens, pelo menos na maioria dos casos. Tais interações entre a DAE e outras drogas podem ter efeitos dramáticos. Por exemplo, a terapia com DAE indutora enzimática se associa a aumento da depuração de vários agentes antileucêmicos e promove redução de sua eficácia no tratamento da leucemia. Tolerância farmacodinâmica Tolerância farmacodinâmica ou funcional refere-se a alterações adaptativas que ocorrem no interior dos sistemas afetados determinado medicamento, de tal forma que a resposta a uma dada concentração da droga se reduz. Exemplos dessa modalidade de tolerância incluem alterações na densidade ou sensibilidade de receptores ou na eficiência do acoplamento ao receptor para a transdução do sinal. Um exemplo desse tipo de tolerância é o verificado com o levetiracetam, uma DAE de segunda geração não metabolizada em nível hepático (Figura 5). 13 Crises/Mês 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 LEV 2000 mg LEV 2500 mg Jan FevMarAbrMaiJun Jul AgoSet OutNovDezJan FevMarAbrMaiJun Jul AgoSet OutNovDezJan 2000 2001 2002 Meencke HJ and Meink-Jäggi D, PharmaFokus ZNS, 2004 Figura 5. Tolerância ao efeito adjuntivo do levetiracetam em epilepsia focal em paciente do sexo masculino com 46 anos de idade e epilepsia focal do lobo temporal. Após a introdução do levetiracetam como tratamento adjuntivo, o paciente ficou livre de crises por 3 meses. Após esse período, as crises retornaram pelo desenvolvimento de tolerância. Levetiracetam é uma droga de alta eficácia inicial nas primeiras semanas de tratamento e, depois, de menor eficácia, embora estável. Esse fenômeno, que tem sido chamado de “efeito de lua de mel”, também é observado com várias DAEs de primeira geração (Loscher e Schmidt, 2006). Explica-se a tolerância farmacodinâmica ou funcional a DAEs pela “adaptação funcional”, ou seja, alterações adaptativas no nível dos alvos moleculares durante a exposição prolongada a DAEs. A maioria dos estudos relacionados aos mecanismos de tolerância funcional usa benzodiazepínicos ou barbitúricos. Os benzodiazepínicos exercem sua atividade farmacológica por potencializar a inibição GABAérgica via efeito modulatório no nível do local de reconhecimento do benzodiazepínico do receptor GABA A - complexo do ionóforo de cloreto. Exposição prolongada a essas drogas promove redução das interações alostéricas entre o GABA e os benzodiazepínicos no receptor GABA A, o que se denomina “desacoplamento funcional”. Há, ainda, down regulation dos locais de ligação de benzodiazepínicos, embora a afinidade por estes usualmente continua inalterada. Tolerância aguda O termo "tolerância aguda" refere-se ao desenvolvimento de tolerância durante a exposição a uma única droga. Por exemplo, um paciente pode recuperar a consciência com concentrações cerebrais mais elevadas de uma droga anestésica do que as que induziram a inconsciência no início da anestesia, indicando que ocorreu tolerância aguda durante a exposição ao agente anestésico. O con14 ceito de “tolerância rápida” é diferente do de "tolerância aguda". Denomina-se tolerância rápida ao aparecimento de tolerância em resposta a uma segunda dose da droga administrada 8 a 24 horas após o desaparecimento do efeito da primeira dose. Por exemplo, uma única exposição a uma dose elevada de diazepam pode produzir tolerância à administração seguinte de diazepam (ou outro benzodiazepínico) quando administrado 24 horas após a exposição à primeira droga. No entanto, o fenômeno mais observado com as DAEs é o de “tolerância crônica”, que se inicia gradualmente e alcança sua máxima expressão em dias ou semanas após a administração repetida ou contínua da droga. A tabela 1 mostra as porcentagens de desenvolvimento de tolerância com as DAEs tradicionais e a tabela 2, com as DAEs de segunda e terceira gerações. Tabela 1. Evidência clínica do desenvolvimento de tolerância ao efeito durante a administração prolongada de DAEs de primeira geração (Loscher e Schmidt, 2006) DAE Carbamazepina Responsivos para não responsivos (em porcentagem de inicialmente responsivos) 15% (3/20) 55% (5/9) 36% 27% (4/15) 48% (82/170) 4% (2/48) Metosuximida Fenitoína 38% (3/8) 7% (1/15) Fenobarbital Sultiame Valproato 11% (2/18) 19% (5/26) 58% (7/12) 21% (6/28) Acetazolamida Benzodiazepínicos 0 (0/115) 15 Referências Lim et al. Katayama et al. Robertson (clobazam) Nanda et al. (clonazepam) Sugai et al.(clorazepato) Canadian Study Group for Childhood Epilepsy Browne et al. Canadian Study Group for Childhood Epilepsy Mitchell e Chavez Koepp et al. Bruni et al. (epilepsia parcial) Klotz e Schweizer (crises de ausência) Feuerstein et al. (epilepsia generalizada idiopática) Tabela 2. Evidência clínica do desenvolvimento de tolerância ao efeito durante a administração prolongada de drogas antiepilépticas de segunda e terceira gerações (Loscher e Schmidt, 2006) DAE Felbamato Gabapentina Lamotrigina Levetiracetam Oxcarbazepina Pregabalina Estiripentol Topiramato Vigabatrina Zonisamida Responsivos para não responsivos (em porcentagem de inicialmente responsivos) 11% (6/56) 7% (2/27) 8% (1/12) 80% (12/15) 1% (1/127) 15% (4/26) 5% (5/107) 19% (68/362) 27% (4/15) 14% (51/356) 32% (66/205) 16% (15/94) 20% (2/10) 47% (7/15) 12% (12/100) 33% (5/15) 23% (8/35) Referências Cilio et al. McDonnell e Morrow Sivenius et al. Korn-Merker et al. McDonnell e Morrow Benetello et al. Meencke e Meinken-Jäggi Abou-Khalil e Lazenby Ben-Menachem et al. Novartis (dados em arquivo) Pfizer (dados em arquivo) Perez et al. Privitera Mohamed et al. McDonnell e Morrow Pitkänen et al. Kanazawa et al. Portanto, há muitas questões que extrapolam os conceitos farmacocinéticos durante a terapêutica com DAEs. O modo de ação das inúmeras DAEs não é uniforme. De fato, possuem mecanismos de ação diversos e, muitas vezes, uma mesma DAE atua por meio de diferentes mecanismos (Tabela 3). 16 Tabela 3. Vários mecanismos de ação das principais DAEs Mecanismos de Neuromodulação das DAEs Fenitoína Antagonista Bloqueio de+ Bloqueio de++ Potencialização do receptor de canais de Na canais de Ca do GABA Glutamato X Carbamazepina X Valproato X X Felbamato X X DAE Gabapentina X X X X X Lamotrigina X X X Topiramato X X X Tiagabina X X X Oxcarbazepina X X Zonisamida X X Pregabalina Inibição da Anidrase Carbônica X X White HS. Pediatric Epilepsy: Diagnosis and Therapy 2001:301-316 Uma relação temporal entre a concentração das DAEs como aferida pela mensuração dos níveis plasmáticos e a ação terapêutica é claramente definida para os bloqueadores de canais de sódio tradicionais como a fenitoína e a carbamazepina. O conceito de que as concentrações plasmáticas de uma determinada DAE se correlacionam melhor com seus efeitos clínicos tanto em termos de eficácia como de toxicidade do que a dose diária levou ao conceito de uso disseminado, mas frequentemente mal interpretado, de faixa terapêutica. A principal consequência errônea desse conceito é a de que os pacientes poderão alcançar o efeito desejado se seus níveis plasmáticos estiverem dentro da faixa terapêutica. Na realidade, o controle das crises e os sinais de toxicidade variam amplamente entre pacientes com os mesmos níveis sanguíneos, dependendo do tipo e gravidade das crises e síndromes epilépticas, e a maioria dos pacientes poderá obter controle das crises a despeito de concentrações subterapêuticas de suas medicações. Por outro lado, há pacientes com síndromes epilépticas que requerem doses mais elevadas de medicamentos 17 para alcançar o controle das crises e podem tolerar concentrações plasmáticas supraterapêuticas sem apresentar sinais de toxicidade. Por essas razões, têm-se sugerido alguns sinônimos que seriam mais apropriados como faixa de concentração ótima de drogas ou faixa-alvo, ou seja, a faixa de concentração na qual a maioria dos pacientes alcança o efeito farmacodinâmico desejado sem apresentar efeitos adversos (Striano et al., 2008). Porém, as DAEs apresentam muitos outros mecanismos de ação. Entre eles, destaca-se a indução de acidose pela inibição da anidrase carbônica por DAEs como o topiramato, a zonisamida e a acetazolamida. O topiramato atua por vários outros mecanismos, como aumento da atividade GABAérgica, inibição da liberação de glutamato e interação com canais de cálcio do tipo L, além do bloqueio de canais de sódio. Topiramato tem pouco efeito nas concentrações plasmáticas de outras DAEs, mas os fármacos indutores podem reduzir significativamente seu nível plasmático. Topiramato demonstra uma relação linear entre dose e concentração sérica, mas apresenta eficácia numa faixa de doses muito ampla, de 100 a 1.000 mg/dia, grande variabilidade na concentração sérica para controle satisfatório de crises e considerável superposição dos níveis plasmáticos em indivíduos responsivos e não responsivos a essa modalidade terapêutica. Consequentemente, deve-se estabelecer primariamente a dose de topiramato com base na resposta clínica, sendo desnecessária a monitoração terapêutica dessa DAE. Recentemente, a molécula de levetiracetam surpreendeu por apresentar mecanismos de ação distintos dos de todas as DAEs conhecidas, tanto de primeira como de segunda geração. Causou surpresa o fato de que a molécula de levetiracetam não aumentava o limiar crítico nos modelos animais clássicos, como o modelo do eletrochoque máximo e do pentilenotetrazol. Levetiracetam, entretanto, aumentava o limiar para crises nos modelos de kindling, pilocarpina e ácido kaínico. Ainda, levetiracetam não exerce efeito inibitório sobre os canais de sódio ou de cálcio do tipo T, bem como não tem afinidade por receptores de GABA, N-metil-D-aspartato (NMDA) ou glutamato. Embora ainda não completamente elucidado, seu mecanismo de ação parece ser exercido por interação com a proteína 2A da vesícula sináptica (sinaptic vesicle 2A- SV2A) e nos canais de cálcio de alta voltagem do tipo N. O papel exato da proteína SV2A em nível sináptico não é inteiramente compreendido, mas parece ser importante 18 nas funções fisiológicas de exocitose de vesículas sinápticas e liberação de neurotransmissores contidos nessas vesículas na fenda sináptica. Tal mecanismo de ação único entre as DAEs poderia tornar os efeitos de levetiracetam independentes da concentração plasmática. Porém, ainda não há dados referentes ao limiar de saturação da SV2A que poderiam contribuir para a falta de efeito dependente da concentração plasmática. A meia-vida plasmática do levetiracetam é curta, de aproximadamente 6 a 8 horas. Recentemente, uma formulação de liberação prolongada foi disponibilizada comercialmente. A vigabatrina, apesar de sua curta meia-vida, tem um tempo de ação muito mais prolongado do que o que se poderia presumir pela mensuração de seus níveis plasmáticos. A vigabatrina atua como um inibidor irreversível da GABA-transaminase, impedindo a transaminação de GABA para ácido semialdeído succínico e promovendo o aumento dos níveis endógenos de GABA de forma não previsível por seus níveis séricos. Mesmo quando a resposta clínica depende da dose, a duração dos efeitos farmacológicos da vigabatrina se dissocia de sua concentração plamática e o reinício da síntese da GABA-transaminase após a retirada da vigabatrina requer vários dias e os níveis plasmáticos de vigabatrina não se correlacionam com a eficácia clínica. Portanto, a determinação dos níveis plasmáticos de vigabatrina não é necessária na prática clínica. A monitoração terapêutica das drogas é importante em casos individuais. Deve-se ressaltar, entretanto, que em algumas condições fisiológicas, como a gestação (especialmente visando à manutenção dos níveis plasmáticos da lamotrigina, os quais se reduzem dramaticamente, em até 50%, pelo aumento dos hormônios), e patológicas, como nas insuficiências hepática e renal, em pacientes submetidos à diálise e na possibilidade de falta de adesão, a aferição de níveis plasmáticos das DAEs é um instrumento fundamental na conduta terapêutica. Outra situação no tratamento das epilepsias em que a questão do tempo na administração da DAE é fundamental é a administração aguda ou intermitente de DAEs. 19 Administração aguda ou intermitente de fármacos antiepilépticos Os fármacos antiepilépticos deveriam, idealmente, ser sempre administrados agudamente, tão logo o paciente ou seus familiares descrevessem a presença de pródromos (Quadro 2). Quadro 2. O reconhecimento de sinais prodrômicos é essencial à programação terapêutica das epilepsias Pródromos são descritos por 6,9% a 47% dos pacientes com epilepsia. Mais comumente referidos por pacientes com frequência elevada de crises, são verificados tanto naqueles com epilepsias generalizadas como focais, mas mais constatados nas últimas. A maioria dos pródromos são sintomas da esfera comportamental, incluindo alterações do humor e distúrbios cognitivos. A natureza sutil desses fenômenos, em contraste com os sinais clínicos exuberantes das crises, explicaria por que o reconhecimento de pródromos não é fácil ou não tem merecido um número de pesquisas significativo. Entre as alterações do humor, sintomas depressivos são, de longe, mais frequentes do que os de euforia. Aumento do apetite, poliúria, diarreia, palidez e/ou redução na temperatura corporal podem ser observados, entre outros sintomas. A duração é prolongada, de várias horas, de forma a tornar possível o uso de intervenções para evitar a crise que se anuncia. Finalmente, um número significativo de pacientes (pelo menos cerca de 50%) informará que os pródromos são persistentes e não evanescem até o início da crise, reforçando seu caráter pré-ictal decorrente do mesmo processo fisiopatogênico que culminará com a crise (Scaramelli et al., 2009). Deve-se realizar a administração aguda de DAEs durante os sintomas prodrômicos para prevenir uma crise previsível. Para essa indicação, são necessárias DAEs de ação rápida, especialmente fármacos que dispõem de formulações não injetáveis para uso domiciliar. Entre estes, destacam-se os benzodiazepínicos, a acetazolamida e o hidrato de cloral utilizados por vias oral, retal, bucal ou nasal. Há uma série de situações clínicas em que a administração aguda de drogas (AAD) pode ser benéfica à terapêutica (Quadro 3). 20 Quadro 3. As indicações para AAD abrangem desde crises febris até os períodos de troca de fármacos antiepilépticos Indicações para a administração aguda de DAEs • Crises febris – Por ocasião da febre (prevenção de crises) – Após o início da crise (prevenção de status epilepticus) • Crises catameniais (administração periódica) • Crises agrupadas (individualmente após a 1ª, 2ª crise; uma dose ou mais) • Prevenção no momento dos pródromos ou na aura • Abolição das mioclonias que antecedem a generalização na Epilepsia Mioclônica Juvenil (crise clônico-tônico-clônica) • Algumas epilepsias reflexas (exemplo, epilepsia da água quente) • Situações de risco elevado de crises (viagens transcontinental, festas) • Situações de alto risco social (prevenção de crises em público) • Retirada de drogas antiepilépticas A escolha da DAE e a via de administração dependem do tempo. Para crises já estabelecidas, se o paciente estiver inconsciente, o tratamento ideal será diazepam por via retal. Em caso de preservação da consciência, prefere-se o uso de midazolam bucal ou lorazepam nasal (esse último não disponível no Brasil). No Brasil, pode-se utilizar benzodiazepínicos como o diazepam por via sublingual ou retal, midazolam por via intranasal, intrabucal ou intramuscular, esta última de uso comum, a qual, por sua lipossolubilidade elevada, permite que o midazolam alcance 80% da sua concentração de pico em 5 minutos (Quadro 4), clonazepam por via sublingual ou oral e clobazam por via oral. Se o paciente ou o médico reduzir o tratamento com DAEs regulares, estas deverão ser ministradas na dose completa. 21 Quadro 4. Administração aguda de drogas antiepilépticas. Procedimentos para aplicar midazolam Um exemplo de AADAEs Formas de administração de midazolam por via intranasal e intrabucal. Sendo altamente lipofílico, midazolam cruza facilmente as superfícies mucosas e penetra rapidamente no cérebro. Para administração transmucosa, intranasal ou bucal, pode-se utilizar a solução parenteral de 5 mg/ml na dose de 5 a 15 mg em adultos e 0,15 a 0,3 mg/kg em crianças. Para a administração intranasal, deve-se gotejar o volume calculado por peso, por meio de um conta-gotas, instilando metade da dose em cada narina. O paciente, em decúbito dorsal, deve ter sua cabeça inclinada para trás, com um travesseiro sob os ombros. Para a administração intrabucal, o paciente deve estar em decúbito lateral e o cateter ou a seringa ser inserido entre a bochecha e os dentes. Após a administração, recomenda-se manter o paciente em decúbito lateral e permanecer ao lado dele até sua completa recuperação. Midazolam bucal foi mais efetivo do que diazepam retal na interrupção de crises e não se associou à depressão respiratória (McIntyre et al., 2005; Sofou et al., 2009). 22 O tempo é ainda essencial na determinação do tipo de fármaco antiepiléptico a ser administrado (Quadro 5). Quadro 5. Relação entre o tempo de ocorrência da crise e a modalidade da terapêutica a ser instituída na AADAEs A escolha da administração aguda de drogas antiepilépticas depende do tempo •Quando é esperada a próxima crise? 1) Durante a crise: Diazepam retal (paciente inconsciente); Midazolam bucal, Lorazepam nasal (paciente consciente) 2) Dentro de 5 minutos: o mesmo 3) 5 – 20/30 minutos: o mesmo; hidrato de cloral retal 4) 20 minutos – horas (mesmo dia): Clobazam, Diazepam, Clonazepam, Acetazolamida oral 5) Mesmo ou próximos dias: Clozabam, Acetazolamida oral •Doses agudas repetitivas 1) Crises agrupadas com duração >1 dia 2) Epilepsia catamenial 3) Jet lag 4) Retirada de drogas antiepilépticas A administração aguda de benzodiazepínicos como parte da estratégia do tratamento para a epilepsia foi objeto de um estudo prospectivo observacional desenvolvido de 1º de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2008 pelo grupo dinamarquês de Dianalund, que se encontra no prelo. Agudamente, no atendimento de emergências, é bem estabelecida para tratar o status epilepticus. No entanto, o uso intermitente de benzodiazepínicos no tratamento da epilepsia crônica é um tema raramente abordado, com exceção do tratamento da epilepsia catamenial. O grupo estudou a AADAEs no tratamento de 24 pacientes com epilepsia (nove com epilepsias generalizadas idiopáticas, 14 com epilepsias focais sintomáticas/criptogênicas e um com epilepsia/migrânea). O diagnóstico da síndrome epiléptica baseou-se na história clínica, incluindo a descrição das crises pelas testemunhas e um registro eletrencefalográfico com 5 minutos de hiper23 ventilação e estimulação fótica intermitente, o qual, quando inconclusivo, foi repetido após privação de sono, visando a obter o registro da atividade elétrica cerebral em sono. Em todos os pacientes com diagnóstico clínico que não o de epilepsia generalizada idiopática, efetuou-se ressonância magnética do encéfalo com protocolo especial de epilepsia. Os pacientes tinham consultas regulares a intervalos de seis meses e fizeram uso de AADAEs pelas seguintes razões: 1. prevenção de crises tônico-clônicas generalizadas sucedendo crises menores (ausências, mioclonias, crises focais simples motoras ou auras); 2. prevenção ante a percepção de risco iminente de crises ou após exposição a fatores precipitantes de crises; 3. prevenção de crises agrupadas. AADAEs consistiu em 10 mg de clobazam por via oral. Se uma ação rápida era requerida para prevenir crises tônico-clônicas generalizadas (indicação 1), 10 mg de diazepam eram aplicados por via retal. Se 10 mg de clobazam se mostrassem ineficazes, a dose era aumentada para 20 mg ou alterada para 2 mg de clonazepam. No caso de crises agrupadas com duração superior a um dia, utilizaram-se doses repetidas de clobazam. A administração concomitante de DAEs permaneceu inalterada sempre que possível. Para obter o consentimento do paciente e cooperação integral, os procedimentos e os riscos da AADAEs foram explicados a eles em detalhes. Foram instruídos a utilizar AADAEs com precaução, para evitar o desenvolvimento de tolerância por exposição muito frequente a essa modalidade de fármacos. Deveriam anotar quando tivessem conseguido usar AADAEs conforme prescrita (sempre, em parte ou nunca) e forneceram uma autoavaliação da sua eficácia (muito satisfatória, satisfatória, indiferente e insatisfatória) e, ainda, se desejavam continuar usando esse método de prevenção de crises. Vinte e quatro pacientes foram incluídos (10 homens e 14 mulheres; 75% adultos acima de 30 anos [média de 43,3; faixa de 18 a 83 anos]) e 21 tiveram seguimento de 12 a 66 meses (média de 29,6 meses). Nove tiveram diagnóstico de epilepsia generalizada idiopática e 14, de epilepsia focal sintomática ou criptogênica. Um tinha crises tônico-clônicas generalizadas, as quais sucediam episódios de migrânea (migralepsia) (Andermann, 1987) (Quadro 6). 24 Quadro 6. Migralepsia – Definição e classificação Migralepsia A despeito de mais de dois séculos de investigação, ainda não se elucidou a relação entre epilepsia e migrânea. Esses distúrbios caracterizam-se por episódios paroxísticos de alteração da função cerebral e um pode ser confundido com o outro. Epilepsia e migrânea podem coexistir independentemente no mesmo indivíduo ou se inter-relacionar, uma promovendo o aparecimento da outra. A sequência “epilepsia-migrânea” é muito mais comum do que “migrânea-epilepsia” ou “migralepsia”. Essa segunda modalidade tem despertado muito interesse pelo fato de atestar a redução do limiar neuronal para crises epilépticas em indivíduos com migrânea. O termo "migralepsia" foi inicialmente utilizado por Lennox e Lennox em 1960 (embora esses autores o tenham atribuído a Dr. Douglas Davidson) para descrever uma condição na qual “a migrânea oftálmica com náuseas e vômitos foi seguida por sintomas característicos da epilepsia”. Desde então, foram descritos aproximadamente 50 casos na literatura, a maioria das descrições sujeitas a críticas por vários autores. Panayiotopoulos argumentou que “crises epilépticas são sempre muito susceptíveis a fatores precipitantes intrínsecos e extrínsecos e, assim, não há por que não serem também induzidas por alterações corticais produzidas pela migrânea...” “... no entanto, diante da elevada prevalência de ambos os distúrbios paroxísticos, é surpreendente que apenas alguns poucos relatos de casos tenham sido publicados. A maioria dos casos reportados de ‘migralepsia’ são casos complicados que não permitem uma conclusão acurada da sequência inequívoca da migrânea culminando na crise epiléptica ou se representam genuínas crises occipitais imitando a aura visual da migrânea”. A despeito desse ceticismo, essa condição foi incluída na Classificação da Headache Disorder II (ICHD-II) (International Headache Society, 2004), a qual sugere que esse diagnóstico se baseie em dois critérios: migrânea com aura seguida por uma crise epiléptica de tipos variados que ocorra durante a primeira hora após a aura migranosa (Sances et al., 2009). 25 Dez pacientes (42%) fizeram uso de AADAEs sempre de forma correta, sete (29%), na maioria das vezes, e sete (29%), esporadicamente ou nunca o fizeram. Três pacientes usaram AADAEs frequentemente, ou seja, uma a duas vezes por semana, seis aplicaram-na em frequência moderada (uma a três vezes por mês) e oito, ocasionalmente (uma a 11 vezes ao ano). As DAEs usadas na AADAEs foram clobazam em 21 casos, diazepam retal em um e dois pacientes fizeram uso de diazepam retal, clobazam e clonazepam por via oral. O controle de crises foi possível em 44% de todos os pacientes (sendo de 59% entre aqueles que fizeram uso adequado da AADAEs): cinco pacientes tornaram-se livres de crises, um livre de crises incapacitantes e quatro tiveram mais de 50% de redução de crises. Em 11, a melhora foi discreta ou inexistente e em três, não pôde ser quantificada. Treze de 19 pacientes tentaram interromper crises agrupadas, 10 com mais de 50% de sucesso (52,6% de todos os que aplicaram essa modalidade terapêutica e 76,9% dos que tentaram utilizá-la). A prevenção de crises agrupadas algumas vezes exigiu doses repetidas ou mais elevadas de clobazam. Dos nove pacientes com epilepsia generalizada idiopática, utilizou-se AADAEs para inibir crises tônico-clônicas generalizadas após uma sucessão de crises menores (ausências e mioclonias) ou para prevenir a percepção de risco. Sete aderiram inteiramente à prescrição ou parcialmente e obtiveram sucesso na prevenção das crises (três ficaram livres de crises, um, de crises incapacitantes, dois apresentaram mais de 50% de redução e um não obteve melhora na frequência de crises, mas conseguiu prevenir crises que ocorriam após viagens intercontinentais). No grupo de epilepsias focais (n = 14), houve indicações de AADAEs das três modalidades, ou seja, prevenção de crises tônico-clônicas generalizadas sucedendo crises menores focais simples motoras ou auras, prevenção ante a percepção de risco iminente de crises e após exposição a fatores precipitantes de crises e prevenção de crises agrupadas. Nove pacientes aderiram à prescrição, um dos quais ficou livre de crises incapacitantes e outro obteve mais de 50% de redução na frequência de crises. Um paciente ficou livre de crises sem AADAEs por evitar os fatores precipitantes de crises. Todos os outros 11 não melhoraram. No entanto, seis alcançaram sucesso na prevenção de crises após eventos 26 agrupados e falha só foi descrita por dois. O paciente com migralepsia ficou livre de crises fazendo uso da AADAEs no início da aura migranosa. A autoavaliação do uso de AADAEs foi positiva ou muito positiva por 88,2%. A taxa de retenção foi de 66,7% para todos os pacientes e de 88,2% para aqueles que usaram efetivamente AADAEs. Os candidatos ideais a essa modalidade terapêutica pareceram ser pacientes com as formas de epilepsias generalizadas idiopáticas de início na adolescência ou na vida adulta, especialmente aqueles que têm a maioria ou todas as crises precipitadas por condições tipicamente observadas nessas síndromes epilépticas, como privação de sono, ingestão excessiva de álcool ou estresse psicofísico. O aspecto fundamental parece ser o fato de que os pacientes desse grupo tiveram indicações bem definidas (grupos 1 e 2) e, uma vez bem motivados e adequadamente instruídos, serão capazes de reconhecer as condições desencadeadoras de suas crises e fazer uso adequado da AADAEs. Outro potencial uso profilático de AADAEs, independentemente da percepção do risco aumentado para crises, é a prevenção delas quando se estiver diante de situações sociais consideradas arriscadas, como concertos, cultos religiosos, apresentação em público e prática de esportes, nas quais uma crise epiléptica poderia representar um grande inconveniente ou expor o paciente a risco de traumatismos físicos. O terceiro grupo é diferente dos demais. Nesse caso, o objetivo primário da AADAEs não é curativo, mas paliativo. Quando a maioria dos episódios críticos tende a ocorrer em grupos de crises (‘clusters’), fará uma grande diferença se a AADAEs após a primeira crise reduzir o grupo a uma única crise. Tais crises agrupadas, em geral, compreendem crises focais simples motoras ou auras agrupadas a intervalos variáveis que culminam em uma crise tônico-clônica generalizada e os benefícios desse grupo de pacientes podem ser consideráveis. O único efeito adverso referido pelos pacientes dessa série foi ataxia de marcha, presente em um paciente com deficiências múltiplas. Considera-se que, embora esta seja ainda uma opção terapêutica subutilizada, AADAEs é um método elegante e frequentemente bem-sucedido de prevenção de crises. Em casos individuais, essa conduta poderia ser utilizada em monoterapia ou em combinação às DAEs administradas de forma crônica. 27 Referências Andermann F. Migraine and epilepsy: an overview. In: Andermann F, Lugaresi E (eds.). Migraine and epilepsy. Boston: Butterworths, 1987, pp. 405-21. Cramer JA, Russell ML. Compliance in epilepsy. Strategies to enhance adherence to a medical regimen. Epilepsy Res Suppl 1988;1:163-75. Cramer JA, Scheyer RD, Mattson RH. Compliance declines between clinic visits. Arch Intern Med 1990;150:1509-10. Cramer JA, Mattson RH, Prevey ML, Scheyer RD, Ouellette VL. How often is medication taken as prescribed? JAMA 1989;261:3273-7. Loscher W, Schmid D. 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