Revista Brasileira de Gestão de Negócios Publicação quadrimestral da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado – FECAP Revista Gestão de Negócios Ano 7 número 17 abril 2005 Expediente Revista Brasileira de Gestão de Negócios Publicação quadrimestral da FECAP Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado Conselho de Curadores Presidente Honorário – Sílvio Alvares Penteado Neto Presidente – Horácio Berlinck Neto Vice-Presidente – Mário Amato Membros Paulo Ernesto Tolle Abram Abe Szajman Shigeak Ueki Esther de Figueiredo Ferraz Flávio Fava de Moraes Ruth Cardoso Superintendência Executiva Superintende Geral – Marcelo Freitas Camargo Superintendente Administrativo Financeiro – Roberto Uchôa Alves Lima Superintendente Acadêmico – Manuel José Nunes Pinto Centro Universitário Álvares Penteado – UNIFECAP Reitor – Manuel José Nunes Pinto Vice-Reitor – Luiz Fernando Mussolini Júnior Pró-Reitor Administrativo – Roberto Uchôa Alves Lima Pró-Reitor de Graduação – Jaime de Souza Oliveira Pró-Reitor de Extensão e Desenvolvimento – Fabio Appolinário Programas de Mestrado em Administração Empresarial e Controladoria e Contabilidade Estratégica Coordenador de Administração de Empresas – Dirceu da Silva Coordenador de Controladoria e Contabilidade Estratégica – João Bosco Segreti Diretor Geral da Revista: Marcelo Freitas Camargo Editor: Mauro Neves Garcia Conselho Editorial Antônio Barbosa Lemes Júnior – Universidade Federal do Paraná – UFPR Carlos Alberto M. Callegaro – Universidade Federal do RGS – UFRGS César Augusto Tibúrcio Silva – Universidade de Brasília – UnB Eliseu Martins – Universidade de São Paulo – FEAUSP Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa – Universidade de Campinas – UNICAMP Gustavo Guerra Galindo – Universidad Veracruzana – México Heitor Takashi Kato – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR Jonathan Hermosilla Cortés – Director Escuela de Comercio Pontificia Universidad Católica de Valparaíso – Chile Marcos Cortez Capomar – FEA-RP-USP – Universidade de São Paulo Martinho Maurício Gomes de Ornelas – Universidade Federal da Paraíba – UFPB Paulo Schimidt – Universidade Federal RGS – UFRGS Paulo Tromboni Nascimento – Universidade de São Paulo – FEAUSP Stael Maria Vieira Barquette – Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF Simon L. Dolan – Universidad Ramon Luill – Barcelona – Espanha Diagramação Real Produções Gráficas Ltda. Produção Gráfica Iglu Editora Ltda. Núcleo de Pesquisa Mônica Menkaitis Bressan Antônio Carlos Nogueró Secretaria do Mestrado Amanda Russo Chirotto Leslye Revely dos Santos Os textos publicados na revista são de inteira responsabilidade de seus autores. Permite-se a reprodução desde que citada a fonte e o autor. Pede-se Permuta On demand l’échange We request exchange Se solicita canje Endereço para Correspondência e Contato Revista Brasileira de Gestão de Negócios do Centro Universitário Álvares Penteado – UNIFECAP Av. Liberdade, 532 – São Paulo – SP – CEP 01502-001 tel.(11) 3272-2264 E-mail: [email protected] Site: www.fecap.br Editorial A Revista Brasileira de Gestão de Negócios, após 5 anos com o nome de Revista FECAP, entra no sétimo ano, iniciando o segundo com a nova formatação e novo nome. Sua finalidade é divulgar à comunidade estudos, pesquisas e casos ligados às áreas de Administração e Contabilidade. A presente edição traz artigos vinculados ao Marketing, Educação Formal, Tecnologia, Produtividade e Propaganda. A área de Marketing apresenta dois artigos interessantes, o primeiro versa sobre as discussões teóricas sobre Marketing Ortodoxo, Societal e Social. O segundo envolve o Marketing de Serviços e aborda a percepção de qualidade em serviços de hospitais brasileiros. Ligado a Educação Formal a edição apresenta um artigo que procura focar a empresa como um espaço para a educação formal. Relacionado a Tecnologia são apresentados artigos que falam sobre Inovação e Imitação Tecnológica como Estratégia Competitiva e Estratégia de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia. É apresentado um trabalho que traz uma revisão da literatura envolvendo o tema Produtividade. Além disso, um último artigo apresenta o foco na Propaganda e contempla a avaliação da eficácia de uma campanha de propaganda, pautado em estudo empírico. Iniciando o ano de 2005 gostaríamos de agradecer ao Conselho Editorial, Pareceristas, Pesquisadores e Professores que tem colaborado para que a Revista Brasileira de Gestão de Negócios continue trazendo contribuições não só nacionais quanto internacionais. Mauro Neves Garcia Editor Diretrizes para publicação Áreas Temáticas: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Administração da Informação Administração de Ciência e Tecnologia Contabilidade e Controle Gerencial Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade Estratégia em Organizações Finanças Gestão Internacional Gestão de Operações e Logística Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho Gestão Pública e Governança Marketing Organizações/Comportamento Organizacional Organizações/Teoria das Organizações Gestão Social e Ambiental Gestão de Agronegócios Normas: Os artigos a serem submetidos à revista deverão obedecer aos seguintes quesitos: a) Formato: • O artigo deve ser inédito, não tendo sido enviado a outro veículo para publicação, e ter no mínimo 10 e no máximo 20 páginas, incluindo apresentação detalhada dos procedimentos metodológicos utilizados, ilustrações, bibliografia e notas de final de texto • Editor de texto Word do Office 97 ou posterior. • Configuração das páginas: Tamanho do papel: A4 (29,7 x 21 cm) e Margens: superior 3 cm, inferior 2 cm, esquerda 3 cm. e direita 2 cm. • Fonte do texto Times New Roman, corpo 12. • Espaçamentos Simples (entre caracteres, palavras e linhas). . b) Observações importantes: • Todas as notas de rodapé deverão estar incluídas como notas de final de texto; • Ilustrações, tabelas e gráficos: Excel ou Power Point, vinculados ao Word, com fonte Times New Roman corpo 10; • Resumo e Abstract devem ser apresentados em um único parágrafo, com o mínimo de 10 e o máximo de 15 linhas, e com palavras-chave e key-words; • Os títulos e subtítulos deverão ser identificados com negrito e corpos de diferentes tamanhos, caminhando do maior para o menor (título e subtítulo), não se admitindo o uso de negrito fora deste contexto; • As palavras em outros idiomas, que não sejam em português, devem aparecer em itálico; • As citações com três linhas ou mais devem ser feitas em itálico e recuadas 1,0 centímetro tanto da esquerda quanto da direita, além da margem normal; • A identificação do autor ou autores deve ser feita em folha separada do texto, acompanhada de um breve curriculum vitae e título do artigo. Os artigos cuja autoria seja identificada não serão avaliados para publicação c) Conteúdo da primeira página: • Título do trabalho, com todas as palavras principais iniciando em maiúsculas • Resumo e palavras-chave e Abstract e key-worlds • Início do corpo do texto. d) Envio: [email protected] Ano 7 Número 17 2005 Revista Brasileira de Gestão de Negócios Sumário Empresa: um espaço para a educação formal Rosa Elisa Mirra Barone / Maria Rita Aprile Marketing Ortodoxo, Societal e Social: As Diferentes Relações de Troca com a Sociedade Edson Coutinho da Silva / Silvio Augusto Minciotti Inovação e Imitação Tecnológica como Estratégia Competitiva Antonio César Galhardi / Sérgio Baptista Zaccarelli 7 15 23 Avaliação de Eficácia de Uma Campanha de Propaganda: Um Estudo Empírico Wagner Peixoto de Paiva 30 Um Estudo sobre o Uso da Evidência Física como Forma de Gerar Percepções de Qualidade em Serviços: Casos de Hospitais Brasileiros Carlos Augusto da Silva Loures / Marcos Cortez Campomar 38 Contributo para a Revisão da Literatura sobre Produtividade no Âmbito da Economia Empresarial Leonor Fernandes Ferreira / Miguel Matos Torres 47 Estratégia de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia: Conceitos e Estudo de Caso José Carlos Barbieri / Antonio Carlos Teixeira Álvares 58 Revista Brasileira de Gestão de Negócios : publicação quadrimestral da FECAP Vol. 7, n.17 (jan./abr.) 2005 . São Paulo: Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado __v. : 21 cm ISSN 1806-4892 Continuação de: Revista Álvares Penteado ISSN 1516-1994 1. Contabilidade 2. Economia 3. Administração 4. Finanças 5. Publicidade e Propaganda 6. Comércio Exterior 7. Controladoria. 8. Mercados Financeiros 9. Sistema de Informação I. Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (São Paulo, SP) Tiragem: 1.000 exemplares Artigo Empresa: um espaço para a educação formal Rosa Elisa Mirra Barone Mestre em Educação PUC-SP; Doutora em Educação PUC-SP; Professora no Curso de Mestrado em Educação UNIBAN SP. [e-mail [email protected]] Maria Rita Aprile Mestre em Educação PUC-SP; Doutora em Educação PUC-SP; Professora no Curso de Mestrado em Educação UNIBAN SP. [e-mail [email protected]] RESUMO Este artigo aponta a presença das ações de educação formal no âmbito das empresas brasileiras, discutindo sua importância como uma das condições para definição de padrões de empregabilidade e de competitividade. Para tanto, destaca-se o peso das demandas oriundas no mundo do trabalho para a definição de programas e projetos que visam ampliar a escolaridade da força de trabalho, condição fundamental para o desenvolvimento das novas qualificações e competências profissionais requeridas. leiras, uma das condições para definição de padrões de empregabilidade1 em relação ao trabalhador e uma das estratégias de competitividade e de produtividade das empresas para a sua sobrevivência no mercado nacional e internacional. PALAVRAS-CHAVE Educação e trabalho, educação na empresa, educação de jovens e adultos, responsabilidade social. Ao longo dos anos 90, a preocupação com a educação, em suas múltiplas facetas e, sobremaneira, aquela que diz respeito à educação geral, vem ganhando espaço na pauta de discussões e proposições dos diferentes segmentos da sociedade civil e, em especial, no mundo empresarial, quando as grandes empresas vão sendo substituídas por outras de porte menor e com produtividade maior ou equivalente, caracterizando a chamada lean production (BELLO DE SOUZA, D. et al.,1999). Um dos aspectos que está na base destas discussões refere-se ao novo desenho imposto aos diversos setores da economia em razão da introdução de novos padrões tecnológicos e de organização e gestão da força de trabalho. A disseminação de uma nova cultura tecnológica e organizacional exige o domínio de novos códigos de leitura e de interação dos trabalhadores com o mundo do trabalho. O momento atual lhes exige, entre outras qualificações, mais que o saber fazer, exige, sobretudo, lidar com operações que permitam a transformação de símbolos em ações de máquinas; a interaração com o cérebro dos equipamentos para que possam proceder a leitura instruções e transformá-las em ações; decodificar mensagens que são emitidas por dos equipamentos e do maquinário de modo a acompanhar e controlar a execução das operações, realizando intervenções preventivas e ajustes de percurso, quando necessário (MACHADO 1994). Também a comu- ABSTRACT This article points out the presence of the actions of formal education in the scope of the Brazilian companies, arguing its importance as one of necessary conditions to define competitiveness and job-assurance standards. In order to do it, it is distinguished the weight of the demands derived form the job market for the definition of programs and projects that aim at an increase in the education level of the work force, basic condition for the development of the new qualifications and required professional abilities. KEY-WORDS Education and work, education in the company, adult young education of e, social responsibility. INTRODUÇÃO O envolvimento das empresas nas ações educativas não é uma prática nova, mas uma iniciativa que, desde a década de 90, tem sido profundamente marcada por demandas postas pelo cenário socioprodutivo cuja marca está na busca de uma força de trabalho qualificada e competente e, por suposto, as condições para tal seriam dadas pela educação geral. Este trabalho discute a importância das ações de educação formal no âmbito das empresas brasiRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP As mudanças no mundo do trabalho e a demanda de trabalhadores com maior escolaridade Ano 7 Número 17 Abril 2005 7 ROSA ELISA MIRRA BARONE / MARIA RITA APRILE 8 nicação assume importância crucial uma vez que a linha de montagem torna-se obsoleta e grupos de trabalhadores, equipes de trabalho e células de produção passam a assumir partes complexas do processo de produção, com inúmeras vantagens, tanto para as empresas, quanto para os próprios trabalhadores (SALM, 1994). Frente, pois, à necessidade de definir um modelo de inserção em um mercado econômico que se globalizou em ritmo veloz, assiste-se ao estabelecimento de uma relação, quase linear e causal, entre o nível e padrão de escolaridade da força de trabalho e a posição, ainda, pouco competitiva, explicitada por grande parte das empresas do país. As mudanças significativas processadas no mundo do trabalho não se circunscrevem ao âmbito das empresas, mas atingem os demais setores e tendências da sociedade (GITAHY e outros, 1997) com as quais se articulam, como é o caso da tendência de privatização definida por amplos segmentos, até então, sob orientação estatal/governamental que, em decorrência, também repercutem na definição dos requerimentos demandados pelos postos de trabalho que permanecem e/ou que se redefinem. As mudanças significativas processadas no mundo do trabalho marcadas pelo avanço dos processos de automação, informatização e de informação não se circunscrevem ao âmbito das empresas, mas atingem os demais setores e tendências da sociedade (GITAHY e outros, 1997) com as quais se articulam, como é o caso da tendência de privatização definida por amplos segmentos, até então sob orientação estatal /governamental que, em decorrência, também repercutem na definição dos requerimentos demandados pelos postos de trabalho que permanecem e/ou que se redefinem. Mais do que isso, há um cenário onde a grande massa de trabalhadores, especialmente aqueles anteriormente excluídos do processo escolar, defrontamse com o risco da re-exclusão. Vale lembrar que o termo exclusão foi originariamente utilizado para referir-se às pessoas desprotegidas por programas de seguridade social e, por essa razão, qualificadas de problemas sociais ou desajustadas. Posteriormente, o uso do termo foi ampliado, passando a incorporar o fenômeno da nova pobreza, que associa as mudanças tecnológicas ao desemprego prolongado, envolvendo, inclusive, pessoas já qualificadas (POSTHUMA; LOMBARDI, 1997). No caso da reexclusão, o sentido que lhe é atribuído implica o reconhecimento de um contigente de pessoas que já se encontravam excluídas do mercado de trabalho Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP por falta de vagas ou de oportunidades de emprego e que, devido ao novo cenário produtivo, são novamente excluídas por não domínio das atuais exigências de qualificação profissional. Este cenário atinge todos os setores e ramos da economia com intensidade diversa e particularizada. Inúmeras pesquisas indicam que o novo cenário embora atinja todos os setores e ramos da economia, o faz com intensidade diversa e particularizada. Isto significa que as novas tecnologias e formas organizacionais não se tornaram hegemônicas em toda a parte (HARVEY, 1992: 179). Os setores que utilizam tecnologia de ponta necessitam de um núcleo de trabalhadores multiqualificados e funcionalmente flexíveis; já setores que sobrevivem às custas de procedimentos tecnicamente ultrapassados, ou dito tradicionais, empregam mão-de-obra semi-qualificada ou pouco qualificada, portanto, as necessidades das empresas não são homogêneas (SALERNO, 1995). Essa configuração da força de trabalho implica assumir que apenas uma parcela de profissionais tem acesso às inovações tecnológicas e organizacionais (HARVEY, 1992; HIRATA, 1994). Isso posto, muitas das mudanças que vêm ocorrendo nos países industrializados, ainda que esta seja uma referência localizada, são contributivas para esta reflexão. No que diz respeito ao setor primário, quando o tema é o impacto das novas tendências tecnológicas, registra-se a ocorrência de um processo dramático que aponta para questões difíceis de serem respondidas sobre o futuro da força de trabalho em diferentes países. Pesquisas realizadas mostram que os avanços nas ciências da informação, entre outras, ameaçam a acabar com a agricultura ao ar livre. Destaca-se para o mundo agrícola a ampliação do uso da informática e da robótica na definição de padrões de plantio, colheitas em menor número de trabalhadores, melhoria na qualidade dos produtos. Na produção de alimentos, ainda a título de exemplo, essas são mudanças que poderão levar a um mundo sem agricultores, resultado do tensionamento entre o aumento na produção de alimentos e a diminuição do trabalho do homem2. Em outras palavras, significa dizer que os recentes avanços tecnológicos na agricultura mundial prometem maior produtividade e redução nas necessidades de mão-de-obra, mais impressionante do que qualquer revolução tecnológica equivalente na história do mundo. O preço humano do progresso comercial, provavelmente será assombroso. Centenas Ano 7 Número 17 Abril 2005 EMPRESA: UM ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO FORMAL de milhões de agricultores em todo o mundo, enfrentam a perspectiva de sua eliminação permanente do processo econômico. Sua marginalização poderia levar a convulsões sociais em escala global e à reorganização da vida social e política em linhas radicalmente novas no próximo século (RIFKIN, 1996:37). Para o setor secundário3, em que a dinâmica das transformações vem se dando principalmente pela incorporação de inovações tanto tecnológicas quanto organizacionais, o ritmo imposto pelo processo de automação permite que alguns estudiosos identifiquem o anúncio de uma era com fábricas sem trabalhadores (Idem). Ao mesmo tempo em que há uma brutal diminuição de postos de trabalho no setor secundário, verifica-se um crescimento da produtividade, com o registro de menor número de trabalhadores produzindo mais. Quanto ao setor terciário4, identificado, durante muitos anos, como provável absorvedor dos trabalhadores excluídos da indústria, o momento contemporâneo não apresenta melhores perspectivas, sendo, também, palco de profundas transformações. Se ao longo dos últimos quarenta anos o setor terciário absorveu a mão-de-obra excluída da indústria, na última década, face à implementação, principalmente, de novas tecnologias da informação, começa a excluir, agora, seus próprios trabalhadores. Estas transformações vêm impactando fortemente alguns segmentos, com destaque para o bancário5. Outras atividades também sofreram os impactos das transformações como o comércio, os serviços de escritório e as atividades burocráticas. Cresce a presença do chamado escritório virtual ou eletrônico que, ficção até alguns anos atrás, tem eliminado muitos trabalhadores administrativos6. São mudanças que vão ao encontro da maior produtividade, de maiores ganhos e de melhor performance competitiva. Como uma das conseqüências deste cenário, assistese ao crescimento do trabalho informal, considerado quase um setor da economia, marcado pela afluência de trabalhadores sem registro em carteira ou por conta própria ou daqueles que são empregadores ou não têm remuneração. A informalização da atividade laboral vem ocorrendo em quase todos os setores e tem como marca a heterogeneidade cuja expressão está na coexistência de formas mais precárias de trabalho, como é o caso do vendedor ambulante, com aquelas mais sofisticadas, por exemplo, as atividades de um consultor empresarial. No Brasil, essas mudanças são resultantes, em parte, do modelo de desenvolvimento e crescimento Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP econômico que vigorou no país, ao longo de sua história recente, indo do milagre econômico dos anos 70, quando o crescimento do PNB foi acompanhado pelo agravamento dos problemas sociais, até a década de 90, quando ganharam impulso as medidas de caráter macroeconômico. Assistiu-se, aí, ao agravamento da problemática social de forma ainda mais marcante, uma vez que passa a interagir com o futuro dos jovens trabalhadores. Nesse particular, dados recentes mostram que o país convive com uma taxa de desemprego da ordem de 13,4% para a população em geral, enquanto que o desemprego entre os jovens atinge 17%. É importante destacar que 48% do desemprego nacional corresponde aos jovens que se situam na faixa dos 15 aos 24 anos (POCHMANN, 2002). Ao mesmo tempo, recuando aos primeiros cinco anos da década de 90, há o registro de que o país perdeu cerca de 2,1 milhões de empregos formais, sendo 1,4 milhão (67%) referente a pessoas com menos de 24 anos. Significa dizer que o desajuste no mercado de trabalho concentrou-se sobre o trabalho juvenil, que perdeu um de cada cinco empregos existentes no período recente (POCHMANN, 1998). A esse quadro, junta-se a vulnerabilidade da força de trabalho do país no que diz respeito à escolaridade, indicador que cada vez mais se apresenta como um dos determinantes da conquista ou da manutenção do e no posto de trabalho, bem como do aumento da produtividade e incremento econômico para o país. Chama a atenção que, em 1996 (IBGE), a taxa de analfabetismo funcional7 correspondia à 30,5% da população com 15 anos ou mais, ou com menos de quatro anos de estudo, de acordo com a concepção do IBGE. Este percentual, na região Sudeste, atinge 23,1% e, para a região Nordeste amplia-se para 48% da população na referida faixa de idade. Ainda, segundo dados do IBGE (2000), há mais de 16 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, no Brasil, que não sabem nem ler, nem escrever. Ao mesmo tempo, destaca o IBGE, há no Brasil mais de oito milhões de famílias que são chefiadas por pessoas totalmente analfabetas ou por analfabetos funcionais. RELAÇÃO TRABALHO E EDUCAÇÃO: TENSÕES E CONTRADIÇÕES O tensionamento do debate centrado na relação trabalho e educação não é novo. Já, na década de 60, esta relação foi identificada como eixo para o desenvolvimento de países, norteando a teoria do Ano 7 Número 17 Abril 2005 9 ROSA ELISA MIRRA BARONE / MARIA RITA APRILE 10 capital humano e dando ênfase nos investimentos em recursos humanos. São idéias que, recolocadas na virada do milênio ganham uma nova dimensão, face ao agravamento dos impactos dos processos de globalização da economia, de reestruturação produtiva e dos avanços dos sistemas informacionais. Ainda que, de modo diverso, tais idéias integram a pauta de debates dos diferentes segmentos da sociedade civil. Interessa aos trabalhadores, individual ou coletivamente, por meio dos sindicatos e centrais sindicais (BELLO DE SOUZA et al.,1999). Premidos pela diminuição dos postos de trabalho, detentores de baixo nível escolar, os trabalhadores procuram, com o aumento de sua escolaridade, manter suas ocupações, conseguir o arcabouço solicitado para as atribuições e, ainda, desenhar e conquistar um padrão profissional compatível com as solicitações do mercado. Ou seja, a educação formal passou a ser um dos fatores referenciais para o planejamento e reformulação da carreira e está intimamente relacionada à definição do que vem sendo denominado como condição e padrão de empregabilidade. Às empresas, o restabelecimento dos elos entre escolaridade e trabalho interessa por diferentes razões. No plano macro, muitas são as empresas que se defrontam com as novas exigências colocadas pelo mercado econômico internacional, marcado pela alta produtividade, por padrões elevados de qualidade e, certamente, mais exigente quanto à competitividade. Ao mesmo tempo em que não se dispõem a perdas econômicas decorrentes dos erros e/ou da sub-utilização de equipamentos sofisticados, percebe-se no discurso de um número crescente de empresários do país o estabelecimento de uma relação entre o aumento da escolaridade dos trabalhadores e o aumento da produtividade da empresa e incremento econômico para o país. Também entre os setores governamentais verificase um interesse crescente em relação à temática, haja vista o grande número de projetos desenvolvidos sob a coordenação do Ministério do Trabalho, pelas Secretarias de Estado ligadas às questões do trabalho, com o Programa Estadual de Qualificação. São iniciativas, contudo, vêm ocorrendo de forma desarticulada e fragmentada devido principalmente à inexistência de uma política global de educação que, coordenada às demais políticas públicas, concorram para a formação do trabalhador, para a geração de oportunidades de trabalho e de rendas (KUENZER, 1997). Na verdade, embora o aumento dos índices de desemprego impulsione os debates, verifica-se um retardamento na definição de práticas efetivas. Este quadro se explicita no precário e tênue vínculo que Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP se estabelece entre educação geral, educação profissional e a conformação de uma política de emprego no país. Destaca-se, também, nas discussões sobre a temática, o papel das organizações não governamentais, muitas delas estimulando a crítica e propondo estratégias inovadoras. É, neste contexto, que se insere a determinação de um numero crescente de empresas, dos diferentes setores, ramos e segmentos da produção, de assumir para si a tarefa de promover a escolarização de seus trabalhadores, levando a escola para o chão de fábrica. Segundo Cortella (1997:59), parece que a educação contínua e não-apartada do mundo do trabalho deixou de ser uma atividade episódica e tangencial ao cotidiano das organizações, várias empresas e entidades públicas não-estatais se deram conta dessa condição estrutural e passaram a referenciar-se nela para seu planejamento estratégico. Estas considerações certamente conduzem a um questionamento que tem a preocupação de identificar qual é a educação que se realiza na empresas e por meio delas. Questiona-se, também, as condições oferecidas pela empresa por essas empresas para garantir a especificidade e a autonomia da educação frente à especificidade e às demandas concretas do segmento empresarial. EMPRESA: UM ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO FORMAL De início, vale destacar que muitas das empresas que têm promovido a educação formal para seus trabalhadores, vêm inserindo tais iniciativas em projetos relacionados a sua responsabilidade social, o que não se confunde, portanto, com ações e investimentos isolados da empresa. Trata-se, na verdade, de um conceito em construção, usado em diferentes situações e formas. Segundo Grajew (2000:39): [...] não há nenhum conceito novo quando se pensa em responsabilidade social. O que há, na verdade, é um novo olhar, uma nova maneira de compreender as questões que envolvem todas as relações humanas, inclusive e especialmente no mundo empresarial. Quando se fala nesse assunto, estamos tratando de ética, da relação responsável da empresa em todas as suas ações, suas políticas, suas práticas, em tudo o que ela faz, suas atitudes com a comunidade, empregados, fornecedores, com os fornecedores de seus fornecedores, com os forneceAno 7 Número 17 Abril 2005 EMPRESA: UM ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO FORMAL dores dos fornecedores de seus fornecedores, com o meio ambiente, governo, poder público, consumidores, mercado e com seus acionistas. É preciso pensar todas essas relações como uma grande rede que se inter-relaciona. Nesse sentido, as empresas que, no novo cenário produtivo, têm como uma de suas metas a sustentabilidade a longo prazo, deverão ter a devida competência para a gestão de redes de relacionamento que, por sua vez, envolvem os mais diversos grupos de atores sociais. Essas redes, conforme lembra Ashley (2002:11), abrangem trabalhadores, gestores, acionistas, agentes financeiros, governo, comunidade local, ecossistema afetado pela sua operação, academia ciência e tecnologia e, certamente, todos eles enquanto famílias e indivíduos. É importante destacar que, contraditoriamente, boa parte dos programas de educação formal desenvolvidos no âmbito das empresas muito mais que formar ou escolarizar os indivíduos para tais empresas, estão desenvolvendo ações educativas com ganhos que poderão reverter tanto para esses indivíduos, no que diz respeito a sua empregabilidade, bem como para a sociedade de um modo geral. Nesse sentido: A questão da responsabilidade social, que se une à possibilidade do sucesso da empresa, dá oportunidade a cada um de dar um outro sentido à vida individual e coletiva. A empresa pode afirmar com segurança que faz algo para que a vida pessoal e coletiva tenha mais sentido, porque ela está provocando mudanças positivas na sociedade (GRAJEW, 2000:44) Também as ações de parceria das empresas com as escolas públicas constituem-se em um outro aspecto interessante a ser considerado no que se refere à responsabilidade social das empresas no tocante aos programas de educação formal para os trabalhadores. No material intitulado O que as empresas podem fazer pala educação, assim se pronuncia, o Instituto Ethos (1999:13): A educação é responsabilidade do Estado e de toda a sociedade civil. A ação de indivíduos ou empresas não exime os governos municipais, estaduais e federal de suas obrigações, mas pode contribuir para sua efetivação. Além de suprir as necessidades emergenciais, o envolvimento de organizações com o dia a dia da escola é um exercício de cidadania e de parceria com o Estado. A ação na escola pública é entendida como participação em causas de interesse social e comunitário. Sem substituir o Estado ou contraporRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP se ao trabalho remunerado, reflete a disposição para atuar em questões de interesse coletivo. Assim, tanto os setores produtivos, quanto os demais atores sociais devem estar atentos a melhoria da qualidade do ensino público, pois além de concorrer para a elevação da qualificação dos profissionais em geral trata-se da observância de um direito constitucional e, portanto, universal para toda a população. E, para tanto, o empresariado e os demais atores não podem perder de vista o contexto educacional e a discussão das políticas públicas na área, assumindo o seu mandato na definição de políticas públicas para o setor educacional (ETHOS, 1999:59). Dessa forma, um país com grandes desafios, como o Brasil, especialmente no que tange à oferta de oportunidades para a educação dos trabalhadores, iniciativas consistentes nas áreas social e educacional são sempre bem-vindas. Porém, é preciso ter claro quais são os papéis e os limites de cada ator na proposição e no encaminhamento de soluções para o quadro de miséria e de exclusão que impera em nosso país. Isso significa que as ações do empresariado e da sociedade civil não devem ter a pretensão de substituir a responsabilidade majoritária do Estado em suas funções sociais (ETHOS, 1999:59). A partir dessas considerações, é possível responder a alguns dos questionamentos referentes às práticas educativas e escolares que estão ocorrendo no interior das empresas. Para tanto, é preciso reiterar que a temática Empresa: um espaço para a educação escolar, limites e perspectivas, é parte de um debate amplo, conflituoso, de caráter multidisciplinar que, ao longo dos últimos anos, mais precisamente nos anos 90, carrega a marca do dissenso. Inserida no eixo da relação educação e trabalho, a temática tem proximidade com os debates centrados na educação de jovens e adultos. No plano mais geral as questões referentes à educação estão alicerçadas no pressuposto, largamente difundido, de que as condições contemporâneas de produção orientam-se por um novo padrão de competitividade, tanto nacional como internacional, fundado no paradigma da qualidade e na busca constante de maior produtividade e competitividade. O papel a ser desempenhado pela educação, especialmente aquela de caráter geral, tem sido insistentemente apontado como um dos pilares fundamentais para a efetivação das transformações. Estabelece-se, ao mesmo tempo, uma correlação entre a baixa escolaridade da força de trabalho do país e as dificuldades enfrentadas pelo setor produtivo para Ano 7 Número 17 Abril 2005 11 ROSA ELISA MIRRA BARONE / MARIA RITA APRILE 12 dar o chamado salto de produtividade e qualidade. O modelo que se preconiza, supostamente demandante de novas qualificações e de novas competências à força de trabalho, estaria encontrando barreiras dadas pelas próprias características da formação escolar dos trabalhadores, marcada pela descontinuidade e precariedade, bem como por aspectos identificados, grosso modo, como o perfil da força de trabalho disponível. Este modelo, ao buscar um trabalhador capaz de se integrar e ao mesmo tempo atuar de forma independente, ser criativo e produtivo, explicita que o saber fazer até então vigente e considerado suficiente, deixou de ser. Em outras palavras, os recursos humanos, desde que adequadamente educados, estão no centro da realização das novas demandas. Face às mudanças que vêm ganhando terreno, cresce o número de empresas, de diferentes setores e ramos, que estão assumindo a tarefa de ampliar a escolaridade de seus trabalhadores, tarefa que não deve ser vista como via de mão única. Em primeiro lugar, é sabido que vigora no país um padrão de absorção de mão-de-obra, historicamente referendado pelo estatuto de produção capitalista, onde capital e trabalho expressam uma relação fundada no poder, interagindo contraditoriamente. Ao mesmo tempo, assiste-se à ampliação das exigências das empresas quando da seleção e admissão da mão-de-obra, o que contribui, muitas vezes para ampliar o fosso entre os mais escolarizados e os de menor escolaridade. Um terceiro ponto a se destacar diz respeito à associação entre maior escolaridade e novas qualificações ou requalificações dos trabalhadores. Essa associação, nem sempre verdadeira na realização do trabalho, pode trazer nas suas entrelinhas estratégias sofisticadas de diminuição de postos de trabalho. É preciso que se qualifique, ou se defina, quais são as novas exigências do trabalho à educação. Junta-se a este debate a inserção da noção de competência, largamente utilizada no mundo do trabalho e presente nas propostas pedagógicas escolares. Neste sentido, é preciso estabelecer os limites entre o que diz respeito, efetivamente, á ampliação do nível educacional, e o que se refere a um maior treinamento para as tarefas e atividades próprias dos trabalho a ser realizado. Ainda que aparentemente, as demandas do mundo do trabalho, em suas diferentes instâncias e dimensões, estão alicerçadas nas rápidas transformações dos diferentes e particulares processos produtivos, orientados pela adoção de novas tecnologias e novos modelos organizacionais. Ao mesmo tempo em que tais demandas apresentam uma íntima relação com a construção da qualificação profissional Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP dos trabalhadores, reforça-se a presença de um mercado de trabalho fortemente segmentado. Como já destacado, o tensionamento da relação trabalho e educação, possibilita alguns questionamentos quando se deseja analisar o crescimento da prática escolar no interior do setor produtivo. Um deles diz respeito à própria natureza da relação que se estabelece entre as propostas escolares e a produção, quando emergem questões referentes à autonomia (parcial) da educação frente ao novos requerimentos. Como desenvolver proposições que dêem conta de superar o âmbito do econômico? Qual a concepção de educação que deve orientar tais práticas? Estas são perguntas que não podem ser discutidas sem uma ampla compreensão sobre as razões que orientam as empresas na implementação das atividades escolares e pedagógicas. É preciso, neste sentido, verificar em que medida as proposições estão relacionadas com a melhoria e/ou mudança no padrão de qualidade e conteúdo do posto de trabalho e, também, na renda dos trabalhadores. Ou, ainda, se tais proposições não estariam respondendo às solicitações postas pelo mercado econômico, cada vez mais internacionalizado, demandante de maior produtividade e qualidade enquanto variáveis centrais para a competitividade das empresas. Ao mesmo tempo, é preciso identificar quais são as tensões que se verificam a partir do desenvolvimento da prática escolar no locus do trabalho. São as tensões expressas que permitem explicitar as contradições e limites que permeiam tais iniciativas, tornando possível identificar que educação ocorre (ou pode ocorrer) no chão de fábrica. A questão central, portanto, é compreender quais os propósitos e benefícios advindos dos programas de educação geral nas diferentes vertentes aquela que contempla os interesses da economia, da produção, e aquela que toca aos interesses dos trabalhadores, principais sujeitos do processo educacional. Neste particular, análise crítica de tais práticas reconduz ao ponto de partida de quem é a tarefa de propor a ampliação da escolaridade dos trabalhadores e em que medida esta é uma tarefa da empresa? Estes questionamentos têm origem também no crescimento do número de empresas que estão assumindo a tarefa de aumentar o nível de escolaridade de sua força de trabalho, quer na sua etapa inicial a alfabetização, na oferta do ensino fundamental, dos cursos de educação de jovens e adultos (suplência), dos telecursos, ou mesmo enquanto complementação dos estudos já realizados e voltados para o ensino médio e superior. São demandas e ofertas que Ano 7 Número 17 Abril 2005 EMPRESA: UM ESPAÇO PARA A EDUCAÇÃO FORMAL dizem respeito às próprias exigências que as empresas se colocam. Para dar conta da análise deste quadro, é preciso identificar em que setores da economia se concentram tais práticas, verificar quais as motivações das empresas, qual o estatuto teórico-político que está presente na conformação dos programas propostos, como este estatuto se relaciona ou está referido àquele presente nas propostas de qualificação e/ou requalificação da força de trabalho, quais os recursos materiais e humanos utilizados no desenvolvimento das práticas educativas, quais as efetivas condições de desenvolvimento das propostas e, ainda, quais os resultados verificados. O reconhecimento de casos emblemáticos de desenvolvimento da atividade escolar no interior das empresas é contributivo para a reflexão proposta. A empresa VW do Brasil, por exemplo, uma das pioneiras na implementação de programas de educação escolar no chão de fábrica, desenvolve tais atividades, sistematicamente, há mais de trinta anos. A justificativa inicial apresentada pela empresa era o alto percentual de trabalhadores analfabetos e o pequeno número de trabalhadores com o ensino fundamental completo, situação considerada incompatível com as necessidades apresentadas pela empresa. Este perfil, ao longo dos anos mudou e, atualmente, a conclusão do ensino fundamental é pré-requisito para a permanência dos trabalhadores em seu posto de trabalho. Ao mesmo tempo é prática na empresa dar ajuda de custo para o ensino médio e superior, para os trabalhadores e para seus filhos. Na avaliação de um dos supervisores de treinamento, a empresa tenta suprir o que não tem sido feito pelos governos (FSP, 07/12/97). Na mesma direção ressalta-se a experiência da Rhodia que já exige de seus trabalhadores o ensino fundamental completo e planeja estender esta exigência para o ensino médio. Segundo o gerente de recursos humanos da referida empresa, é melhor e mais barato apostar na formação da mão-de-obra já contratada. Esse sistema diminui a rotatividade e, portanto, economiza em treinamento. Isso sem contar com a satisfação do empregado (FSP, 07/12/97). Considerando que há um terreno fértil para a emergência de propostas educativas no interior das empresas, é preciso verificar, ainda, quais as relações entre as proposições desta parcela do empresariado do país e aquelas veiculadas pelos diferentes organismos governamentais, que apresentam como eixo a problemática do emprego. É importante e necessário articular as práticas concretas que ocorrem no Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP âmbito da iniciativa privada com as possíveis críticas e tensões que emergem quando o espaço privado se articula para o uso público. CONSIDERAÇÕES FINAIS O baixo nível de escolaridade da força de trabalho do país está pressionando um número crescente de empresas a assumir para si a tarefa de ampliar a escolaridade de seus trabalhadores. Explicita-se, nesta prática, o estabelecimento de vínculos entre a educação dos trabalhadores e os problemas vivenciados pelo setor produtivo face à internacionalização do mercado econômico e ao novo padrão de competitividade daí desencadeado. Cabe à educação, segundo esta concepção, contribuir para a inserção das empresas neste novo contexto e, também, promover as condições para os processos de qualificação e/ou requalificação dos trabalhadores, em que se insere a aquisição de novas competências profissionais. As práticas educativas desenvolvidas internamente a estas empresas têm mão dupla. Podem reiterar e reforçar a histórica relação capital/trabalho presente na produção capitalista. Podem, ainda que de modo tênue, reverberar no questionamento desta relação e na emergência de uma padrão diferenciado na relação capital e trabalho, contributivo para a construção da qualificação de trabalhadores que, atentos ao seu papel histórico, intervenham na sociedade concreta. Ademais, tais práticas devem proporcionar às empresas melhores condições de sobrevivência à nova ordem mundial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Antônia V. Soares. Formação nas empresas: tendência atual na formação do trabalhador. Caxambu, MG: ANPED, 2000. Disponível em: <htpp: //www. anped.org.br>. Acesso em 01 nov.2002. ASHLEY, Patrícia Almeida. A consistência entre discurso e prática. IN: Instituto ETHOS de Empresas e Responsabilidade Social. Responsabilidade Social das Empresas. A contribuição das universidades. 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Enquanto em 1850 um agricultor produzia alimento para quatro pessoas, hoje, nos Estados Unidos, um único trabalhador rural produz alimento para sustentar setenta e oito pessoas (Rifkin, 1996). 3. Ao setor secundário, correspondem as atividades ligadas às diferentes indústrias de transformação, indústria da construção e outras atividades industriais (extração mineral, e serviços de utilidade pública). 4. Trata-se de um setor extremamente diversificado em que tomam parte o comércio de mercadorias, o transporte e comunicações, o comércio de valores, serviços técnico-profissionais e auxiliares das atividades comerciais, atividades sociais, administração pública, serviços domiciliares e pessoais, rádio e televisão. 5. A situação do segmento bancário é emblemática dos problemas vivenciados pelo setor terciário. Diz Rifkin: Um caixa humano pode realizar até 200 transações por dia, trabalha 30 horas semanais e ganha um salário entre 8 e 20 mil dólares anuais, mais benefícios, tem intervalo para o café, férias e licença médica... Em contraste, um caixa automático pode atender duas mil transações diárias, trabalha 168 horas, sua operação custa aproximadamente 22 mil dólares anuais e não interrompe o serviço para tomar café ou tirar férias (1009:157). 6. Como exercício de história, e com base no estudo realizado pelo autor acima referido, sabe-se que o mata-borrão, o lápis com borracha e as penas de aço foram introduzidas há menos de 150 anos. O papel carbono, a máquina de escrever, a calculadora, o mimeógrafo, foram introduzidos no escritório no final do século XIX. 7. O conceito de analfabetismo deve ser compreendido a partir de seus diferentes níveis. Com suporte em Letelier (1996), denominamos analfabeto absoluto aquele que não conhece os signos e os códigos do idioma ou, quando os conhece, é de forma precária. Analfabeto regressivo é a denominação dada aos adultos que já tiveram o domínio da leitura e da escrita, mas, por não utilizarem tais habilidades, regrediram à condição de analfabetos absolutos. Há ainda, aqueles considerados analfabetos funcionais, pessoas que embora conheçam a leitura e s escrita, não têm compreendem o conteúdo de textos simples. aspecto que as impede de responder às demandas impostas pela sociedade atual. Ano 7 Número 17 Abril 2005 Artigo Marketing Ortodoxo, Societal e Social: As Diferentes Relações de Troca com a Sociedade Edson Coutinho da Silva Consultor em Gestão de Projetos PMI (Project Management Institute) Silvio Augusto Minciotti Professor de Marketing Empresarial nos cursos de Graduação e Pós-Graduação Stricto-Sensu da Universidade Municipal de São Caetano do Sul IMES. Consultor em Gestão Empresarial RESUMO KEY-WORDS O presente artigo tem por objetivo chamar a atenção para os conceitos do marketing ortodoxo1 , societal e social, como forma de esclarecer possíveis deturpações geradas a partir de seus usos indiscriminados. Para tanto, apresentamos uma abordagem histórica do conceito e da prática do marketing nas organizações e sua a evolução, abrangendo assim, não só o contexto ortodoxo, como também o societal e o social. Embora a prática de marketing, seja qual for sua aplicação, utilize os mesmos instrumentos e compartilhe o objetivo vinculado à gestão de trocas, os resultados a serem atingidos são diferentes; conseqüentemente, as atividades de marketing são desenvolvidas de forma diferenciada. Cabe aqui ressaltar, que o artigo não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas sim incitar a discussão ao seu respeito, a fim de evitar a proliferação do uso inadequado de termos referentes a conceitos específicos, o que tem contribuído negativamente para o ensino, a aprendizagem e a prática do marketing. Marketing, Societal Marketing, Social Marketing. PALAVRAS-CHAVE Marketing, Marketing Societal, Marketing Social. ABSTRACT The present article has the objective to emphasize differences among the concepts of orthodox marketing, societal marketing and social marketing in order to clarify possible misunderstandings and indiscriminated use around them. We present here a historical approach to these different concepts, their practice and evolution within organizations. Although the practice of marketing refers to the use of defined tools and objective that is the management of exchange, the marketing concept adopted influences outcomes. As a consequence, activities related to marketing should be developed considering these differentiations. This article does not have the pretension to discuss all about this subject but to provoke a debate about it. It intends to prevent proliferation of inadequate use of these referring terms according to their specific concepts that has contributed negatively to the process of teaching, learning, and practicing marketing in society. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP 1. INTRODUÇÃO Conversando com um amigo engenheiro, ouvimos dele o seguinte comentário: Vocês de Marketing vivem uma profunda crise de identidade. Todos os livros sobre o assunto que leio, começam com o autor apresentando a sua definição de marketing. Essa afirmação, talvez exagerada, ajuda a entender por que a área de marketing sempre foi vulnerável a ação de profissionais que, sem o devido embasamento teórico, se propõem a produzir textos e criar expressões que lhes permitam ganhar alguma notoriedade e por decorrência algum ganho profissional. Esta invasão ganha cada vez mais espaço devido à atitude complacente dos profissionais autênticos da área. E assim, foram sendo criadas expressões como marketing de guerra, maximarketing, marketing promocional, marketing de relacionamento e tantas outras, as quais se referem a conceitos e práticas antigas, porém, são usadas para conferir alguma importância e vantagens a quem as concebeu. No caso do uso incorreto das expressões marketing societal e marketing social nos deparamos com uma situação diferente, na medida em que não se identifica nenhum favorecido pela sua utilização, porém as conseqüências são muito negativas. Estão sendo utilizadas em alguns casos como sinônimos, o que é grave na medida em que uma se refere a um conceito e a outra se refere a uma aplicação, e em outros no lugar de termos como Propaganda Institucional e Responsabilidade Social, o que acaba por instalar um grave tumulto conceitual, com sérias repercussões no ensino e na prática de marketing. Além da grande confusão que gera, aceitar o uso impreciso de expressões de significado preciso e Ano 7 Número 17 Abril 2005 15 EDSON COUTINHO DA SILVA / SILVIO AUGUSTO MINCIOTTI específico significa abrir espaço para profissionais não qualificados oferecerem seus serviços de forma inconseqüente, numa área onde o contratante nem sempre está preparado para julgar, previamente, a competência e seriedade do contratado. Por tudo isso se impõem iniciativas visando restabelecer a ordem, o método e o respeito ao arcabouço teórico de marketing. 2. UM BREVE HISTÓRICO Até o final dos anos 40, nos EUA, havia a criação do objeto produção e a venda deste objeto marketing. Duas funções separadas, já que o marketing exercia pouca influência na produção e vice-versa. A tarefa do marketing era absolutamente influenciada pelo conceito de vendas, cujo objetivo era gerar demanda para o produto, utilizando-se prioritariamente da venda pessoal e da propaganda. No entanto, a produção desejava que o marketing vendesse o produto, mas que seus profissionais não ficassem perambulando pela produção dizendo a eles que tipo de objeto produzir. A partir da década de 50, inicia-se a era do marketing, colocando o consumidor no centro de todas as atenções do processo de comercialização (SCHEWE, SMITH, 1982). Entendendo assim, que os consumidores não eram todos iguais, que os produtos deveriam ser diversificados e que era necessário incrementar um processo de troca, para que a produção dos diferentes bens fosse escoada. Foi, então, desenvolvido um sistema total de atividades empresariais inteiramente destinadas a planejar, apreçar, promover e distribuir bens e serviços que satisfizesse a desejos dos consumidores presentes e potenciais. Isto é marketing (STANTON, 1980, p. 05). Partindo do principio que o consumidor deveria ser o centro das atenções, Abbot (1955), posicionou o marketing com muita propriedade ao afirmar: ... o que as pessoas realmente desejam não são produtos, mas as experiências que causam satisfação e essas experiências são conseguidas através de atividades; para que estas sejam executadas, em geral, há necessidade de objetos físicos ou serviços de seres humanos. Aqui está o elo de ligação entre o mundo interior do homem e o mundo exterior da atividade econômica. As pessoas desejam os produtos porque querem os serviços portadores de experiência que esperam obter dos produtos. 16 A evolução do marketing teve um momento de relativa importância, quando o profissional de markeRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP ting percebeu que o consumidor era uma criatura vulnerável. A natureza não havia dotado de atributos mentais e físicos suficientes para ser um comprador sensível e discriminador, naquele tipo de sociedade. Numa complexa situação comercial, os sentidos do consumidor freqüentemente o traíram, a força da racionalidade abandonava-o, e ele entrava em confusão (MEYERS, 1972). Mediante tal constatação, o profissional de marketing cresceu em eficiência comercial e diminuiu em responsabilidade. A ética perdeu terreno para euforia dos resultados de vendas. Os fins passaram a justificar os meios, e nem se cogitava da hipótese de que o consumidor pudesse acordar daquela propensão irracional a consumir. A propaganda agigantou-se e, muitas vezes, passou a ser independentemente de planos de marketing. Num flagrante retrocesso, passou-se a aceitar a idéia de que qualquer produto que possuísse uma embalagem atrativa e fosse promovido poderia vender muito, o que não deixava de ser um retomo à prática do conceito de vendas e não de marketing (MINCIOTTI, 1983). Cabe aqui ressaltar a diferença entre marketing e venda, onde a venda se concentra nas necessidades do vendedor e o marketing nas necessidades do comprador, considerando assim, que a venda utiliza-se de técnicas para fazer com que as pessoas troquem seu dinheiro por um produto, não se preocupando com os valores efetivos percebidos pelos consumidores no processo de troca. Contrariamente ao marketing, a venda não vê no conjunto das atividades comerciais um esforço global para descobrir, suscitar e atender as necessidades dos consumidores (LEVITT, 1960). No Brasil pode-se dizer que o marketing foi introduzido em 1954, quando a missão norte-americana, chefiada pelo professor Karl A. Boedecker, organizou os primeiros cursos de administração na Fundação Getúlio Vargas. Na época, por ter dúvidas de que a palavra estrangeira marketing pudesse ser difundida no país, foi criada a palavra mercadologia. Mas com o transcorrer do tempo à palavra marketing tomou-se internacionalmente reconhecida e se impôs perante mercadologia. Cabe lembrar que marketing e mercadologia são freqüentemente usados como sinônimos, podendo ser utilizados como expressões intercambiáveis (RICHERS, 1981). 3. AFINAL, O QUE É MARKETING? O conceito de marketing adota a visão de fora para dentro, bem diferente do conceito de venda que adota a visão de dentro para fora. O marketing inicia Ano 7 Número 17 Abril 2005 MARKETING ORTODOXO, SOCIETAL E SOCIAL: AS DIFERENTES RELAÇÕES com a definição do mercado, orientado pelas necessidades dos clientes, assegurando assim, lucros e satisfazendo as necessidades dos clientes. Desta maneira, o marketing visa atender lucrativamente às expectativas de beneficio, gerando valor ao cliente. O marketing nestes últimos anos já vivenciou uma série de fases bem distintas e em parte divergentes. Surgiram definições que se concentravam nos aspectos legais, relacionados à transferência de posse quando da compra e venda de bens. Em outras ocasiões , a ênfase era dada a aspectos de distribuição conflitos entre produtores e distribuidores nos EUA e durante muito tempo a Associação Americana de Marketing (AMA), caracterizava marketing como todas as atividades que envolvem o fluxo de bens e serviços entre o produtor e o consumidor (RICHERS, 1981). Isto é, uma definição de venda. Posteriormente, Kotler e Armstrong (1998) afirmam que o marketing visa satisfazer as necessidades dos clientes, envolvendo ainda o processo social e gerencial através do qual indivíduos e grupos obtêm aquilo que desejam e de que necessitam, criando e trocando produtos e valores uns com os outros. Em uma outra abordagem, o marketing é apresentado como um conjunto de princípios e técnicas que tem por objetivo ajustar a oferta da organização às demandas específicas do mercado, partindo da idéia de que demanda e oferta são heterogêneas. Assim sendo, o marketing pode produzir ajustamento entre oferta e demanda, através do oferecimento de maior satisfação ao consumidor ou, ainda, a mesma satisfação por menor preço. Mediante processo competitivo, a empresa necessita ajustar constantemente o produto especifico que ela oferece com os consumidores no mercado, preocupando-se com três variáveis importantes (ROCHA, CHRISTENSEN, 1999): n n n Mudanças ambientais relacionadas à economia, à tecnologia, à política, à legislação dentre outros; Mudanças comportamentais dos consumidores relacionadas a atitudes, crenças e comportamentos, muitas vezes resultado de adaptações a mudanças ambientais; Mudanças na ação da concorrência relacionadas à entrada e saída de concorrentes, lançamento de novos produtos, novas ações gerenciais dentre outros. Sob a ótica ortodoxa de marketing, ao se analisar as relações entre a empresa e seus consumidores podem-se identificar três orientações básicas: n Orientação para o produto: segue a lógica do fabricante e não a do consumidor; Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP n n DE TROCA COM A SOCIEDADE Orientação às vendas: enfatiza o uso de instrumentos promocionais como propaganda, promoção, venda pessoal e outros relativos à distribuição; Orientação para marketing: lida com a complexidade do mercado global, com enfoque nas necessidades do consumidor, como satisfazer as suas necessidades. No entanto, o conceito de valor percebido, indica que uma oferta de marketing para o mercado tem um valor agregado entregue ao consumidor, resultado da diferença entre o valor esperado (conjunto de benefícios) e o custo total (financeiro, psicológico, social, de tempo, funcional) para o consumidor, e que pode ser interpretado como o lucro do consumidor na transação de troca. Assim, o valor percebido é o valor atribuído pelos clientes ao produto ou serviço, baseado nas relações entre os benefícios que este trará segundo a ótica do consumidor, e os custos percebidos para sua aquisição, comparativamente a concorrência (KOTLER, 1998). Diferentemente dos anos 50, quando se deu à criação e adoção do conceito do marketing ortodoxo, o consumidor mais responsável socialmente exigirá que as organizações sejam socialmente responsáveis. Este é um novo valor que tende a ser cada vez mais desejado pela sociedade. Assim sendo, o desafio de praticar um conceito de marketing revisto e ampliado, conforme padrões éticos definidos, deve colocar o bem-estar da comunidade acima do bem-estar individual do consumidor. 4. O QUE É MARKETING SOCIETAL¹? Ironicamente, uma das mais antigas definições de marketing, talvez seja a melhor, embora sintética, definição de marketing societal. Em 1947, há 57 anos atrás, Paulo Mazur disse que Marketing é a entrega de um padrão de vida à sociedade, representando a qualidade de vida (SCHEWE, SMITH, 1982). Até os anos 1960 o conceito do marketing enfatizava, dar ao cliente o que ele deseja, sem fazer julgamentos de seus desejos sob a ótica da sociedade. Isso incluía supri-lo com cigarros, automóveis de elevado consumo de combustível, garrafas sem retomo, detergentes, alimentos saborosos mas não nutritivos e qualquer coisa que lhe é conveniente e satisfaz. As empresas preocupavam-se com a satisfação dos consumidores a curto prazo, mas não com seu bem-estar a longo prazo. A partir do final dos anos 1960, alguns consumidores começaram a questionar que as empresas teriam obrigação de alertar sobre efeitos nocivos Ano 7 Número 17 Abril 2005 17 EDSON COUTINHO DA SILVA / SILVIO AUGUSTO MINCIOTTI e os perigos dos produtos. Foi assim, que se iniciou uma importante revisão conceitual de marketing no meio acadêmico, levando Kotler (1978, p. 62) a afirmar que marketing societal: ... é uma orientação para as necessidades dos consumidores, apoiados pelo marketing integrado, objetivando gerar a satisfação dos consumidores e o bem-estar dos consumidores a longo prazo, como o meio para se atingir os objetivos organizacionais. Ao acrescentar bem-estar dos consumidores a longo prazo, eleva-se o conceito de servir bem ao mercado e à sociedade de uma organização, considerando: n n n 18 A criação de clientes satisfeitos e a contribuição para a qualidade de vida; Produtos combinando elevado atrativo e alto beneficio aos consumidores; Os consumidores irão adquirir produtos de empresas preocupadas com a satisfação e o bem-estar a longo prazo. O que se pode observar é que as transformações conceituais do marketing surgiram muito influenciadas pelos movimentos consumeristas mundiais, de um lado e, do outro lado, do reconhecimento de que o conceito de marketing poderia ser aplicado tanto a empresas privadas, bem como as organizações que não necessariamente visassem o lucro nas suas transações, tais como igrejas, hospitais e outros. Ampliando assim, seus horizontes para funções sociais e outras para o bem-estar da comunidade (RICHERS, 1981). No marketing ortodoxo a relação mutuamente favorável entre consumidor-empresa pode não sê-lo para a sociedade como um todo. Neste ponto entra o marketing societal, questionando se o marketing ortodoxo é adequado a uma época com problemas ambientais, escassez de recursos naturais, rápido crescimento populacional, problemas econômicos no mundo inteiro e serviços sociais negligentes (KOTLER, ARMSTRONG, 1998). Os valores humanitários ou societais, estão acima dos interesses individuais ou corporativos; o marketing societal, ao contrário do ortodoxo, não busca soluções para problemas mercadológicos; mas sim, evitar que a empresa tenha problemas vitais quando da prática de uma estratégia que implique agressão a um valor societal (GIACOMINI, 1993). A sociedade pode regulamentar uma empresa através de leis, ações governamentais e afetar sua atividades no mercado, ao recusar-se a comprar os produtos da empresa. Desta forma, as empresas que não atenRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP dem os desejos e necessidades da sociedade são eliminadas da economia (SCHEWE, SMITH, 1982). As idéias sobre o marketing societal ganharam força, inicialmente, no setor de bens de consumo, mas também tem avançado no setor de serviços. O conceito de marketing societal exige que se equilibrem três fatores ao definirem uma política de marcado: Os lucros da empresa, os desejos do consumidor e os interesses da sociedade (KOTLER, ARMSTRONG, 1998). Sociedade (bem-estar do homem) Conceito de Marketing societal Consumidores (satisfação de desejos) Empresa (lucros) Figura 1 Três considerações subjacentes ao conceito de marketing societal (KOTLER, ARNISTRONG, 1998, p. 13). Recentemente, Kotler e Arnistrong (1998, p. 11) salientaram: o marketing societal sustenta que a organização deve determinar as necessidades, desejos e interesses dos mercados-alvo, e então proporcionar aos clientes um valor superior de forma a manter ou melhorar o bem-estar do cliente e da sociedade. A força societal, que tem condicionado a aplicação do marketing, mostra-se cada vez mais poderosa. A mentalidade progresso, custe o que custar não tem o alcance que tinha há alguns anos. O interesse individual na relação de consumo continua e continuará sendo forte, motivando o consumidor a adquirir sempre um produto em função de suas possibilidades, desejos e necessidades. Ocorre que os valores societais estão fazendo parte desses desejos e necessidades, já que cada um se dá conta de que muitos dos seus interesses individuais remontam valores coletivos e isto, seguramente, revela-se nas relações de consumo. Primeiro porque a aquisição de um produto exterioriza um comportamento que será medido pela sociedade; o produto, a marca, deve passar imunes por qualquer questionamento social. Segundo, pela própria consciência social que serve de referência para que as pessoas possam criticar os que desrespeitam esses valores (GIACOMINI, 1993). Sob a ótica do conceito societal de marketing, produto passa a ser visto como um conjunto de utiAno 7 Número 17 Abril 2005 MARKETING ORTODOXO, SOCIETAL E SOCIAL: AS DIFERENTES RELAÇÕES lidades positivas e negativas, que devem ser aceitas pela sociedade como um todo, visando satisfazer as expectativas de benefício de um determinado segmento de mercado. Isto significa que diferente do marketing ortodoxo, sob o conceito societal não vale tudo para agradar o consumidor. O marketing societal retrata que: antes de lançar um produto, antes de estabelecer preços, antes de distribuir o produto, antes de elaborar a estratégia promocional, a empresa deve realizar testes, pesquisas, consultar a opinião pública, certificar-se de que a comercialização do produto não vai trazer nenhum prejuízo de ordem social. A prática do marketing societal envolve uma postura empresarial em consonância com a ética e valores sociais, porém requer planejamento conseqüente, práticas comerciais éticas, produtos ou serviços de qualidade, capacitação e motivação dos funcionários. Isto porque o consumidor, ao dispor do produto, está cuidando de sua saúde, segurança e outros, fato este que se estende a milhões de usuários (GIACOMINI, 1993). O marketing societal refere-se à incorporação de considerações relativas aos problemas sociais em estratégias de marketing desenvolvidas e implementadas com vistas a aumentar a aceitabilidade de produtos. Porém, o marketing societal possui estreito relacionamento com a responsabilidade social, já que pode ser considerado como a utilização de técnicas e premissas de marketing a ações de cunho social, promovidas por empresas que não possuem causas sociais por finalidade. Assim sendo, pode-se reconhecer que o marketing societal incorporação da responsabilidade social nas estratégias de marketing é decorrente da sua evolução, com vistas a oferecer valor aos públicosalvo, de forma que sejam estimulados, podendo, então, ser utilizado por qualquer organização. 5. O QUE É MARKETING SOCIAL? Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP TROCA COM A SOCIEDADE ... é o projeto, a implementação e o controle de programas que procuram aumentar a aceitação de uma idéia ou prática social num grupo-alvo. Utiliza conceitos de segmentação de mercado, de pesquisa de consumidores, de configuração de idéias, de comunicações, de facilitação de incentivos e a teoria de troca, a fim de maximizar a reação do grupo-alvo,. Para Brenkent (2002, p. 59) o marketing social pode ser definido de duas maneiras: pela sua meta e pelo método que ele adota para alcançar a meta: Marketing social é a aplicação das tecnologias de marketing ortodoxo à análise, planejamento, execução e avaliação de programas projetados para influenciar o comportamento voluntário de públicos-alvo com o intuito de melhorar seu bemestar pessoal e o da sociedade. A mudança social é um fenômeno coletivo que afeta as condições de vida de seus componentes, no sentido de originar, acentuar, diminuir ou impedir as modificações de partes ou da totalidade da organização social (TEIXEIRA, MAZZON, 2000). Convém observar que o conceito de marketing social é compreendido como marketing de idéias, causas e programas sociais (MAZZON, 1981). Deste modo, um dos grandes problemas que se defrontam os estudiosos e praticantes do marketing social reside na questão relativa ao que seja, efetivamente, causa social. Kotler (1978) estabeleceu os tipos de mudança que são, sempre, o objetivo das causas sociais. Essas mudanças foram classificadas segundo quatro níveis de profundidade de incorporação do grupo social. Cabe ainda ressaltar que, uma causa social pode objetivar mais do que um tipo de mudança, ou até mesmo todos. Assim sendo, os quatro tipos de mudança social são apresentados a seguir, obedecendo a uma seqüência provável de grau de dificuldade. n O termo marketing social surgiu em 1971, descrevendo o uso de princípios e técnicas de marketing aplicado a causas, idéias e comportamento social (KOTLER, ROBERTO, 1992). Diferentemente do marketing ortodoxo, que tem por objetivo compreender as necessidades e desejos do público-alvo para que ofertas condizentes sejam feitas, o marketing social tem por objetivo a criação ou mudança de atitudes e de comportamentos de públicos, que são o meio para o objetivo pretendido, e que podem nem sequer ser os beneficiários diretos da mudança. Kotler (1978, p. 288) definiu marketing social: DE n n Mudança cognitiva: Refere-se à passagem de informações ao público-alvo sobre o objeto de mudança. São campanhas de esclarecimento e de caráter informativo à população. É o grau mais simples de mudança pretendida. Mudança de ação: Objetiva induzir um conjunto de indivíduos a realizar uma ação específica, durante certo período. Neste tipo de mudança inserem-se as campanhas de vacinação em massa, doação de sangue, entre outros. Mudança de comportamento: Objetiva ajudar as pessoas a modificar algum aspecto de seu comportamento, isto é, uma alteração de forma Ano 7 Número 17 Abril 2005 19 EDSON COUTINHO n 20 DA SILVA / SILVIO AUGUSTO MINCIOTTI mais duradoura, ou até mesmo, permanente. Nesta situação inserem-se programas para desencorajar o fumo, campanhas contra entorpecentes, entre outros. Mudança de valor: Visa alterar crenças ou valores dos indivíduos. Os exemplos referem-se a programa contra segregação racial, programa para alterar as idéias a respeito do aborto, entre outros. A meta principal do marketing social é resolver certos problemas sociais, e é identificado pela finalidade não comercial que busca alcançar. Deste modo, não existem produtos ou serviços específicos que os profissionais de marketing possam vender para obter lucro de indivíduos que, acredita-se, tenham o problema. Além disso, o marketing social difere do marketing ortodoxo em pelo menos dois aspectos importantes (BRENKENT, 2002): Primeiro aspecto: a meta do marketing social é implementar causas sociais que visam o bem (bemestar) individual ou social, não simplesmente a satisfação individual de caráter hedonista. Os problemas sociais que os profissionais de marketing social enfrentam não são apenas uma questão de vontades ou desejos individuais, mas uma questão que diz respeito a alguma deficiência ou problema relativo ao bemestar individual ou social. Assim sendo, os indivíduos podem ser capazes de satisfazer suas vontades presentes enquanto seu bem-estar e/ou o da sociedade permanece deficiente. Os fumantes podem estar satisfeitos em fumar, os maridos podem desejar que suas esposas fiquem grávidas repetidas vezes, ou os dependentes de drogas podem querer outra dose. Porém, pode haver bons motivos para afirmar que tanto individualmente quanto socialmente, o bem estar dos envolvidos melhoraria com a redução (ou eliminação) do fumo, com taxas de natalidade mais baixas e com ausência de dependência de drogas. Segundo aspecto: a finalidade a ser alcançada pelo marketing social é algo que aqueles que vivenciam o problema social não precisam eles mesmos identificar como problema social, por exemplo: uma educação melhor para as mulheres ou o fim da lepra. Os profissionais de marketing fazem pesquisas relacionadas ao tipo de produto que, se usassem, modificaria o comportamento das pessoas, dependendo da finalidade que se desejasse obter. Na tabela 1, são apresentadas algumas diferenças significativas entre a prática do marketing ortodoxo e do marketing social. O objetivo do marketing social é o abandono de uma idéia ou comportamento adverso ou a adoção de novas idéias e comportamentos. O produto a ser Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP exposto ao mercado são as idéias e comportamentos (KOTLER, ROBERTO, 1992). Assim sendo, é importante enfatizar que o marketing social não é a mesma coisa que a educação ou que a propaganda, apesar de ele poder incluir alguns ou todos esses temas. A abordagem envolve diversos fatores, tais como a pesquisa de marketing; o projeto ou a identificação de um produto para atender às necessidades de cliente; a determinação de um preço que o cliente pode pagar; a localização de um ponto em que o cliente pode obter o produto e a promoção desse produto por meio de anúncios, incentivos etc. (ANDREASEN, 1994). Assim sendo, o marketing social deve promover trocas seguindo a linha dos 4 Ps: Produto, Preço, Promoção e Distribuição, isto é, o mix de marketing (HOLDEN, 2002; MARTINSEN, 2003; SAVITZ, UMBLE, 2002). Observe-se que no marketing social, produto e preço não correspondem ao objeto oferecido e ao valor financeiro pago em contrapartida, tal qual ocorre no marketing ortodoxo. Nessa nova realidade, eles representam os objetos da troca, que podem ser tangíveis ou não. Por exemplo, em uma campanha de combate às doenças sexualmente transmissíveis, o promotor oferece a prevenção das doenças em troca de mudanças de comportamento e de valor do público-alvo da campanha. Existem duas importantes implicações sobre o marketing social: n n O marketing social não deve ser identificado ou confundido com nenhuma de suas partes, pois ele não ocorre quando um único anúncio com conteúdo social aparece. Portanto, se a Benetton leva ao ar um anúncio em nome da harmonia racial, sem nenhuma informação ou ação adicional, não se deve concluir que essa é uma instância de marketing social. Os esforços de tais empresas com e sem fins lucrativos quando limitados a tais anúncios podem ser mais bem identificados como uma forma de marketing de causa relacionada, propaganda institucional ou mesmo responsabilidade social da empresa, mas não como marketing social. Como uma forma de marketing, o marketing social envolve vários fatores. Nem ele nem o marketing ortodoxo são disciplinas neutras no tocante a esse assunto. Ambos envolvem vários valores em relação a trocas que eles examinam e procuram promover. Entre tais valores encontra-se: (a) valores da ação voluntária; (b) a visão de que problemas podem e devem ser resolvidos pela intervenção humana; (c) a visão de que comportamentos de um tipo podem ser justificavelmente trocados por outro tipo; (d) a sensaAno 7 Número 17 Abril 2005 MARKETING ORTODOXO, SOCIETAL E SOCIAL: AS DIFERENTES RELAÇÕES DE TROCA COM A SOCIEDADE Tabela 1 Algumas diferenças entre Marketing Ortodoxo e Marketing Social² Atributos Marketing Ortodoxo Marketing Social Objetivos Procura preencher as necessidades e desejos identificados dos mercados-alvo; procura obter lucro, servindo aos interesses do mercado-alvo ou da sociedade; e tem por objetivo satisfazer necessidades conscientes, visando propiciar lucro e/ou prazer individual. Levam ao mercado os produtos e serviços por intermédio de idéias. Busca modificar as atitudes ou o comportamento dos mercados-alvo; procura servir aos interesses do mercado-alvo ou da sociedade, sem lucro pessoal; e objetiva satisfazer necessidades nem sempre percebidas pela comunidade, como desarranjos sociais, gerados pela satisfação exclusiva das necessidades individuais. Levam as idéias ao mercado, em lugar de produtos ou serviços. Trocas Comercializa produtos ou serviços geralmente muito agradáveis ao consumidor. Promove idéias ou programas que combatem, muitas vezes, atitudes ou comportamentos considerados agradáveis pelo público-alvo, embora inconvenientes, se analisados mais amplamente; programa de combate ao fumo. Posicionamento Processo de fixação de uma identidade distintiva da oferta na mente do público-alvo. Processo de fixação de que as causas sociais dizem respeito à melhoria da qualidade de vida. Produto O produto apresenta geralmente uma concepção simples, fácil e claramente identificável por seu consumidores; e os produtos são escolhidos entre várias opções de estratégia de produtos. A concepção do “produto” é complexa e de difícil percepção por parte dos indivíduos alvo; e existem poucas opções para formar a estratégia de produto. Promoção O desenvolvimento da estratégia de comunicação há poucas restrições quanto aos apelos utilizados; a comunicação de um produto, mesmo que atinja segmentos de nãoconsumidores, não acarreta problemas significativos, além do desperdício financeiro; e é feita através de mensagens curtas e eficientes. Existem muitas restrições quanto ao tipo de mensagem a utilizar no processo de comunicação. Determinada idéia ou proposta de ação é percebida por pessoas contrárias à sua concepção ou práticas, desencadeia-se uma campanha contrária, o que dificulta sobremaneira a eficiência da comunicação; normalmente o objetivo implica em alteração de hábito ou comportamento, as mensagens são muito longas e explicativas, o que as toma incompatíveis com os veículos de comunicação de massa. Preço O objetivo da estratégia de preço e maximizar a lucratividade da organização; e existe controle sobre todos os custos parciais que incidem no custo total de um produto em relação ao qual se esteja estabelecendo o preço. O objetivo da estratégia de preço é minimizar os custos e eliminar barreiras, facilitando assim, a adesão de indivíduos à idéia ou causa social; e não há controle sobre os custos parciais que um individuo deva assumir até o atingimento do objetivo final proposto. Distribuição Existem abundantes meios para colocação do produto no mercado – canais de distribuição – em relação aos quais também há condições favoráveis de controle e acesso. Dada a característica abstrata dos “produtos” é complexa a adoção dos canais de distribuição, e normalmente não há boas condições de acesso e muito menos de controle. Comunidade Não leva em conta a comunidade, mas, apenas, o indivíduo integrante de seu segmento. Procura adequar indivíduos a uma conduta, hábito ou padrão comportamental que melhor satisfaça as necessidades identificadas como causas ou idéias sociais. Profissional Comprometido com o bem-estar; é financiado por impostos ou doações; está sujeito a prestar contas publicamente; o desempenho difícil de medir; as metas comportamentais são de longo prazo; freqüentemente escolhe alvos de comportamento controverso; quase sempre escolhe alvos de alto risco; a tomada de decisão participativa; e o relacionamento com base na confiança. Comprometido com o lucro; é financiado por investimentos; está sujeito a prestar contas em particular; o desempenho medido em lucro ou participação; as metas comportamentais são de curto prazo; quase sempre proporciona produtos ou serviços não controversos; escolhe alvos acessíveis; a tomada de decisão hierárquica; e o relacionamento freqüentemente competitivo. ção de auto-eficácia e (e) a importância de fornecer informações às pessoas sobre os produtos e/ou sobre elas mesmas (BRENKENT, 2002). Assim, o marketing social visa solucionar problemas que requerem a atenção, aceitação e satisfação pública, considerando sempre o bem-estar da sociedade na qual o programa social será desenvolvido. A satisfação destas necessidades deve ser percebida pelo consumidor, sendo isso decisivo para o sucesso ou fracasso de um programa que envolva o Marketing Social (WASEK, 2004). 6. CONCLUSÃO Por tudo que foi exposto é possível perceber a grande impropriedade que representa o uso indevido das Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP expressões marketing social e marketing societal para designar qualquer outra coisa que não seja uma aplicação de marketing no caso do primeiro e uma evolução do conceito de marketing no segundo caso. Marketing social surgiu na década de 70 para expressar a aplicação de marketing às causas e idéias sociais através de propostas de autores como Kotler, Levy, Zaltman e Fox. Na mesma época, outros autores como Luck, Laczniak, Michie, Lusch e Murphy levantaram questões de natureza ética para contestar a utilização de marketing para essa aplicação³. Porém, excluindo-se as questões que resvalavam na dificuldade de se definir o que era causa social, não há nenhuma dúvida que os textos que tratavam da inclusão da expressão marketing social no glossário de marketing, lhe conferiam a designação de uma aplicação de marketing para o planejamento, implementação e controle de causas dessa natureza. Ano 7 Número 17 Abril 2005 21 EDSON COUTINHO DA SILVA / SILVIO AUGUSTO MINCIOTTI Por outro lado,este texto oferece condições para dirimir qualquer dúvida que possa haver para o uso da expressão marketing societal como sendo uma evolução do conceito ortodoxo de marketing que aceita a idéia de que tudo vale para satisfazer o consumidor. Sob a ótica societal os produtos ou serviços devem primeiro ser aceitos pela sociedade em seu todo para depois serem dirigidos a um segmento específico de consumidores. Assim, não há como confundir marketing ortodoxo com marketing social ou societal e, muito menos, estes com as aplicações referentes à propaganda institucional ou ações de responsabilidade social das empresas. Se uma organização resolver adotar uma creche, cuidar de uma praça, levar funcionários para doar sangue, destinar a arrecadação de um dia da venda de hambúrgueres para cuidar do câncer infantil ou qualquer outra ação benemérita deve ser aplaudida, porém, jamais rotulada de praticante de marketing social ou societal. Na realidade ela estará fazendo uma propaganda institucional ou cumprindo seu papel social, o que, aliás, já é bastante. REFERÊNCIAS 22 ABOTT, L. Quality and competition. NY: Columbia University. Press, 1955. ANDREASEN, A. L. Social marketing: Its definition and domain. Journal of Public Policy and Marketing. 1994. BRENKENT, G. G. Etica do marketing social internacional. In ANDREASEN, A. L. Ética e marketing social. SP: Futura, 2002. GIACOMINI, G. 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Ano 7 Número 17 Abril 2005 Artigo Inovação e Imitação Tecnológica como Estratégia Competitiva Antonio César Galhardi Sérgio Baptista Zaccarelli UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO. Rua Cesário Galeno, 432/448 Tatuapé São Paulo SP CEP 03071-000 Fone 11 61901200 Fax 11 69414848 Brasil Email: [email protected] RESUMO Este trabalho apresenta uma visão mais precisa da questão da inovação tecnológica, em particular para a pequena e média empresa, partindo-se de um ponto de vista moderno, o da definição de Tecnologia em termos da Ciência da Complexidade, isto é um ecossistema em evolução que comporta inúmeras tecnologias existentes. De outra maneira a Inovação Tecnológica é apresentada como estratégia utilizada na pequena e média empresa, quer seja pela inovação tecnológica específica, quer seja pela imitação das recentes tecnologias existentes. Objetiva, demonstrar que A Inovação Tecnológica apresenta-se também como a solução a ser observada para resolver o problema de baixo grau de inovação tecnológica presente na pequena e média empresa brasileira, sua fragilidade e o baixo grau de desenvolvimento tecnológico das mesmas e a ausência de recursos e aportes financeiros em Pesquisa e Desenvolvimento no Brasil. O estudo baseia-se na avaliação das duas situações distintas, que em termos de Pesquisa e Desenvolvimento, não exprime diferença significativa, uma vez que na política de desenvolvimento de inovação tecnológica própria, parte geralmente de tecnologias pré-exitentes, enquanto para a política de imitação, é bastante comum a necessidade de recursos de pesquisa e Desenvolvimento, para customização da referida tecnologia. Comprova a hipótese de que em termos estratégicos a escolha mais importante que a empresa deve fazer, no que diz respeito a uma nova tecnologia é a escolha entre desenvolver internamente (inovação) ou de adotar tecnologias emergentes de sucesso (imitação). PALAVRAS CHAVE Estratégia, Inovação, Imitação. SUMMARY This work presents a more necessary vision of the question of the technological innovation, in particular for the small average e company, breaking itself of a modern point of view, of the definition of Technology in terms of the Science of the Complexity, that is an ecosystem in Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP evolution that holds innumerable existing technologies. In another way the Technological Innovation is presented as strategy used in the small average e company, wants either for the specific technological innovation, wants either for the imitation of the recent existing technologies. Objective, to demonstrate that the Technological Innovation is also presented as the solution to be observed to decide the problem of low degree of present technological innovation in the small average e Brazilian company, its absence and fragility low degree of technological development same of resources and you arrive in port financial in Research and Development in Brazil. The study it is based on the evaluation of the two distinct situations, that in terms of Research and Development, does not state difference significant, a time that in the politics of development of proper technological innovation, part generally of technologies daily payexitentes, while for the imitation politics, is sufficiently common the necessity of research resources and Development, for customização of the related technology. It proves the hypothesis of that in strategical terms the choice most important that the company must make, in that it says respect to a new technology is the choice between developing internally (innovation) or to adopt emergent technologies of success (imitation). KEY WORDS Strategy, Innovation, Imitation. 1. INTRODUÇÃO As novas tecnologias e os novos produtos são engrenagens do crescimento econômico. Uma vez inventados, eles primeiramente fazem crescer economicamente, um pequeno grupo de pessoas ou empresas, aqueles que realmente se dedicam à inovação. Assim, novas tecnologias vão sendo gradualmente adotadas por outros grupos (os imitadores), o que consiste na verdadeira difusão tecnológica. Ano 7 Número 17 Abril 2005 23 ANTONIO CÉSAR GALHARDI / SÉRGIO BAPTISTA ZACCARELLI 24 Do ponto de vista econômico, pouca atenção tem sido dispensada aos imitadores, ou seja, à difusão de tecnologia. Apenas recentemente, tem se reconhecido, que nenhuma tecnologia, causa realmente algum impacto econômico, até ser adotada (imitada), por um grande grupo de empresas. Assim, o presente estudo visa demonstrar que além da importância da imitação, existe uma forte correlação entre inovação e imitação, tanto sob a ótica economica, quanto sob o ponto de vista de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Este trabalho analisa a interação da inovação e imitação no processo de crescimento tecnológico. A tecnologia é assumida como algo acumulativo, onde apenas as empresas líderes serão capazes de gerar as próximas inovações. Por outro lado a alta competição, principalmente a decorrente do processo de globalização, tem permitido o crescimento de líderes por imitação. A estratégia de imitação tecnológica pode ser identificada como uma atividade de aprendizagem. Muitas empresas iniciam-se imitando, e freqüentemente desenvolvem tecnologia própria, baseada em seu aprendizado com outros. Um exemplo típico desta realidade é, a Toyota, que iniciou suas atividades em 1930, imitando os sistemas produtivos da Ford, até na década de 60 criar seu eficiente sistema de produção lean production. No caso particular do panorama da indústria nacional brasileira, é notoriamente conhecido o fato de que, reproduz um baixo grau de inovação tecnológica, extrema fragilidade, um baixo grau de desenvolvimento, e, ainda complementado, pela maior necessidade de recursos financeiros para P&D, o que no Brasil são sensivelmente inferiores aos disponíveis para a maioria dos países emergentes, o que resulta na realidade em uma perda constante de competitividade, e baixo grau de desenvolvimento. Este trabalho tem como objetivo apresentar uma visão mais precisa do problema de inovação tecnológica, partindo-se de um ponto de vista moderno, ou seja, da definição de tecnologia como uma ciência complexa, que parte do pressuposto de que existe um ecossistema em evolução, formado de inúmeras tecnologias existentes que se inter-relacionam de maneira mais, ou menos complexas. A inovação, segundo esta visão pode ser entendida como um conjunto de duas oportunidades estratégicas, principalmente em se tratando da pequena e média empresa, isto é: a inovação tecnológica propriamente dita; e a imitação de inovação já existente quer seja num panorama distante ou próximo, e que Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP ambas pôr sua vez demandam por aporte de recursos financeiros. A análise aqui efetuada mostra que o problema do desenvolvimento de inovação tecnológica é complexo, e que não existe necessariamente uma relação linear entre o nível de financiamento disponível, e o número de inovações que realmente funcionam a nível empresarial. É plausível se supor que cada ajuda financeira dada a este campo seja acompanhada de medidas e controles efetivos, sem os quais isto iria se traduzir simplesmente em perdas, e provocar desestímulo a pesquisas futuras, pela inexistência de recursos financeiros para a área. Falar de inovação tecnológica significa falar da tecnologia e de sua natureza, um campo onde sempre existiram opiniões controversas. A visão mais antiga, e, também, a mais conhecida, é de que as novas tecnologias nascem um pouco ao acaso, praticamente do nada, vinculada a atividades de pessoas geniais, os inventores (Einstein, Edson, etc). Trata-se de uma visão simplista que não contemporiza a natureza complexa da tecnologia e sua evolução. De fato, as tecnologias não nascem do nada, mas sim do resultado de uma evolução natural de outras tecnologias preexistentes. No campo da ciência econômica, a tecnologia é considerada primeiramente como um fator exógeno, originária de fatores econômicos. Mais recentemente procura-se explicitar modelos econômicos endógenos, considerando-a como resultado do investimento em P&D. Esta visão não é errônea, mas também não é completamente satisfatória. Esses modelos em realidade não explicam, por exemplo, a ausência de correlação entre o investimento específico em P&D, e o valor da tecnologia desenvolvida, como um produto. De outra forma, o trabalho de P&D, efetuado no caso de um desenvolvimento, isento de inovação tecnológica, e inexistente sob o ponto de vista de produto, traduz-se por conseqüência em um valor nulo. Na realidade esse desenvolvimento poderá ser útil para o desenvolvimento futuro de outras tecnologias, o que possibilitará a criação de um valor quantificável, mesmo sem ser ainda conhecida a natureza da tecnologia futura que poderá desfrutá-lo, ou a sua importância econômica. 2. REFERENCIAL TEÓRICO Recentemente, os conceitos de inovação tecnológicos frente a uma ciência complexa têm apresentado uma definição melhor da natureza da tecnologia, Ano 7 Número 17 Abril 2005 INOVAÇÃO a qual tem sido mais adotada na explicação de vários aspectos, abandonando-se a visão desta como um produto, e sim, a caracterizando como um ecossistema em evolução. Esse sistema compoe-se concomitantemente de inúmeras tecnologias em uso, e coligadas entre si por meio de uma forte rede interconectada. No epicentro do cenário tecnológico, distingui-se tecnologias importantes de ampla utilização, como por exemplo, a automobilística, que por sua vez é composta de inúmeras outras tecnologias menores (construção de motores, pneumática, etc), e de sua interação com outras tecnologias não associadas, como a produção da cana-de-açúcar e álcool. Todas estas tecnologias não apresentam comportamento estático, mas em constante evolução, adaptando-se a várias condições externas e à evolução de outras tecnologias relacionadas. As tecnologias que compõem o ecossistema podem, portanto, ser consideradas como sistemas complexosadaptativos (Waldrop, 1992). Assim como em um ecossistema biológico, a tecnologia pode proliferar ou extinguir-se em decorrência da competição ou de alterações importantes no ambiente em que existem. Retomando ao tema da tecnologia automobilística, que veio substituir a tecnologia da tração animal, e que de outra forma propiciou o desenvolvimento da tecnologia de produção da cana-de-açúcar e do álcool, e que assim vieram substituir o espaço da tecnologia de tração animal (Miller, 1993). Por outro lado a Ciência da Complexidade tem sido freqüentemente utilizada para a simulação de ecossistemas biológicos, o que a habilita a também ser utilizada no campo tecnológico. Exemplo disto é o modelo NK, conceitualmente muito geral, e aplicado originalmente para estudar a evolução biológica de indivíduos complexos, e mais recentemente como modelo utilizado em exercícios de simulação correspondentes a otimização de sistemas tecnológicos complexos (Katiffinan. et al, 1998). À luz da definição de tecnologia como uma ciência complexa, a inovação tecnológica resulta, portanto, de um processo de evolução própria, ou seja, de um estágio tecnológico preexistente, versus a emergência de uma nova tecnologia. Este processo pode ser mais ou menos amplo, freqüentemente acompanhado, mas não necessariamente uma autêntica tecnologia desenvolvida (Aghion et al, 1997). Para Mukayama (2002), o processo mais simples de inovação tecnológica é considerado pela pesquisaação, ou seja, aprender fazendo, traduzida como conceito da curva de aprendizagem, onde o melhoramento no tempo, do que se observa nos centros de Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP E IMITAÇÃO TECNOLÓGICA COMO ESTRATÉGIA COMPETITIVA produção de processos industriais recém iniciados e que são conseqüências de contínuas melhorias que podem ser realizadas, otimizando o trabalho do setor produtivo. Este tipo de inovação não é necessariamente o resultado de uma atividade de P&D, ao menos na concepção de um processo de trabalho de testes e estudos que se faz diretamente no setor produtivo. Este tipo de desenvolvimento ou inovação contínua, certamente não é capaz de per si, revolucionar o cenário tecnológico, apesar de ser muito difundido sob o ponto de vista da economia das empresas. Por outro lado, é possível ocorrer um processo de inovação tecnológica muito amplo, com importantes atividades de P&D, que parte dos laboratórios e de tecnologias preexistentes, eventualmente muito diferentes daquela em que se deseja melhorar, e que resulta em uma nova e importante tecnologia, a qual será capaz de extinguir o uso das antigas, e criar novas, a elas relacionadas (Korn e Baun, 1999). Depois das definições apresentadas sobre Tecnologia, Inovação Tecnológica e Ciência Complexa, é importante evidenciar um outro conceito: para a melhor compreensão das interações entre as diversas tecnologias e como elas são influenciadas pelas diversas estratégias impostas pelas empresas, à pesquisa e melhoria das novas tecnologias. A este conceito dá-se o nome de Cenário Tecnológico (Nickell, 1996). Imaginando-se um setor industrial genérico, composto de um conjunto de indústrias que fabricam produtos muito similares, usando tecnologia em geral bastante próximas. Considerando agora, as várias tecnologias utilizadas nesse setor industrial específico, na fabricação de determinado produto, que poderão se apresentar de certa forma diferente uma da outra, mas que qualquer uma delas, uma vez que em uso, será caracterizada como com um alto grau de eficiência, relativa e que pode ser medida, por exemplo, pela relação inversa aos custos de produção. À medida que se distancia da condição da condição ótima de funcionamento, de uma tecnologia em particular, o custo de produção aumenta, e, portanto, o grau de eficiência diminui. Pode-se imaginar que a tecnologia, que absorveu condições ótimas relativas, pode ser considerada no topo, devido ao seu alto grau de eficiência (Amason, 1996). Na Figura 1 apresenta-se o modelo genérico da Curva de Aprendizagem, citado por Mukayama. Quando uma tecnologia em seu início, sua posição não será necessariamente ótima, mas por meio de um processo de aprender fazendo, se aposta em um cenário de maior eficiência para efetivamente assumir um estágio vizinho, ao ótimo, ou seja, no Ano 7 Número 17 Abril 2005 25 ANTONIO CÉSAR GALHARDI / SÉRGIO BAPTISTA ZACCARELLI Tempo por repetição Figura 1 Esquema de uma Curva de Aprendizagem. Número de repetições topo. Considerando agora a posição desta tecnologia respectivamente àquela utilizada por uma outra empresa do mesmo setor, isso poderá definir em termos de certas medidas de eficiência, serão tanto mais distante quanto mais diversas da tecnologia empregada. A discussão dos conceitos de: topo e distância, também fazem parte dos cenários tecnológicos, e dentre deste enfoque uma certa tecnologia em uso poderá ocupar uma certa posição vizinha ao topo e desfrutar de sua condição de ótima eficiência, ao longo do tempo. O processo de aprender fazendo, aliado ao investimento nem P&D, é o responsável pelo incremento da qualidade em geral, e pode ser formulado por um modelo estático, onde os empresários aprendem pelas suas próprias experiências como usuários. (Mukuayama, 2002). 3. O CENÁRIO TECNOLÓGICO 26 Uma das escolhas estratégicas mais importantes que uma empresa deve fazer, no campo da inovação, refere-se a decisões de como proceder com o desenvolvimento de inovação: desenvolvimento próprio ou imitação de inovação emergente de sucesso. Sob a ótica de P&D, a distinção entre as duas não é assim tão evidente. A política de desenvolvimento de tecnologia própria pode ainda partir em geral de tecnologia preexistente, enquanto a de imitação pode também necessitar de certa atividade de P&D, uma vez que a informação disponível da nova tecnologia a ser imitada, pode não ser suficiente, e algum trabalho de P&D, será necessário. Outra alternativa ainda para P&D, pode ser a aquisição externa de novas tecnologias disponíveis. Uma vez que a tecnologia não é realmente um produto, toma-se Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP necessário falar da aquisição de serviços úteis para adoção da nova tecnologia. A estratégia de inovação é pôr usa vez caracterizada por um alto custo em P&D (ou melhor, um alto custo para a aquisição de tecnologia em caráter exclusivo), que deverá ser largamente compensada pela possibilidade de ganho, ou seja, de uma vantagem competitiva, resultante da posição dominante em relação ao uso exclusivo da nova tecnologia. A estratégia da imitação é caracterizada pelo mais baixo custo de P&D, (ou mais baixo custo pela aquisição de tecnologia não exclusiva), e também de uma situação de ganho, porém sem se tomar uma vantagem competitiva, ou ainda para vantagem competitiva de baixo custo, como por exemplo, a tecnologia produtiva de comodities. Uma variante da estratégia de inovação é, pois, aquela de desfrutar por um período inicial de tempo, a posição de exclusivo dominante, e posteriormente vender a tecnologia para empresas que apresentem estratégias de imitação tecnológica, e assegurar desta forma o retomo do investimento, em P&D. No tocante ao aspecto do Cenário Tecnológico, a estratégia de inovação tende a criar um pico isolado, sob o qual se posiciona a nova tecnologia, enquanto a estratégia de imitação tende a criar um cenário composto de um conjunto de possibilidades de tecnologias TOPs, sob as quais se posicionam as novas tecnologias pelas várias indústrias, onde se diferencia realmente pelo grau em cada um se encontra, dependerão do sucesso do processo inovativo de aprender fazendo, que assim se estabelece com o uso industrial da nova tecnologia imitada, de cada empresa. A validade relativa da estratégia de inovação em relação à estratégia de imitação tende a criar um cenário composto de um conjunto de fatos, que classifica Ano 7 Número 17 Abril 2005 INOVAÇÃO a aprendizagem, onde existem três elementos principais: l l l A empresa; A tecnologia; Os aspectos estratégicos. Os tipos de empresas estudadas em suas estratégias correspondentes são três: l l l A empresa estática estratégia de não inovação; A empresa imitante estratégia de inovação pôr imitação; A empresa adaptante estratégia de desenvolvimento de inovação. Os estágios, considerando-se os três aspectos anteriores, mas considerando-se ao menos dois graus diferentes (alto e baixo), e sua influência nos resultados das estratégias são: l l l O grau de imitação, isto é a facilidade em que cada um pode efetuar a imitação da nova tecnologia; O grau de ambigüidade, isto é a dificuldade de se avaliar a priori a validade de uma inovação; O grau de turbulência, isto é o grau de mudança no ambiente, no qual se opera o modelo. Os resultados obtidos da simulação, expressos em termos de resultados econômicos, referentes às diversas estratégias obtidas, após um lapso de tempo, de elaboração de um modelo suficientemente longo, são no mínimo interessantes. Primeiramente, a estratégia imitativa, se demonstra em geral, a melhor em termos econômicos. O grau de imitação se apresenta como o fator mais importante para determinar o resultado das várias estratégias, enquanto o grau de turbulência apresenta pouca interferência sobre o resultados. Na prática a estratégia de imitação toma-se pouco econômica, apenas quando o grau de imitação é muito baixo, ou quando existe muita dificuldade em se imitar a inovação, enquanto seus resultados são pouco influenciados, pelo nível de ambigüidade. A estratégia de inovação é, portanto, economicamente válida para baixos graus de imitação e é sensível ao problema de ambigüidade. De fato a presença de um forte grau de ambigüidade (incerteza nos resultados), e baixo nível de imitação, a estratégia de não fazer inovação pode dar resultados ligeiramente melhores em relação à estratégia de inovação. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP E IMITAÇÃO TECNOLÓGICA COMO ESTRATÉGIA COMPETITIVA Um outro aspecto estratégico importante no campo da tecnologia estudada refere-se à escolha de como enfrentar a pesquisa de melhoramentos e novas tecnologias no Cenário Tecnológico particular das empresas. Trata-se essencialmente da escolha entre: se a pesquisa do ótimo de eficiência pode ser encontrada em uma tecnologia próxima, ou se deve pesquisar uma tecnologia muito diferente da atual. No primeiro caso ocorre um esforço essencialmente de aprenderfazendo, ou ainda que o P&D, se limita a otimizar as tecnologias existentes, pôr meio de modificações relativamente limitadas. No segundo caso, ao invés de se pesquisar claramente, as novas tecnologias com uma importante atividade de P&D. Neste caso as duas estratégias têm sido contratadas considerando-se os diferentes percursos possíveis no Cenário Tecnológico, e adotando um sistema de cálculo desenvolvido originalmente em biologia, para estudar fenômenos específicos de eletromagnetismo. Sem entrar em detalhes particulares do modelo, é possível dizer que se trata de um ecossistema composto de N elementos, cada um dos quais se relaciona com outros elementos (de onde se origina o modelo NK), e onde a evolução de N elementos depende do valor atribuído a K relações. Neste caso particular N é representado pelo número de operaçoes que caracteriza uma certa receita de produção da nova tecnologia. O resultado obtido da simulação do modelo depende de um modelo, que depois de um período de tempo de elaboração suficientemente longo mostram que a melhor estratégia a ser adotada depende da condição inicial da tecnologia e precisamente de: l l se a posição inicial da tecnologia é muito intensa com relação a outras tecnologias concorrentes, e resulta conveniente pesquisar uma tecnologia muito diferente da atual e propriamente mais eficaz; se a posição inicial da tecnologia é pôr sua vez confortavelmente boa, e é mais conveniente buscar melhoramentos ou novas tecnologias próximas das atuais. Uma conseqüência lógica destes resultados é a seguinte: quando no cenário tecnológico surge uma tecnologia mais eficiente e diferente das tecnologias tradicionais, é melhor pesquisar qualquer tecnologia eficiente, bastante inovadora, sem não perder tempo em busca de melhorias nas velhas tecnologias, para reposicioná-la a valores de eficiência vizinhos àqueles da nova tecnologia. Ano 7 Número 17 Abril 2005 27 ANTONIO CÉSAR GALHARDI / SÉRGIO BAPTISTA ZACCARELLI 4. A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL 28 Observando o cenário empresarial brasileiro, composto por poucas empresas grandes, geralmente estrangeiras, muitíssimas empresas pequenas e médias. As pequenas e médias empresas, muitas vezes, se autoorganizam em clusters ou redes. Do ponto de vista da Ciência da Complexidade, a existência de um cluster não poderá ser determinada pôr parâmetros sócio econômicos, como pôr exemplo o número de empresas, faturamento global, etc. Um cluster é um ecossistema, e existe na medida em que em seu interno, as relações são típicas, e que externamente é composto independentemente pôr um número de empresas a eles pertencentes, e que percentualmente fazem parte de seu faturamento global. É bem conhecido o fato, de que salvo raríssimas exceções, as empresas nacionais não têm apresentado grande desenvolvimento tecnológico. E considerando a grande relevância da pequena e média empresa na economia nacional, não se poderá de outra forma ser destoante do restante do mundo, não atuando em inovação tecnológica, preferencialmente pôr meio de estratégias de imitação e aquisição de tecnologia no exterior. Como visto anteriormente esta política pode ser, no entanto válida, do ponto de vista econômico. Observando os diferentes setores empresariais brasileiros, são freqüentemente caracterizados, por empresas com estratégias de imitação, e pouquíssimas empresas, geralmente as maiores, adotam, pelo menos em parte a estratégia de inovação. A frágil barreira existente, no que se refere ao fenômeno de imitação, basta se pensar nas dificuldades e custos existentes, para o licenciamento da tecnologia, e a tolerância com relação à difusão da tecnologia pôr meio da mobilidade de pessoal, se rende a esta política de imitação, como se confirma os resultados da simulação com relação ao modelo apresentado anteriormente. É verdade que um conjunto de empresas tal como os clusters, mas com um comportamento de uma empresa individual, com relação a estratégia de imitação tecnológica, pode sucumbir, em função da ausência de tecnologia a ser imitada, enquanto um pequeno número de empresas isoladas, mas com estratégias de inovação tecnológica, podem sobreviver mais facilmente, e enfrentar com sucesso importantes evoluções de mercado, o que não elimina totalmente o risco do aparecimento de uma nova e grande tecnologia, dificilmente imitada ou com possibilidade de ser comprada. Fato que vem acontecendo atualmente no que se refere transformação Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP do panorama mundial, com o surgimento do fenômeno comumente tratado com Nova Economia. O resultado dessa transformação de fato tem atuado no sentido de desacelerar o desenvolvimento brasileiro, com respeito a outros países emergentes, que possuem maior acesso e difusão de grandes tecnologias, como pôr exemplo o México, a China, a Austrália, a índia. Evidentemente é possível delinear certas evoluções possíveis para reverter tal situação: l l A primeira evolução possível considera que o mercado forçará as empresas a utilizarem as grandes e inovadoras tecnologias, com o risco de não serem mais competitivas. O que prevê a adoção de estratégias que permitam tomar competitivas as empresas nacionais, onde se situa, como discutido anteriormente, na simulação de modelos, em busca de tecnologias distantes da realidade atual, uma vez que estas últimas seriam pouco eficientes; Em uma segunda situação possível, considera-se o fato de que cada grande tecnologia se desenvolve por um certo período de tempo, num nicho de tecnologias similares, que entram em simbiose com a primeira, e mais importante. Neste caso a desaceleração do desenvolvimento atual seria somente conjuntural, e posteriormente a algum determinado período de tempo, surgirá uma outra nova e grande tecnologia, que a indústria nacional preocupar-se-á em rapidamente e com eficácia, renovar completamente o cenário tecnológico atual. No primeiro caso ocorre adotar uma estratégia de pesquisa de nova tecnologia com maciço investimento e forte atividade de P&D, para o desenvolvimento de grandes tecnologias competitivas, assumindo afinal uma estrutura tecnológica similar àquela de outros países industrializados, com forte atividade em P&D. No segundo caso não é necessário adotar nenhuma estratégia particular de intervenção. A ocupação de nichos de mercado, como no passado, espontaneamente pela aquisição ou imitação de novas tecnologias menores e limitando a atividade de P&D. O perigo desta evolução é que outros países que já adotam este tipo de estratégia, como pôr exemplo os países em desenvolvimento do sudeste asiático, onde como competitividade ocupam posições mais elevadas e melhores que o Brasil. Não é possível se prever, qual das duas evoluções se realizará. O que se pode, é fazer alguma consideAno 7 Número 17 Abril 2005 INOVAÇÃO ração sobre a eficácia dos investimentos e disponibilidade de recursos financeiros para P&D, para o desenvolvimento de novas tecnologias eficazes. 5. INVESTIMENTO E INOVAÇÃO O problema da ação dos investimentos em P&D, sobre a geração de novas tecnologias se pode explicar deste modo: em qual medida uma certa quantidade de recursos de P&D, se traduz, quando no processo de inovação tecnológica, em certo número de novas eficientes tecnologias. A tecnologia não é produto, mas sim ecossistema, e deve ser considerada à luz de quando se ensina a Ciência da Complexidade, que não existe uma relação linear entre a quantidade de recursos em P&D, e o número de novas tecnologias eficientes que poderão ser geradas a partir da atividade de P&D. E a nova tecnologia resultante nos países industrializados, mostra claramente a relação de não linearidade, e existem exemplos onde se identifica certo caos, culminando pelo abandono do desenvolvimento da inovação, por não ser tecnicamente factível, ou porque os recursos financeiros disponíveis são insuficientes para continuar a P&D. Em todos estes casos os recursos financeiros despendidos em P&D, podem ser considerados como perdas. De outra parte se pode freqüentemente observar o caso em que a relação de uma nova tecnologia catalisa a realização de outras tecnologias coligadas e o custo de P&D, será decisivamente inferior àquele que se poderá estimar em essência da primeira realização. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível afirmar que a relação entre a disponibilidade de recursos para P&D, e uma nova tecnologia não é linear e apresenta fenômenos de auto-catálise, no sentido de que a realização de uma nova tecnologia é capaz de favorecer numerosas outras novas tecnologias, num fenômeno em cascata. E IMITAÇÃO TECNOLÓGICA COMO ESTRATÉGIA COMPETITIVA O fenômeno de auto-catálise é muito importante nos países com forte atividade de P&D, urna vez que permite haver um elevado desenvolvimento de novas tecnologias ao mesmo tempo, e sustentar economicamente grandes investimentos em P&D, e portanto de haver disponibilidade de recursos financeiros suficientes para desenvolver até o final a inovação e suportar as perdas que ocorrem em caso de insucesso. Os fenômenos de autocatálise são bem conhecidos em química e bioquímica, ou ainda nos ecossistemas biológicos, e são objetos de estudo da Ciência da Complexidade. Todos os fenômenos de autocatálise apresentam um aspecto típico: a reação se inicia em um lugar específico, e se propaga rapidamente, em uma reação em cadeia, por meio do próprio produto da reação, que age como um agente catalisador. BIBLIOGRAFIA AGHION, P., HARRIS, C., HOWITT, P.,VICHERS, J. Competition, imitation and growth with step-by-step innovation, Review of Economic Studies, v. 68, 1997. AMASON, A.C. Distinguishing the effects of functional and dysfunctional conflict on strategic decision making: Resolving a paradox for top management teams, Acad. Magt. J. v. 39, 1996. KAUFFMAN, S.A., LOBO, J. MACREADY, W.G., Optimal search on a technology landscape, Santa Fé Institute, 98-10-091, 1998 KORN, H.J., BAUM, J.A.C., Chance, imitative, and strategic antecedents to multimarket contact, Academy of Management Journal, v. 42, 1999. MILLER, D., The architeture of simplicity, Acad. Magt. Rev. v. 18, 1993. MUKOYAMA,T., Inovation, imitation, and grow with cumulative technology, University of Rochester, NY, 2002. NICKELL, S.J., Competition and corporate performance, Journal of Political Economy, v. 104, 1996. WALDROP, M.M. Complexity. The emerging Science at the Edge of Order and. Chaos, Simon, NY, 1992. 29 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 Artigo Avaliação de Eficácia de Uma Campanha de Propaganda: Um Estudo Empírico Wagner Peixoto de Paiva Mestre em Administração de Empresas pela FEA-USP. Endereço: R. Mal. Hastimphilo de Moura, 338 Bloco E-24 A São Paulo, SP 05641-900 Tel. Res.: (011) 3743-1191 Cel: (011) 9615-0823 E-mail: [email protected] RESUMO KEY WORDS Este trabalho descreve o processo de avaliação de eficácia de uma campanha de propaganda (que fez uso de dois tipos de mídia: televisão e mídia exterior busdoor) de um produto específico em uma empresa multinacional de saúde e beleza. Por meio da análise quantitativa, verificou-se que o uso da mídia principal (TV) apresentou uma correlação de moderada a forte com as vendas unitárias do produto ao longo da campanha e foi responsável pela geração de vendas adicionais. Já no caso da mídia de apoio (busdoor), verificou-se que ela não foi capaz de gerar um aumento nas vendas isoladamente, mas ajudou a acentuar e prolongar os efeitos da mídia principal nas vendas. A análise global da campanha mostra que esta conseguiu provocar um aumento de vendas no curto prazo, mas não alterar o nível médio de vendas anterior à mesma, conclusão essa reforçada pela análise marginal do retorno sobre o investimento que mostrou que o resultado da campanha foi insatisfatório. Efficacy Evaluation, Advertising Campaign, Television, Outdoor Media. PALAVRAS-CHAVE Avaliação de Eficácia, Campanha de Propaganda, Mídia, Televisão, Busdoor. ABSTRACT 30 This paper describes the process of efficacy evaluation of an advertising campaign (which used two types of media: TV and outdoor media) of a specific product from a multinational company in the health and beauty care segment. It was observed through quantitative analysis that the use of the main medium (TV) showed a moderate to strong correlation with the products unit sales throughout the campaign, being responsible for the generation of additional sales. However, the impact of the support media (outdoor) did not generate additional sales alone, but helped to strengthen and to last longer the effects of the main medium. The analysis of the whole campaign showed that it increased sales in the short term but it did not altered the previous level of sales. These non-satisfactory results were also confirmed through marginal analysis of the return on investment. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP 1. INTRODUÇÃO À medida que implementam suas estratégias, as empresas precisam monitorar e avaliar os resultados de suas ações, pois o mundo empresarial atual é caracterizado por uma alta competitividade interna e externa conjugadas a recursos cada vez mais escassos. Desta forma, é fundamental saber alocar esses recursos em ferramentas certas, no tempo e no lugar certos. Otimizar a utilização de recursos com ênfase nos resultados é, basicamente, a definição do conceito de eficácia (CHIAVENATO, 2000). Kotler (2000: 594) cita, porém, que ...o bom planejamento e controle das ações de propaganda depende criticamente da avaliação de sua eficácia. Entretanto, o número de pesquisas sobre a eficácia da propaganda é insignificante. O presente trabalho tem como objetivo avaliar a eficácia da propaganda em um caso real, buscando contribuir para o aumento do corpo de conhecimentos sobre o assunto. 2. O PRODUTO TOPICS1 2.1. Definição do Produto e Análise do Mercado-alvo Topics2 é uma marca de xampu anticaspa pertencente à Divisão de Consumo de uma empresa multinacional que opera no Brasil no segmento de saúde e beleza. O Topics foi um dos primeiros xampus anticaspa lançado no mercado brasileiro, há cerAno 7 Número 17 Abril 2005 AVALIAÇÃO DE ca de 30 anos. Apesar de ser líder de mercado em seu segmento no canal de distribuição farmácia, nos últimos anos vem apresentando vendas decrescentes, típicas de um produto na fase de declínio em seu ciclo de vida. De acordo com uma pesquisa ad hoc feita pela empresa em 1999, o produto era percebido pelos consumidores como bastante efetivo no combate à caspa, tradicional sendo muitas vezes considerado antigo e de alto preço. Com o objetivo de reverter a queda de vendas do Topics, foi implementada pela empresa, no ano 2000, uma campanha de propaganda. . Antes de abordar a campanha do Topics, no entanto, é importante se descrever o perfil do usuário desse tipo de produto. Atualmente, cerca de 50% dos brasileiros têm caspa pelo menos uma vez por ano, seja em sua forma mais leve, seja nas formas mais severas. Sua incidência maior é entre as pessoas entre 20 e 40 anos de idade, atingindo tanto homens quanto mulheres, sendo o primeiro grupo, no entanto, o mais afetado. Não existe tratamento definitivo e os produtos de controle da doença devem ser utilizados por um longo período, diariamente, semanalmente ou apenas nas crises. Os tratamentos disponíveis são, basicamente, xampus e loções próprios para esse fim e seus princípios ativos giram ao redor de algumas poucas substâncias que atuam diretamente em um, ou mais, dos fatores que causam a caspa3. Tanto a alta incidência de caspa na população quanto o uso prolongado dos produtos criam um ambiente de demanda favorável e atraente para esta categoria. O segmento de xampus anticaspa é vendido, principalmente, em farmácias por procura espontânea ou indicação médica e os produtos que concorrem entre si apresentam uma faixa de preços relativamente ampla. EFICÁCIA DE UMA CAMPANHA DE PROPAGANDA: UM ESTUDO EMPÍRICO De acordo com os dados da auditoria de mercado IMS (especializada no canal farmácia), o tamanho do segmento de xampus anticaspa no Brasil em 2003 foi de aproximadamente dois milhões de unidades, alcançando um faturamento de aproximadamente 13 milhões de dólares. No entanto, esta é uma categoria pulverizada compreendendo mais de 35 marcas diferentes, cada uma com inúmeras apresentações. Como líder do mercado a Topics tem 13% de participação de mercado contra 10,5% do seu competidor mais próximo. A análise de vendas históricas do segmento não mostrou sazonalidades específicas. 2.2. Descrição e Análise da Campanha No ano de 2000 uma campanha de propaganda foi implementada com o objetivo de reverter a queda de vendas do Topics. Essa campanha fez uso dos seguintes veículos de mídia: l Mídia principal: Merchandising em televisão4 n Cobertura nacional n Período: de Julho a Setembro, com um total de 11 inserções (aos sábados) l Mídia de apoio: Busdoor n Cobertura: São Paulo Capital e Rio de Janeiro Capital, com 200 ônibus em SP e 100 no RJ n Período: De Julho a Setembro (em SP e RJ) e de Outubro a Dezembro (apenas em SP) A tabela 1 mostra o perfil das duas mídias escolhidas. Tabela 1 Perfil das mídias escolhidas Mídia Vantagens Limitações Televisão Combina visão, som e movimento Apela para os sentidos Alta atenção Cobertura abrangente Custo absoluto elevado Número excessivo de comerciais concorrentes Exposição transitória Menor seletividade de audiência Mídia exterior (ex. busdoor) Taxa elevada de exposição repetitiva Flexibilidade Custo baixo Pouca concorrência relativa Nenhuma seletividade de audiência Limitações à criatividade Fonte: Kotler (2000:588) Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP 31 Ano 7 Número 17 Abril 2005 WAGNER PEIXOTO DE PAIVA Figura 1 A campanha de propaganda. Fase I Ação Abr Mai Fase II Jun Jul Fase III Ago Set Out Nov Fase IV Dez Jan Fev Mar Campanha de TV (nacional) Busdoor SP Busdoor RJ A figura 1 apresenta um esquema resumido da campanha onde podem ser observados quatro momentos distintos do experimento: Fase I: É a linha de base do experimento (baseline), onde foram efetuadas medidas antes da campanha. Fase II: Campanha nacional de TV e ações locais de busdoor em SP (Capital) e RJ (Capital). Fase III: Somente ação de busdoor em SP (Capital), sem campanha de TV nacional e sem ação local de busdoor em RJ (Capital). Fase IV: Não há campanha em nenhum local. A posteriori verificou-se que durante o período da campanha (e um pouco antes e depois, também) os concorrentes não fizeram nenhuma campanha de propaganda (TV, revistas, etc.) ou promoção no ponto de venda (merchandising, ações de preços, etc.). Essa circunstância inusitada transformou o ambiente real de mercado em praticamente um ambiente de experimento, uma situação com todas as condições constantes exceto a campanha do Topics, ideal para avaliar a efetividade da mesma e dos meios utilizados. 3. METODOLOGIA O presente estudo de caso pode ser considerado um experimento de campo, pois, segundo Mattar (1999:105-106), 32 um experimento de campo é um projeto de pesquisa experimental conduzido numa situação real, na qual uma ou mais variáveis independentes são manipuladas pelo pesquisador, sob condições tão cuidadosamente controladas quanto a situação o permitir, e medido seu efeito sobre uma ou mais variáveis dependentes. Em pesquisas de marketing, se, por um lado, os experimentos de campo não permitem ao pesquisador exercer total controle sobre todas as variáveis intervenientes no proRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP cesso, têm a vantagem de serem conduzidos em uma situação real que dificilmente poderia ser reproduzida em laboratório. Em contrapartida, seus custos e o tempo de realização são muito mais elevados. Experimentos de laboratório têm grande validade interna e experimentos de campo têm grande validade externa. Neste experimento, a variável independente, ou seja, a variável que é manipulada ou controlada e cujos efeitos sobre a variável dependente se deseja medir, foi a veiculação da campanha de propaganda (dividida entre as várias mídias utilizadas). A variável dependente, ou seja, aquela variável cujos efeitos provocados pela variável independente se deseja medir, foram as vendas unitárias do produto. Variáveis estranhas ou intervenientes são todas as outras variáveis que não sejam as variáveis independentes consideradas e que poderiam afetar os resultados da variável dependente. Por exemplo: as características dos produtos, os preços, sua disponibilidade, ações dos concorrentes, etc. Considerando as condições de mercado descritas mais acima, iremos assumir por uma questão de simplificação que não existiram variáveis estranhas ou intervenientes importantes ou que, se existiram, tiveram efeitos que podem ser desprezados. O desenho do experimento pode ser definido como Projeto Série de Tempo com Grupo Controle (MATTAR, 1999:119), constituído por duas unidades de teste: 1. O Grupo Experimental: a unidade de teste exposta ao tratamento experimental; 2. O Grupo de Controle: a unidade de teste não exposta ao tratamento experimental e que serviu para medir os efeitos das outras variáveis a que tanto o grupo experimental quanto o grupo controle estiveram sujeitos. A campanha de propaganda foi medida pelo número de inserções mensais na televisão e pelo número de busdoors em circulação no período. Esses dados foram mensurados na escala razão. Para se avaliar os efeitos da campanha foram utilizados dados secundários fornecidos pela auditoria Ano 7 Número 17 Abril 2005 AVALIAÇÃO DE IMS, a qual mede as vendas unitárias dos produtos vendidos em farmácias, por região geográfica (por CEP) e em bases mensais. Esses dados foram mensurados na escala razão. A análise estatística dos dados foi feita utilizandose dois métodos principais: 1. A medida de associação (ou correlação) entre as variáveis, que serve para verificar se dois ou mais conjuntos de dados estão relacionados e para medir o nível de relacionamento ou associação existente (MATTAR, 1999:122-123). Neste caso, procurou-se verificar a correlação entre a veiculação das diversas mídias e as vendas unitárias correspondentes, por área geográfica. Para essa análise foi utilizada a função RQUAD (o quadrado do coeficiente de correlação momentoproduto r de Pearson), chamado de coeficiente de determinação r2. Para Stevenson (1986:373) o coeficiente de determinação r2 fornece a porcentagem de variação numa variável que é explicada estatisticamente pela variação na outra variável. Por exemplo, um r2 = 0,81 significa que 81% da variação dos pontos em torno das duas médias grupais pode-se explicar pelo relacionamento entre as duas variáveis. Para ajudar a interpretação dos dados, esse mesmo autor refere que valores de r = 0,00 significam ausência de relacionamento e r = 1,00 (positivo ou negativo), relacionamento perfeito. Um valor de r de aproximadamente 0,70 (ou r2 de aproximadamente 0,49) são considerados relacionamentos moderados (STEVENSON, 2000:369). 2. O segundo método utilizado foi o de inferência estatística Teste de Hipótese para a análise do impacto nas vendas antes-durante-depois da veiculação da campanha. Para isso, foi escolhido o teste EFICÁCIA DE UMA CAMPANHA DE PROPAGANDA: UM ESTUDO EMPÍRICO t para duas amostras relacionadas que verifica se as médias de duas amostras relacionadas, ou emparelhadas, são ou não iguais. Neste teste estabeleceu-se como hipótese nula: H0: A diferença entre as médias das duas amostras é igual a zero, ou seja, não há diferença significativa entre as médias das amostras. O nível de significância a foi estabelecido como 0,05 (intervalo de confiança de 95%). Para avaliar os resultados utilizou-se o valor p-value, especificado como a probabilidade da média da amostra ser mais extrema que o valor C barra considerando a hipótese nula verdadeira. [...] Conhecido o p-value, a decisão do teste de hipóteses será obtida da comparação do p-value com o nível de significância a que o analista julgar mais adequado [...] se o p-value for menor que a deve-se rejeitar a hipótese nula (LAPPONI, 2.000: 322-323). Por fim, utilizou-se a análise marginal do retorno sobre investimento (ROI) para avaliar a eficácia das mídias. Para Gitman (2002: 11), a análise marginal é um princípio econômico segundo o qual devem ser tomadas decisões financeiras e ações, somente quando os benefícios adicionais superarem os custos adicionais. Desta forma deve-se avaliar a relação benefícios marginais (variação de vendas) versus custos marginais (variação de despesas). O ROI só é interessante para a empresa se a relação for maior ou igual a +1,00. ROI m arg inal = ∆vendas ∆despesas Tabela 2 Vendas unitárias por área geográfica e número de ações promocionais. Mês Fase I Fase II Fase III Fase IV Vendas (Unid) Campanha Brasil SP Cap RJ Cap (Brasil-SPC-RJC) TV (Nacional) Busdoor SP Cap abr-00 26.183 5.672 2.477 18.034 0 0 Busdoor RJ Cap 0 mai-00 31.461 7.040 2.839 21.582 0 0 0 jun-00 jul-00 ago-00 set-00 out-00 nov-00 dez-00 jan-01 fev-01 mar-01 29.388 34.265 38.601 34.388 28.359 27.181 26.310 25.293 19.944 24122 7.047 7.382 10.087 8.560 7.694 7.670 7.335 5.997 5.113 6199 2.746 3.226 4.319 4.308 2.867 2.721 2.231 2.067 1.509 2025 19.595 23.657 24.195 21.520 17.798 16.790 16.744 17.229 13.322 15.898 0 5 4 2 0 0 0 0 0 0 0 200 200 200 200 200 200 0 0 0 0 100 100 100 0 0 0 0 0 0 33 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 WAGNER PEIXOTO DE PAIVA Grafico 1 Vendas unitárias por fase do experimento, por área geográfica. 20.000 35.000 30.000 15.000 25.000 20.000 10.000 15.000 10.000 5.000 5.000 0 Brasil Vendas Cidade (Unidades) Vendas Brasil (Unidades) 40.000 0 (Brasil-SPC-RJC) 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS A tabela 2 mostra o resultado das vendas unitárias por área geográfica, o número de inserções de TV (com cobertura nacional) e o número de busdoors circulantes (somente em SP Capital e RJ Capital). As vendas Brasil-SPC-RJC representam as vendas totais do Brasil menos as vendas de SP Capital e RJ Capital (ou seja, as vendas agregadas de todas as outras regiões que não tiveram a mídia de apoio) e que, por este motivo, foram usadas como grupo controle da ação de busdoor para RJ Capital e SP Capital. O gráfico 1 mostra visualmente a distribuição das vendas unitárias por fase do experimento. A tabela 3 mostra o resultado do primeiro método de análise, ou seja, a correlação entre as variáveis independentes (mídias utilizadas) e a variável dependente (vendas unitárias por área geográfica) no período de Abril de 2000 a Março de 2001. Vale lembrar que, como o impacto do busdoor é uma ação local, não faz sentido avaliar o impacto de um busdoor (que é veiculado apenas em SP Capital) nas vendas de RJ Capital ou nas vendas totais do Brasil. SP Cap RJ Cap Por este motivo só foram estudadas as associações entre as ações locais e suas respectivas vendas. Pode-se perceber que tanto a mídia principal (TV com cobertura nacional) quanto a mídia de apoio (busdoor de ação local) apresentam uma correlação de moderada a forte com as vendas unitárias do produto em todas as regiões. A tabela 4 mostra os resultados do segundo método de análise, o Teste t para duas amostras relacionadas. Nela são apresentadas quais foram as médias de vendas (e suas variâncias) nas diversas fases do experimento, por área geográfica. Nesta tabela foi usado um teste de hipótese uni-caudal, ou seja, que indica a direção da mudança (ou é # ou $). Seguindo a lógica do desenho do experimento, foi testado se a média de vendas da fase II era maior do que a da fase I (baseline), se a da fase III era menor do que a da fase II e se a da fase IV era menor do que a da fase III. Um teste de hipótese bi-caudal não especificaria uma direção (seria apenas ¹, para mais ou para menos). O p-value, que está em negrito, mostra que a diferença entre as médias de vendas de uma fase e da Tabela 3 Coeficiente de determinaçao (r2) entre as mídias utilizadas e as vendas por área geográfica 34 Brasil Brasil-SPC-RJC SP Cap RJ Cap TV (Nacional) 0,59 0,62 0,36 0,47 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Busdoor SP Cap Busdoor RJ Cap 0,57 0,69 Ano 7 Número 17 Abril 2005 AVALIAÇÃO DE EFICÁCIA DE UMA CAMPANHA DE PROPAGANDA: UM ESTUDO EMPÍRICO Tabela 4 Variação das médias de vendas durante as quatro fases do experimento, por área geográfica. Fase I Brasil Média Variância Média Variância Média Variância 23.119 7.071.106 6.094.232 1.057.454 7.906.454 0,008 Média Variância 0,017 0,058 19.737 23.124 17.110 15.483 3.162.199 2.001.973 354.849 3.945.331 0,048 0,007 0,110 6.586 8.676 7.566 5.769 627.016 1.839.406 40.280 333.609 0,024 p-value RJ Cap Fase IV 27.283 p-value SP Cap Fase III 35.751 p-value (Brasil-SPC-RJC) Fase II 29.010 0,024 0,147 2.687 3.951 2.606 1.867 35.342 394.249 110.985 96.564 0,019 p-value 0,059 0,063 Nota: p-value para igualdade de médias entre dois períodos consecutivos, considerando t-crítico bi-caudal (alfa = 0,05) fase imediatamente consecutiva foi significativa para a=0,05. Por exemplo, no total Brasil a fase II apresentou uma média de vendas maior do que a da fase I (como p-value = 0,008 é menor do que o nível de significância a = 0,05, a hipótese nula não há diferença entre as médias deve ser rejeitada). Pode-se observar que nas quatro regiões (Total Brasil, SP Capital, RJ Capital e todas as outras regiões não SP Capital e RJ Capital) a médias das vendas na fase II (quando ocorre a ação de TV nacional e busdoor local) foram significativamente maiores do que na fase I (baseline). Isso corrobora com os achados referidos anteriormente sobre a correlação campanha-venda. As vendas na fase III (quando não está ocorrendo a campanha nacional de TV) são significativamente menores do que as vendas na fase II para todas as outras regiões exceto SP Capital (onde está ocorrendo a ação de busdoor) e RJ Capital. Nesta última, não há diferença significativa entre a média de vendas dessa fase e a da fase anterior. Este é um ponto interessante, pois isto pode estar ocorrendo devido aos próprios números analisados (pois apesar de haver uma queda de 34% nas vendas, os valores das médias são baixos e relativamente próximos, e suas variâncias são elevadas, o que leva a obtermos um p-value um pouco acima de 0,05...) ou devido a um possível efeito carryover5, ou seja, pode ser que os efeitos de Tabela 5 Variação das médias de vendas antes e depois do experimento, por área geográfica. Fase I Brasil Média Variância Média Variância Média Variância 19.737 15.483 3.162.199 3.945.331 0,189 6.586 5.769 627.016 333.609 p-value RJ Cap Média Variância p-value 7.906.454 0,196 p-value SP Cap 23.119 7.071.106 p-value (Brasil-SPC-RJC) Fase IV 29.010 0,335 2.687 1.867 35.342 96.564 0,093 Nota: p-value para igualdade de médias entre o período inicial e final, considerando t-crítico bi-caudal (alfa = 0,05) Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 35 Número 17 Abril 2005 WAGNER PEIXOTO DE PAIVA comunicação do busdoor tenham sido mais prolongados, decaindo menos com a passagem do tempo, do que os da TV. Na fase IV (quando não está ocorrendo mais nenhuma campanha), a média de vendas Brasil não apresenta diferença significativa em relação à fase anterior (quando já não havia mais a campanha nacional). No caso de RJ Capital (onde também não ocorreram campanhas locais), apesar de não existir uma diferença estatisticamente significativa entre essas duas últimas fases, é interessante verificar a ten- dência declinante no gráfico 1. SP Capital apresenta, nessa última fase, uma média de vendas significativamente menor do que na fase anterior, quando havia a ação promocional local. A tabela 5 indica que não houve diferença significativa entre as médias de vendas da fase I e IV para todas as regiões estudadas. Isso significa que a média de vendas antes do experimento não ficou nem maior nem menor do que a média de vendas após a campanha. Porém, é interessante confrontar estes achados com a inspeção visual do gráfico 1. Tabela 6 Vendas líquidas e despesas por mídia, por fase do experimento e por área geográfica. Total Brasil Vendas líquidas Fase I Fase II (Brasil-SPC-RJC) 61.513,06 Despesas com TV 0,00 0,00 0,00 0,00 Despesas com Busdoor 0,00 0,00 0,00 0,00 Vendas líquidas 818.348,02 198.601,27 90.438,39 529.308,36 Despesas com TV 203.000,00 50.750,00 20.300,00 131.950,00 Vendas líquidas Vendas líquidas 451.779,93 77.400,00 51.600,00 25.800,00 624.515,50 173.193,37 59.658,97 0,00 0,00 0,00 0,00 51.600,00 51.600,00 0,00 0,00 354.405,87 Despesas com TV Despesas com Busdoor Fase IV RJ Cap 150.761,17 Despesas com Busdoor Fase III SP Cap 664.054,16 391.663,16 529.209,17 132.067,67 42.735,63 Despesas com TV 0,00 0,00 0,00 0,00 Despesas com Busdoor 0,00 0,00 0,00 0,00 Finalmente, a tabela 6 mostra, em cada fase do experimento, as vendas líquidas por região geográfica e suas respectivas despesas por mídia. conta a variação incremental das vendas e despesas agregadas das fases II e III versus as vendas agregadas das fases I e IV. A análise marginal do retorno sobre o investimento foi feita considerando-se dois períodos de tempo distintos (tabela 7): a)A primeira análise foi entre as fases I e II e reflete diretamente quais foram as vendas incrementais obtidas, quando ocorreram as despesas em mídia. b)A segunda considerou um possível efeito carryover das mídias. Como as vendas na fase I e IV não apresentaram diferenças significativas entre suas médias de venda, conforme visto mais acima, a avaliação foi feita levando em Observando-se os resultados acima, vemos o seguinte: a) Em nenhum local os resultados foram interessantes para a empresa se considerarmos o retorno sobre o investimento da fase II sobre a fase I (todos menores do que +1,00) b)Considerando o efeito carryover das mídias, RJ Capital atingiu praticamente o nível ótimo de resultados (+1,00), quando comparado com todas as outras regiões (Brasil-SPC-RJC). A única diferença entre as duas foi a presença da mídia exterior em RJ Capital no período de campanha. SP Cap apresentou os resul- Tabela 7 Análise marginal do R.O.I. Total Brasil SP Cap RJ Cap (Brasil-SPC-RJC) ROI marginal FII/FI 0,55 0,47 0,63 0,59 ROI marginal (FII+FIII)/(FI+FIV) 0,75 0,58 0,99 0,87 36 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 AVALIAÇÃO tados mais insatisfatórios, o que significa que não valeu a pena o investimento adicional em mídia exterior durante a fase III. 5. CONCLUSÃO Apesar de a avaliação e controle (e conseqüente feedback) ser um passo fundamental no processo de desenvolvimento mercadológico, medir a efetividade das campanhas de propaganda é uma tarefa bastante difícil pela própria inserção das mesmas na complexidade do mundo real. Existem inúmeras variáveis estranhas ou intervenientes que são, muitas vezes, sutis ou até desconhecidas, porém com efeitos importantes nos resultados das ações de marketing. Há a própria responsividade das empresas e produtos concorrentes às campanhas da empresa e também existem os choques randômicos que podem afetar não somente a própria campanha, como também a concorrência e até todo o mercado local ou global (PAIVA, 2001). Portanto, apesar de apresentar todas as características de um experimento descritas anteriormente, o caso Topics não foge às regras do mundo real. Desta forma, é sempre bom levar em consideração os problemas de se inferirem relações de causalidade entre as variáveis descritas no caso. Outro ponto importante é o cuidado que se deve tomar referente à extensão em que se podem generalizar os resultados obtidos para a categoria em questão ou para outras categorias de produtos. Por fim, retrospectivamente falando, a ação tomada pela empresa para reverter as vendas declinantes do produto Topics (TV + busdoor) revelou-se uma ação de curto prazo, ou seja, uma ação que provocou um aumento de vendas durante a campanha mas que não alterou o patamar de vendas após a mesma. De uma maneira global, porém, o retorno sobre o investimento foi insatisfatório para esta campanha (o aumento de vendas não compensou as despesas incorridas). Em relação à eficácia da mídia principal (TV), houve uma correlação de moderada a forte entre a DE EFICÁCIA DE UMA CAMPANHA DE PROPAGANDA: UM ESTUDO EMPÍRICO mesma e as vendas obtidas em todas as regiões, o que era, em princípio, esperado pela própria característica da mídia. Quanto à mídia de apoio (busdoor), a conclusão mais provável é que esta por si só não gera aumento de vendas, mas acentua e prolonga os efeitos da mídia principal, provavelmente por sua própria característica de aumentar a exposição repetitiva do produto para o público-alvo. 6. BIBLIOGRAFIA CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. 6a ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. GITMAN, Lawrence J. Princípios de Administração Financeira. 7a ed. São Paulo: Harbra, 2002. LAPPONI, Juan Carlos. Estatística usando Excel. São Paulo: Lapponi Editora, 2000. KOTLER, Phillip. Marketing Management. New Jersey: Prentice-Hall, 2000. MATTAR, Fauze N. Pesquisa de Marketing. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. PAIVA, Wagner Peixoto. A teoria do caos e as organizações. Cadernos de Pesquisa em Administração, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 85-96, abr.-jun. 2001. SAMPAIO, Sebastião A. P.; RIVITTI, Evandro A. Dermatologia. 2a ed. São Paulo: Artes Médicas, 2001. STEVENSON, William J. Estatística Aplicada à Administração. São Paulo, Harbra, 1986. Notas de Final de Texto 1: Por motivos de confidencialidade, alguns dados específicos sobre a empresa e sobre o produto não poderão ser divulgados neste artigo. 2: Nome fictício. 3: Presença de microorganismos, alterações na produção ou qualidade do sebo e produção anormal de células no couro cabeludo. 4: Ação televisiva de venda pessoal feita por um apresentador de programa de auditório 5: Taxa pela qual o efeito de uma despesa de propaganda se desgasta, ou diminui, com a passagem do tempo, Kotler (2000: 592). 37 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 Artigo Um Estudo sobre o Uso da Evidência Física como Forma de Gerar Percepções de Qualidade em Serviços: Casos de Hospitais Brasileiros Carlos Augusto da Silva Loures Professor Assistente da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado FECAP e-mail: [email protected] Marcos Cortez Campomar Diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo FEA/USP Ribeirão Preto e-mail: [email protected] RESUMO O presente artigo tem por objetivo estudar o uso da evidência física como forma de gerar percepções de qualidade de serviços por parte de clientes em prestadores de serviços hospitalares. A natureza exploratória do trabalho está diretamente relacionada à baixa produção acadêmica existente sobre o tema no Brasil. O artigo está dividido em três partes. Na primeira parte faz-se uma revisão da literatura pertinente ao tema em que se abrange: importância dos serviços; serviços de saúde; qualidade de serviços; e evidência física. Na segunda parte apresentamse a metodologia e os resultados de uma pesquisa de campo realizada com o uso do método de estudo de casos para verificar de que maneira os conceitos de evidência física são aplicados por hospitais brasileiros. Na terceira parte conclui-se que, em geral, as ações desenvolvidas pelas organizações pesquisadas são coerentes com as práticas descritas na literatura internacional. Também na terceira parte são apresentadas as limitações do estudo e oferecidas sugestões para futuras pesquisas sobre o tema. PALAVRAS-CHAVE Evidência física, qualidade de serviços, hospitais. ABSTRACT 38 The aim of this paper is to study the use of physical evidence as a way to generate service quality perceptions from clients of hospitals. The realization of an exploratory research is directly related to the low academic production on the subject in Brazil. In the first part of the paper we present a literature review including: the importance of services; health care services; service quality; and physical evidence. In the second part of the paper are presented the methodology and the results of a field research made with the use of the case study method in order to verify how the concept of physical evidence is practiced by Brazilian hospitals. In the third part we conclude that in general the actions developed by the researched organizations are coherent with the practices described in the international literature. Also in the third part we present the limitations Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP of the study and offer suggestions for future researches on the subject. KEY WORDS Physical evidence, service quality, hospitals. 1. INTRODUÇÃO O setor de serviços tem sido um importante tema da literatura de marketing desde a década de 1960. Regan (1963) argumenta que àquela época os Estados Unidos já se encontravam bem avançados numa revolução que poderia trazer aos indivíduos padrões quantitativos e qualitativos inteiramente novos de consumo de serviços. Mais de dez anos separaram o trabalho de Regan (1963) do interesse dos pesquisadores de marketing pelos serviços de saúde especificamente. Segundo Beckham (2001), o marketing passou a tratar mais seriamente os prestadores de serviços de saúde no final da década de 1970, em função do aumento da competição entre hospitais. Thomas (1993) afirma que na metade da década de 1980 o marketing tornou-se essencial para a sobrevivência de prestadores de serviços de saúde norte-americanos. Desde então as pesquisas de marketing em torno dos serviços de saúde avançaram em temas como importância do ambiente físico (HUTTON; RICHARDSON, 1995; MOLLOY, 2000), qualidade (LICATA; MOWEN; CHACRABORTY, 1995; BRYANT et al., 1998), ética (DAVIDSON, 1996; GLASCOFF, 2001) e marca (BECKHAM, 1996, 2000). No Brasil o setor de saúde ainda não tem recebido a devida atenção por parte dos pesquisadores de marketing de serviços, embora haja no país empresas de medicina de grupo que procuram diferenciar suas ofertas por meio de redes de fornecedores de serviços de saúde. Em comparação com os Estados Ano 7 Número 17 Abril 2005 UM ESTUDO SOBRE O USO DA EVIDÊNCIA FÍSICA COMO FORMA DE GERAR PERCEPÇÕES DE QUALIDADE EM SERVIÇOS: CASOS DE HOSPITAIS BRASILEIROS Unidos, por exemplo, chama a atenção também o fato de não haver no país publicações que tratem do uso dos conceitos de marketing em prestadores de serviços de saúde. É possível que a baixa produção acadêmica sobre marketing de serviços no setor de saúde brasileiro seja reflexo daquilo que Robbins, Kane e Sullivan (1988) denominaram infância do marketing em hospitais. Essa baixa produção acadêmica também foi a principal razão que levou os autores a abordarem o tema por meio de uma pesquisa exploratória para a qual estabeleceu-se o seguinte objetivo: estudar o uso da evidência física como forma de gerar percepções de qualidade de serviço por parte de clientes em prestadores de serviços hospitalares. Para que o objetivo definido fosse alcançado, o trabalho foi dividido em três partes. Na primeira fez-se uma revisão da literatura pertinente ao tema. Na segunda fez-se uma pesquisa de campo com uso do método de estudo de casos para que se pudesse comparar a literatura revista com os casos estudados. Na terceira buscou-se extrair as principais conclusões do trabalho, discutir suas limitações e sugerir temas para pesquisas futuras. 2. REVISÃO DA LITERATURA Os serviços alcançaram tamanha importância na economia mundial que se assiste hoje em dia, principalmente em países desenvolvidos, ao estabelecimento de uma economia de serviços ou sociedade de serviços (GRÖNROOS, 1995; BATESON; HOFFMAN, 2001). Dados do Banco Mundial (2002) mostram que em nações como Reino Unido, França e Bélgica a participação do setor de serviços no PIB superava os 70% no ano de 2000. Dados do mesmo Banco Mundial (2002) dão conta de que, mesmo em países em desenvolvimento como México e Argentina, o setor de serviços apresentava participação percentual no PIB de quase 70% no ano de 2000. O Brasil, embora ainda não tenha alcançado situação semelhante à dos países citados, num período de 20 anos (1980-1999) experimentou um aumento da participação do setor de serviços no PIB de cerca de 45% para cerca de 56% (IBGE, 1992, 2000). Essa importância adquirida pelos serviços na economia refletiu-se na área acadêmica: desde a década de 1960 os pesquisadores de marketing passaram a demonstrar grande interesse pelo tema e a desvendar as diferenças existentes entre bens físicos e serviços. Para Berry (1980) serviços podem ser descritos Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP como ações ou desempenhos, enquanto bens físicos podem ser descritos como objetos ou dispositivos físicos. Segundo Kotler (2000) quatro características fundamentais distinguem serviços de bens físicos: intangibilidade, inseparabilidade, variabilidade e perecibilidade. Além das quatro características intrínsecas aos serviços discutidas por autores como Kotler (2000) e Hoffman e Bateson (2003), outras duas citadas por Lovelock e Wright (2001) assumem importância em serviços de saúde: envolvimento do cliente no processo de produção e maior dificuldade de avaliação por parte do cliente. France e Grover (1992) argumentam que serviços de saúde são particularmente mais complexos do que outros tipos de serviços por cinco razões: eles são provavelmente os mais intangíveis de todos os serviços; o descasamento entre as expectativas do cliente e a entrega efetiva pode ser maior para serviços de saúde; a demanda por serviços de saúde é menos previsível; a distinção entre o tomador de decisão e o cliente é mais confusa nos serviços de saúde; e muito freqüentemente o cliente não troca diretamente dinheiro por serviços de saúde. Independente do fato de serem serviços em geral ou serviços de saúde em particular, as características descritas anteriormente apontam para a existência de diferenças entre a avaliação que os consumidores fazem da qualidade de bens físicos e da qualidade de serviços. Nelson (1970) argumenta que bens físicos são ricos em atributos de procura (atributos que podem ser avaliados antes da compra, tais como cheiro, cor, estilo e forma), enquanto serviços são ricos em atributos de experiência (atributos que não podem ser avaliados antes da compra, tais como facilidade de controle e tratamento pessoal). Uma terceira categoria de atributos surgiu no trabalho de Darby e Karni (1973): os chamados atributos de experiência (aqueles que o consumidor muitas vezes não consegue avaliar mesmo após o consumo do serviço). Segundo esses mesmos autores, serviços de saúde são um exemplo dessa terceira categoria de atributos em função de sua complexidade. Esse conjunto de diferenças entre bens físicos e serviços, aliado às descobertas de Nelson (1970) e Darby e Karni (1973), fazem parte da origem dos estudos sobre qualidade de serviços. Grönroos (1984) desenvolveu o primeiro modelo conceitual de qualidade de serviços. Em seguida Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985, 1988) desenvolveram o mais conhecido modelo de qualidade de serviços existente, do qual resultou a identificação de cinco dimenAno 7 Número 17 Abril 2005 39 CARLOS AUGUSTO DA SILVA LOURES / MARCOS CORTEZ CAMPOMAR 40 sões da qualidade de serviços: tangíveis, confiabilidade, presteza, capacitação e empatia. A partir desses modelos é possível chegar a duas conclusões. Primeira: a qualidade de serviços percebida pelo consumidor é resultado da comparação entre serviço percebido e serviço esperado. Segunda: a qualidade de serviços é composta de uma dimensão técnica (o que o cliente recebe) e de uma dimensão funcional (como o cliente recebe). O conceito de evidência física e sua importância para as organizações de serviços estão intimamente relacionados à dimensão funcional da qualidade de serviços. Pode-se definir evidência física como um conjunto de elementos utilizados por uma organização para oferecer a seus clientes pistas sobre a qualidade dos serviços prestados. Em outras palavras, trata-se de mostrar ao cliente o que ele recebe por meio de como ele recebe. Lovelock e Wright (1999) confirmam esse conceito ao ponderarem que a intangibilidade dos serviços torna sua avaliação uma tarefa difícil para os consumidores, levando-os a procurar idéias tangíveis ou evidências físicas de sua natureza. Porter (1989) dá o nome de sinais de valor às indicações utilizadas pelos consumidores para inferir ou julgar se uma organização reduzirá seus custos ou melhorará seu desempenho em relação à concorrência. A evidência física cresce em importância para uma organização à medida que a qualidade dos serviços prestados por ela é mais difícil de ser avaliada pelos clientes. Lynch e Schuler (1990) argumentam que para serviços ricos em atributos de confiança caso dos serviços de saúde muitas vezes a evidência física constitui a única informação disponível para o consumidor usar na formulação de imagens sobre a qualidade de serviços. O exame da literatura (GRÖNROOS, 1978; PORTER, 1989; OSWALD et al., 1998; LOVELOCK; WRIGHT, 1999; KOTLER, 2000) aponta para cinco componentes da evidência física: instalações físicas e equipamentos; recursos humanos; comunicação não pessoal; preço e outros clientes. Na próxima seção descreve-se a metodologia de uma pesquisa de campo realizada para verificar a aplicação de três (instalações físicas e equipamentos; recursos humanos; e comunicação não pessoal) dos cinco elementos da evidência física em hospitais brasileiros. A opção por apenas três elementos devese ao fato de serem esses os mais citados na literatura de marketing de serviços, o que contribui para o aprofundamento da análise dos dados coletados. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP 3. METODOLOGIA DA PESQUISA DE CAMPO Em função do objetivo estabelecido para este trabalho, foi realizada uma pesquisa de campo visando a estudar ações de evidência física realizadas por hospitais privados brasileiros para gerar percepções de qualidade de serviço por parte de seus clientes. Deve-se ressaltar que a pesquisa de campo não teve por objetivo medir a qualidade de serviço percebida pelos clientes. Em outras palavras, buscou-se pesquisar o problema do ponto de vista de quais ações estão sendo realizadas para obter melhor percepção de qualidade, e não o resultado dessas ações. A pesquisa de campo realizada é de natureza exploratória, já que pretendeu buscar familiaridade com o fenômeno em virtude da escassez de trabalhos acadêmicos brasileiros que abordem o tema. Em consulta à literatura (SELLTIZ et al., 1975; CASTRO, 1977; CAMPOMAR, 1991; YIN, 2001) o método de estudo de caso mostrou-se mais adequado para a realização da pesquisa de campo, haja vista a questão de pesquisa, a não exigência de controle sobre eventos comportamentais e a contemporaneidade dos acontecimentos. Definiu-se um projeto de estudo de casos do tipo 3 (YIN, 2001) com três hospitais participantes. As razões básicas para a escolha das organizações foram: evidências públicas (ALMEIDA, 1996; ANAHP1, 2003) de que tais organizações têm real preocupação com a qualidade dos serviços prestados a seus clientes; características básicas similares que permitem chamá-los de hospitais gerais; e o fato de as organizações terem em suas estruturas organizacionais uma gerência de marketing ou uma área que desempenhe atividades típicas de marketing. Para a execução da pesquisa de campo foi seguido um protocolo para estudo de casos. Foram utilizadas duas fontes de evidência na coleta de dados: entrevista focal e observação direta informal. Entrevista focal é uma forma espontânea de entrevista que assume um caráter de conversa informal, porém seguindo um conjunto de perguntas originadas do protocolo para estudo de casos (YIN, 2001). Em geral o respondente é entrevistado por um curto período de tempo (uma hora, por exemplo). Os dados foram coletados nas próprias organizações durante encontro com os profissionais de marketing2 dos hospitais. O método escolhido para a análise dos dados foi o da adequação ao padrão ou pattern-matching (YIN, 2001): fez-se uma comparação das ações de evidência física das organizações pesquisadas com a literatura. Ano 7 Número 17 Abril 2005 UM ESTUDO SOBRE O USO DA EVIDÊNCIA FÍSICA COMO FORMA DE GERAR PERCEPÇÕES DE QUALIDADE EM SERVIÇOS: CASOS DE HOSPITAIS BRASILEIROS A seguir são apresentados os resultados da pesquisa de campo. 4. PRINCIPAIS DESCOBERTAS DA PESQUISA DE CAMPO Como não houve pedido formal às organizações para que seus nomes fossem utilizados neste artigo, optou-se pelo uso das expressões Hospital A, Hospital B e Hospital C. Tal procedimento, no entanto, não prejudica os resultados e as conclusões apresentadas no texto. As organizações pesquisadas apresentam diferença considerável em relação ao tempo em que estão no mercado: o Hospital A iniciou suas atividades em 1927, o Hospital B em 1979 e o Hospital C em 1933. Os dois primeiros desenvolvem suas atividades na cidade de Porto Alegre e o terceiro na cidade do Rio de Janeiro. Os conceitos de qualidade de serviços expressos pelos profissionais de marketing entrevistados incluem tanto o tratamento médico a que os clientes são submetidos quanto o atendimento que lhes é prestado. Essa visão é coincidente com as dimensões técnica e funcional da qualidade de serviços (GRÖNROOS, 1984), com a dificuldade de distinguir entre cura e cuidado (BOPP, 1990) e com as necessidades médicas e psicológicas (JOHN, 1991) dos clientes de serviços de saúde. 4.1 Instalações físicas e equipamentos No quadro 1 são apresentadas as principais ações de evidência física realizadas pelos hospitais pesquisados com relação às instalações físicas e equipamentos. Quadro 1 Ações de evidência física direcionadas às instalações físicas e equipamentos. Ações Manutenção de área externa que seja agradável para os clientes Área de recepção projetada para criar efeitos emocionais específicos ou despertar reações internas nos clientes Os quartos oferecem conforto físico (decoração e limpeza do ambiente, televisão, frigobar, roupa de cama etc) aos clientes internados Espera por atendimento em condições de conforto físico (salas com televisão, jornais, revistas, café e água) Sinalização baseada em cores e/ou placas para facilitar o deslocamento dos clientes dentro e fora do hospital Instalações físicas destinadas a atender os acompanhantes Ações que visam a melhorar o conforto físico e a decoração dos consultórios médicos A área de marketing tem influência sobre a definição dos elementos do cenário de serviços Fonte: os autores. Nas três organizações pesquisadas há preocupação em manter uma área externa que seja agradável para os clientes, incluindo itens como fachada, estacionamento e paisagem externa (LOVELOCK; WRIGHT, 1999). Na área de recepção do Hospital A procura-se transmitir um sentimento de acolhimento. No Hospital B procura-se dar às áreas de recepção um estilo de hotel: o cliente entra, é abordado por um funcionário e encaminhado para o local aonde deseja ir. No Hospital C procura-se não dar à organização uma aparência de hospital. Em qualquer um dos casos o objeRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Hospital A Sim Hospital B Sim Hospital C Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Sim Não tivo é criar efeitos emocionais específicos (KOTLER, 1974) ou despertar reações internas nos clientes (BITNER, 1992). O mesmo ocorre em relação aos quartos em que os clientes ficam internados e em relação às áreas de espera. A sinalização do Hospital A é feita com base num sistema de cores: para cada andar adota-se uma cor. No Hospital B, embora cada um de seus prédios tenha as mesmas cores, faz-se uso de placas que indicam a direção e/ou nome das diferentes áreas. Essas ações tendem a colaborar para reações internas de clientes e funcionários, como humor e conforto (BITNER, Ano 7 Número 17 Abril 2005 41 CARLOS AUGUSTO DA SILVA LOURES / MARCOS CORTEZ CAMPOMAR 1992). No Hospital C, embora também haja uma forma de sinalização por cores, a profissional entrevistada considera seu funcionamento bastante duvidoso, razão pela qual uma mudança deverá ser feita no futuro. Os profissionais entrevistados nos três hospitais expressaram preocupação em prestar bons serviços também aos familiares e amigos dos clientes. Essa preocupação é coerente com os trabalhos de Hair (1998) e de Strasser et al. (1995). Na opinião do primeiro autor os prestadores de serviços de saúde precisam reconhecer o papel que o ambiente físico desempenha não apenas sobre pacientes, médicos e demais funcionários, mas também sobre os acompanhantes. Strasser et al. (1995) realizaram pesquisa de satisfação com grupos de pacientes de hospitais bem como com seus familiares e amigos e descobriram que a qualidade de serviço percebida é mais alta entre pacientes do que entre seus familiares e amigos, haja vista que os últimos dispõem de mais tempo para observar toda infraestrutura de serviços colocada à disposição dos pacientes e, portanto, são mais críticos. Em nenhuma das três organizações pesquisadas há ações de evidência física destinadas aos consultórios médicos. Isso porque no modelo de atendimento predominante os médicos não fazem parte do corpo clínico dos hospitais e, portanto, não há como exercer controle sobre o que esses profissionais fazem do ambiente físico em seus consultórios. Tanto no Hospital A quanto no Hospital B há participação dos profissionais de marketing nas decisões sobre o cenário de serviços, porém com uma diferença de intensidade. No Hospital A o gerente entrevistado é diretamente envolvido nessas decisões, enquanto no Hospital B o envolvimento do gerente entrevistado não é uma regra. Hutton e Richardson (1995) defendem o exercício de um papel-chave para a área de marketing nas decisões sobre o cenário de serviços, ou seja, o mesmo papel desempenhado pelo profissional entrevistado no Hospital A. Por outro lado, no Hospital C a profissional entrevistada não exerce qualquer influência sobre tais decisões e está diante de um problema detectado por Bitner (1990): pouca coordenação entre áreas funcionais no gerenciamento de evidências tangíveis, com gerentes de operação ou designers tomando decisões sobre o cenário de serviços sem participação dos administradores de marketing. 4.2 Recursos humanos No quadro 2 são apresentadas as principais ações de evidência física adotadas pelos hospitais pesquisados com relação aos recursos humanos. Quadro 2 Ações de evidência física direcionadas aos recursos humanos. Ações A área de marketing indica à área de recursos humanos necessidades de treinamento Ações de treinamento voltadas especificamente para o corpo de enfermagem Seleção de recursos humanos leva em consideração tanto aspectos técnicos quanto aspectos humanos Funcionários têm autonomia para prestar serviço A área de marketing tem influência sobre a contratação e/ou definição do perfil dos recursos humanos Fonte: os autores. 42 No Hospital A o profissional entrevistado indica à área de recursos humanos as necessidades de treinamento detectadas por meio das pesquisas de satisfação de clientes. Tal prática tende a ressaltar habilidades dos funcionários de contato fundamentais para a qualidade de serviço, tais como cortesia e disposição para ajudar (BITRAN; HOECH, 1990). No Hospital B a gerência de marketing define a matriz de desenvolvimento3 dos funcionários de recepção Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Hospital A Sim Hospital B Sim Hospital C Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Não e atendimento. No Hospital C a entrevistada não indica necessidades de treinamento à área de recursos humanos: esse papel é destinado ao gerente operacional em conjunto com a gerente de recursos humanos. Apesar de sua importância em números mais de 60% dos funcionários do Hospital A, mais de 50% dos funcionários do Hospital B e mais de 30% dos funcionários do Hospital C o corpo de enfermaAno 7 Número 17 Abril 2005 UM ESTUDO SOBRE O USO DA EVIDÊNCIA FÍSICA COMO FORMA DE GERAR PERCEPÇÕES DE QUALIDADE EM SERVIÇOS: CASOS DE HOSPITAIS BRASILEIROS gem não tem sido alvo de ações de marketing relevantes nas organizações pesquisadas. Essa ausência de ações de marketing relevantes não é condizente com as recomendações de autores como Woodside, Frey e Daly (1989), Carman (1990) e John (1991), para os quais o corpo de enfermagem exerce forte influência sobre a qualidade de serviço percebida pelos clientes de hospitais. Nas três organizações pesquisadas o processo de seleção de recursos humanos leva em consideração habilidades técnicas e humanas. Tal prática reforça a afirmação de Joseph (1996), para quem um dos fatores de sucesso do marketing interno está em recrutar e selecionar indivíduos que tenham habilidades desejadas pela organização, principalmente em funções de contato. O foco da seleção de recursos humanos em habilidades clínicas e de serviço ao cliente também indica uma maior orientação para o cliente (FORD; FOTTLER, 2000). No Hospital A os limites de atuação técnica são definidos pelo cargo ocupado por cada indivíduo. Entretanto, a autonomia de qualquer funcionário para prestar serviço aos clientes é definida pelos valores da organização. Isso aproxima o Hospital A daquilo que Bitran e Hoech (1990) denominaram objetivo crítico de uma organização de serviços de alto contato: a criação de um ambiente de trabalho em que os funcionários sejam encorajados a prestar serviços de alta qualidade e em que sua satisfação profissional seja preocupação primordial dos administradores. No Hospital B a autonomia para prestar serviço aos clientes é função do estilo do gestor a quem o funcionário está subordinado e do bom senso, o que constitui uma desvantagem se comparado ao Hospital A, haja vista que falta uma orientação clara. No Hospital C em princípio não há autonomia para os funcionários prestarem serviço além de suas funções básicas. A diferença mais significativa entre as organizações pesquisadas em relação às ações de evidência física direcionadas aos recursos humanos está na participação em decisões de contratação e/ou definição de perfil dos recursos humanos. À época da entrevista, o profissional de marketing do Hospital A estava elaborando, em parceria com a área de recursos humanos, o novo perfil desejado para os funcionários de atendimento. No Hospital B o profissional de marketing tem influência apenas na elaboração dos perfis desejados para cargos sob sua supervisão, porém com uma vantagem: os funcionários de recepção e atendimento estão subordinados a ele. No Hospital C a profissional de marketing não exerce qualquer influência sobre decisões de recursos humanos. Para Bitner (1990) a falta de coordenação entre áreas funcionais permite o surgimento de situações como aquela vivida pelo Hospital C: decisões sobre contratação e treinamento de funcionários são tomadas sem a participação dos administradores de marketing. 4.3 Comunicação não pessoal A análise dos principais modelos de qualidade de serviços (GRÖNROOS, 1984; PARASURAMAN; ZEITHAML; BERRY, 1985) deixa claro o importante papel que a comunicação não pessoal desempenha sobre a formação da imagem do serviço esperado por parte dos clientes e, conseqüentemente, sobre a qualidade de serviço percebida. No quadro 3 são apresentadas as principais ações de evidência física adotadas pelos hospitais pesquisados com relação à comunicação não pessoal. Em sua comunicação não pessoal, as três organizações pesquisadas fazem uso de algumas das principais mídias citadas por renomados autores como Kotler (2000) e Churchill e Peter (2000): jornais, rádios, revistas, outdoors e internet. No Hospital B a televisão já foi utilizada como mídia, porém o gerente considera sua relação custo/benefício muito ruim para a área hospitalar. Quadro 3 Ações de evidência física direcionadas à comunicação não pessoal. Ações Uso das principais mídias (jornais, revistas, folhetos, rádios, outdoors e internet) na comunicação não pessoal Propaganda Relações públicas Materiais de comunicação não pessoal disponíveis na organização Uso da comunicação não pessoal para gerenciar expectativas Fonte: os autores. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Hospital A Sim Hospital B Sim Hospital C Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Não Não 43 Ano 7 Número 17 Abril 2005 CARLOS AUGUSTO DA SILVA LOURES / MARCOS CORTEZ CAMPOMAR 44 A propaganda é utilizada como ferramenta de comunicação não pessoal pelo Hospital A e pelo Hospital B. No Hospital A o principal objetivo da propaganda está na prevenção e promoção à saúde: deseja-se que o público fixe uma imagem de preocupação com a saúde, e não com a doença. Já no Hospital B o principal objetivo da propaganda é a venda de serviços da organização. Embora já tenha feito uso da propaganda no passado, à época da pesquisa de campo o Hospital C não a utilizava como ferramenta de comunicação não pessoal. A entrevistada considera que o médico um canal de comunicação pessoal é o melhor canal de comunicação para a organização. As relações públicas certamente são o principal elemento do composto de comunicação utilizado pelas organizações pesquisadas. No Hospital A o objetivo é o mesmo da propaganda: prevenção e promoção à saúde. A organização procura obter publicidade favorável por meio do patrocínio e/ou participação em eventos da área médica e de datas comemorativas da área de saúde. No Hospital B a publicidade favorável também vem do patrocínio e/ou participação em eventos da área médica, bem como da divulgação à comunidade em geral da aquisição de novos equipamentos e tecnologias, do projeto de saúde comunitária levado a cabo pelo hospital e da adoção de duas praças na cidade de Porto Alegre. O Hospital C usa instrumentos de relações públicas similares àqueles das outras organizações pesquisadas, porém duas diferenças merecem destaque em função do seu potencial de gerar inserções gratuitas na mídia: o fato de haver no hospital um centro de estudos e pesquisas para difusão de conhecimento da área de saúde; e as freqüentes internações de artistas da Rede Globo de Televisão, o que normalmente desperta o interesse de jornais, revistas, sites e canais de televisão em todo o país. Os três hospitais normalmente colocam à disposição de seus clientes materiais de comunicação em forma de folhetos informativos e educativos. Esses materiais contribuem para objetivos promocionais e educacionais de comunicação em organizações de serviços como aqueles discutidos por Lovelock e Wright (1999): redução da incerteza e do risco por meio de informações e instruções úteis. Entre as organizações pesquisadas, o Hospital A é o único que tem ações destinadas a gerenciar as expectativas dos clientes. De acordo com o gerente entrevistado, para proporcionar o bem-estar definido no posicionamento da organização é preciso ter muito cuidado com os focos de mal-estar. Para John Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP (1992) os hospitais devem promover seus pontos fortes sobre um nível de serviço que possa ser realisticamente prestado e informar os clientes dos tipos de serviços que podem ser esperados. Com suas ações, o Hospital A não apenas segue a recomendação de John (1992) como procura dar resposta às falhas do serviço uma das fontes de satisfação ou insatisfação relatadas por Bitner, Booms e Tetreault (1990) e por Bitner, Booms e Mohr (1994). 5. CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de estudar o uso da evidência física como forma de gerar percepções de qualidade de serviços por parte de clientes em prestadores de serviços hospitalares. Em função do caráter exploratório do trabalho, acreditase que a revisão da literatura e a realização da pesquisa de campo tenham sido suficientes para alcançar o objetivo estabelecido. Duas conclusões principais podem ser extraídas da pesquisa de campo. Primeira: apesar das diferenças entre as práticas dos hospitais pesquisados, em geral há coerência entre as ações de evidência física descritas pelos entrevistados e a literatura revista. A única exceção refere-se às ações de marketing voltadas ao corpo de enfermagem dos hospitais. Segunda: o Hospital A encontra-se mais bem preparado do que os Hospitais B e C para implantar ações de evidência física direcionadas às instalações físicas, aos recursos humanos e à comunicação não pessoal. Isso devido ao grau de participação do entrevistado na definição dos elementos do cenário de serviços, na contratação e definição do perfil dos recursos humanos da organização e ao apoio dado pela alta administração do Hospital A ao profissional de marketing entrevistado. Devem-se registrar duas limitações do trabalho. Primeira: dada a escassez de pesquisas brasileiras sobre o tema, praticamente toda a literatura utilizada é internacional, com grande destaque para autores norte-americanos. Segunda: o método de estudo de casos não permite a generalização dos resultados para o universo de hospitais privados brasileiros. Em princípio as descobertas são aplicáveis somente às três organizações pesquisadas. A partir deste trabalho podem ser apontadas quatro possibilidades de desenvolvimentos futuros: realizar pesquisa de campo com outros hospitais brasileiros visando a verificar semelhança nos resultados, Ano 7 Número 17 Abril 2005 UM ESTUDO SOBRE O USO DA EVIDÊNCIA FÍSICA COMO FORMA DE GERAR PERCEPÇÕES DE QUALIDADE EM SERVIÇOS: CASOS DE HOSPITAIS BRASILEIROS ou seja, se há replicação literal; realizar estudos de caso comparativos entre hospitais brasileiros e de outros países para verificar semelhanças e/ou diferenças entre as ações de evidência física; realizar estudos com uma amostra de hospitais privados brasileiros visando a verificar com que freqüência ocorrem as ações voltadas à evidência física; e realizar pesquisa de campo com uma amostra de clientes das organizações pesquisadas para verificar se as ações descritas no trabalho têm produzido os efeitos desejados sobre a qualidade de serviço percebida. REFERÊNCIAS ALMEIDA, G. Os melhores hospitais. 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Notas ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados): organização que reúne os melhores hospitais privados brasileiros. Os três hospitais participantes da pesquisa de campo são membros dessa organização. 2 Optou-se pelo uso da expressão genérica profissionais de marketing devido às diferentes nomenclaturas de cargo adotadas pelas organizações. No hospital #1 o nome utilizado é Gerente de Relações com o Cliente, no hospital #2 o nome utilizado é Gerente de Marketing e no hospital #3 o nome utilizado é Assistente de Marketing. 3 Matriz de desenvolvimento: conjunto de treinamentos a que um funcionário deve ser submetido em função do papel que desempenha no hospital #2. 1 46 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 Artigo Contributo para a Revisão da Literatura sobre Produtividade no Âmbito da Economia Empresarial Leonor Fernandes Ferreira Professora de Contabilidade aos cursos de licenciatura e de mestrado em Gestão (MBA) na faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e de Gestão Financeira na Universidade Lusíada de Lisboa [[email protected]] Miguel Matos Torres Formador e Consultor nas áreas de Contabilidade e Gestão Licenciado em Economia e Mestre em Gestão de Empresas (Universidade do Algarve Faculdade de Economia) [[email protected]] RESUMO Com o propósito de contribuir para a compreensão do conceito de produtividade empresarial e da utilidade da sua gestão, procede-se a uma revisão da literatura sobre produtividade economia empresarial, com especial ênfase na evolução do conceito deste indicador e nos moldes adoptados na sua medida. Excluem-se da análise outras perspectivas comuns no tratamento do tema, como seja a óptica da engenharia. A observação de características comuns entre os estudos analisados permitiu arrumá-los em três grupos, que, serviram de base à estrutura adoptada nesta investigação. Assim, o estudo divide-se em cinco secções. Depois da Introdução, a Secção 2, analisa estudos sobre produtividade empresarial publicados até ao início dos anos 80 do século passado, fase em que se procura clarificar o conceito de produtividade empresarial e a que, por isso, se atribui a denominação de fase do dever ser da produtividade. Na Secção 3 comentam-se estudos elaborados nas duas décadas seguintes, que, vocacionados para a gestão da produtividade, tentam estabelecer formas alternativas de cálculo e medição da produtividade empresarial. Na Secção 4 faz-se referência a estudos empíricos que dão a conhecer a produtividade de factum. Em geral, estes estudos mais recentes são desenvolvidos por equipas de investigadores pertencentes a diferentes centros ou países e tratam grandes volumes de dados, recorrendo a modernos recursos informáticos e a métodos estatísticos que permitem testar os resultados obtidos. Termina-se, na Secção 5, com conclusões breves acerca de aspectos observados na evolução da literatura sobre produtividade empresarial, observando-se ter havido uma mudança na perspectiva adoptada nos estudos sobre produtividade empresarial. PALAVRAS-CHAVE Produtividade empresarial; Factor de produção; Eficiência; Empresa; Revisão de literatura. ABSTRACT This paper discusses the concept of productivity of the firm and its evolution, as well as the techniques that may be used to manage and measure it. The three-fold Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP structure adopted in the literature review relates to the chronological order of publication and is based upon common characteristics identified in past research. Section 2 includes studies on productivity published untill the eighties of the last century and concerns to normativedeductive research. Section 3 discusses some studies dating from the following two decades and refers to how to manage and measure the productivity of the firm. Section 4 reviews positive (empirical) productivity research, which relates to recent published papers. These studies are usually authored by researchers teams from various centers or countries and analyze large amounts of data, making use of databases, computers and statistics, thus, giving some insight on de factum productivity of the firm. The contribution of this research is summarized in Section 5. We conclude that there has been a shift in the research focus: external, normative and descriptive studies substitutes internal, managerial and positive research on the productivity of the firm. KEY WORDS Productivity; Factor of production; Efficiency; Firm; Literature review. 1. INTRODUÇÃO Vários autores, ao longo dos dois últimos séculos, procuraram clarificar o conceito e definiram a produtividade empresarial como uma relação entre outputs e inputs (Tangen, 2002), ou seja, uma relação entre o volume de produção e o volume dos factores utilizados nessa produção. A produtividade tem sido considerada uma medida de eficiência das empresas. Nessa linha, argumenta-se que a produtividade, a par da rendibilidade ou da qualidade, permite ao gestores avaliar se estão caminhando adequadamente em direcção à excelência empresarial. Assim se compreende as numerosas tentativas de precisar o conceito de produtividade empresarial, recortando-lhe os contornos, distinguindo-o de outras figuras e procurando enconAno 7 Número 17 Abril 2005 47 LEONOR FERNANDES FERREIRA / MIGUEL MATOS TORRES trar instrumentos que possibilitem proceder à sua medida e gestão. Este estudo divide-se em cinco secções. Depois da introdução, procede-se à revisão dos estudos sobre a produtividade empresarial, com especial ênfase na evolução do conceito e nos instrumentos de medida, arrumando-os em três fases, que correspondem às secções 2, 3 e 4 deste trabalho. Na secção 2 referem-se os trabalhos publicados até ao início dos anos 80 do século passado, que correspondem ao que se classifica de fase do dever ser da produtividade empresarial. Na secção 3 analisam-se os estudos elaborados nas duas últimas décadas do século XX, essencialmente vocacionados para a gestão da produtividade empresarial. Na secção 4 comentam-se os estudos mais recentes, onde investigadores de vários centros tratam largos volumes de informação, dando a conhecer aspectos de factum da produtividade empresarial. Na secção 5, conclui-se sobre a evolução observada na literatura sobre produtividade empresarial e apontam-se possíveis tendências de evolução futura. 2. FASE NORMATIVA: EM BUSCA DA DEFINIÇÃO DE O QUE DEVE SER A PRODUTIVIDADE O interesse pela temática da produtividade empresarial não é recente. Já na Grécia Antiga se observam referências à produtividade, aos níveis macroeconó- micas e microeconómico. Nos estudos macroeconómicos, a preocupação centrava-se então em saber se numa determinada economia os comportamentos seriam económicos e racionais, de modo a poderem considerar-se eficientes. Nos trabalhos de âmbito microeconómico, o objectivo era aferir se uma empresa, ou um conjunto de empresas, obteria a sua produção baseando-se em comportamentos económicos e racionais, que proporcionassem aumentos de eficiência, quantificados através de várias medidas. Sumanth (1998) e Tangen (2002) coincidem ao indicar que o termo produtividade foi mencionado, pela primeira vez, no século XVIII por Quesnay. O médico francês tê-lo-ia utilizado num artigo datado de 1766 e intitulado: Intérêt de largent1. No século XIX, em 1883, outro autor francês, Littre, define a produtividade como a faculdade para produzir. Já no século XX, entre as décadas de quarenta e oitenta, foram publicados numerosos estudos sobre produtividade que apresentavam uma característica comum: procuram clarificar o conceito de produtividade empresarial e para ele propõem definições. O Quadro 1 sistematiza alguns autores cujos trabalhos são representativos desta fase do dever ser da produtividade. De entre eles, salientam-se os estudos de Bredt (1943), Pauwels (1947), Gutenberg (1961), Pirla (1964) e Schneider (1968) e, em Portugal, os realizados por Vidal (1961) e por Sarmento (1969), cujo contributo se divulga a seguir. Quadro 1 Autores Ilustrativos da Fase do Dever Ser da Produtividade. Quesnay (1976) Littre (1983) Prion (1925) Schmallenbach (1930) Schlatter (1939) Weigmann (1941) Fisher (1939) Bredt (1943) Pauwels (1947) Gutemberg (1961) Vidal (1961) Pirla (1964) Schneider (1968) Sarmento (1969) 48 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 CONTRIBUTO PARA A REVISÃO DA LITERATURA SOBRE PRODUTIVIDADE NO ÂMBITO DA ECONOMIA EMPRESARIAL Bredt (1943), citado por Gutenberg (1961), define a produtividade como sendo a totalidade de bens ou serviços que uma unidade produtiva fabrica por unidade de tempo correspondente ao período da sua utilização, de acordo com um determinado esforço e segundo uma celeridade de trabalho. Das definições propostas por Bredt (1943) para os conceitos de produção, produtividade, capacidade de produção e ocupação, deduz-se que ser importante para a doutrina dos custos fixos saber qual destas grandezas deve ser escolhida como variável independente, ou seja, qual a variável que explica as outras variáveis. Segundo Pauwels (1947), a produtividade deve ser medida em termos absolutos e basear-se no princípio do mínimo esforço, o que quer dizer que, para obter um determinado resultado não deverá efectuar-se esforço superior ao mínimo necessário e tudo o que estiver acima desse mínimo considerar-se-á desperdício. Na relação entre o esforço realizado e o resultado obtido, Pauwels identifica dois tipos de produtividade: a produtividade técnica e a produtividade económica. A primeira visa a obtenção da quantidade máxima de produção com um mínimo de recursos, sendo uma manifestação interna da empresa. Quanto à produtividade económica, o autor belga, ao analisar a produtividade no âmbito da exploração, assemelha-a ao resultado de exploração total, sendo condição sine qua non a existência de mais-valias, que designa por benefícios de exploração. A Organização para a Cooperação Económica Europeia (1950) apresenta uma definição de produtividade que salienta a existência de várias produtividades, consoante o factor de produção escolhido: productivity is the quotient obtained by dividing output by one of the factors of production. In this way it is possible to speak of the productivity of capital, investment, or raw materials, according to whether output is being considered in relation to capital, investment or raw materials, etc.2 Gutenberg (1961), professor alemão, para poder tratar as procuras de factores em função do preço, concebe a produtividade baseando-se nos estudos neoclássicos de Walras, designadamente na lei da igualação das produtividades marginais dos factores de produção ao respectivo preço. Gutenberg admite que a produtividade se pode medir, a partir da relação entre aumento de rendimento e variação da quantidade de factores de produção empregues ou seja, admite trade-off entre factores. Gutenberg define e calcula a produtividade marginal de um factor como Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP variação na produção resultante da utilização de uma unidade adicional de factor produtivo, caeteris paribus. Contudo, para defender que uma empresa aumenta o emprego de um factor até ao ponto em que a produtividade marginal do mesmo se torna igual ao preço, é necessário supor uma variação nesse factor situada num intervalo de valores em que as produtividades marginais são crescentes, senão o empresário deixará de adicionar factores à produção. Pirla (1964) define produtividade como o rácio entre produção obtida e recursos utilizados para alcançar essa produção, isto é, a produtividade é a relação entre a quantidade ou valor da produção e a quantidade ou valor dos factores utilizados. O autor de nacionalidade espanhola analisa a produtividade de um factor considerando as unidades técnicas empregues do mesmo e dá primazia à produtividade do trabalho, porque considera que este factor serve de medida aos restantes. Segundo Pirla os factores que intervêm no aumento de produtividade são uma das preocupações de políticos, sociólogos e economistas da sua época e, por essa razão elabora a seguinte lista dos factores que mais influenciam o aumento da produtividade: l l l l l l l l A dimensão das empresas; A amplitude do mercado sobre o qual opera a empresa; O volume de capital empregue por trabalhador; A adequada organização da empresa; A efectiva cooperação dos trabalhadores com o empregador; As dificuldades administrativas no exercício da actividade económica; O regime fiscal; O regime laboral. Aumentar a produtividade requer a consideração de todos estes factores, e significa, para Pirla, obter uma maior quantidade de produtos com um dado consumo de recursos ou factores produtivos, ou então, obter a mesma quantidade de produção com menores custos, podendo ainda o aumento da produtividade passar pela melhoria da qualidade do produto obtido. Ainda segundo Pirla, o aumento de produtividade depende do grau de capitalização das empresas, nomeadamente das ferramentas e maquinaria utilizadas, do desenho dos produtos, da qualidade das matérias-primas e da eficiência do trabalho humano: quanto maior o grau de capitalização tanto maior a possibilidade de se observar aumentos de produtividade. A existência de problemas de capitalização interna nas empresas atribui-se às variáveis que a empresa não controla, tais como Ano 7 Número 17 Abril 2005 49 LEONOR FERNANDES FERREIRA / MIGUEL MATOS TORRES o regime laboral e o regime fiscal. Comenta-se que estas ideias não perderam actualidade. Schneider (1968), autor alemão, apresenta uma revisão da literatura sobre eficiência empresarial, onde surgem referências à produtividade, mas apenas cita trabalhos de influência germânica, designadamente Prion (1925), Schmalenbach (1930), Fischer et al. (1939), Schlatter (1939), Weigmann (1941) e Bredt (1943). Um contributo de Schneider está na distinção entre os custos fixos e os custos variáveis, permitindo tratar respectivamente a produtividade global, a produtividade específica e a produtividade marginal. Schneider (1968) acolhe a produtividade como ocupação, ou grau de ocupação, dos factores produtivos. Anteriormente, Prion (1925) referira-se ao grau de ocupação como a quantidade de produto fabricado e vendida enquanto Schmalenbach (1930) o definira como a quantidade de produtos fabricados num dado período de tempo. Segundo Schlatter (1939), os conceitos de actividade e ocupação correspondem ao tempo empregue por unidade de trabalho ou secção. Já Fischer et al. (1939) consideram que o grau de ocupação é um conceito demasiado genérico e que se distancia do de produtividade. Schneider adopta as definições de Bredt (1943), ou seja, atribui importância à distinção entre produção, ocupação e produtividade: l l l 50 A produção é a totalidade de bens que uma determinada unidade produz durante um dado período de tempo; A ocupação é o estado de actividade de uma empresa, devido à execução de tarefas e serviços requeridos, tomando como medida o tempo necessário para concretizar a execução; A produtividade é a totalidade de bens ou serviços que uma unidade produtiva fabrica numa unidade de tempo correspondente ao período da sua utilização, de acordo com um determinado esforço e uma dada celeridade do trabalho. Em Portugal, merecem destaque os estudos sobre a produtividade empresarial de Vidal (1961) e Sarmento (1969). Este representa a escola do Porto, enquanto aquele se encontra ligado à escola de Lisboa. De acordo com Vidal (1961), a empresa é eficiente quando atinge um objectivo. Procurando traduzir a relação entre produção obtida num certo período de tempo, e um dos factores produtivos, no mesmo período de tempo, para obter aquela produção, Vidal propõe uma classificação de produtividade onde é Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP visível a ligação conceptual a Schneider: produtividade global e produtividade específica. Sarmento (1969) considera a eficiência como força ou virtude produtiva de um efeito útil e como a consecução de um objectivo prefixado. Uma empresa eficiente é aquela que, atendendo à conjuntura, labora sob o princípio da racionalidade e satisfatoriamente sob todos os aspectos. Sarmento refere que a produtividade influencia a economicidade e que esta, por sua vez, estimula a rendibilidade e condiciona a sociabilidade. Reconhecendo a existência de vários sintomas de eficiência, o autor salienta a boa qualidade dos produtos, os custos de produção reduzidos, os preços de venda competitivos, os resultados líquidos positivos, a fácil obtenção de crédito, a adaptabilidade aos gostos e conveniências do público, respeito pela lei e a existência de boas relações humanas. Para Sarmento, contrariamente a Vidal, a eficiência nem sempre deve ser vista em termos globais, podendo havendo também lugar a juízos relativos a determinado sector ou, no caso da empresa, a um aspecto particular. Subjacente, estão os conceitos de eficiência total e eficiência parcial. Com efeito, para avaliar se uma empresa, ou uma economia, é eficiente, Sarmento (1969) considera a existência de três tipos de medidas: de produtividade, de rendibilidade e de economicidade. Esta sistematização viria a ser seguida por outros autores portugueses. Para Sarmento (1969) produtividade significa fecundidade, fertilidade, aptidão para produzir ou qualidade do que é produtivo e pode analisar-se de um ponto de vista económico ou de um ponto de vista técnico, secundando a concepção de Prion (1925). Concluise que o problema da produtividade está no racional aproveitamento ou combinação dos recursos ou forças produtivas, consistindo na realização do princípio do mínimo meio. Sarmento (1969) refere-se ainda à produtividade física marginal, na linha da escola neoclássica, definindo-a como o incremento sofrido pela produção em virtude do emprego de uma nova unidade ou dose de factores variáveis. Vista a empresa como um conjunto de bens e de pessoas, ocorre-lhe medir estas dimensões atendendo simultaneamente ao capital total utilizado (índice real) e ao número de agentes que nela colaboram (índice pessoal). Esta sistematização veio a ser retomada por outros autores que, na década de 90 do século passado, retomam a temática da produtividade, tais como Mendes (1994) e Rebelo (1992). Entretanto, nos anos 70 do século passado, a temática da produtividade parece ter sido esquecida, o que pode atribuir-se ao facto de na época se procurar Ano 7 Número 17 Abril 2005 CONTRIBUTO PARA A REVISÃO DA LITERATURA SOBRE PRODUTIVIDADE NO ÂMBITO DA ECONOMIA EMPRESARIAL explicar a eficiência recorrendo a outras medidas. Assim, por essa altura, as referências a publicações específicas sobre o tema da produtividade são escassas, mas encontram-se trabalhos sobre matérias relacionadas, do que são exemplo Fama (1970), Depallens (1977), Fulmer (1978) e Barata (1981). 3. FASE METODOLÓGICA: COMO MEDIR E GERIR A PRODUTIVIDADE Após um período de aparentemente menor interesse, durante a década de oitenta do século passado a temática da produtividade torna-se de novo objecto de análise de investigadores, mas observa-se alteração na óptica e no desenvolvimento do tema. Os trabalhos sobre produtividade empresarial deixam de confinar-se a meros capítulos em obras dedicadas a outros temas e, em vez disso, aparecem então livros inteiros a analisar a específica e exclusivamente a produtividade e o modo de a gerir. A perspectiva de análise externa cede lugar à perspectiva de gestão interna da empresa. Nesta fase, que abarca estudos apresentados durante as duas últimas décadas do século XX, destacam-se os trabalhos de Miller (1984), Sumanth (1985), Ferreira (1985), Prokopenko (1987), Misterek et al. (1992), Rebelo (1992), Forrester (1993), Koss e Lewis (1993) e Cummins et al. (1996). A título ilustrativo, e por se considerarem representativos do tipo de investigação dessa fase e da sua época, salientam-se especialmente os estudos de Sumanth (1985) e de Prokopenko (1987) e, no universo português, os escritos de Ferreira (1985). Sumanth (1985) distingue os conceitos de produtividade, produção e eficiência. Segundo o autor eficiência é a relação existente entre o output realizado e o output previsto e eficácia é o grau em que os objectivos foram alcançados. A produtividade requer eficiência e eficácia. Sumanth considera a produtividade como um indicador de eficiência do funcionamento de determinado sistema e adopta as perspectivas macros e microeconómica. Sumanth afirma que productivity is concerned with the efficient utilization of resources in producing goods and/or services. Em termos macroeconómicos, Sumanth considera que a taxa de crescimento da produtividade influencia o nível de vida, a inflação, a taxa de desemprego e, em geral, o bem-estar económico. Salienta ainda que a qualidade e a produtividade, em conjunto, contribuem para o desenvolvimento das nações. Ao nível microeconómico, Sumanth refere que uma empresa com produtividade superior à média das Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP empresas do sector tem possibilidade de obter margens de lucro mais elevadas. Por outro lado, se a produtividade de uma empresa crescer mais rapidamente do que a produtividade das empresas concorrentes, as suas margens tenderão a crescer ainda mais. Supõe-se que Sumanth queira por um lado, aludir à fronteira de possibilidades de produção da empresa, de modo que conseguindo-se melhor interligação entre os bens de investimento, essa fronteira possa deslocar-se para fora (alargada), e, por outro lado, relacionar a produtividade com as economias de escala, fazendo surgir o debate do curto prazo versus o longo prazo. Observase que os autores referidos anteriormente nesta investigação não levantaram a questão dos efeitos acumulados da produtividade em vários períodos, limitando-se alguns a mencionar as produtividades marginais. Por seu lado, Prokopenko (1987) entende a produtividade como a relação entre o output gerado por uma produção, ou sistema de serviços, e o input necessário à criação do daquele. O autor entende que a própria análise da produtividade contribui para gerar aumentos de produtividade. Para isso, divide a produtividade o mais possível, de forma a que seja possível controlar os vários níveis. Prokopenko identifica as causas de melhoria da produtividade com base num modelo integrado desenvolvido por Mukherjee e Singh (1975), onde os factores determinantes da produtividade aparecem sistematizados em dois grupos factores internos e factores externos conforme se apresenta no Quadro 2. Em Portugal, Ferreira (1985) contribui para a sistematização dos conceitos e dos modos de os tornar operacionais, quando indica que no estudo das empresas existem duas medidas de eficiência tradicionais: a produtividade e a rendibilidade. O autor propõe ainda a utilização de uma outra medida: a economicidade. Salienta que as três medidas podem ser usados em diferentes aspectos empresariais, designadamente: l l l Aspectos técnicos da produção, onde se procuram combinações óptimas, com economias de meios produtivos medidas de produtividade; Aspectos económicos da empresa, onde se procuram produções óptimas, capazes de assegurar os melhores resultados medidas de rendibilidade; Aspectos técnicos e económicos da empresa, onde se procuram acções racionalizadas e planedas, no sentido de atingir níveis prefixados medidas de economicidade. Ferreira considera ainda que as medidas de produtividade põem em evidência alterações na produção Ano 7 Número 17 Abril 2005 51 LEONOR FERNANDES FERREIRA / MIGUEL MATOS TORRES Quadro 2 Modelo Integrado de Factores Determinantes da Produtividade. Elementos Materiais (hard) FACTORES INTERNOS Elementos Imateriais (soft) Ajustamentos Estruturais FACTORES EXTERNOS Recursos Naturais Governo e Infra-estruturas – Produtos. – Edificios e equipamentos. – Tecnologia. – Materiais e energia. – Pessoal. – Organização e sistemas. – Métodos de trabalho. – Estilos de gestão. – Económico. – Demográfico. – Social. – Trabalho. – Terra. – Energia. – Matérias-primas. – Mecanismos institucionais. – Política e estratégia. – Infra-estruturas. – Instituições públicas. Fonte: Adaptado de Prokopenko (1998). com base no princípio do mínimo meio. Em função dos factores de produção (v.g., capital e trabalho), distingue produtividade global e produtividade específica, nos seguintes termos: l l 52 A produtividade global calcula-se a partir do quociente entre o total da produção e o total dos factores de produção utilizados; A produtividade específica, determina-se a partir do quociente entre o total da produção e o total de um factor especificamente utilizado. Observa ainda Ferreira que, como os factores de produção se exprimem em unidades físicas heterogéneas, horas de trabalho de pessoal ou de máquinas, hectares de terreno, entre outros, a produtividade deve exprimir-se em unidades monetárias. As medidas de rendibilidade, por sua vez mostram um grau, uma percentagem do resultado em relação a determinado elemento tomado como base de apreciação (por exemplo, um capital ou um volume de negócios). E as medidas de economicidade servem para ajuizar das vantagens económicas conseguidas com a racional utilização e combinação dos factores produtivos, permitindo evidenciar, por exemplo, se o trabalho, a produção, a venda, ou outras actividades, se realizaram em condições económicas. Uma vez definido o conceito e compreendida a utilidade de gerir a produtividade empresarial, as Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP investigações mais recentes evidenciam sinais de mudança: surgem estudos empíricos que dão conta do que é, ou tem sido, essa produtividade. 4. FASE EMPÍRICA: ESTUDOS SOBRE O QUE SÃO A PRODUTIVIDADE EMPRESARIAL As investigações mais recentes sobre produtividade empresarial tratam enormes volumes de informação recolhidos em bases de dados, utilizam ferramentas proporcionadas pela evolução da tecnologia informática, aplicam métodos e técnicas estatísticas, elaboram análises comparativas de produtividade, envolvendo várias empresas de um ou mais países e sectores de actividades. Os trabalhos de Hannula e Suomala (1998), Lopes (1998), Jackson et al. (1998), Kinnander e Gröndal (1999), Canhoto (1999), Marinho e Ataliba (2000), Paul (2000), Lovell (2001), Fernández et al. (2002) e Mehdi e Massimo (2003), Han et al. (2003) e Silva et al. (2003) são representativos desta fase de investigação. Os resultados destes estudos dão a conhecer o que é de factum a produtividade das empresas. Trata-se de trabalhos realizados, em geral, por equipas de investigação que utilizam dados da produtividade empresarial, de certos sectores de actividade ou relativos a vários países em simultâneo. O Quadro 3 apresenta um resumo dos desenhos de investigação e dos resultados de dois estudos acima refeAno 7 Número 17 Abril 2005 CONTRIBUTO PARA A REVISÃO DA LITERATURA SOBRE PRODUTIVIDADE NO ÂMBITO DA ECONOMIA EMPRESARIAL Quadro 3 Exemplos de Estudos Comparativos sobre Produtividade Envolvendo Vários Autores. AUTORES P. JACKSON, M, FETHI, e G. Inal G. HAN, K. KALIRAJAN E N. SINGH DATA 1998. 2003. OBJECTO Estudo da eficiência individual e aumentos de produtividade das empresas do sector bancário comercial turco. Estudo comparativo internacional, onde se compara a produtividade, a eficiência e o crescimento económico dos países do Extremo Oriente com o resto do mundo. AMOSTRA 56 bancos comerciais da Turquia. 45 países desenvolvidos. PERÍODO DE ANÁLISE 1992-1996. 1970-1990. – Data Envelopment Analysis (DEA) e DEA baseado nos índices de Malmquist (1953); – A variação de produtividade é separada em duas componentes: o efeito catching up e o efeito frontiershift. – Aplicação do coeficiente de variação da fronteira de produção, que isola o efeito de catching up (aumento de eficiência técnica) do efeito shifts in the frontier (progresso técnico). – Decomposição do crescimento da produtividade total dos factores em eficiência técnica e progresso técnico. – PIB; – Stock de capital; – População. METODOLOGIA VARIÁVEIS EXPLICATIVAS RESULTADOS OBSERVAÇÕES – Número de empregados; – Despesas operacionais não ligadas ao trabalho; – Empréstimos; – Depósitos à ordem; – Depósitos a prazo. – A produtividade da banca comercial turca cresceu, excepto no período 1993-1994; – Os diferenciais de produtividade observados são explicados por diferentes formas de organização, entre bancos privados e bancos estrangeiros. – O trabalho foi realizado numa fase de pós-liberalização, o aumento de produtividade deve-se também a avanços tecnológicos e não só devido à liberalização do sector. – Os resultados baseados no teste estatístico de Wald indicam que as economias em estudo têm comportamento idêntico; – Num contexto de globalização, os factores trabalho e capital, por mais pequenos que sejam os seus efeitos, influenciam a produtividade; – Os resultados sugerem que, entre 1970 e 1990, são quatro países: Japão, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan, que acompanham os países mais desenvolvidos em termos de crescimento da performance da produtividade total dos factores. – Em termos de factor trabalho, estas economias são muito populosas e a cultura oriental torna o layoff mais difícil não existindo benefícios para desemprego. Fonte: Elaboração própria. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP 53 Ano 7 Número 17 Abril 2005 LEONOR FERNANDES FERREIRA / MIGUEL MATOS TORRES renciados, realizados respectivamente por Jackson et al. (1998) e Han et al. (2003), com o objectivo de ilustrar as características representativas dos estudos sobre a produtividade empresarial desta fase da investigação. Han et al. (2003) apresentam um estudo comparativo internacional, contribuindo para a afirmação de uma nova tendência dos estudos sobre a produtividade. Estes autores comparam a produtividade, a eficiência e o crescimento económico dos países do Extremo Oriente com o resto do mundo, decompõem o crescimento da produtividade total dos factores em eficiência técnica e progresso técnico, aplicando o coeficiente de variação na abordagem à fronteira de produção. Num contexto de globalização, os factores trabalho e capital, por mais pequenos que sejam os seus efeitos, influenciam a produtividade. O Quadro 4 contém uma súmula das características de outros dois trabalhos que utilizam também amostras de empresas do sector bancário, estes realizados por autores portugueses no período a que se reporta a investigação empírica. Os trabalhos de Lopes (1998) e Canhoto (1999) são representativos do contributo de portugueses para o estudo da produtividade empresarial. Os autores portugueses que tratam o tema da produtividade Quadro 4 Estudos Sectoriais sobre Produtividade Empresarial Realizados em Portugal. AUTOR E. LOPES A. CANHOTO DATA 1998. 1999. OBJECTO Estudo da produtividade no sector bancário português. 17 Bancos comerciais e de poupança (bancos de investimento excluídos da análise). Estudo da eficiência e competitividade na banca portuguesa. AMOSTRA PERÍODO DE ANÁLISE Janela curta: 15/9/1997 a 15/10/1997. METODOLOGIA Inquérito baseado num conjunto de estudos empíricos publicados. VARIÁVEIS • Funcionários; • Balcões; • Activos; • Crédito. EXPLICATIVAS RESULTADOS • Os bancos aparecem divididos em três grupos, em função do número de funcionários por balcão (os bancos com 13/14 funcionários; os bancos com 16 funcionários e os bancos com 19 funcionários por balcão); • Existe serviço responsável pela produtividade apenas em um dos seis bancos analisados; • Número de respostas recebidas: 6 respostas em 17 bancos (35,3%). 20 bancos, 17 dos quais domésticos. 1990- 1995, corte seccional. Abordagem não paramétrica baseada na construção de índices de Malmquist. Inputs: • Trabalho; • Capital físico. Outputs: • Empréstimos; • Depósitos; • Dependências; • Garantias. • As diferenças entre a eficiência de OTE e PT são estatisticamente significativas em 1990,1991 e 1992 e a hipótese nula não é rejeitada. • Os índices médios de eficiência mais favoráveis são os observados no grupo dos bancos novos. As médias dos grupos nova e antigo têm eficiência técnica global de 77% e de 2%,respectivamente; • O índice de uma unidade produtiva nunca diminui com a redução na dimensão da amostra usada para construir uma fronteira de referência. Fonte: Elaboração própria. 54 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 CONTRIBUTO PARA A REVISÃO DA LITERATURA SOBRE PRODUTIVIDADE NO ÂMBITO DA ECONOMIA EMPRESARIAL analisam em particular o sector bancário, quiçá por este sector apresentar um nível de eficiência mais elevado relativamente aos restantes sectores da economia portuguesa como refere Mendes (1994), autor de um outro trabalho que analisa o mesmo sector. Lopes (1998), baseando-se nos trabalhos de Sumanth (1985) e Prokopenko (1987) enunciados na Secção 3 desta investigação, ekabora um estudo sobre a produtividade empresarial no qual se considera a empresa como o local onde se reúnem diferentes meios para obter um determinado resultado e desenvolve relações numéricas entre outputs e inputs a fim de obter uma visão do sistema de produção, ou seja, da empresa. Canhoto (1999), desenvolve uma investigação estatística sobre a eficiência e competitividade do sector bancário português entre 1990 e 1995, que tem por objecto o estudo do comportamento das empresas daquele sector e onde se discute e avalia as questões de eficiência das instituições e competitividade dos mercados. Conclui-se ter havido uma evolução positiva no que respeita à eficiência das instituições ao longo do período considerado. Relativamente ao termo produtividade, Canhoto (1999) utiliza-o como medida de eficiência para fazer uma separação do seu objecto de estudo (os bancos) por clusters (antigos, ou novos e nacionais ou estrangeiros), distinguindo duas gerações de instituições bancárias, assente na particular evolução histórica ocorrida no sector bancário português, atribuindo-lhe diferenças significativas em termos de eficiência, com os bancos novos numa posição mais favorável relativamente aos bancos antigos. Segundo a autora, a avaliação da competitividade do sector bancário sugere que os mercados funcionam em condições distantes da concorrência perfeita, evidenciando situações de oligopólio. Os resultados do estudo indicam ainda que houve intensificação da competitividade durante o período investigado, particularmente no mercado de depósitos onde os resultados obtidos na investigação mais robustos. 5. CONCLUSÕES Com o propósito de contribuir para a compreensão do conceito de produtividade empresarial e da utilidade da sua gestão, procedeu-se a uma revisão da literatura sobre produtividade no âmbito da economia empresarial, com especial ênfase na evolução do conceito deste indicador e nos moldes adoptados na sua medida. Excluem-se da análise outras perspectivas Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP comuns no tratamento do tema, como seja a óptica da engenharia. O termo produtividade não é novo, sendo já referenciado na época da revolução industrial. Desde então, o estudo da produtividade evoluiu a par das ciências económicas e empresariais. A evolução do conceito e o aperfeiçoamento das medidas de produtividade tem reflexos positivos na gestão empresarial. A produtividade é vista como um meio para atingir a eficiência na empresa ou numa economia e, por isso, aparece relacionada e, por vezes, confundida com outras figuras. Os trabalhos a cuja revisão se procede neste artigo prendem-se sobretudo com a empresa, ou com a economia sectoral ou em sentido lato, mas não relacionam ainda as várias perspectivas. As modificações observadas no modo como os autores tratam a produtividade e as características dos trabalhos publicados, permitem identificar três fases no estudo da produtividade empresarial: (a) fase de investigação normativa, onde predominam os estudos do que deve ser a produtividade; (b) fase de investigação metodológica, na qual surgem estudos com referências mais instrumentais sobre o modo como pode ser gerida produtividade com vista a conseguirse aumentos; (c) fase de investigação empírica, cujos resultados dão a conhecer o que é a produtividade. Assim, a observação de características comuns entre os estudos analisados justificou a sua arrumação em três grupos que serviram de base à estrutura adoptada na investigação. Na primeira fase os autores, em geral, analisam a produtividade na busca de encontrar uma definação para o conceito do que deve ser a produtividade. Depois, a partir dos anos 80 do século passado, inicia-se uma outra fase, onde se pressupõe já interiorizada a direcção a seguir. Surgem então referências de tipo mais instrumental, ligadas à gestão da produtividade. As investigações mais recentes, ao contrário dos estudos publicados nas fases anteriores que são geralmente de autoria individual, têm sido desenvolvidos por equipas de investigadores, dispersos por centros de investigação localizados em vários países e voltam-se para as fronteiras de produção tentando medir a produtividade por sectores de actividade. Os resultados destes trabalhos empíricos dão a conhecer o que de facto é a produtividade, tiram partido das ferramentas proporcionadas pela evolução da tecnologia informática, utilizam bases de dados e packages de programas estatísticos e tratam grandes volumes de informação. Concluindo, evolui-se do que deve ser para o que é a produtividade, da busca de uma definição precisa para a produtividade e da análise numa perspectiva Ano 7 Número 17 Abril 2005 55 LEONOR FERNANDES FERREIRA / MIGUEL MATOS TORRES externa, para a análise interna, a medição e a gestão da produtividade. A generalização do recurso a novas tecnologias e o aparecimento de bases de dados em massa ajudam a explicar as alterações observadas na forma de estudar a produtividade nos tempos mais recentes. Grandes volumes de dados passam a ser objecto de aplicação de métodos estatísticos e surgem assim estudos cujos resultados mostram o que, de facto, tem sido a produtividade quer nas empresas quer ao nível sectorial, nacional e internacional. A terminar, anota-se que esta investigação representa apenas um contributo para a revisão e sistematização da literatura sobre produtividade, no âmbito da economia empresarial, deixando de fora outras visões, como as das áreas da engenharia. 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Citado por Sumanth, 1998. 57 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005 Artigo Estratégia de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia: Conceitos e Estudo de Caso José Carlos Barbieri Professor do Departamento de Administração e Operações da FGV/EAESP e do Mestrado da UNIFECAP Antonio Carlos Teixeira Álvares Professor do Departamento de Administração e Operações da FGV/EAESP e Diretor Superintendente da Brasilata SA Embalagens Metálicas RESUMO A empresa que desenvolve tecnologias de um modo sistemático defronta-se com uma diversidade de desafios para proteger e transferir suas invenções e inovações tecnológicas. O patenteamento e o licenciamento fazem aflorar diversas questões que devem ser tratadas estrategicamente, tais como selecionar os países para patentear suas invenções e as condições gerais para licenciá-las. Este trabalho discute algumas dessas questões e apresenta um estudo de caso de uma empresa brasileira que começou a licenciar sua tecnologia. Esse fato é de extrema importância, pois transferência de tecnologia para as empresas de países em desenvolvimento sempre significou compra de tecnologia, daí porque são tão raros os textos sobre transferência de tecnologia nos quais empresas desses países comparecem como vendedoras de tecnologia. PALAVRAS-CHAVE Invenção, inovação tecnológica, gestão da inovação, transferência de tecnologia, patenteamento, licenciamento. ABSTRACT Company that develops technologies in as systematic way confronts with a variety of challenges to protect and to transfer its technologies inventions and innovations. The patenting and licensing bring up several issues that have strategically treated, just as to select countries for patenting its inventions and the general conditions to licensing. This paper discusses same of these questions and introduces a Brazilians company study case that started licensing its technologies. This fact is very important therefore technology transfer for developing countries companies always mean buy technology, that is why are so rare papers about technology transfer which companies of these countries attend as technology sellers. KEY 58 WORDS Invention, innovation, innovation management, technology transfer, patenting, licensing. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP INTRODUÇÃO O processo de produção de conhecimentos e sua implementação por parte da organização que os produziram constitui o tema central da literatura sobre gestão da inovação tecnológica. Poucos são os textos que tratam da comercialização desses conhecimentos, assunto relacionado com o processo de transferência de tecnologia entre organizações diferentes. Mesmo nessa área, são poucos os estudos sobre patenteamento e licenciamento das tecnologias produzidas sob a ótica administrativa, talvez por que esses temas estão envoltos em intensa regulamentação. No Brasil e outros em países em desenvolvimento, há um motivo a mais pela diminuta presença desse tema entre as preocupações dos estudos administrativos. Nesses países o comércio de tecnologia tem sido quase sempre a compra de tecnologia de empresas dos países desenvolvidos, que são os que mais investem em ciência e tecnologia. O objetivo desse trabalho é discutir o patenteamento e licenciamento de tecnologia enquanto componente da estratégia empresarial. Em primeiro serão feitas breves considerações sobre o processo de inovação tecnológica e seus processos de transferência. Os aspectos conceituais sobre as estratégias de patenteamento e licenciamento de tecnologia serão ilustrados com a apresentação de um caso exemplar, não só porque esse assunto representou uma área nova para a empresa em questão, mas principalmente por ser uma empresa de um setor maduro e que depende de tecnologias desenvolvidas pelos fabricantes de bens de capital. Não se espera das empresas desse setor que produzam inovações relevantes e muito menos que as transfiram comercialmente para outras. A empresa estudada, no entanto, tem realizado inovações de vulto através de um bem sucedido programa de gestão da inovação, que será tratado brevemente nesse texto. Ao praticar uma política de Ano 7 Número 17 Abril 2005 ESTRATÉGIA DE PATENTEAMENTO inovação pró-ativa, essa empresa passou para a condição de fornecedora de tecnologia, um papel até então estranho para ela e para a grande maioria das empresas de um modo geral tanto no Brasil como em qualquer parte do mundo. Depois será apresentada sua estratégia de patenteamento, mediante as principais decisões que foram tomadas, mostrando, por exemplo, como e porque ela escolheu certos países e não outros para proteger suas invenções. Por último, serão apresentados as decisões relativas à comercialização das suas patentes e os problemas enfrentados para comercializá-las, bem como as lições aprendidas. Para quem só sabia comprar tecnologia incorporada em bens de capital, o seu aprendizado em matéria de patenteamento e licenciamento da sua tecnologia teve de partir praticamente do zero. Raros são os textos sobre esse assunto e sob essa ótica de um modo geral e mais raro ainda quando se trata de empresas de setor maduro e dependente de fornecedores para a sua atualização tecnológica, que tanto no Brasil como em qualquer outro lugar, só conhece um lado da mesa de negociação, a do comprador. TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA Neste trabalho a palavra inovação irá se referir a um tipo particular de inovação, a inovação tecnológica num contexto empresarial. E tecnologia será entendida conforme Kruglianskas (1996), a saber, um conjunto de conhecimentos necessários para se conceber, produzir e distribuir bens e serviços de forma competitiva (p. 13). Por invenção se entenderá uma concepção intelectual de algo que não existe no estado da natureza, uma idéia sobre alguma coisa nova ou um novo modo de fazê-la. Inovação tecnológica é a introdução de uma invenção ou novidade de caráter tecnológico ou a introdução de produtos e processos que incorporem novas soluções técnicas. Nem toda invenção se transforma em inovação, pois esta só se efetiva se o mercado aceitá-la. Entre a concepção de uma idéia e sua introdução no mercado podem ocorrer inúmeros problemas, seja porque a idéia não foi bem desenvolvida do ponto de vista técnico, seja porque ela não atende efetivamente algum aspecto mercadológico, tais como, preço, momento adequado para o seu lançamento, distribuição física deficiente, problemas pós venda etc. A excelência técnica de uma invenção pode ser uma condição necessária para o sucesso de uma inovação, mas nunca uma condição suficiente. Dito de outro modo, as inovações tecnológicas dizem respeito ao binômio tecnologia-mercaRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP E LICENCIAMENTO DE TECNOLOGIA: CONCEITOS E ESTUDO DE CASO do, sendo que o mercado é o árbitro final a que todo processo de inovação será julgado. O grau de novidade para o mercado é um dos vários critérios para classificar as inovações. Algumas inovações trazem novidades absolutas para o mercado, enquanto outras, apenas para uma dada empresa. No primeiro caso, trata-se de inovação pioneira que introduz soluções novas no sentido de que não eram conhecidas ou usadas em termos globais antes que a empresa inovadora as introduzissem. No segundo, a inovação refere-se à introdução de soluções que representam novidades apenas para uma dada empresa, pois elas já são conhecidas ou utilizadas por outras. Neste caso, a novidade é relativa à empresa que adota tais soluções, pois elas já teriam sido incorporadas por outras empresas. Este tipo de inovação resulta de um processo de difusão tecnológica, aqui entendida como a disseminação de uma inovação tornando-a acessível para outras empresas. O processo que permite tal difusão é a transferência de tecnologia, expressão que será usada neste texto para indicar a passagem de uma data tecnologia de uma empresa para outra. Embora existam diferentes meios para se processar a transferência de tecnologia, aqui serão considerados apenas os meios comerciais, que constituem uma das suas principais formas, embora a engenharia reversa, o uso de conhecimentos de domínio público e outras práticas não comerciais desempenhem um importante papel nos processos de difusão. Esse comércio pode ser direto ou indireto: no primeiro a tecnologia vem incorporada em bens físicos (máquinas, instalações, instrumentos, peças, componentes etc); no segundo, a tecnologia encontra-se em patentes, planos e outros documentos, bem como nos conhecimentos e habilidades das pessoas. Licença de patentes, contratação de know how e contratação de serviços técnicos são as formas mais usuais de comércio indireto. Na literatura sobre comércio de tecnologia do ponto de vista jurídico, a expressão know how é usada para indicar uma tecnologia não amparada por direitos de propriedade intelectual, como pode se ver em Prado (1.997; pg. 36-9) e Martins (2.001; pg 497). Essas duas formas podem ser utilizadas em conjunto, por exemplo, uma transação envolvendo equipamentos, licença de patentes, treinamento e assistência técnica, formando um pacote de componentes de uma dada inovação. A literatura sobre este tema em relação às empresas de países em desenvolvimento sempre enfatiza a compra de tecnologia estrangeira, pois nestes países o fluxo internacional de tecnologia constituí-se basicamente de importação de tecnologia dos países desenvolvidos. Os textos produzidos pela UNIDO, UNCTAD, Ano 7 Número 17 Abril 2005 59 JOSÉ CARLOS BARBIERI / ANTONIO CARLOS TEIXEIRA ÁLVARES OEA e outras entidades preocupadas com esse tema, refletindo sobre essa realidade, procuraram auxiliar as empresas dos países em desenvolvimento a importar tecnologia, tendo como pressuposto que elas comparecem nesse mercado em situação desfavorável decorrente de um acentuado desnível tecnológico e que se traduz num mercado altamente imperfeito em decorrência dos seguintes fatos: 1)o produtor da tecnologia sabe o que está vendendo, enquanto o comprador tem um conhecimento incompleto da tecnologia que pretende adquirir; 2)o produtor encontra-se numa situação de monopólio no caso de deter uma novidade realmente absoluta mantida via segredo industrial ou pela via legal (patente de invenção, modelo etc), enquanto a sua tecnologia pode interessar a diversos compradores; 3)em certos casos, o vendedor pode ainda estar em condições de investir diretamente para produzir na região pretendida pelo comprador ou de suprir o mercado via exportação; 4)a tecnologia a ser negociada apresenta custo marginal baixo para o vendedor e alta para o comprador; e 5)não há garantias de que o sucesso experimentado pelo vendedor com a sua tecnologia venha a se repetir para o comprador, o que faz com que a compra seja para este uma atividade muito mais arriscada. 60 Poucos são os textos, aqui e em qualquer outra parte, que se preocupam com as dificuldades das empresas para vender tecnologia, pois sempre prevaleceu a idéia de que quem sabe produzí-la sabe vendê-la. Só recentemente a literatura especializada tem dado atenção às necessidades de quem está transferindo a tecnologia, mas mesmo assim, seu foco de atenção são as Instituições de Ensino e Pesquisa, como se pode verificar pelos trabalhos publicados nos anais das reuniões realizadas pela Altec, Triple Helix, PGT, Enanpad, Simpoi etc. A experiência das Instituições de Ensino e Pesquisa são de pouca valia para as empresas de um modo geral e principalmente para as de setor maduro como é o de embalagens em geral e, particularmente, o de latas de aço. Como se verá mais adiante, quando a empresa objeto do estudo de caso começou negociar a tecnologia desenvolvida por ela, se defrontou com esta lacuna, o que fez com que seu aprendizado nesta área se tornasse mais difícil do que o esperado. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP ESTRATÉGIA DE PATENTEAMENTO Das seis estratégias de inovação que as empresas podem se valer, conforme apresentadas por Freeman & Soete (1.997), a patente desempenha papel importante apenas para a estratégia ofensiva e defensiva, porém como objetivos diferentes. Enquanto para a primeira a patente objetiva proteger a liderança e manter uma posição monopolística, para o inovador defensivo ela funciona como uma espécie de balcão de negociação para enfraquecer tal posição. Este último busca a patente para não ser excluído de uma nova área tecnológica e a considera como uma espécie de mal necessário, enquanto o inovador ofensivo a considera como a principal fonte de licenciamento, bem como para proteger o nível de preço necessário para recuperar os custos das atividades de P&D (p. 274). Na realidade deve-se falar em estratégia de propriedade intelectual. A patente é apenas uma das espécies de propriedade intelectual, sendo que uma política ativa de inovação acaba gerando a necessidade de criar outras espécies, tais como modelo de utilidade, desenho industrial, marca, segredo industrial etc. Rabino & Enayati (1.995) depois de mostrar que as corporações norte-americanas têm perdido bilhões de dólares anualmente devido à proteção inadequada da propriedade intelectual, definem duas formas específicas para usá-las de modo estratégico. São elas: (1) uso defensivo para criar barreiras à entrada de novos competidores e (2) uso ofensivo para derrubar barreiras ao mercado mundial (p. 23). As principais ações de cada uma dessas estratégias estão resumidas na Figura 1. Evidentemente, uma estratégia ofensiva pressupõe, neste tema particular, que a empresa seja capaz de se defender nos seus mercados atuais, de modo que, às ações concernentes à estratégia defensiva, devem ser acrescentadas às da ofensiva. Como se verá mais adiante, a Brasilata adota uma estratégia ofensiva, pois na busca de uma liderança tecnológica ela precisa se proteger contra as imitações para poder conquistar novos mercados para suas inovações. De acordo com Pickering & Mathews (2.000), patentear ou não patentear é decisão estratégica mais importante em relação a um dado conhecimento gerado na empresa. Essa decisão requer consultas a diferentes profissionais da empresa, pesquisadores, dirigentes comerciais, advogados etc. Decidido pelo patenteamento, é necessário responder às seguintes questões: Ano 7 Número 17 Abril 2005 ESTRATÉGIA DE PATENTEAMENTO E LICENCIAMENTO DE TECNOLOGIA: CONCEITOS E ESTUDO DE CASO Figura 1 Estratégias de propriedade intelectual. DEFENSIVA 1 - identificar ativos de propriedade intelectual e estabelecer esquemas de proteção adequado. 2 - definir e traçar o perfil dos mercados alvo de acordo com critérios pré-estabelecidos (crescimento potencial, ameaças e oportunidades potenciais etc). 3 - identificar a forma legal apropriada de proteção, combinando os objetivos com os esquemas viáveis de proteção desses ativos. 4 - adotar uma política interna de monitoramento das tendências da legislação e da tecnologia OFENSIVA 1 - identificar barreiras indiretas para entrar nos mercados desejados para estabelecer uma posição proprietária nesses mercados tantos quanto forem possíveis. 2 - identificar barreiras diretas nos mercados desejados para lidar com elas, por exemplo, uma ameaça de litígio jurídico. Fonte: Rabino & Enayati (1.995, pg. 28). 1) quando entrar com o pedido de patente; 2)o que revelar no pedido de patente; e 3)em que países depositar o pedido de patente. A primeira questão refere-se ao fato de que depositar o pedido de patente muito cedo ou muito tarde, relativamente ao estágio do desenvolvimento da invenção, pode trazer conseqüências sérias para a empresa. Refere-se ainda ao fato de que em alguns países o direito de prioridade da invenção é conferido ao primeiro inventor, enquanto em outros, ao primeiro depositante (pg. 24-5). Por exemplo, a legislação norte-americana adota o primeiro critério e o Brasil, o segundo. O incentivo ao depósito mais cedo aumenta quando se sabe que outras empresas estão realizando pesquisas na mesma área. Algumas empresas utilizam o depósito mais cedo para poder realizar experiências em caráter não comercial, sem perder o requisito da novidade. A segunda questão refere-se ao grau de informação sobre a invenção que será exposta no documento de patente. Esta questão é determinada em grande parte pelas legislações de patentes, porém há sempre alguma coisa que não convém revelar por razões estratégicas. Quanto mais informação sobre a invenção, maior a proteção conferida à patente. No entanto, quanto mais informações, mais fácil se torna para as empresas seguidoras alcançá-las em algum aspecto crítico subjacente da inovação (Pickering & Mathews, 2.000; pg. 25). Fatos como estes sugerem que o pedido de patente deve ser redigido de modo a não revelar facilmente a invenção para dificultar o seu uso por parte de quem queira furar a patente, para usar um jargão típico dessa área. Uma descrição exaustiva da invenção pode facilitar esse aspecto e uma reticente, pode comprometê-la perante os examinadores dos Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP órgãos nacionais de patentes. Tal fato é muito mais crucial para as invenções de produto do que para as de processo, pois a engenharia reversa se encarrega de suprir a falta de informações reveladas no pedido, caso alguma empresa concorrente pretenda conhecer os elementos constitutivos ou dispositivo objeto da reivindicação da patente ou modelo de utilidade. A terceira questão, segundo Pickering & Mathews (2.000), refere-se aos países onde a empresa pretende patentear sua invenção. Bednarek (1.994) já havia mostrado que o custo é um dos principais fatores a ser considerado numa estratégia global de patenteamento. O valor da patente depende em grande parte do tamanho do mercado. Mas não só, depende também do quanto o sistema de patente do país em questão é eficiente para fazer valer a proteção legal. Um país com um grande mercado, mas que não protege adequadamente as patentes que concede, faz com que estas apresentem um valor bastante limitado (p. 3). Pickering & Mathews (2.000) recomendam que essa decisão leve em conta o tamanho do mercado do país em análise e sua taxa de crescimento, bem como a eficácia da sua legislação de patentes. Um aspecto importante a ser considerado são os custos do patenteamento em escala internacional. Os custos diretos de uma proteção global pode chegar a £ 100,000.00 ou mais e os custos indiretos, tais como preparar os pedidos de patente, submetê-los aos órgãos nacionais de patente, renová-los e acompanhá-los, também são substanciais. Segundo estes autores, uma regra de ouro extraída da experiência de grandes companhias sugere o seguinte esquema: obter proteção nos principais mercados internacionais, cobrindo algo em torno de 70% pois é improvável que os 30% restantes sejam suficientes para encorajar as empresas rivais a obter alguma vantagem Ano 7 Número 17 Abril 2005 61 JOSÉ CARLOS BARBIERI / ANTONIO CARLOS TEIXEIRA ÁLVARES devido à falta de proteção (p. 26). Destas considerações pode-se concluir que é inviável querer obter uma proteção em todos os mercados, alguns por serem pequenos demais que não compensam os custos de patenteamento e outros por não proverem uma proteção jurídica adequada à invenção. Patentear ou não patentear envolvem, como se viu, decisões que devem ser tomadas em nível estratégico, seja por envolver custos elevados, seja por tratar-se da criação de mercados protegidos em diversos países. Patenteada a invenção, outro problema se coloca tão ou mais complexo, qual seja, como explorar a invenção protegida? ESTRATÉGIA DE EXPLORAÇÃO 62 Para Roy & Dugal (1.999), as estratégias convencionais para as empresas que desenvolvem uma inovação de sucesso são: (1) usá-la exclusivamente, (2) formar uma aliança estratégica ou (3) licenciar para outras empresas explorarem com seus próprios recursos (p.1). Na opinião de Porter (1.989), para uma empresa que busca a liderança tecnológica no seu setor, o licenciamento é um passo arriscado, pois pode ameaçar a sua vantagem competitiva. Porém, o licenciamento pode ser aconselhável quando a empresa não tem condições de explorar sozinha a tecnologia por ela desenvolvida (p. 177). Embora o termo licenciamento se refira tanto a direitos de propriedade industrial (patentes, marcas, etc), quanto a know-how, conforme já aclarado no início deste texto, aqui será tratado apenas o licenciamento de patentes, uma modalidade de comércio indireto na qual o titular autoriza a exploração da sua patente sem perder a titularidade dos direitos sobre ela. A licença difere da cessão de patente, pois nesse caso ocorre uma transferência definitiva da titularidade. A escolha do licenciado é uma decisão crucial para a empresa que quiser licenciar sua tecnologia. Porter (1.989) recomenda que as empresas só licenciem para não concorrentes ou bons concorrentes para não perder a sua vantagem competitiva e alerta para uma armadilha muito comum que é a criação desnecessária de concorrentes em troca de uma pequena taxa de royalty. Escolhida a empresa, nas negociações, para efeito de fechar o contrato de licenciamento há uma diversidade de decisões a serem acordadas entre as partes, das quais, as seguintes são particularmente problemáticas: conceder ou não a exclusividade da exploração da patente num dado território;acertar o preço; e lidar com as melhorias produzidas pelo licenciado como resultado da exploração da patente. Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Regra geral, a empresa titular da patente só deve conceder licença exclusiva se a empresa licenciada tem capacidade para atender completamente um dado mercado. O preço envolvido é outra questão difícil de precisar, não tanto pelo fato de ser a tecnologia uma mercadoria intangível, mas por ser um instrumento que permite o domínio de mercado. Assim, o seu preço está condicionado à decisão sobre conceder ou não uma licença exclusiva. As melhorias introduzidas pelo licenciado pertencem a estes segundo praticamente todas as legislações de propriedade industrial. Como essa é uma situação que sempre pode ocorrer, é necessário prever tal hipótese no contrato. Se a melhoria for patenteada pela empresa licenciada, poderá ocorrer uma licença em sentido inverso, desta para a licenciadora, criando uma licença cruzada. Assim, deverá ocorrer uma parceria entre elas para efeito das licenças futuras entre elas e entre elas e outras empresas interessadas no licenciamento da primeira patente. RELATO DE UM CASO REAL O caso a ser relatado refere-se à Brasilata S/A Embalagens Metálicas, uma empresa de capital totalmente nacional e colocada como a terceira maior empresa deste setor. Em 2004 seu faturamento bruto foi equivalente a 103 milhões de dólares norteamericanos. Sua origem encontra-se numa fábrica de tampas de folha-de-flandres para embalagens de cosméticos criada em 1955 em São Paulo. Em 1963, foi adquirida pelo atual grupo controlador e em 1965 expandiu suas atividades, produzindo latas para tintas e produtos químicos. Na década de 70, adquiriu a Metalúrgica Brasilina S/A, tradicional fabricante de latas em São Paulo. A diversificação geográfica começa no início dos anos 80, com a aquisição da Killing Reichert S/A Metalgráfica, em Estrela, no Estado do Rio Grande do Sul, que permitiu acrescentar os baldes cilíndricos e cônicos à sua linha de produtos. Em 1992, foi implantada a unidade em Rio Verde, no Estado de Goiás. Com a aquisição dos ativos da Crown Cork Embalagens em 1999, ela passou a produzir aerossóis na unidade de Estrela, que foi ampliada visando alcançar os demais países do Mercosul. Ao fim dessa trajetória de crescimento e diversificação, a Brasilata se consolidou no mercado brasileiro como produtora de embalagens de aço complexas, isto é, as que têm mais de três peças em geral: tampa, anel, corpo e fundo. Em 2000 inaugura uma fase de comercialização das suas invenções com o licenciaAno 7 Número 17 Abril 2005 ESTRATÉGIA DE PATENTEAMENTO mento de uma das suas patentes. Em 2004 associa-se com uma empresa americana, para estabelecer uma unidade nos Estados Unidos. Existem no Brasil mais de 50 empresas produtoras de latas de aço, algumas delas muito pequenas e regionais. Cerca de dez empresas são de médio e grande porte. A líder do setor detém cerca de 15% do mercado total medido em consumo de folhas metálicas; as dez maiores empresas ocupam cerca de 75% do mercado. Esse número elevado de empresas se deve às baixas barreiras a novos entrantes e às dificuldades criadas para a saída dos atuais fabricantes. As barreiras à entrada nesta indústria resumem-se basicamente à disponibilidade de recursos financeiros para instalar uma nova unidade produtiva, uma vez que a tecnologia de processo é desenvolvida na indústria de bens de capital e de insumos químicos. Os fabricantes de lata de aço constituem um setor dependente de fornecedores, de acordo com a classificação de Pavitt & Bell (1.993), um setor formado por pequenas e médias empresas que apresentam P&D e capacidade de engenharia fracas. As mudanças tecnológicas que ocorrem nesse setor quase sempre são desenvolvidas pelos fabricantes de máquinas, equipamentos e insumos produtivos. Sua trajetória tecnológica se define em termos de redução de custo e as oportunidades para a acumulação de conhecimentos tecnológicos estão focalizadas nas melhorias e modificações nos métodos de produção e, apenas ocasionalmente no projeto do produto (pg 178-9). As empresas típicas do setor contribuem muito pouco para as inovações de que necessitam, a não ser as de caráter incremental, geralmente relacionadas com os processos produtivos. Porém, as vantagens obtidas dificilmente ficam retidas nas empresas que realizaram tais melhorias, pois elas serão difundidas para os demais fabricantes de lata através da indústria de máquinas e equipamentos. Além disso, os clientes exercem forte pressão por preços menores, o que gera margens menores e, consequentemente, fundos reduzidos para a realização de atividades de desenvolvimento tecnológico. Podese dizer que cada uma das forças competitivas de fala Porter (1.989), nenhuma lhe é favorável. GESTÃO DA INOVAÇÃO Frente a esse quadro bastante adverso, a Brasilata optou por uma estratégia com o claro objetivo de ser inovadora em produtos, algo que não confere com a trajetória típica de uma empresa de um setor dependente de fornecedores, pois a trajetória mais coerente Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP E LICENCIAMENTO DE TECNOLOGIA: CONCEITOS E ESTUDO DE CASO seria a de centrar suas atenções na redução de custo, menos por opção e mais por atender uma clientela extremamente sensível ao preço. Em outras palavras, ela busca a liderança tecnológica como instrumento de apoio à sua estratégia de diferenciação de produtos, que no caso em pauta significa uma busca constante de inovações que adicionem valor aos seus produtos. De acordo com Porter (1.989), essa liderança requer a introdução de inovações pioneiras em produtos singulares que elevem o seu valor e em outras atividades que elevem o valor para os compradores (p.168). Este tipo de estratégia exige que a empresa seja capaz de gerar novidades absolutas e seja capaz de protegê-las das imitações. A política de inovação dessa empresa se baseia num modelo de gestão participativa que reduziu os níveis hierárquicos, facilitou a comunicação entre pessoas de qualquer área e criou um ambiente descontraído onde todos os funcionários se sentem à vontade para sugerir idéias, conforme mostrado por Alvares et al. (2.004). A empresa desenvolve uma política de recursos humanos que gera um meio inovador interno propício à consecução de inovações importantes de modo sistemático. As práticas de gestão participativa adotadas pela Brasilata favorecem o surgimento de idéias e invenções de modo análogo a um permanente brainstorming. As pessoas exercitam sua criatividade e sentem confiança para dar contribuições pois sentem-se recompensadas por isso. A empresa considera que todos os seus funcionários são inventores e estimula o desenvolvimento de novas idéias e sugestões através de um programa formal criado em 1987, que tem conseguido manter uma elevada adesão de seus funcionários. Para exemplificar, em 2.004 seus funcionários geraram quase 32 mil idéias, o que representou 34,3 idéias por funcionário por ano, um número acima da média das empresas japonesas que estão as que mais se destacam nessa área. A Brasilata conta com uma equipe de protótipos diretamente vinculada ao Diretor Superintendente, constituída por 5 técnicos experientes. O verdadeiro laboratório dessa equipe é a própria empresa, podendo-se dizer que todos seus funcionários, além de serem inventores potenciais, são também auxiliares de laboratório, pois em muitos momentos estarão realizando atividades experimentais para desenvolver novos produtos e seus métodos de produção. A Brasilata já realizou diversas inovações importantes, sendo que algumas introduzem novidades radicais, como o Fechamento Plus, um sistema de fechamento de latas por trava mecânica que veio para substituir o sistema convencional baseado em múltipla presAno 7 Número 17 Abril 2005 63 JOSÉ CARLOS BARBIERI / ANTONIO CARLOS TEIXEIRA ÁLVARES são e que se tornou padrão mundial desde o início do século passado. O fechamento convencional de embalagens metálicas baseia-se em atrito e teve origem numa invenção de John Hodgson, que obteve do Patent Office norte-americano a Patente N o 795.126 expedida em 1.905. Essa foi uma invenção de sucesso até hoje, pois há inúmeros produtos que ainda utilizam esse concepção de fechamento. De lá para cá, muitas tentativas foram feitas em diversos países para modificar o processo de fechamento, mas nenhuma alcançou sucesso por diversos motivos. Por exemplo, em 1990, a companhia americana Davies Can lançou uma nova maneira de fechar as latas de aço e que recebeu o nome comercial de Trim Rim Can (NEW..., 1990 p.37), que não funcionou como se esperava, pois a lata, após a primeira abertura, não permitia um refechamento fácil. O Fechamento Plus inventado pela Brasilata introduz uma solução completamente diferente da tradicional, um fechamento por travamento mecânico e que deverá se constituir no novo padrão daqui para frente, face às seguintes vantagens em relação ao fechamento tradicional: é três vezes mais resistente tanto em relação às pressões internas, quanto aos choques, pancadas e tombamento; é mais fácil de abrir e fechar, ao mesmo tempo em que dificulta a violação; identifica claramente a primeira abertura; apresenta uma economia de material que, dependendo do diâmetro da lata varia de 19 a 25% comparado com o sistema tradicional. Essa invenção foi patenteada em diversos países, sendo que a primeira patente foi concedida pelo US Patente and Trademark Office em 04/05/99 (Patente Nº 5.899.352). Portanto, não se trata de uma melhoria em solução conhecida, mas uma ruptura que introduziu uma solução completamente nova, como mostra Álvares et al (2.004). Esta inovação e as oportunidades geradas por elas permitiram consolidar a política de inovação apoiada num modelo de gestão participativa que vinha sendo adotado desde a década de 1980 e abriu a possibilidade de alcançar novos mercados através da transferência de tecnologia apoiada numa estratégia de propriedade intelectual de natureza ofensiva. ESTRATÉGIA DE PATENTEAMENTO 64 As invenções da Brasilata só podem ser protegidas via patente, dada a possibilidade de imitação por meio de engenharia reversa. Quanto à decisão sobre quando depositar o pedido, a Brasilata procura não perder tempo, iniciando o mais cedo possível, tanto Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP para garantir o direito de prioridade, quanto para poder realizar testes em escala não comercial para divulgar o produto com clientes especiais, para participar de feiras e premiações e para obter certificações. Esta prática decorre menos por opção e mais pelo fato de que suas invenções e inovações são produzidas em situação de trabalho normal, com a participação de todos conforme já mencionado, de modo que as informações circulam livremente e as pessoas comentam sobre elas dentro e fora do trabalho, fato este que aumenta a possibilidade de apropriação indevida e de perda do requisito da novidade. Uma situação muito diferente, portanto, do que ocorre com as empresas onde as invenções e inovações têm no centro de P&D um locus privilegiado, de forma que é possível estabelecer medidas cercear a circulação de pessoas e evitar a espionagem industrial e o vazamento das informações. Como as patentes da Brasilata se referem basicamente a invenções que se materializam em elementos constitutivos de produtos e máquinas, os documentos de patente devem conter informações exaustivas para evitar problemas com os examinadores dos órgãos nacionais de propriedade industrial. Assim que uma novidade é constatada, o passo seguinte é identificar os mercados de interesse para estabelecer uma posição proprietária em cada um deles, ao mesmo tempo em que se prepara o pedido de patente de acordo com a legislação do Brasil, pois é aqui que os pedidos são colocados dando início ao prazo de prioridade unionista, um dos princípios estabelecidos pela Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (CUP). Por este princípio, quem deposita um pedido de patente de invenção, modelo de utilidade, marca ou desenho industrial em um país signatário da CUP, passa a ter o direito de prioridade para apresentar pedido idêntico nos demais durante um determinado prazo, a saber: 12 meses para patentes e 6 meses para os modelos, desenhos e marcas. Esse princípio permite criar famílias de patentes em vários países a partir de um pedido original, criando-se, dessa forma, vários mercados para a patente de um mesmo titular. Conforme o tipo de invenção, nessa fase também são concebidos a marca do produto e os elementos de comunicação para instruir a elaboração de programas de treinamento e de peças publicitárias para ressaltar as vantagens do produto novo ou modificado. Esse é um aspecto importante da estratégia de inovação da Brasilata, pois como mostram Freeman & Soete (1.997), a firma que vier a adotar uma estratégia ofensiva deve ser capaz de treinar e educar os Ano 7 Número 17 Abril 2005 ESTRATÉGIA DE PATENTEAMENTO consumidores e o seu próprio pessoal nos primeiros estágios da inovação (p. 272). A seleção dos países onde depositar pedidos de patentes deve levar em conta o potencial de negócios futuros e as estratégias de exploração, seja via exploração direta exclusiva da invenção objeto da patente, seja mediante alianças com ou por meio de licenciamento, como colocam Roy & Dugal (1.999), citados acima. Em relação a uma das invenções importantes dessa empresa, o Fechamento Plus, observou-se os seguintes elementos de análise. Dadas as características do mercado internacional de latas de aço, entende-se que para uma proteção efetiva dessa invenção deveria incluir os seguintes países: Estados Unidos, Japão, Canadá, México, Áustria, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Argentina e China. A patente norte-americana adquire um valor superior ao do seu próprio mercado dado o prestígio que as patentes desse país tem em termos mundiais. Obter uma patente nos Estados Unidos não é tarefa fácil, pelo rigor com que o US Patent and Trademark Office (USPTO) levanta dados sobre o estado da arte concernente à invenção e os analisa para verificar qualquer tipo de anterioridade que possa derrubar o requisito da novidade absoluta. Ter uma patente concedida nesse país aumenta a credibilidade da empresa titular e sua visibilidade em termos mundiais, podendo com isso aplainar o E LICENCIAMENTO DE TECNOLOGIA: CONCEITOS E ESTUDO DE CASO árduo caminho das negociações. Isso é particularmente importante para as empresas de países em desenvolvimento, pois uma das maiores dificuldades para se tornar fornecedoras de tecnologia é vencer o preconceito de que essas empresas têm muito pouco para oferecer em matéria de novidades tecnológicas. A Áustria, embora sendo um mercado pequeno, foi incluído para poder alcançar proteção em outros mercados importantes como a Alemanha, por exemplo. Índia, Indonésia e outros com grandes mercados para latas de tinta não foram incluídos por apresentarem sistemas de patentes deficitários que oferecem pouca proteção efetiva às patentes que concedem. Além dessas considerações sobre mercado e capacidade de proteção eficaz, a seleção dos países, para efeito de patenteamento, foi limitada aos países membros do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), que tem por objetivo facilitar o patenteamento de uma mesma invenção em diversos países conforme estabelece o princípio unionista. Somente os países signatários da CUP, que na época eram 160, podem participar do PCT, porém, apenas 100 haviam aderido a este Tratado. No final de 2.004, a empresa contava com dezenas de pedidos de patentes em diversos desses países citados, conforme mostra a Tabela 1, sendo quem muitas já foram concedidas. Tabela 1 Invenções em Produtos: Número de Pedidos de Patentes (1.992-2.004). Ano Pedidos de Patentes Ano Pedidos de Patentes 1.992 1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 2 2 1 0 3 2 4 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003 2.004 TOTAL 1 5 5 7 6 4 42 Fonte: Relatórios internos da empresa. ESTRATÉGIA DE EXPLORAÇÃO Além do uso das invenções patenteadas em suas próprias unidades, o licenciamento permite que a empresa estenda suas operações para alcançar outros mercados, sem a necessidade de investimentos diretos em novas instalações, como já mostrado. Esse é um objetivo importante para Brasilata, pois Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP sendo a embalagem de lata de aço um produto de baixo valor e alto volume, a exportação da lata completa está fora de propósito, bem como realizar investimentos externos diretos em todos os países selecionados para proteger suas invenções mediante patentes. O mesmo pode-se dizer até em relação ao próprio mercado interno, dadas as dimensões continentais do Brasil. Ano 7 Número 17 Abril 2005 65 JOSÉ CARLOS BARBIERI / ANTONIO CARLOS TEIXEIRA ÁLVARES 66 A Brasilata iniciou a produção com Fechamento Plus em 1996, tendo, produzido até março de 2005 mais de 300 milhões de unidades e economizando cerca de 6000 toneladas de aço, equivalentes aos preços atuais, a mais de seis milhões de dólares americanos. Além disso, a empresa passou a atuar como fornecedora de tecnologia para outros fabricantes de lata de aço, gerando receitas em royalties referentes ao licenciamento desta e de outras invenções e modelos desenvolvidos por ela. O primeiro contrato de licenciamento foi assinado em março de 2.000, com a empresa Renda do Recife, e incluiu, além da licença para uso da patente do Fechamento Plus, o fornecimento de tampas e anéis que incorporam esta invenção. Ou seja, o comércio de tecnologia com essa empresa se realiza tanto pela via direta quanto indireta, duas formas de comercialização comentadas no início desse texto. A Brasilata entendeu que a Renda é uma empresa não-competidora e não ameaça a sua posição de liderança. A licença concedida foi limitada à Região Nordeste do Brasil e a remuneração está baseada num percentual sobre a receita de vendas líquidas. Em abril de 2002 a Brasilata assina o seu primeiro contrato de licenciamento internacional, com o Grupo Zapata, o maior fabricante mexicano de latas de aço, o seu primeiro contrato de licenciamento internacional. Os esforços para licenciar a patente tiveram como grande obstáculo o preconceito gerado pelo fato do Brasil não ter tradição na venda desse tipo de tecnologia. As negociações para firmar contratos internacionais seguem um ritmo lento, pois as empresas estrangeiras só recentemente começaram a perceber a importância dessa inovação e a reconhecer a capacidade da empresa de produzir inovação dessa natureza. Estão contribuindo para isso os seguintes fatores: (1) a patente concedida nos Estados Unidos, conforme comentado, (2) os prêmios obtidos em certames nacionais e internacionais1 e (3) as filiais brasileiras de empresas multinacionais fabricantes de tintas clientes da Brasilata que recomendam o produto para as suas matrizes. O Fechamento Plus para latas de tintas, testado e aprovado no mercado brasileiro desde 1996, só conseguiu verdadeira visibilidade internacional em maio de 2000 quando ganhou o prêmio máximo da categoria (ouro) no The Cans of the Year, em Brisbane, Austrália. Essa lentidão era esperada, pois também já ocorreu com outra empresa brasileira produtora de embalagens de lata, a Metalgráfica Rojek que lançou um conceito revolucionário para as latas de conRevista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP servas, em meados da década de 1.990, contribuindo para aposentar definitivamente o velho abridor de latas e os relativamente novos sistemas de abertura fácil. Essa invenção foi patenteada internacionalmente, inclusive nos Estados Unidos, mas só no início do novo século ela foi licenciada para a Silgan, a maior fabricante norte-americano de latas de conservas (RESEALABLE..., 2.000). Foram necessários mais de seis anos do lançamento do produto no mercado brasileiro para encontrar uma empresa que valesse a pena firmar um contrato de licenciamento. De acordo com o Diretor de Marketing da Silgan, é grande o interesse por esta tampa por ser um produto que já foi provado, tendo sido usado no Brasil pelas filiais de multinacionais como a Cica e a Nestlé (ROJEK END ON...., 2.001). A Brasilata decidiu dar os primeiros passos visando um licenciamento internacional, somente após a concessão da patente americana em maio de 1999. E decidiu iniciar o pelo mercado americano, não só por ser o maior mercado de embalagens de lata de tintas, mas também porque as latas no Brasil e nos EUA possuem especificações semelhantes, o que facilita a implantação da inovação. Na Comunidade Européia as latas apresentam dimensões diferentes e há uma grande diversidade de formatos vigentes nos países que compõem este bloco econômico. Assim, considerando cada país europeu isoladamente, o mercado é relativamente pequeno. Por exemplo, o mercado do Reino Unido, onde as dimensões e formas das latas se aproximam das vigentes no Brasil, é menos que a metade do brasileiro. O foco inicial da Brasilata era conseguir licenciar o Fechamento Plus para empresas dos Estados Unidos. A estratégia para alcançar o mercado norte-americano tinha sido a de oferecer aos fabricantes de latas locais, tanto o licenciamento mediante a cobrança de royalties, quanto à venda de componentes produzidos no Brasil. Com esse objetivo participou como expositora em uma feira internacional de embalagens metálicas, realizada em 2001 em Denver. Foram, na ocasião, registrados mais de cinqüenta contatos com fabricantes de latas dos mais diversos paises. Entre esses contatos figurou o Presidente do Grupo Zapata, maior fabricante mexicano de latas de aço, o que foi fundamental para concretizar o primeiro contrato internacional de venda da tecnologia do Fechamento Plus. As negociações para o fechamento do contrato, apesar do grande interesse pessoal do próprio presidente dessa empresa levaram um ano. As exportações para o mercado mexicano apenas tomaram impulso Ano 7 Número 17 Abril 2005 ESTRATÉGIA DE PATENTEAMENTO em 2004 e foram necessárias varias viagens de técnicos brasileiros para ajudar os parceiros mexicanos a introduzir os fechamentos plus e biplus no mercado local. Por outro lado as negociações com empresas norte americanas não prosperam. O setor norte americano de latas de tintas passou nas duas últimas décadas do século passado por forte consolidação. Atualmente apenas três empresas atuam no mercado e aparentemente não estão dispostas a investir para mudar a tecnologia em um setor maduro. Após muita insistência a Brasilata optou, em 2004, por se associar a uma empresa americana, Phoenix-Containers, que atua no mercado com embalagens maiores (baldes de aço) e constituiu uma joint venture, Brasilata Phoenix, que possivelmente irá montar localmente latas com componentes plus e biplus produzidos no Brasil. No final de 2004 foi assinado um outro contrato de licenciamento, agora com uma empresa suíça, que deterá os direitos de uso das patentes da Brasilata para os paises de língua alemã (Suíça, Áustria e Alemanha). Estão em curso outras negociações envolvendo paises europeus e asiáticos. O grande aprendizado de todo esse processo foi constatar a grande dificuldade em vender tecnologia, especialmente quando ela foi desenvolvida por alguém ou em alguma região sem tradição no setor. O difícil caminho para a empresa vendedora é buscar contato direto com o mercado. A alternativa de divulgação de nova tecnologia pela propaganda é ineficaz, dada a resistência natural ao que ainda não é conhecido. São famosas as feiras sobre tecnologia, como por exemplo de aeronaves (Le Burgier, na França). Nada substitui o contato pessoal para a troca de informações técnicas. É nessa ocasião, por exemplo, que nasce o convite para conhecer o único lugar no mundo onde o Fechamento Plus é um grande sucesso de mercado: o Brasil. Para quem quer realmente vender tecnologia, a participação na feira tem de ser como expositor. Um balcão com um notebook e uma mesa com cadeiras para conversar, mostrar o produto, trocar endereços de e-mail e o primeiro contato fica estabelecido. A participação como visitante é para quem quer descobrir novidades para comprar. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Brasilata vem obtendo significativo sucesso desde que decidiu trilhar o caminho da inovação de produtos fugindo do domínio dos fornecedores de bens de capital, como é característico do setor em Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP E LICENCIAMENTO DE TECNOLOGIA: CONCEITOS E ESTUDO DE CASO que atua. Desde que o processo se iniciou, em 1992, foram feitos mais de 40 depósitos de patentes, sendo 17 apenas nos últimos três anos. A experiência dessa empresa mostra que um importante componente da sua estratégia de inovação concerne às decisões sobre patenteamento e outras formas de proteção dos conhecimentos tecnológicos gerados por ela. Essas decisões envolvem o que patentear, como e em que países. A seleção dos países para depositar patentes e, eventualmente marcas, deve ser criteriosa. O tamanho de mercado, o custo da proteção e a capacidade dos governos de prover proteção efetiva às invenções e modelos devem ser cuidadosamente analisadas e consideradas no nível estratégico da empresa. Tais decisões devem ser feitas em consonância com as decisões relativas ao modo de exploração desses ativos tecnológicos, isto é, se pela exploração direta exclusiva, por meio de alianças ou licenciamento. Conceder ou não a exclusividade e a que preços são algumas das decisões nessa fase. O comércio de tecnologia explícita, como é o caso de invenções patenteadas, pouco se assemelha com o comércio de bens tangíveis, inclusive os que incorporam novas tecnologias, como maquinas, equipamentos e outros insumos produtivos. Trata-se de um negócio que se efetua num mercado altamente assimétrico, na qual o comprador não sabe o que está efetivamente comprando. Por isso é normal que as negociações sigam um ritmo mais lento dos que os negócios envolvendo bens e serviços conhecidos. A reputação da empresa vendedora facilita as negociações, mas isso é algo que se constrói ao longo do tempo mediante uma política consistente e constante de inovação. A empresa em questão, que começou construindo essas condições em meados da década de 1980, só no início dos anos 2000 é que concretizou sua primeira comercialização de tecnologia com êxito. Primeiro a empresa teve que aprender a produzir tecnologia; depois, a proteger suas invenções, que outra coisa não é senão reservar mercados para os produtos e processos que incorporam essas invenções. Por fim, teve que aprender a comercializar as invenções protegidas. As dificuldades enfrentadas pela empresa objeto deste estudo são em muitos aspectos estrutural, pois o ambiente de negócio brasileiro sempre foi comprador de tecnologia e as poucas experiências de venda não foram relatadas, pois este tipo de transação geralmente requer sigilos quanto aos termos tratados. O aprendizado dessa empresa teve de partir praticamente do zero, pois foram de pouca valia as experiências acumuladas enquanto compradora de tecnologia embutida em bens de Ano 7 Número 17 Abril 2005 67 JOSÉ CARLOS BARBIERI / ANTONIO CARLOS TEIXEIRA ÁLVARES capital, como é típico das empresas do setor em que atua. Espera-se que os assuntos aqui apresentados possam contribuir para o aprendizado de outras empresas na comercialização das tecnologias por elas desenvolvidas. Vale ressaltar que a venda de tecnologia é sempre muito complexa uma vez que o comprador só a adquire pelo fato de não conhecê-la e quem compra o que não consegue tem dificuldades em avaliar o seu valor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA ÁLVARES, A. C. T; BARBIERI, J.C.; MACHADO, D.D.P.N. O caso Brasilata. In: BARBIERI, J.C.(org.). Organizações Inovadoras: estudos e casos brasileiros (2ª ed.). Rio de Janeiro: FGV, 2.004. BEDNAREK, M.D. 1.994. Global patent strategy. Managing Intellectual Property. 9 (44): 12- 22, nov. 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Por exemplo: prêmio internacional The Cans of the Year, concedidos durante o Congresso Internacional dos fabricantes de latas realizados em Brisbane na Austrália em 2.000; prêmio Prata na categoria Prototype, com a lata redonda de 900 ml para produtos perigosos em 2001 em Denver; premio Ouro na categoria Ends Caps and Closures, com o Fechamento Ploc Off em 2003 em Cingapura; premio Worldstar de 2.004 em Barcelona, Espanha para o Fechamento Biplus e premio Prata na categoria End, Caps and Closures em Denver em 2.004. 68 Revista Brasileira de Gestão de Negócios — FECAP Ano 7 Número 17 Abril 2005