Revista HISTEDBR On-line Resenha Resenha do livro: WRIGHT, JONATHAN. Os Jesuítas: missões, mitos e histórias. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006. 300 p. Resenha por Cézar de Alencar Arnaut de Toledo 1; Ruckstadter 2; Vanessa Campos Mariano Ruckstadter 3 Flávio Massami Martins Nascido em Hirtlepool, Grã-Bretanha, no ano de 1969, Jonathan Wright estudou nas universidades de Saint Andrews, na Pensilvânia e de Oxford, onde concluiu seu doutoramento em História no ano de 1998. O livro foi publicado em inglês no ano de 2004, e nos anos que seguiram foi traduzido para o alemão, espanhol e italiano, até chegar à tradução brasileira no ano corrente. Segundo o próprio autor, pensou pela primeira vez em escrever um livro sobre os jesuítas no ano em que estudou na Universidade da Pensilvânia, e realizou a maior parte de sua pesquisa financiada por uma bolsa da Alemanha. “Os Jesuítas: missões, mitos e histórias” é o primeiro livro de Wright, traz em 300 páginas a História da Companhia de Jesus do momento de sua fundação, passando pela consolidação da Ordem com as missões, até a sua extinção e restauração. Não haveria melhor momento para tal publicação: em 2006 se comemoram os 450 anos da morte de Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Ordem, e 500 anos do nascimento dos primeiros companheiros de Inácio de Loyola, Pedro Fabro (1506-1546) e Francisco Xavier (1506-1552). Escrever sobre a Companhia de Jesus é um desafio, visto que ela foi uma Ordem Religiosa muito polêmica desde sua fundação. O foco central do autor foi a abordagem do mito e do contra-mito em relação à atuação missionária dos padres inacianos, o que significa dizer que sua análise foge às análises apaixonadas ou impregnadas de antijesuitismo, comuns inclusive em publicações atuais. Wright traz em seu discurso, sobretudo nas páginas iniciais, uma leveza na escrita, tornando a leitura agradável, mas nem por isso superficial. Faz análises consistentes e bem ilustradas que permitem ampla e fácil compreensão do tema, mesmo por leitores leigos. Utilizou para sua análise uma bibliografia densa, com inúmeros documentos dos séculos XVI ao XX, e os analisa de forma consistente. Uma das maiores contribuições do livro está justamente relacionada ao grande número de referências documentais e bibliográficas sobre o tema. Outra importante contribuição diz respeito à literatura antijesuítica – tratados, poemas e sátiras – produzida ao longo da existência da Companhia de Jesus. Histórias pitorescas, contadas pelos inimigos dos padres jesuítas, são utilizadas por Jonathan Wright para retratar a perseguição que a Companhia de Jesus sofreu e os inimigos que conquistou, inclusive dentro da própria Igreja Católica. Ao trazer excertos dessas histórias, o autor acaba por exagerar nos comentários, por vezes excessivamente satíricos. No entanto, não compromete a seriedade e a solidez do conjunto da obra. O livro é dividido em oito capítulos, que tem início com a história da fundação da Ordem no século XVI, passando pelas missões e métodos utilizados nas índias Orientais e Ocidentais, pelo discurso antijesuítico e extinção da Companhia de Jesus, destacando o chamado “Ressurgimento” da Ordem no século XIX, e finalizando com a atuação dos jesuítas no século XX. Inicia seu livro, ainda na Introdução, contando a história de uma nobre portuguesa que teria arrancado com os dentes um dedo do corpo do padre jesuíta Francisco Xavier (1506-1552), para levar como relíquia. A partir de ilustrações como essa, o autor explica os esforços da Companhia de Jesus em ter seus próprios santos ainda no século de sua fundação. Narra em seguida a história da fundação da Companhia de Jesus, desde o Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 253-257, mar 2007 - ISSN: 1676-2584 253 Revista HISTEDBR On-line Resenha encontro dos primeiros companheiros na Universidade de Paris até a aprovação oficial da Ordem por meio da bula papal Regimini Militantis Ecclesiae, em 1540. No primeiro capítulo o cerne do debate é a visão, ainda bastante difundida, segundo a qual a Companhia de Jesus teria sido fundada apenas como reação ou resposta ao movimento protestante, iniciado por Martinho Lutero, em 1517. Afirma que “apesar de não ter sido criada como um antídoto católico a Lutero, logo surgiria como paladina da Contrareforma, perseguindo hereges e encorajando fiéis” (p. 20). A luta contra o protestantismo se tornou uma característica da atuação dos jesuítas, marca presente já na primeira década de sua existência: Em 1540, a “Fórmula do Instituto”, um manifesto que formou a base da bula fundadora da Companhia, falava da “propagação da fé” como a principal obrigação dos jesuítas. Em 1550, esta frase já tinha se tornado a “defesa e propagação da fé”. Enfrentar o tipo de ameaça à Igreja representada pelo Saque de Roma e encarnada no Caso dos Cartazes logo se tornou uma ocupação da Companhia. Serviria também como uma das principais fontes de orgulho e identidade própria dos jesuítas. (p. 33) A atuação da Companhia de Jesus estava marcada por sua identificação com a defesa e a propagação da fé, ou seja, destacava-se sua veia missionária. O autor finaliza o capítulo afirmando que houve muito mais no primeiro século da Ordem do que a oposição à Reforma, enfatizando a atuação nos campos da ciência, política, educação e evangelização global. (p. 47) Um mundo só não basta, título do segundo capítulo, sintetiza o debate feito pelo autor. Wright afirma que no primeiro século jesuíta houve uma expansão muito rápida da influência da Ordem. Cita como principal influência os Exercícios Espirituais, que se tornaram no século XVI uma espécie de recreação popular entre o laicato europeu (soldados católicos, pintores católicos e até mesmo alguns protestantes). Ressalta a capacidade da Ordem em inspirar festejos populares, como por exemplo encenações e procissões em homenagem aos primeiros santos canonizados, São Francisco Xavier e Santo Inácio de Loyola. Inspiraram devoção em famílias tradicionais, como os Acosta de Medina del Campo, família à qual pertencia José de Anchieta, “talvez o mais habilidoso missionário jesuíta para a América Latina no início da era moderna” (p. 57). Os membros da Companhia de Jesus, antes restringido a um número de no máximo 60 membros pelo papa Paulo III no momento da aprovação, crescia vertiginosamente. No ano de 1556 somavam 1.000 jesuítas; menos de um século depois, no ano de 1626, totalizavam 15.544! No entanto, apesar do sucesso das missões e da ampla influência dos jesuítas, no campo da educação teria demorado para que as elites locais aceitassem o ensino proposto pelos padres inacianos. Afirma ainda que outro ponto que constantemente aparece de maneira equivocada é a de que não havia uma unidade de pensamento entre os padres jesuítas. Havia fortes rivalidades nacionais, como o exemplo citado, entre os jesuítas franceses e italianos. Havia discordância especialmente quanto à admissão de novos membros: os jesuítas espanhóis se mostravam insatisfeitos com a aceitação de ingresso de descendentes de judeus e mouros.4 Apesar de todos os conflitos, inclusive problemas com o Papa Sisto V no século XVI que acreditava que o nome Companhia de Jesus era audaz e arrogante, além de ser associado ao sentido de empresa, e também os desentendimentos entre Simão Rodríguez e Nicolau Bobadilha após a morte de Inácio de Loyola, o autor termina o capítulo afirmando que o triunfo da Companhia de Jesus sobre todas as críticas, internas e Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 253-257, mar 2007 - ISSN: 1676-2584 254 Revista HISTEDBR On-line Resenha externas, foram as missões. O fortalecimento da Ordem em seu primeiro século de existência foi, segundo Wright, a atuação missionária, primeiro no Oriente, depois no chamado Novo Mundo. Sobre muitos e vastos mundos de água: o empreendimento missionário jesuíta traz importantes dados sobre as missões jesuíticas desde sua atuação no oriente até a chegada e ampla atuação na América. Interessantes são os apontamentos do autor inclusive para as missões fracassadas, como por exemplo, uma enviada à Flórida no ano de 1569. Além da expansão das idéias católicas, as missões favoreceram as discussões acerca das relações internacionais, principalmente na academia. Ele afirma que no Oriente, especialmente na China e no Japão, os padres jesuítas atuaram muito mais como diplomatas que como evangelizadores. Nesses países encontraram dificuldades na evangelização, pois existia uma elite, tanto nobres quanto intelectuais, e uma filosofia formalmente elaborada no caso da China: o confucionismo. A estratégia para converter essa elite foi conhecer a sua filosofia e atuar como diplomatas, conquistando sua confiança. Reforça, portanto, a idéia de que as missões não implicavam em uma submissão do povo conquistado, mas uma troca cultural proveniente do contato de culturas tão distintas entre si. Complementando a discussão iniciada no capítulo III, no capítulo IV, Wright discute os métodos missionários de conversão. A eficiência das missões na América esteve em grande parte ligada à união entre a Igreja Católica e as coroas espanhola e portuguesa. Nas missões jesuíticas de salvação de almas estavam implícitos objetivos seculares (p. 110). Era o regime de Padroado ou Patronato, onde os padres jesuítas, Ordem oficial das coroas portuguesa e espanhola, eram também funcionários do rei. Diferentemente do caso asiático, na América os padres jesuítas exerceram importante influência política. Para defender as populações indígenas da escravidão, por vezes utilizaram a palavra por meio de sermões, outras vezes chegaram a fazer campanhas para armar tribos indígenas. Dos oito capítulos, especialmente relevante é o capítulo V, que traz uma discussão ainda pouco feita academicamente em relação à supressão da Ordem. Especialistas ainda dedicam a maior parte de suas pesquisas à atuação da Companhia de Jesus antes da extinção da Ordem, ou seja, concentram a maior parte de suas análises no início dos Tempos Modernos. Essa obra trata principalmente da reação em relação à atuação jesuítica, e, após exemplificar os esforços da Companhia de Jesus em criar seus mitos, traz uma parte dentro do capítulo dedicada às correntes antijesuíticas. Dentre essas correntes, destaca o jansenismo, que criticava a atitude branda dos padres jesuítas em relação às penitências dadas aos fiéis. Ao dizer o que os fiéis queriam ouvir após as suas confissões, uma vez que os jesuítas queriam ter influência, inaugurava-se, segundo Blaise Pascal, líder dessa corrente, o “probalismo”, uma doutrina funesta. O autor não entra em detalhes sobre o debate entre Pascal e os jesuítas, e admite que tal intento significa entrar em um “terreno teológico nada fácil” (p. 166). Seguindo em sua análise, os capítulos seguintes também trazem temáticas ainda pouco debatidas, mas que poderiam ter sido mais detalhadas e discutidas. Trata-se de uma discussão da atuação dos padres jesuítas a partir da restauração da Ordem até os dias atuais, uma discussão dividida em outros três capítulos. No capítulo VI, trata da supressão da ordem e da influência das idéias iluministas tanto na supressão quanto na extinção da Companhia de Jesus. Merece destaque dentro desse capítulo a parte intitulada Ciência Jesuítica, apesar de ser uma parte que não ultrapassa duas páginas. Enfoca a atuação direta dos padres jesuítas cientistas na conquista do além mar e das primeiras teorias audaciosas sobre o universo. Os dois últimos capítulos tratam da restituição da Companhia de Jesus, que ao autor chamou de ressurgimento. Fala o autor que Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 253-257, mar 2007 - ISSN: 1676-2584 255 Revista HISTEDBR On-line Resenha Em 1814, o ano em que os jesuítas ressurgiram completamente, a Igreja Católica estava escandalizada e atordoada pelos acontecimentos das duas décadas e meia anteriores. Estava preocupada com a segurança futura de tronos e altares, incerta de como responder ao legado político e filosófico da era revolucionária e às teorizações inquietantes e novas do século anterior (p. 223) Tratava-se de mais um momento conturbado, o momento pós-revolução francesa. O outro período conturbado para a Companhia de Jesus foi o momento de sua fundação, uma vez que havia a pouco acontecido a cisão do cristianismo ocidental com a Reforma Protestante, e que havia balançado as estruturas da Igreja Católica. Também a Revolução Francesa pôs à prova a autoridade religiosa, e até que ponto a autoridade civil e autoridade religiosa deveriam estar ligadas uma à outra. Ao longo do século XIX, cresceu o sentimento antijesuítico e os padres sofreram perseguições mesmo após a restauração da ordem. O autor traz casos de países onde devido às situações específicas, como por exemplo em Portugal, para onde os jesuítas voltaram no ano de 1829 e logo foram exilados devido à revolução de 1834. Depois de 1858 foram readmitidos no país gradativamente, mas novamente foram suprimidos após a outra revolução em 1910. Por fim, o autor traz o engajamento dos padres no século XX, como o caso do padre mexicano Miguel Austin Pro, que utilizou na década de 1920 vários disfarces fugindo da revolução que lá acontecia, até ser fuzilado acusado falsamente de tentar matar o expresidente general Álvaro Obregón. A parte mais interessante e que merece destaque no final do livro, nas últimas páginas mais especificamente, é a relação dos jesuítas com o comunismo. Como parte da Igreja Católica, a Companhia de Jesus combateu o comunismo e apoiou regimes autoritários. Até mesmo o anti-semitismo, já presente na sociedade européia e potencializado com o surgimento do nazismo na Alemanha, impregnou os padres jesuítas. Uma revista chamada Civilità Catollica publicou inúmeras matérias, segundo o autor, de um “antisemitismo repugnante”, além de proibir até 1946 judeus ou pessoas de ascendência judaica de entrar para a Companhia de Jesus (p. 266). O autor termina falando da atuação dos padres jesuítas atualmente, que continua ampla. Cita casos de inúmeros profissionais jesuítas, como bioquímicos, músicos, professores, um deles é membro do conselho diretor da Disney, e até mesmo um que desistiu de uma cadeira no Congresso dos Estados Unidos para seguir uma carreira acadêmica. Polêmicas envolvem a Companhia de Jesus desde a sua fundação até os dias atuais. No entanto, apesar das críticas e até mesmo da diminuição dos membros devido a conflitos com o papado, segundo Wright, ainda há energia. Na Ásia, por exemplo, o número de jesuítas cresce mais a cada ano. Demônios ou santos, fato é que nos cinco séculos da existência dos padres jesuítas, eles foram uma espécie de, nas palavras do autor, cata-ventos cultural, acompanhando e até mesmo ditando tendências, quer na política, quer na educação. Sempre haverá algo a descobrir e estudar dessa parte importante da história da Igreja. A principal qualidade desse livro é a atualização dos debates sobre o papel histórico desempenhado pelos padres jesuítas no mundo desde a fundação da ordem. Há que se destacar também, a virtude de agregar à discussão, as questões ligadas ao antijesuitismo e à restauração da ordem ocorrida em 1814. E o fato de trazer novas fontes e temas, contribui para o enriquecimento do debate sobre o tema. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 253-257, mar 2007 - ISSN: 1676-2584 256 Revista HISTEDBR On-line Resenha 1 Professor Doutor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá – Paraná – Brasil. Endereço: Rua Saldanha Marinho 870, Apto. 301. Zona 07. 87030-070 Maringá -PR. Brasil. Fone: (44) 3263-2288. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Professor do Curso de Pedagogia da Faculdade do Noroeste Paranaense. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá – Paraná – Brasil. Endereço: Rua Ernesto Volpato, 109, Jardim Paris. Maringá – Pr. Brasil. Fone: (44) 3265-4353. Endereço eletrônico: [email protected]. 3 Especialista em Pesquisa Educacional e Mestre em Educação da Universidade Estadual de Maringá – Paraná – Brasil. Endereço: Rua Ernesto Volpato, 109, Jardim Paris. Maringá - PR. Brasil. Fone: (44) 32654353. Endereço Eletrônico: [email protected]. 4 Caso de José de Anchieta, filho de uma cristã-nova. Talvez por esse motivo ele tenha estudado no Colégio de Artes em Coimbra em vez de estudar em Espanha, o mais esperado uma vez que era nascido em Laguna, uma das ilhas Canárias pertencente à Espanha. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.25, p. 253-257, mar 2007 - ISSN: 1676-2584 257