APOSTILA III TRIMESTRE Série: 2º ano do Ensino Médio Turma: A Novembro de 2016 Docente: Zé Luis Disciplina: História Estudante: A Expansão Ibérica No início do século XV, os portugueses iniciaram seus grandes empreendimentos marítimos em direção à Ásia, navegando pelo oceano Atlântico. As viagens tornaram-se mais intensas após a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453. A passagem terrestre da Europa para o Oriente foi bloqueada, o que agravou a urgência de se achar um novo caminho para as Índias. O pioneirismo português nessa “aventura marítima” pode ser explicado pelos seguintes fatores: consolidação precoce do regime monárquico; relativa escassez de recursos naturais; existência de um grupo mercantil forte e enriquecido; liderança em tecnologia náutica; espírito de aventura. A primeira conquista dos portugueses no continente africano foi a cidade marroquina de Ceuta, em 1415. A seguir, navegadores portugueses atingiram a ilha da Madeira (1419) e, entre 1427 e 1431, o arquipélago dos Açores. Em 1434, Gil Eanes ultrapassou a barreira do cabo Bojador, que, segundo a tradição grega, era o limite máximo para se navegar sem o perigo de ser queimado ou engolido por um monstro marinho. Em 1440, as explorações ganharam um importante apoio tecnológico com o desenvolvimento das caravelas, embarcações mais leves e manejáveis. Utilizando caravelas, os portugueses atingiram o arquipélago de Cabo Verde em 1444 e continuaram a explorar a costa africana. O projeto de exploração marítima receberia novo impulso no reinado de D. João II. Em 1482, Diogo Cão chegou à foz do rio Congo e nos três anos seguintes conduziu seus navios mais para o sul. Depois foi a vez de Bartolomeu Dias. Entre 1487 e 1488, ele conseguiu chegar ao extremo meridional do continente africano, que passou a ser chamado de cabo da Boa Esperança. Em 1497, Vasco da Gama, nomeado pelo rei D. Manuel I, partiu de Portugal à frente de uma expedição que descobriu o caminho marítimo para as Índias. Contornando a costa oriental da África, a frota portuguesa passou por Moçambique e, em 1498, finalmente chegou a Calicute, na costa sudoeste da Índia. Em 1524, Vasco da Gama refez seu trajeto, implantando as bases para o domínio português no oceano Índico. Finalmente, em 1500, Pedro Álvares Cabral, nobre que se destacara na corte portuguesa como hábil negociador, viajou para as Índias como enviado especial de D. Manuel, e foi encarregado de estabelecer contatos diplomáticos com os reis daquela região. Cabral aportou na Ilha de Vera Cruz, primeiro nome dado ao Brasil, e depois seguiu viagem até a Índia (figura 2). Quando correu a notícia, por meio do relato de Pero Vaz de Caminha, de que havia tomado posse das terras do Novo Mundo, ampliando as possessões lusitanas, recebeu várias homenagens. Contudo, morreu praticamente esquecido. A divisão do mundo entre portugueses e espanhóis. No início do ano 1500, a esquadra que chegaria ao Brasil comandada por Cabral havia saído de Portugal em direção ao Oriente a fim de aumentar os contatos comerciais com as Índias, nome usado pelos europeus para se referirem a toda a região do Oriente. Além disso, os portugueses pretendiam conferir as vantagens obtidas com a assinatura do Tratado de Tordesilhas (ver boxe). Como vimos, o poderio naval do Estado português possibilitou aos lusitanos conquistar e controlar, entre os séculos XV e XVI, as rotas mercantis do Oriente, região estratégica para o abastecimento do comércio europeu. Tal fato acabou contribuindo para a transformação do comércio em uma atividade mundial. Nesse contexto, o território depois denominado Brasil foi desprezado pelo governo português, sendo considerado, durante as primeiras décadas do século XVI, apenas um local de abastecimento dos navios que seguiam para as Índias, como fizera a frota de Cabral. Na verdade, a chegada dos portugueses à América não provocou o mesmo entusiasmo da viagem de Vasco da Gama às Índias, rica em especiarias e artefatos de luxo. Aparentemente, nada disso existia na terra brasilis. Sob a égide do espírito missionário. Num trecho do Regimento de Tomé de Sousa, o rei D. João III afirmava que “a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse à nossa Santa Fé católica (...)”. Seguindo a tendência do período de atribuir grande importância à religião, os portugueses acreditaram realmente em seu papel missionário. Nas palavras do padre jesuíta Antônio Vieira, os lusos saíam a semear, indo “pregar à Índia, à China, ao Japão” – e ao Brasil. Desse modo, a cristianização interligou-se às necessidades do desenvolvimento mercantil e aos interesses políticos, assumindo uma importância decisiva no projeto português para o Novo Mundo. A religião forneceu a base ideológica da conquista e da colonização da América e, além disso, encobriu as atrocidades cometidas em nome da fé. Portanto, a colonização foi motivada por questões materiais e políticas e pelo discurso universalista da Igreja, de conversão e sujeição dos povos nativos. Tratado de Tordesilhas Foi assinado em 1494 pelos reinos de Portugal e Espanha. Esse acordo, mediado pelo papa, dividiu as terras descobertas ou por descobrir entre os dois países, utilizando um meridiano situado 370 léguas (cerca de 2.500 quilômetros) a oeste das ilhas de Cabo Verde. As terras a leste dessa linha ficaram sob a jurisdição dos portugueses e as terras a oeste, dos espanhóis. As Capitanias Hereditárias e o Governo-Geral Embora os grandes lucros obtidos pelos portugueses no comércio de especiarias e artigos de luxo com o Oriente tenham afastado o Brasil, em um primeiro momento, do processo de colonização, o comércio de pau-brasil passou a atrair navios de outros países interessados nos altos preços desse produto na Europa. Esses países também questionavam as determinações do Tratado de Tordesilhas. Os franceses, em especial, iniciaram incursões à costa da colônia, utilizando como justificativa para o questionamento o chamado uti possidetis, ou seja, o direito de posse dependia da ocupação e exploração da terra. Por isso, entre 1516 e 1527, o rei de Portugal enviou ao Brasil expedições armadas, que deveriam impedir a presença de navios estrangeiros no litoral. Porém, diante do relativo insucesso do sistema de vigilância da extensa costa brasileira, o rei D. João III decidiu dar início à ocupação do território. Outra razão que levou o governo português a iniciar a colonização do Brasil foi a perda do monopólio do comércio das especiarias no Oriente para mercadores holandeses e espanhóis. Estes haviam, inclusive, descoberto ouro e prata no México e no Peru. Era preciso, então, explorar riquezas na América portuguesa que compensassem a perda dos lucros no comércio oriental. Assim, a Coroa decidiu enviar para cá, em 1530, a expedição de Martim Afonso de Sousa. O enviado do rei estava encarregado de proteger a costa da colônia, fundar vilas e fortificações no litoral e iniciar o cultivo de cana-deaçúcar no território, atividade que faria da colônia uma área geradora de muitos lucros para a metrópole. A criação das Capitanias Hereditárias. Em 1532, Martim Afonso fundou o primeiro núcleo colonial, a vila de São Vicente, no litoral do atual estado de São Paulo. Lá também implantou o cultivo de cana-de-açúcar e mandou construir o primeiro engenho nas terras brasileiras, lançando as bases da economia açucareira na América portuguesa. Dois anos depois, em 1534, seguindo o princípio de transferir para terceiros as despesas com a colonização do Brasil, a Coroa instituiu o sistema de capitanias hereditárias. Por esse sistema, as terras que cabiam a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas foram divididas em lotes e entregues a capitães donatários. Os capitães donatários formavam um grupo heterogêneo, composto de gente da pequena nobreza, burocratas e comerciantes ligados à Coroa. Recebiam a capitania pela Carta de Doação, um documento que lhes concedia a posse da terra. Como não tinham a propriedade plena desse bem patrimonial, mas apenas a concessão, não podiam vender nem doar a capitania. Esse direito cabia exclusivamente ao rei de Portugal. Os direitos e deveres dos capitães donatários estavam estabelecidos em um documento denominado Foral. No tocante à administração, gozavam do direito de fundar vilas e doar sesmarias (lotes de terra não cultivados), além de exercer o monopólio da justiça e o comando militar. No setor econômico, cabia-lhes o domínio das moendas de água, dos engenhos de açúcar e das marinhas de sal; também podiam, anualmente, escravizar e mandar vender em Portugal 24 “peças”, ou seja, índios apresados; ficavam com a vintena (a vigésima parte) do valor da exploração do pau-brasil, a metade do dízimo do pescado, a redízima (um centésimo) das rendas da Coroa, o dízimo dos metais preciosos e com os direitos de passagem em rios, portos e “outras águas”. Os objetivos pretendidos com a criação das capitanias hereditárias não se consolidaram totalmente. A falta de recursos financeiros, a inexperiência de alguns donatários, o precário sistema de transporte e comunicação e o relacionamento hostil entre portugueses e indígenas levaram ao fracasso a quase totalidade das capitanias. As exceções foram Pernambuco e São Vicente, que prosperaram graças ao cultivo da cana-de-açúcar. O Governo-Geral. A estrutura política consolidada na colônia a partir da instituição das capitanias hereditárias divergia do modelo metropolitano. Enquanto em Portugal o poder era centralizado, na colônia os donatários gozavam de relativa autonomia político-administrativa. Esse quadro mudaria a partir de 1548, com o estabelecimento do governo- geral, uma maneira de centralizar a administração colonial. De fato, as atribuições estabelecidas pela Coroa portuguesa ao primeiro governador-geral, expressas num documento régio denominado Regimento, conferiam plenos poderes a ele. Com vistas ao assentamento definitivo dos colonos, os governadores incentivaram a implantação de engenhos, promoveram a reunião dos indígenas em povoados e vilas, estabeleceram feiras regulares, combateram o comércio ilegal de pau-brasil e organizaram e garantiram as rendas da Coroa. Para assessorá-los no desempenho dessas atribuições, foram criados alguns cargos políticoadministrativos. Os mais importantes foram os de ouvidormor, responsável pela justiça; provedor-mor, que supervisionava as finanças e a arrecadação de impostos; e o de capitão-mor, que cuidava da defesa da colônia. As detalhadas instruções do Regimento sobre assuntos fiscais e estímulos econômicos a serem concedidos aos portugueses estabelecidos no Brasil tinham por objetivo reforçar a presença da Coroa na colonização, no intuito de garantir o máximo rendimento das atividades econômicas capazes de engordar os cofres públicos metropolitanos. A outra face da moeda foi a busca, por parte de indivíduos ou grupos, de favores especiais para contornar as regras criadas pelo Estado. Desse modo, o modelo implantado acabou consolidando o clientelismo, prática comum até hoje na política brasileira. Entre as funções habituais das Câmaras Municipais nas esferas política, social e econômica destacavam-se: a administração municipal; a regulamentação das feiras e dos mercados; a execução de obras públicas, como estradas e pontes; a construção de edifícios; a regulamentação dos ofícios e do comércio local. A renda utilizada para gerir os negócios públicos provinha do patrimônio municipal (em geral resultante do aluguel de prédios ou do arrendamento de pastos) e dos impostos arrecadados da população. Podiam fazer parte das Câmaras os homens nascidos na comunidade local. Mas, para votar e ser votado, era necessário ser “qualificado”, isto é, ser “homem bom”, aquele que não estava ligado a nenhuma atividade manual. Dessa forma, o voto ficou restrito aos proprietários de terras e de escravos, com a exclusão, durante muito tempo, dos comerciantes, camponeses e artesãos. A economia colonial A colonização implantada na América portuguesa seguia a prática mercantilista, já que tornava a colônia uma economia complementar à da metrópole. Isso significa que as relações entre a metrópole e a colônia eram baseadas no que chamamos de sistema colonial. A escolha de Portugal pelo plantio de cana-de-açúcar no Brasil ocorreu porque esse produto era muito apreciado e bastante conhecido no mercado internacional, no qual alcançava altos preços. Os portugueses produziam a canade-açúcar desde o século VIII, momento em que mouros (povos do norte da África) dominaram a Península Ibérica, mas apenas na segunda metade do século XIV a produção se ampliou, alcançando a ilha da Madeira e os Açores, depois São Tomé e Cabo Verde. O modelo municipal português implantado nas vilas e cidades coloniais ocasionou a criação de diversos órgãos político-administrativos. Destes, o mais significativo foi a Câmara Municipal, que representava teoricamente os interesses da população local. Entretanto, como estava subordinada ao governador-geral, muitas vezes acabou se transformando num agente cumpridor de suas Os canaviais fizeram a riqueza dos comerciantes portugueses e também de Pernambuco e de outros territórios da colônia nos séculos XVI e XVII. Nesse período, o lucro dependia do trabalho escravo. Em linhas gerais, a economia colonial na América portuguesa caracterizou-se pela mão de obra escrava, pelo latifúndio, pela cultura de produtos tropicais e pela exploração de metais e pedras preciosas. Outras atividades também desempenharam importante papel, coexistindo com aquelas que interessavam mais diretamente à política mercantilista metropolitana. deliberações. Ao contrário do que se poderia supor, a subordinação da Câmara Municipal a uma instância superior não impossibilitou o clientelismo e a corrupção. Desse modo, a elite colonial obtinha favores do Estado e vários administradores portugueses usavam seu poder para aumentar suas riquezas particulares. A agroindústria do açúcar foi a primeira dessas atividades estratégicas. Sua implantação articulou a exploração da América e da África – fornecedora de mão de obra – e ajudou a contornar a crise do comércio oriental, num período em que o monopólio português das especiarias era posto em xeque pelos holandeses e ingleses. Os “homens bons” das Câmaras Municipais A riqueza do açúcar Para promover a efetiva ocupação da colônia, Portugal optou, por volta de 1530, pela organização de um empreendimento agrícola que fosse rentável para a Coroa e também para os investidores metropolitanos. O produto escolhido foi o açúcar, de alto preço no mercado europeu. A produção do açúcar na América portuguesa foi organizada, principalmente no Nordeste, em sistema de plantation, ou seja, na forma de grandes propriedades rurais monocultoras, baseadas no trabalho escravo e em escala agroindustrial. Na plantation, a produção destinavase ao mercado europeu, mas também havia atividades complementares, voltadas para o consumo local, numa espécie de economia natural. Os engenhos ocuparam várias regiões da colônia. Naquela época podiam ser encontradas fazendas produtoras de açúcar no Nordeste e nos atuais estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Delas saíam os açúcares mascavo e semirrefinado e aguardente de cana – a conhecida cachaça. A produção de açúcar exigiu extensas propriedades, grande número de escravos, pastos para animais de tração, transportes e áreas florestais para obtenção de madeira e lenha e ainda a proteção dos canaviais contra predadores naturais. A necessidade de unir a produção agrícola a uma atividade beneficiadora do açúcar tornou indispensáveis as instalações de alto custo e a utilização de grande quantidade de mão de obra especializada. O capital para tamanho empreendimento foi obtido por meio de empréstimos, concedidos por banqueiros flamengos – termo que designa os naturais de Flandres, região da atual Bélgica –, italianos e alemães. O trabalho escravo A empresa açucareira colonial constituía uma atividade bastante sofisticada para a época. Na produção do açúcar, foi essencial o papel dos escravos, verdadeiros “pés e mãos dos senhores de engenho”, conforme afirmou o padre André João Antonil (1649-1716). Antes mesmo de o núcleo de São Vicente ser elevado à condição de vila, alguns portugueses que ali viviam já escravizavam indígenas. Com a instalação das capitanias hereditárias e o início da produção do açúcar, a utilização do trabalho escravo teve grande aumento. Nas propriedades agroexportadoras do Nordeste, a escravidão indígena tendeu a ser gradualmente substituída pela dos africanos. Vários fatores explicam a opção pela escravização dos negros africanos. Um deles foi a dificuldade de obter mão de obra indígena suficiente para produzir em grande escala, já que muitos nativos tinham sido mortos em guerras ou por doenças e outros tinham migrado para o interior do território da colônia. Mercantilismo O mercantilismo é um conjunto de práticas econômicas promovidas pelos Estados absolutistas da Europa, entre os séculos XV e XVIII. Seus princípios eram: metalismo: acúmulo de metais – o sistema mercantilista afirmava que a riqueza de uma nação estava na quantidade de metais que ela possuía; portanto, o principal objetivo mercantilista era acumular metais preciosos, como o ouro e a prata; balança comercial favorável – para que fosse possível acumular metais, era necessário que o país realizasse mais exportações do que importações; protecionismo – o governo protegia o desenvolvimento da economia nacional, por meio de medidas que aumentassem os impostos sobre os produtos estrangeiros, encarecendo-os. Exclusivo colonial ou pacto colonial De acordo com o exclusivo colonial, a colônia só poderia comercializar com a sua metrópole, ou seja, deveria vender produtos a preços baixos e que alcançavam um alto valor nos mercados europeus, ao mesmo tempo que deveria comprar os produtos manufaturados de sua metrópole. Assim, a América portuguesa só poderia consumir produtos vindos de Portugal, ao mesmo tempo que só poderia vender seus produtos para os portugueses. A substituição do escravo indígena pelo africano deveu-se também, e principalmente, ao tráfico negreiro. Altamente rentável, essa atividade tornou-se uma das principais fontes de acumulação de capitais para Portugal. Os escravos eram adquiridos em troca de moedas ou produtos como rum, tabaco, açúcar, armas e ferramentas. Mesmo após a opção pelo trabalhador escravo africano, o indígena, chamado de “negro da terra”, continuou a ser amplamente escravizado, especialmente nas lavouras paulistas, até o século XVIII, e na economia extrativista no Norte do país, até o fim do período colonial. Colonização e trabalho compulsório Desde o início da colonização, as relações escravistas tiveram um papel fundamental na estruturação da sociedade e no dia a dia da colônia. Embora muitos proprietários vissem os cativos como simples “coisas”, “bens semoventes”, e usassem a força e outros recursos para conservá-los nessa categoria, os escravos, os libertos e seus descendentes também foram agentes transformadores de seu tempo. Num primeiro momento, os indígenas foram utilizados na extração de pau-brasil. Mais tarde, obrigados a trabalhar no sistema de plantation ou nas roças de subsistência, revelaram-se desvantajosos em relação à mão de obra negra. Esta, já presente na metrópole, começava a se intensificar na colônia, principalmente para atender à demanda na produção açucareira, destinada à exportação. Os escravos indígenas tinham baixa resistência às doenças de origem europeia; alguns povos resistiam com armas à captura; e, sempre que possível, fugiam para os sertões. Além disso, os índios contavam com a proteção dos jesuítas, o que provocou conflitos entre essa ordem religiosa e os colonos. Da metrópole à colônia americana, a escravidão passou de uma instituição secundária e ocasional a fator impulsionador da economia colonial. A produção açucareira dependia do trabalho escravo negro, cujo tráfico rendia altas somas para a metrópole. O comércio negreiro era submetido a uma dupla taxação: no momento em que os escravos eram embarcados na África e quando desembarcavam na América. O traficante, por sua vez, comprava os escravos na África a preços irrisórios – em troca de barricas de fumo; caixas, barris e amarrados de açúcar; aguardente; búzios; fardos e caixões de tecidos de algodão; armas; pólvora; espelhos e contas de vidro – e depois os vendia na colônia com lucros expressivos. Esses aspectos contribuíram para a substituição do trabalho escravo indígena pelo do africano, embora nas regiões mais pobres, como na Amazônia, em São Paulo, no Maranhão e no Piauí, continuasse a predominar a escravidão do indígena, denominado como “negro da terra”. Ao contrário dos indígenas, os escravos negros não conheciam o território e, portanto, suas fugas eram mais difíceis. Além disso, os donos compravam africanos de diferentes etnias, com culturas diversas, de modo a dificultar a comunicação, a solidariedade e a unidade de ação entre eles. Ainda assim, diversas estratégias de resistência foram articuladas pelos africanos escravizados. Escravidão negra: da África à América Muito antes da chegada dos portugueses ao continente africano, já existiam, na chamada África tradicional, sociedades diversas e independentes. A grande extensão do continente e as diferenças geográficas foram alguns dos fatores que deram origem à grande diversidade social, política e cultural da África. Grandes reinos como Gana e Mali existiam desde o século IV d.C. e tinham estruturas políticas e econômicas próprias. Durante a primeira metade do século XV, os portugueses passaram a percorrer a costa africana. Eles tinham três objetivos: explorar o ouro do continente, encontrar um caminho alternativo para as Índias e converter ao catolicismo os povos islamizados e os animistas. Ao contornar a costa africana em suas embarcações, os portugueses estabeleceram, ao longo do século XV, trocas comerciais com os diferentes povos africanos que habitavam o litoral, construindo fortes por onde passavam. A intenção era dominar o comércio na costa africana, mas, a partir do século XVIII, outros países, como a França e a Holanda, passaram a explorar o território e a estabelecer relações de troca de mercadorias. Durante cerca de 350 anos, de 1520 a 1870, diversas regiões da África forneceram escravos para as colônias do continente americano. Os engenhos de cana-de-açúcar no Brasil e, depois, os das colônias do Caribe utilizaram largamente a mão de obra escrava. Além da produção de açúcar, outros ciclos econômicos dependeram do trabalho escravo: o do algodão e o do tabaco nas colônias inglesas na América do Norte, o da exploração de metais preciosos no Peru, o do algodão, o do café e o da exploração de minas no Brasil. A força de trabalho dos negros africanos foi a base para o acúmulo de riquezas dos europeus em seus países de origem. Os cativos eram transportados da África até a América nos porões dos navios negreiros, também chamados de tumbeiros. Quando um barco chegava ao Brasil, as “peças” (forma como os comerciantes se referiam aos escravos) eram encaminhadas para os “depósitos” e preparadas para o comércio. As condições nos navios eram extremamente desumanas. Parte dos homens, mulheres e crianças transportados morria durante a viagem. Os sobreviventes chegavam famintos, amedrontados e, quase sempre, muito doentes. Entre os sobreviventes predominavam os homens jovens. As primeiras levas de escravos africanos chegaram ao Brasil por volta de 1550. Até o final do século XVII, o tráfico negreiro cresceu bastante, tornando-se um negócio altamente lucrativo não só para os particulares que o realizavam, mas também para a Coroa, que arrecadava impostos dos traficantes. Trabalho e luta A escravidão africana tornou-se predominante no Brasil no início do século XVII, sendo utilizada tanto nos centros urbanos como nas zonas rurais e de mineração. O cotidiano e o modo de vida dos escravos estavam relacionados à atividade a que se dedicavam e à região do país em que habitavam. Nas regiões de plantio de cana-de-açúcar, o escravo era observado de perto pelos feitores e capatazes do senhor, e o mesmo ocorria na região das minas. Sua jornada de trabalho variava de acordo com a tarefa realizada. Estavam sujeitos a duros castigos e torturas: chicotadas, palmatória, correntes com peso, gargalheiras e muitas outras espécies de punição. Os escravos domésticos se ocupavam das tarefas caseiras, como cozinhar, limpar a casa e cuidar das crianças (amas de leite). Nos centros urbanos, muitos escravos trabalhavam fora das propriedades de seu senhor – era o caso dos escravos de ganho e dos escravos de aluguel. Os escravos de ganho trabalhavam em funções remuneradas diversas. Havia os transportadores de carga e de pessoas, os vendedores ambulantes, os barbeiros, os curandeiros e as “negras de tabuleiro” – que vendiam comida nas ruas –, entre outras atividades. A maior parte do dinheiro obtido nesses serviços era repassada aos senhores, mas era permitido aos escravos ficar com uma certa quantia, quase sempre empregada na alimentação, no vestuário e na compra de ferramentas. Muitos acumulavam esse dinheiro para a compra da alforria, ou seja, da liberdade. Os escravos de aluguel, por sua vez, eram alugados a terceiros para o desempenho das mais variadas tarefas. Resistência Os negros cativos não se mostraram indiferentes ou totalmente submissos aos seus donos. Ao contrário, desenvolveram as mais diversas formas de resistência à escravidão. Dentre as mais contundentes estavam fuga e formação de quilombos, rebeliões, violência contra os senhores ou seus representantes (capatazes e feitores), pouco empenho no trabalho, abortos e suicídios. Algumas envolviam a preservação da própria cultura, como as práticas religiosas de origem africana, a criação da capoeira e a participação nas irmandades leigas. Para fugir à vida penosa, os escravos ainda faziam uso de outras estratégias, estabelecendo, por exemplo, “acordos” com os senhores e, no caso das mulheres, mantendo relacionamentos amorosos com eles. dono do escravo, ao mesmo tempo que permitia ao cativo comprar produtos como bebidas, roupas, tabaco. O pequeno lucro, quando acumulado, muitas vezes também possibilitava a compra da alforria. No Brasil, a brecha camponesa foi sancionada legalmente por meio de alvarás e ordens régias a partir do final do século XVII. As normas determinavam que os escravos tivessem direito a um dia livre para sua própria agricultura, em parcelas de terra que recebiam nas fazendas. Como o acesso às parcelas de terra era reconhecido, muitas vezes os escravos podiam alugá-las ou doá-las por testamentos informais. Além disso, o trabalho nos lotes de subsistência escapava à supervisão dos colonos, o que permitia a sua organização em moldes africanos. Para alguns historiadores, a prática da brecha camponesa representou para o escravo uma possibilidade de melhores condições de vida (materiais e psicológicas), uma vez que lhe permitiu um trabalho semi-independente. A brecha camponesa e outros “benefícios” constituíram formas de negociar e manter a vida em sociedade diante dos grandes conflitos existentes na colônia. A “brecha camponesa” Um mecanismo de controle e manutenção da ordem escravista, utilizado em grande escala na colônia, foi a chamada brecha camponesa – a concessão de pequenos lotes de terra, onde os escravos podiam produzir para o mercado interno. Essa concessão de terras não constituía um direito garantido por lei, pois dependia exclusivamente da vontade do dono do escravo. Os produtos cultivados variavam de acordo com a região, mas, de maneira geral, sabe-se que os escravos plantavam em suas roças mandioca, feijão, milho, café, batata, banana, cará, além de hortaliças. A produção agrícola também podia ser associada à criação de animais como porcos, galinhas e, eventualmente, gado bovino e equino. A brecha camponesa acabava por minimizar os custos de manutenção e de reprodução da força de trabalho para o *Conteúdo extraído dos módulos do UNO Internacional Volumes 17 e 18.