Por uma formação crítica do educador social de

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POR UMA FORMAÇÃO CRÍTICA DO EDUCADOR SOCIAL DE
RUA
Antonio Pereira
Professor da Universidade do Estado da Bahia
Doutorando em Educação – FACED/UFBA
Resumo
Analisa a formação do educador social de rua na perspectiva do materialismo histórico
dialético em suas categorias da contradição, totalidade e práxis. Sugere uma matriz, mesmo
que não totalmente definida, de um currículo crítico de formação desse educador que lida
com a problemática das crianças e adolescentes de rua. Tal idéia de currículo é uma
reflexão para uma possível tomada de posição daqueles que defendem uma formação
qualitativa do educador social de rua que atua em movimentos populares e sociais.
Palavras-chave: Educador social de rua – materialismo histórico dialético – currículo
crítico
2
1. A Problemática
É possível a formação do educador social de rua, na perspectiva do materialismo
histórico dialético? Se for possível, que idéia de currículo pode-se construir para
concretizar tal utopia? Estas questões serão, aqui, resumidamente, postas como uma
reflexão epistemológica de quem pensar a formação do educador social de rua. Tal reflexão
foi possibilitada pela pesquisa de estudo de caso da educação profissional da Fundação da
Criança e do Adolescente, ocorrida em 2001-2003 e que resultou, entre muitas proposições,
a de pensar uma formação critica para o educador social.
Não pretendemos aqui discorrer sobre a citada pesquisa 1 , mas tão somente descrever a
intenção de currículo para a formação do educador social de rua, já que esta foi uma das
proposições sugeridas na pesquisa. Portanto, este texto se configura numa reflexão a partir
do desejo e da utopia de uma formação crítica a partir do materialismo histórico-dialético 2 .
Utopia, no sentido do desejo e da possibilidade de construção coletiva de um projeto de
sociedade humanizante em que “não se vêem nem pobres, nem mendigos, e ainda que
ninguém tenha nada de seu, no entanto todo mundo é rico” (MORUS, s/d, p.179). Nesse
sentido, é que Thomas Morus (s/d, p. 179) pergunta se é possível existir “sorte mais feliz do
que não temer pela existência?”. Para ele, isto só seria possível na sua Ilha da Utopia em
que a educação cumpriria o papel de dar uma formação moral e científica aos utopianos.
Essa cidade de Morus é utopia porque ainda não foi realizada; assim também é a
formação crítica do educador social, especificamente aquele que trabalha com os meninos e
meninas de e na rua, porque sequer essa formação ainda é pensada nos cursos de
Pedagogia, ainda! Pois, como afirma Miguel Arroyo (2002, p. 143-144), o “objeto da
pedagogia moderna [é] entender os processos complexos de humanização e ajudar os
educandos nessa trajetória [...] educar nada mais é do que humanizar, caminhar para a
emancipação [...]”. Para Paulo Freire (1987), educar é um processo de conscientizaçãohumanização que ocorre pelo ato cognoscente do sujeito sobre o objeto.
1
Pesquisa oriunda da nossa dissertação de mestrado intitulada “O modelo de educação profissional da
Fundação da Criança e do Adolescente”, defendida na FACED/UFBA e apresentada na Sociedade Brasileira
para o Progressos da Ciência, ano de 2003.
2
O desenvolvimento desta proposição ocorreu após a defesa da dissertação de mestrado quando ainda
trabalhava na Fundação; portanto, tal proposição não se encontra na dissertação, apenas a sua indicação,
superficialmente.
3
A educação social de rua, enquanto um ato cognoscente-cognoscível visa a
ressocialização de crianças e adolescentes, filhos da pobreza, e que vivem nas ruas em
processo de degradação física, psíquica e moral. Essa educação acontece nas ruas das
principais capitais do país e se corporifica em três etapas: paquera, namoro e aconchego
pedagógico, respectivamente, corresponde ao primeiro contato entre educador-educando
para a conquista da confiança dos meninos e meninas que estão nas ruas; aplicação de
atividades lúdicas para o convencer esses meninos(as) a saírem das ruas e aceitarem a
assistência sócio-educativa de uma instituição.
O educador social de rua trabalha diretamente com esses meninos(as) que perambulam
pelas ruas em busca de sobrevivência. Esse educador é ligado, geralmente, a uma
instituição de atendimento a criança e ao adolescente marginalizado, isso significa que ele
não tem a necessária autonomia didática e ideológica para fazer a educação acontecer no
espaço da rua, pois na maioria das vezes, são ações educativas pré-determinadas que visam
apenas tirar das ruas os filhos e filhas da pobreza 3 .
Na citada pesquisa de mestrado constatei que o educador da Fundação da Criança e do
Adolescente não estava preparado, pedagogicamente, para lidar com os meninos e meninas
“em situação de risco social” pelo fato de não terem formação e qualificação para o
trabalho social na rua. A formação acadêmica que possuía não lhe garantia a necessária
práxis pedagógica, e os cursos de qualificação da Fundação eram um treinamento rápido,
quando deveria ser uma formação permanente para o trabalho na rua.
Nessa investigação percebemos várias contradições que necessitavam de superação,
como: 1) a FUNDAC reconhecia o trabalho dos educadores e a sua urgente qualificação,
mas não pressionava o Estado para que desse as condições necessárias para uma
qualificação permanente desses educadores; 2) falava-se em práxis pedagógica, mas a
acontecia uma pratica mecanizadas oriundas dos cursos de treinamentos ou de orientações
da coordenação pedagógica; 3) a experiência adquirida pelos educadores não era
valorizada, embora houvesse um discurso, da coordenação, de valorização da prática na
teoria, e da teoria na prática.
3
Termo alcunhado por César La Rocco em entrevista cedida ao jornal Correio da Bahia: LA ROCCA quer o
Axé no poder público. Correio da Bahia. Salvador. Caderno de Reportagem – Arte e Lazer, p. 8, 20 de junho
de 1993.
4
Tais contradições me levaram a pensar em um processo formativo para o educador
social de rua a partir do materialismo histórico-dialético, pelo fato dessa opção possibilitar
uma ação-reflexão, objetivamente.
2. O Materialismo Histórico-Dialético
Por que
o materialismo histórico-dialético daria conta dessa formação? Primeiro,
porque é uma teoria e prática que pensa mudanças coletivas substanciais por penetrar “até
as raízes da realidade social, isto é, até o homem como sujeito objetivo, ao homem como
ser que cria a realidade social” (KOSIK, 1976, p. 109). Isto significa dizer que o
materialismo histórico-dialético é uma teoria do homem e para o homem se emancipar. É
uma teoria da emancipação. Segundo, é uma filosofia da ação concreta do homem em busca
de uma totalidade do real, portanto é uma práxis social ou que instaura a práxis em um
determinado campo social, como o educativo.
O materialismo histórico-dialético é uma teoria social e uma filosofia da ação concreta
dos homens entre os homens. Refere-se ao socialismo proletário leninista, que toma o
método dialético para interpretar a realidade, enquanto o materialismo histórico designa “a
concepção materialista da história, segundo a qual os processos de transformação social se
dão diferentes do conflito entre os interesses das diferentes classes sociais” (JAPIASSÚ E
MARCONDES (1996, p. 177).
Para Karel Kosik (1976), o materialismo dialético “é uma filosofia radical”. Essa base
objetiva do homem criando a sua realidade é que se chama materialismo. É também
histórico por ser uma criação humana “daquilo que não passa, daquilo que se cria e se
produz”, ou seja, o homem precisa da história para agir, e quando faz isso faz história, cria
e recria sua realidade circundante, “e somente sobre a base desta determinação materialista
do homem como sujeito objeto [...] cria uma nova realidade, uma realidade social humana”
(grifo do autor – KOSIK, 1976, p. 109), eis o caráter dialético do materialismo.
O homem se humaniza a partir de sua atividade e relação com a natureza circundante e
isto é dialético porque ao mesmo tempo em que ele transforma a natureza, transforma
também a si próprio. Este processo, segundo Marx (1971, p. 202), se deve ao trabalho
enquanto “um processo de que participa o homem e a natureza, processo em que o ser
humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercambio material com a
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natureza [...]”. Compreender que o homem se humaniza em um intercambio prático, na
práxis social é compreender o que é o materialismo histórico-dialético, visceralmente.
Porém, tal compreensão visceral passa, pelo entendimento de três categorias do
materialismo histórico-dialético, que lhe dá sustentação teórica e vigor social, são elas:
totalidade, contradição e práxis. A totalidade seria, em linhas gerais, as diversas relações de
uma realidade, a presença das partes num todo, formando uma unidade dialética ou ainda a
compreensão de um fenômeno social e histórico num todo em que ao mesmo tempo ele é
“produtor e produto; ser revelador e ao mesmo tempo determinado” (KOSIK, 1976, p. 40).
É a concretude de um dado fenômeno na extensão do social, portanto é sempre uma
totalidade relativa, pois não é compreensão de toda a realidade, porém “que cada fenômeno
pode ser compreendido como momento do todo”, porque a realidade não pode ser intuída,
problema esse já analisado por Immanuel Kant (1987).
Já a contradição se refere às tensões opostas no interior dos fenômenos sociais e que se
deve buscar a sua superação, pela explicitação do real. Segundo Hegel (s/d, apud
CORBISIER, 1981, p. 59), a contradição está presente em todo lugar, nas coisas e nas
instituições e que ela é movimento presente no mundo, “não deve ser compreendido como
se a coisa se encontrasse, em dado momento, aqui, e, no momento seguinte, alhures, mas
aqui e não-aqui no mesmo momento, e a coisa como sendo e não sendo, ao mesmo tempo,
no mesmo agora”.
Para Acácia Kuenzer (1998, p. 65), a contradição é um movimento dos contrários “que
ao se opor dialeticamente, um incluindo-se/excluindo-se no/do outro, se destroem ou se
superam; as determinações mais concretas contêm, superando-as, as determinações mais
abstratas”. Perceber a contradição em uma dada realidade é perceber seus pólos opostos
como primeiro processo que ajuda a uma ação mais efetiva de solução de um dado
problema social. Ela é o alimento dessa ação transformadora que procura superá-la.
A práxis é a “esfera do ser humano”, é aquela “atividade que se produz historicamente
[...] – unidade do homem e do mundo” (KOSIK, 1976, p. 201-202). A práxis contém a
contradição e a totalidade de um determinado real, é por isso que ela é a possibilidade de
libertação do homem, portanto, é o próprio projeto revolucionário. A práxis é a ação
consciente que resulta na transformação do homem, dando-lhe autonomia para agir. É um
processo de conscientização que leva a tomada de atitude frente à realidade social, como
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afirma Freire (1979, p. 26), que só é possível no “ato ação-reflexão” ou seja, da práxis.
Cornelius Castoriadis (1982, p. 95) afirma que a práxis é uma ação alimentada por saberes
e atitudes provisórios, porque está sempre em renovação e é por isso que ela só pode
“existir na lucidez”.
Em Marx e Engels (1984, p.12), a práxis é uma atividade prático-crítica que se realiza
de forma consciente, re-elaborada materialmente, com vistas à transformação do real. Estes
teóricos da Sociologia reconhecem que a educação contribuiria
para uma práxis
revolucionária, pois é na “práxis que o homem demonstra a verdade, isto é, a realidade e o
poder, o caráter terreno de seu pensamento”. Esse caráter terreno do pensamento humano,
Adorno (1995, p. 141) também chama de conscientização possibilitada pela educação
(desbarbarização) que produz “uma consciência verdadeira”, sendo que essa consciência é a
capacidade cognitiva de “pensar a realidade por relações entre formas e estrutura de
pensamento do sujeito e aquilo que este não é”.
Totalidade e contradição estão no seio da práxis, portanto, a práxis não é apenas uma
relação entre teoria e prática, mas uma ação de humanização, como afirma Kosik (1976).
Uma ação onde se encontra a totalidade que busca superar as contradições de uma
realidade. A totalidade determina e é determinada na práxis.
A educação enquanto um campo de possibilidade da práxis deve buscar a própria práxis
no processo de formar os sujeitos para uma dada sociedade, mas quem faz a educação são
os sujeitos que se tornam históricos porque têm a possibilidade de modificar seu meio
social. A educação social de rua necessita de um educador com uma formação crítica
suficiente para que consiga construir com esses meninos e meninas um projeto de vida para
além da marginalização; portanto, esse educador, como afirma Stela Graciani (2001, p.
223), tem função “política transformadora” das condições sociais desses meninos(as).
E só uma formação crítica seria capaz de educar o educador para uma práxis
revolucionária, como advoga Marx e Engels (1984; 1992). Sendo assim, cabe-nos defender
uma formação intelectual do educador social de rua, a partir de uma dialética concreta
(KOSIK, 1976) no interior de um currículo que deve acontecer na práxis sócioeducativa.
3. Proposição de um Currículo Crítico
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A atuação praxiológica do educador deve ser pensada pelo processo formativo instituído
e instituinte, de maneira que ele seja preparado para atuar nos campos de concentração de
pobreza, miséria, degradação física e moral dos meninos e meninas da classe pobre, pois se
educação é desbarbarização, como diz Adorno (1995) que é preciso que seja assim e que se
faça presente, pois assim como a educação é “um acessório indispensável à produção, por
preencher necessidades técnicas e políticas e sua diferenciação interna não é uma
excrescência a ser superada no futuro, mas uma necessidade inerente ao capital”
(MACHADO, 1989, p. 31), ela também deve ser não apenas um acessório, mas uma marca
na vida daquelas que nada tem, mas desde quando seja uma educação para a emancipação.
Não se tem essa conquista sem um amplo movimento social superador de contradições
sociais históricas. Uma educação que seja superadora das condições materiais dos meninos
e meninas de rua precisa ser popular, pensada a partir deles e para eles e que tenha uma
“concepção e compromisso de classe e por sua ligação orgânica com o movimento popular
definidos em termos políticos (não necessariamente partidários)” essa educação deve estar
“vinculada à ação organizada do povo, das massas, para alcançar o objetivo de construir
uma sociedade nova, de acordo com os seus interesses” (grifo do autor – HURTADO,
1993, p. 44).
Pensar uma formação revolucionária para o educador social de rua só é possível a partir
de um currículo que tenha por princípio educativo o trabalho coletivo e a organização
crítica dos conteúdos através dos complexos temáticos. Moisey Pistrak (1981, p.29),
defensor dos complexos temáticos diz que “sem teoria pedagógica revolucionária não
poderá haver prática pedagógica”. E como currículo é vida e como tal é complexidade, é
seleção e organização de determinado conhecimento que se quer ou se deseja para uma
dada população ou sociedade. O currículo manifesta os interesses de classe com os seus
embates ideológicos, portanto deve fazer parte do projeto revolucionário de formação do
intelectual orgânico. O currículo é muito mais do que um documento escrito com intenções
a curto e longo prazo que contém indícios de saberes, conhecimentos, comportamentos a
serem ensinados-aprendidos pelos indivíduos, mas é antes a própria vida conduzida pela
história que se inventa e que acontece.
Currículo é, na acepção de Michael Apple (2000), Antonio Moreira e Tomaz Silva
(2001) um artefato social e cultural não neutro, portanto interessado política, ideológica e
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educacionalmente que utilizado por uma das classes antagônicas (burguesia ou
proletariado) tem, em parte, o controle ou emancipação da sociedade na sua forma de
pensar e agir. O currículo está na dimensão da cultura enquanto processo civilizatório em
movimento e enquanto “cultura da classe ou grupo dominante” (MOREIRA; SILVA, 2001,
p. 27) expressando os sentidos objetivos e subjetivos da humanidade.
Não é à-toa que Apple (2000) afirma que currículo é poder, é luta de classes pela
manipulação da política cultural, pois “é produzido pelos conflitos, tensões e compromissos
culturais, políticos e econômicos que organizam e desorganizam um povo”. Um currículo
de formação do educador social precisa ser aquele que fomente o desejo de práxis desse
educador, um currículo que na ação concreta possibilite construir
conhecimentos
necessários a uma pratica transformadora, para isso o currículo precisa acontecer na vida
dos envolvidos do processo formacional. Tal currículo não se inicia sem os sujeitos do ato
educativo. Um currículo assim eu o chamaria de currículo-ação muito próprio da concepção
de pesquisa-ação em que tudo acontece na coletividade e que o objetivo primeiro e último é
a transformação das condições materiais de uma coletividade.
Para Pistrak (1981), o currículo deve ser revolucionário, no sentido de estabelecer as
bases para uma práxis social. As bases devem estar coerentes com o ato político que se
defende para determinado grupo, inter-relacionado e comungando com a mesma matriz
teórico-metodológica nos seus aspectos sócio-filosóficos e psicológicos. Pistrak propõe a
pedagogia dos complexos como única forma de avanço do socialismo na Rússia. Os
complexos são grandes temas que se articulam entre si e com outros de maneira que a
realidade possa não apenas ser compreendida, mas modificada pelas ações concretas dos
educadores-educandos. Para tanto, esses complexos precisam se relacionar com a vida dos
educandos, o que não significa que para aí, se amplie em outros contextos.
Os complexos também podem ser entendidos como temas geradores propostos por
Paulo Freire, a diferença é o contexto em que se deu ambas as propostas: os complexos
foram pensados na e para uma revolução social, os temas geradores foram pensadas na e
para a conscientização em uma sociedade capitalista. Mas, ambos tem algo,
pedagogicamente, em comum que é a forma que os temas ou os complexos se constituem –
da situação real, vivida, experienciada pelos/dos educadores-educandos. É um
conhecimento do concreto para o abstrato, do abstrato para o concreto. Os complexos
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temáticos possibilitam a transformação do real, a constituição histórica dos sujeitos da
educação.
Para Pistrak (1981, p. 95) a escola do trabalho pretende a desalienação dos sujeitos para
que eles possam agir, revolucionariamente. Creio que a proposta desse educador em uma
sociedade e escola capitalista tenha por finalidade criar as condições de mobilização dos
educandos e educadores para que possam lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.
Tal desalienação, pedagogicamente, aconteceria pela principio educativo da pesquisa
baseado pelo método dialético. Este principio levaria os educadores-educandos a “analisar
as manifestações da vida”.
Os complexos temáticos têm algumas características, como: 1) os fenômenos sócioculturais e educativos são agrupados e ao mesmo tempo mantém suas especificidades e
integrações epistemológicas; 2) tais fenômenos se agrupam para serem estudados a partir de
uma prática concreta – o trabalho; 3) a realidade concreta dos educandos é uma das bases
da escolha dos complexos fundamentais e secundários.
A partir de tais princípios, proponho uma matriz de currículo de formação do educador
social, conforme quadro abaixo, com o objetivo de instalar um permanente processo de
qualificação desse educador no interior das instituições de assistência a criança e ao
adolescente marginalizado.
DESENHO DE UMA PROPOSTA CURRICULAR PARA A FORMAÇÃO PERMANENTE DO
EDUCADOR SOCIAL DE RUA
COMPLEXOS TEMÁTICOS
Fundamentais
Sociedade, Estado
e educação
- A constituição do
Infância e
adolescência
- a constituição do
Materialismo
histórico-dialético
- aspectos filosóficos;
Pedagogia
socialista
- aspectos
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ser social;
sentimento de
- As sociedades
infância;
antigas e modernas;
- a constituição do
- a categoria
sentimento de
trabalho;
adolescência/juventud
- trabalho e
e;
capitalismo;
- a constituição do
infância/adolescência
Estado;
e capitalismo;
► - a constituição da
►
- o Estado e o
capitalismo;
infância e
◄
◄
- a educação e ser
adolescência
social;
abandonada/marginali
- a constituição da
zada;
escola e o
-infância/adolescência
capitalismo
e socialismo;
- a escola e o
- infância e
socialismo......
contemporaneidade:
movimentos sociais
pró-infância, o ECA....
-aspectos
sociológicos;
- aspectos políticoideológicos;
- aspectos educativos;
- as categorias:
contradição,
totalidade, práxis,
mediação....
teóricos;
- aspectos
metodológicos;
- aspectos
psicológicos;
- método
dialético;
- aspectos
ideológicos;
► -aspectos
organizativos do
◄ trabalho
pedagógico....
Secundários
Pedagogia de Social de Rua e Formação do Educador
► Princípios educativos: trabalho coletivo/pesquisa
Auto-organização
► Principio didático: método dialético/intervenção
Diálogo-dialógico
O currículo se organiza a partir de quatros complexos fundamentais. Os 2 primeiros
complexos: Sociedade, Estado, Educação e Infância e Adolescência visam a compreensão
do contexto antropológico, social, histórico e educativo da humanidade, bem como as
explicações sócio-psíquicas da constituição do sentimento de infância e adolescência no
capitalismo, bem como suas implicações na contemporaneidade quando da marginalização
das crianças e adolescentes da classe pobre. Os 2 últimos complexos fundamentais:
Materialismo Histórico-Dialético e a Pedagogia Socialista objetivam o preparo para a ação
concreta do educador social de rua no sentido de compreender os fundamentos destes dois
campos que se entrelaçam, dialeticamente.
Destes 4 grandes complexos derivam outros que são os secundários que por sua
especificidade podem mesmo se constituir em complexos fundamentais. Nessa ideação de
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currículo apenas dois aparecem como secundário: a Pedagogia Social de Rua e a Formação
do Educador porque objetivam o estudo, discursão e a sistematização das práticas
educativas que acontecem nas ruas. A finalidade desse complexo é entender,
epistemologicamente, essa pedagogia de maneira que ela seja re-significada, pelos
educadores, a partir da pedagogia socialista.
Tanto os complexos fundamentais e secundários se articulam entre si a partir de dois
princípios educativos: o trabalho coletivo e o didático. O primeiro, procura corporificar a
organização pedagógica pelo trabalho coletivo que compreender uma auto-organização
para o exercício da pesquisa. O segundo, é o próprio método dialético aplicado no fazer da
pesquisa e, conseqüentemente, na ação concreta dos educadores. Os dois princípios
objetivam instalar a práxis pedagógica no processo formativo do educador social de rua.
Cada complexo temático demanda uma série de conhecimento e saberes e que, portanto,
demanda um certo tempo, significa que o processo formativo deve ser permanente de modo
que a ação reflita a teoria, a teoria reflita a ação. Particularmente, a Pedagogia socialista
demanda um profundo estudo em seus aspectos psíquicos, didáticos, sociológicos e
filosóficos para que o educador social possa tirara elementos para a sua prática diária. Cada
complexo precisa de detalhamento, e que deve acontecer na coletividade de educadores, de
maneira que decidam qual complexo estudar.
A utopia
Paulo Freire (2006, p. 100-101), em uma de suas muitas reflexões, diz que precisamos
de uma “educação corajosa, que enfrentasse a discussão com o homem comum, de seu
direito àquela participação [e] a uma nova possibilidade diante dos problemas de seu tempo
e de seu espaço”. Mas tal educação corajosa também precisa de educadores capacitados
para o exercício da educação conscientizadora, pois o “educador deve ser educado”
(MARX; ENGELS, 1984, p. 12) tanto no contexto dos cursos formais de educação, como
na ação concreta, no embate político-ideológico; aliás, a educação é um ato político porque
sempre está a serviço de alguém ou de alguma coisa.
Sei que essa proposta de currículo é um ato político-ideológico e nisso ele se configura
como pura utopia, mas como precisamos viver de utopias é que defendo os pressupostos do
materialismo histórico-dialético nessa proposta de currículo para formação do educador
12
social, como forma de instalar a práxis. Acredito na práxis enquanto possibilidade intensiva
de transformação do real, como também crer Castoriadis (1982). Portanto, este currículo
permite a inserção das categorias do materialismo histórico-dialético, como: contradição,
totalidade e práxis na formação do educador social, de maneira que ele possa agir para
transformar as condições de vida das crianças e adolescentes marginalizadas.
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