Maoris e melhores - Colégio Ari de Sá Cavalcante

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Maoris e melhores
Na nova sociedade neozelandesa, ser
nativo deixou de ser um programa de índio
Isabela Boscov, da Nova Zelândia
É como se, ao início de cada jogo, a seleção brasileira encenasse um ritual típico, digamos, dos
índios caiapós – improvável, para dizer o mínimo. E, no entanto, é essa a marca registrada dos
All Blacks, a idolatrada seleção de rúgbi da Nova Zelândia: antes que o juiz apite o começo da
partida, todos os jogadores, sejam eles descendentes de nativos ou de europeus, fazem a haka,
a dança de guerra maori, para intimidar os adversários. Não é só uma questão de folclore. Há
maoris, e muitos, na periferia de Auckland, a maior cidade do país. Mas há maoris também nos
ministérios, no Parlamento, entre o empresariado, nas repartições públicas, dando aulas nas
escolas e em qualquer outro segmento da sociedade neozelandesa. Desde o fim dos anos 80, o
idioma te reo maori tem status de língua oficial, juntamente com o inglês. Seu ensino é
obrigatório nas escolas, ele está presente em todos os websites governamentais e, cada vez
mais, é falado entre os 15% de maoris que compõem a população – mais ou menos como se
houvesse um ressurgimento do tupi entre os brasileiros, e com incentivo oficial. Na Nova
Zelândia há até um Ministério do Desenvolvimento Maori. Ele cuida não só de melhorar os
indicadores sociais da população nativa, ainda mais baixos que os da maioria européia, mas
também de aconselhá-la na hora de abrir uma empresa ou tocar seus negócios. O trabalho está
dando frutos: um estudo publicado em fevereiro deste ano pelo governo mostra que a economia
maori gera 1,9 bilhão de dólares neozelandeses (cerca de 3,2 bilhões de reais) ao ano. A fatia
ainda não chega a 2% da economia nacional, mas a surpresa é que ela tem crescido mais e mais
rápido do que esta última. A conclusão do relatório: os maoris vêm se globalizando de forma
mais eficiente que o geral da Nova Zelândia, e por isso seus negócios crescem mais.
Essa situação faz dos maoris um caso único entre as populações indígenas que, no passado, se
viram reduzidas numérica, moral e materialmente com a chegada dos colonizadores europeus –
como os incas no Peru, os nativos americanos nos Estados Unidos, os aborígines na Austrália e,
claro, os índios no Brasil. Em nenhum outro país a integração foi tão longe e tão fundo, a ponto
de esta palavra – integração – nem ser mais usada. A Nova Zelândia hoje se considera uma
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nação bicultural: os interesses de maoris e pakehas, ou brancos, têm de ser igualmente
atendidos. Em muitos casos, aliás, é difícil saber quem é pakeha e quem é maori. Um
neozelandês loiro e de olhos azuis que tenha um parente nativo algumas gerações para trás
pode declarar-se maori ao recenseamento, por uma questão de afinidade – e muitos o fazem.
Esse avanço dos maoris obviamente não decorre das iniciativas de uma maioria branca mais
iluminada do que em outros países. Ele é resultado de uma briga intensa e de um pedaço de
papel assinado em 1840 por 512 chefes maoris e um representante da Coroa inglesa – o Tratado
de Waitangi, com o qual os colonizadores puseram fim às escaramuças sangrentas e derrotas
desmoralizantes que vinham sofrendo nas mãos dos guerreiros maoris. Em linhas gerais, o
acordo estabelecia que os maoris só venderiam suas terras aos representantes da Coroa. Em
troca, tornavam-se súditos desta, que deveria protegê-los e aos territórios dos quais eles
tiravam sua subsistência. Como outros tratados semelhantes, o de Waitangi foi traído de todas
as formas possíveis no século seguinte. Até que, na década de 70, a mesa virou: líderes maoris
emergiram das universidades e conseguiram provar que o tratado ainda tinha valor legal. Desde
então, várias das cerca de cinqüenta tribos maoris da Nova Zelândia já ganharam indenizações
por destratos passados. A dos ngai tahu, que tem se mostrado a mais empreendedora delas,
recebeu 170 milhões de dólares neozelandeses (cerca de 290 milhões de reais) em 1998 e um
pedido de desculpas formal da Coroa inglesa, à qual a Nova Zelândia ainda é ligada pelos laços
da Commonwealth. Uma das figuras mais influentes do país é um ngai tahu. Historiador e
empresário, sir Tipene O'Regan – que tem mãe maori e pai de origem irlandesa – liderou a
tumultuada negociação que entregou aos maoris 37% das cotas de exploração da pesca, uma
das mais lucrativas indústrias do país. Hoje, os ngai tahu atuam nos setores imobiliário e
turístico e são sócios iguais dos japoneses na Sealord, que sob sua administração direta passou
de uma empresa tímida a quinta maior companhia pesqueira do mundo.
Figuras proeminentes como sir Tipene volta e meia são acusadas pelos radicais do movimento
maori de estar usando as mesmas armas dos brancos para se firmar e, portanto, destruindo sua
própria "maoridade". Para os estudiosos desse cenário, trata-se de uma questão vazia – se os
maoris chegaram até onde estão, é porque são muito menos apegados ao passado e à tradição
do que outras culturas indígenas, e sempre mostraram entusiasmo em inovar e se adaptar. Só
de uma coisa eles não abrem mão, como os tribunais neozelandeses podem atestar nos últimos
trinta anos: é de, quando a ocasião exige, fazer a haka e desafiar seus oponentes para uma boa
guerra.
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