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A
Perfil nutricional de participantes da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso em Centro de Saúde Escola de São Paulo
Artigo Original
Perfil nutricional de participantes da campanha nacional de vacinação
do idoso em um centro de saúde escola do município de São Paulo
Nutritional profile of Elderly National Vaccination Campaign participants in a Health Unit in São Paulo
Municipality
Viviane Laudelino Vieira1
Danielle Bonfim das Chagas Fava2
Tiemy Rosana Komatsu2
Samantha Caesar de Andrade1
Ana Maria Cervato-Mancuso3
Ana Cristina d’Andretta Tanaka 4
Unitermos:
Saúde do idoso. Vacinas contra influenza. Consumo
de alimentos. Nutrição em saúde pública. Atenção
primária à saúde.
Key words
Health of the elderly. Influenza vaccines. Food consumption. Nutrition, public health. Primary health care.
Endereço para correspondência:
Viviane Laudelino Vieira - Centro de Saúde Escola
Geraldo de Paula Souza - Faculdade de Saúde Pública da USP
Av. Dr. Arnaldo, 925 - Cerqueira César – São Paulo,
SP - CEP: 01246-904
E-mail: [email protected]
Submissão
5 de junho de 2009
Aceito para publicação
16 de janeiro de 2010
1.
2.
3.
4.
Mestre em Saúde Pública – Nutricionista do
Centro de Referência para a Prevenção e
controle de Doenças Associadas à Nutrição
– Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula
Souza - Faculdade de Saúde Pública da USP.
Nutricionista graduada pela Faculdade de
Saúde Pública da USP.
Professora Doutora - Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Diretora do Centro de Saúde Escola Geraldo
de Paula Souza e Professora. Titular do
Departamento de Saúde Materno-Infantil da
Faculdade de Saúde Pública da USP
RESUMO
Objetivo: Caracterizar os idosos participantes da Campanha Nacional de Vacinação quanto
aos aspectos relacionados à nutrição. Método: Estudo transversal realizado com 367
indivíduos durante a 10ª Campanha Nacional de Vacinação do Idoso no Centro de Saúde
Escola Geraldo de Paula Souza, no Município de São Paulo. O estudo conteve variáveis
sociodemográficas, relativas a percepção do estado nutricional, consumo de grupos de
alimentos, número de refeições, consumo de bebidas alcoólicas e prática de atividade
física. Realizou-se o teste qui-quadrado, com nível de significância indicado por p<0,05.
Resultados: O consumo dos grupos de alimentos analisados foi considerado adequado
para pelo menos 85,0% dos idosos. Com relação aos líquidos, 34,8% consomem mais do
que 1000 mL. A maioria não apresentou diminuição não intencional do peso ou do volume
da alimentação. Com relação ao consumo de bebidas alcoólicas, observa-se que 38,2%
dos entrevistados consumiram-na nos últimos três meses, sendo que destes 7,1% consumiram mais de 3 vezes por semana. Houve associação positiva entre consumo de bebidas
alcoólicas e o sexo masculino (p< 0,01). Conclusões: Esta população apresentou, em sua
maioria, consumo alimentar adequado ao mínimo que foi proposto neste estudo e ausência
de problemas de perda de peso ou diminuição da alimentação. Pode-se observar que, em
relação ao consumo de álcool e de líquidos, os resultados estão aquém aos recomendados,
sendo que estes temas podem ser abordados em atividades educativas na atenção básica.
ABSTRACT
Objective: To describe nutrition-related characteristics of the elderly who were vaccinated
during the National Vaccination Campaign. Methods: A cross-sectional study was conducted
including 367 elderly who attended the Geraldo de Paula Souza University Health Center
during the 10th National Vaccination Campaign for the Elderly in the city of São Paulo,
southeastern Brazil. Data collection included sociodemographic variables related to the
elderly’s perception of their nutritional status, consumption of food groups, number of
meals, alcohol intake, and level of physical activity. Data analysis was performed using the
chi-square test at a 5% significance level. Results: The consumption of food groups was
adequate in at least 85.0% of the elderly respondents and 34.8% of them had a fluid intake
of over 1000 mL. Most of the elderly interviewed did not report either unintentional weight
loss or reduction of food intake. As for alcohol intake, 38.2% of the respondents reported
its consumption in the last three months, of which 7.1% consumed it more than 3 times a
week. There was found a positive association between alcohol intake and male (p<0.01).
Conclusions: Most of the sample studied had adequate food consumption based on the
minimum recommendations proposed in the study and no issues of weight loss or reduction
of food intake. Alcohol and fluid intake was found to be inadequate, and this issue should
be approached through education activities at the primary care level.
Rev Bras Nutr Clin 2010; 25 (2): 171-6
171
Vieira VL et al.
Introdução
O crescimento da população de idosos superior aos outros
grupos etários é uma tendência mundial. Segundo a Organização
das Nações Unidas, a população acima dos 60 anos cresceu
quatro vezes mais que a população jovem e adulta, sendo este
aumento mais expressivo entre as pessoas com mais de 80 anos1.
Com o aumento do número de idosos no Brasil, principalmente a partir da década de 80 do século passado, houve
necessidade de rediscussão sobre a questão do envelhecimento
da população, iniciando-se reflexões acerca de questões fundamentais para formulação de políticas públicas, no sentido de
ajudar as pessoas a permanecerem independentes e ativas à
medida que envelhecem, encorajando a promoção da saúde e
a prevenção de doenças para melhoria da qualidade de vida2.
Os múltiplos aspectos que caracterizam o processo de envelhecimento convocam para a necessidade de se propiciar atenção
abrangente à saúde, de forma que não seja realizado somente
controle de doenças, mas que se proporcione bem-estar físico,
psíquico e social. Dessa forma, a atenção à saúde do idoso deve
ser multidimensional, contando com a participação conjunta de
múltiplos profissionais da saúde3.
Esta necessidade de ver o idoso em todos seus aspectos
multidimensionais leva obrigatoriamente a um trabalho multidisciplinar, no qual a nutrição tem um papel de destaque.
No que concerne à nutrição, é evidente a importância da alimentação no processo de envelhecimento, indicando que programas
de saúde direcionados a esta população devem ter a nutrição como
uma das áreas prioritárias, devido a peculiaridades que interferem
no estado nutricional. Dentre elas, podem-se destacar as alterações
fisiológicas do envelhecimento, enfermidades presentes e fatores
relacionados com a situação socioeconômica e familiar4.
Dentre as estratégias de prevenção elaboradas pelo Ministério da Saúde, a Campanha Nacional de Vacinação do Idoso
foi criada e é realizada por intermédio do Programa Nacional
de Imunizações, com objetivo de contribuir para a redução da
morbimortalidade por influenza e suas complicações. Atualmente, atende indivíduos com 60 anos ou mais e, em 2008, a
cobertura foi de 87% da população5,6.
Assim, a Campanha de Vacinação consiste em possibilidade
para se desenvolver tanto atividades de promoção da alimentação
saudável como de diagnóstico nutricional. Nesse sentido, o propósito
deste estudo foi caracterizar os idosos participantes de campanha de
vacinação quanto aos aspectos relacionados à nutrição.
Método
Foram estudados idosos, de ambos os sexos, vacinados
durante a 10ª edição da Campanha Nacional de Vacinação do
Idoso, no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza. Este
Centro é uma Unidade de Referência à Saúde do Idoso (URSI) e
conta com equipe interprofissional, sendo que um de seus objetivos específicos é desenvolver ações de promoção e proteção à
saúde. O período de coleta foi de 26 de abril a 9 de maio de 2008.
O estudo apresenta delineamento transversal; utilizou-se
amostragem não probabilística por voluntários, dado que os
idosos foram convidados a participar da atividade. Este procedimento de seleção tem por objetivo produzir um fac-símile de
uma amostra probabilística7. Foram entrevistados 367 dos 4.787
idosos vacinados, correspondendo a 7,6%.
Os participantes foram abordados durante a espera na fila de
cadastro da vacinação ou após serem vacinados. A abordagem
teve como objetivo promover o consumo de frutas, verduras
e legumes, por meio de explicação de material relativo à
importância da ingestão adequada destes alimentos. Aliado
à orientação, foi aplicado parte do questionário utilizado na
pesquisa Saúde, bem-estar e envelhecimento (SABE)8, referente
a questões relacionadas a aspectos nutricionais.
A coleta de dados foi realizada por estagiárias curriculares
da Graduação em Nutrição e nutricionistas do Programa de
Aprimoramento Profissional de Nutrição em Saúde Pública.
Para caracterização demográfica dos idosos atendidos pela
campanha de vacinação, utilizaram-se as variáveis “sexo”, classificado
em masculino e feminino, e “origem paciente”, que indica se o idoso é
usuário cadastrado no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza.
Coletou-se também a “idade”, uma variável quantitativa.
Para se obter o perfil nutricional, questionou-se o “número
de refeições completas diárias”, categorizado em uma, duas ou
três refeições. Também foram coletadas variáveis referentes à
adequação do consumo de grupos de alimentos, categorizadas
de acordo com a padronização proposta por Lebrão & Duarte8.
Para “leite, queijo e outros produtos lácteos”, o consumo foi
considerado adequado caso o idoso consumisse pelo menos uma
vez ao dia; para “ovos e leguminosas”, pelo menos uma vez
por semana; para ”carnes, peixes e aves”, deveria se consumir
ao menos três vezes por semana e, para “frutas, verduras e
legumes”, pelo menos duas vezes ao dia. O ”consumo de
líquidos” (água, chá, café, sucos e leite) foi categorizado em
menos de 600 mL, de 600 a 1000 mL e mais de 1000 mL ao dia.
A fim de se obter informações generalistas do estado nutricional,
questionou-se sobre “perda de peso não intencional nos últimos 12
meses”, segundo as seguintes categorias: não perdeu, até 3 quilos e
acima de 3 quilos. Verificou-se também a “diminuição não intencional do volume da alimentação”, sendo uma variável dicotômica
(sim ou não), a “auto-percepção do estado nutricional”, classificado
em bem nutrido ou mal nutrido, a “presença de problemas digestivos no último ano” e “perda de peso no último ano”, sendo estas
últimas dicotômicas (sim ou não).
Aliado a isso, coletou-se dados sobre ”consumo de álcool nos
últimos três meses” classificado em nenhum ou menos de 1 dia
por semana, 1 a 3 dias por semana ou acima de 4 dias por semana
e “prática de atividade física rigorosa pelo menos três vezes na
semana durante o último ano”, variável dicotômica (sim ou não).
Calcularam-se média e desvio padrão (dp) da variável
quantitativa (idade) e frequência das qualitativas. Para verificação de associação das variáveis com sexo, utilizou-se o teste
qui-quadrado, com nível de significância indicado por p<0,05.
Os dados foram tabulados e processados por meio dos
softwares Epi-Info 2000, Microsoft Excel e Access 2003.
Os procedimentos relacionados à ética em pesquisa com
seres humanos foram respeitados, uma vez que os participantes
tiveram liberdade para não responder ao questionário, sem
nenhum prejuízo em relação à Campanha de Vacinação. Além
disso, dados que identificam e/ou prejudiquem de alguma
maneira os participantes não serão divulgados.
Resultados
Os entrevistados apresentaram idade variando de 60 a
95 anos (Média= 71,8; dp= 7,77), dos quais 75,7% do sexo
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Perfil nutricional de participantes da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso em Centro de Saúde Escola de São Paulo
Tabela 1 - Características nutricionais dos idosos atendidos na 10ª Campanha Nacional de Vacinação do Idoso pelo Centro de Saúde Escola Geraldo de
Paula Souza. São Paulo, 2008.
Sexo
Variável
Masculino
Total
Feminino
p*
N
%
N
%
N
%
Número de refeições principais
1
2
3
NS/NR
2
25
62
0
2,3
28,1
69,7
0,0
14
69
194
1
5,0
24,8
69,8
0,4
16
94
256
1
4,3
25,6
69,8
0,3
0,48
Consumo de leite, queijo e outros produtos lácteos
Adequado
Inadequado
NS/NR
80
9
0
89,9
10,1
0,0
253
25
0
91,0
9,0
0,0
333
34
0
90,7
9,3
0,0
0,75
Consumo de ovos e leguminosas
Adequado
Inadequado
NS/NR
83
5
1
93,3
5,6
1,1
248
27
3
89,2
9,7
1,1
331
32
4
90,2
8,7
1,1
0,23
Consumo de carnes, peixes e aves
Adequado
Inadequado
NS/NR
83
6
0
93,3
6,7
0,0
257
20
1
92,4
7,2
0,4
340
26
1
92,6
7,1
0,3
0,88
Consumo de frutas, verduras e legumes
Adequado
Inadequado
NS/NR
74
14
1
83,2
15,7
1,1
239
39
0
86,0
14,0
0,0
313
53
1
85,3
14,4
0,3
0,66
Consumo de líquidos (em xícaras)
Menos do que 3
De 3 a 5
Acima de 5
NS/NR
14
37
36
2
15,6
41,6
40,5
2,3
41
139
92
6
14,7
50,0
33,1
2,2
55
176
128
8
14,9
48,0
34,9
2,2
0,35
Perda de peso não intencional nos últimos 12 meses (em kg)
Não perdeu
Até 3
Acima de 3
NS/NR
72
5
9
3
80,9
5,6
10,1
3,4
237
18
20
3
85,3
6,5
7,2
1,1
309
23
29
6
84,2
6,3
7,9
1,6
0,63
Diminuição não-intencional do volume da alimentação
Não
Sim
NS/NR
8
79
2
8,9
88,8
2,3
46
231
1
16,6
83,1
0,4
54
310
3
14,7
84,5
0,8
0,09
Auto-percepção do estado nutricional
Bem-nutrido
Mal-nutrido
NS/NR
82
3
4
92,1
3,4
4,5
249
24
5
89,6
8,6
1,8
331
27
9
90,1
7,4
2,5
0,11
Consumo de bebidas alcoólicas
Nenhum
De 1 a 3 dias por semana
Acima de 3 dias por semana
NS/NR
39
35
14
1
43,9
39,3
15,7
1,1
187
79
12
0
67,3
28,4
4,3
0,0
226
114
26
1
61,5
31,1
7,1
0,3
0,00
Realização de atividade física rigorosa pelo menos três
vezes/semana
Não
Sim
NS/NR
45
43
1
50,6
48,3
1,1
120
158
0
43,2
56,8
0,0
165
201
1
44,9
54,8
0,3
0,19
*usando o qui-quadrado.
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173
Vieira VL et al.
feminino. Da amostra investigada, 18,5% são matriculados no
Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza.
Os dados referentes às características nutricionais encontram-se na Tabela 1.
Com relação ao número de refeições principais realizadas,
verificou-se que 69,8% realizam três, enquanto que 4,4% realizavam apenas uma destas refeições por dia. Não houve diferença
estatisticamente significativa entre homens e mulheres.
Dos entrevistados, 90,7% consomem leite, queijos e outros
produtos lácteos pelo menos uma vez ao dia. A maioria dos
idosos (90,2%) informou consumir ovos, feijões e lentilhas
(leguminosas) pelo menos uma vez por semana. O consumo
de carnes, peixes e aves é realizado pelo menos três vezes por
semana por 92,6% dos entrevistados. Já o consumo de frutas,
verduras e legumes, pelo menos duas vezes ao dia, foi relatado
por 85,3% dos idosos. Para nenhum dos grupos, houve diferença
de consumo entre os sexos.
Quanto ao consumo de líquidos, 34,9% referiram ingerir
mais de 1000 mL de água, chá, suco, café ou leite diariamente,
sem diferenças entre os sexos.
Dos entrevistados, 84,2% não apresentaram perda de peso
nos últimos 12 meses, sem fazer nenhum tipo de dieta, não
existindo diferença estatisticamente significativa entre os sexos.
Do total dos investigados, 84,5% relataram ausência/diminuição não intencional do volume da alimentação nos últimos
12 meses. É possível verificar que não houve associação entre
esta variável e sexo.
Quando os idosos foram solicitados a auto-avaliar o estado
nutricional, observa-se que 90,2% dos entrevistados consideram-se bem nutridos. Dentre as mulheres, 89,6% consideram
ter um bom estado nutricional e, dentre os homens, 92,1%,
embora não haja diferença significativa entre os sexos.
Com relação ao consumo de bebidas alcoólicas, observa-se
que 38,2% dos entrevistados consumiram-na nos últimos três
meses, sendo que destes 7,1% consumiram mais de três vezes
por semana, com maior destaque para os homens (15,7%)
Pode-se afirmar que houve associação entre consumo de bebidas
alcoólicas e sexo (p< 0,01).
Dos participantes dessa pesquisa, 54,8% não praticaram
atividades físicas vigorosas no último ano. Destes, 78,6% eram
mulheres e 21,4% eram homens (p>0,05).
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo revelaram que os idosos entrevistados eram em sua maioria do sexo feminino. As porcentagens
entre sexo foram superiores aos valores obtidos pelo Censo
20009 e por Lebrão & Laurenti10. Os trabalhos citados tiveram
59,5% e 58,6% de mulheres, respectivamente, enquanto que o
presente estudo apresentou 75,5%. Esta diferença pode estar
relacionada com a técnica de seleção da amostra (voluntária),
dado que as mulheres mostraram-se mais dispostas a responder
o questionário. Além disso, o predomínio da população feminina
pode estar associado à maior sensibilização das mulheres às
necessidades demandadas para a promoção da saúde11, como o
comparecimento às campanhas para a prevenção de doenças.
A maioria dos entrevistados (81,5%) não apresentava
matrícula na unidade básica na qual se vacinaram. Isso pode
representar que estes indivíduos não utilizam a rede pública
de saúde ou, então, não realizam acompanhamento médico
periódico.
Mesmo sendo a maioria feminina, não se verificou diferenças
segundo o sexo em relação às características nutricionais, exceto
para o consumo de bebidas alcoólicas, o que será discutido
posteriormente.
Ao avaliar a frequência de consumo alimentar dos grupos de
alimentos, verifica-se que a maioria dos idosos teve consumo
adequado ao padrão indicado no questionário, embora seja diferente das recomendações propostas para a população brasileira
no guia alimentar desenvolvidas pelo Ministério da Saúde12, que
preconiza, no Guia Alimentar para a População Brasileira três
porções de leite e derivados; uma porção do grupo dos feijões;
de uma a duas porções de carnes, peixes ou ovos; três porções
de frutas e três porções de legumes e verduras.
Um estudo conduzido por Najas et al.13, desenvolvido no Município de São Paulo, mostrou consumo inferior ao obtido no presente
artigo para os diversos grupos de alimentos. Estes autores discutem
que as regiões com condições socioeconômicas mais favoráveis
apresentaram consumo maior em relação às demais, o que possivelmente ocorreu com a população vacinada no Centro de Saúde.
Já Bion et al.14 investigaram, por meio de recordatório
alimentar de 24h, o consumo alimentar de 126 idosos de
Pernambuco e os resultados foram semelhantes aos encontrados
no presente trabalho para frutas, hortaliças, leite e derivados. Só
vale destacar o baixo consumo diário de carnes, aves e peixes
(41,3%) neste Estado do Nordeste, revelando dieta com baixo
aporte protéico e de ferro.
Embora as metodologias dos estudos acima sejam diferentes
deste, é possível discutir a relação do consumo alimentar com
fatores socioeconômicos. A diminuição de recursos financeiros
que acomete a população idosa, como consequência de aposentadoria ou pensão insuficientes e comprometidas pela aquisição
de medicamentos, tende a favorecer a monotonia alimentar e
a aquisição de alimentos de menor custo, ficando em segundo
plano o valor nutricional14,15. A população estudada trata-se de
uma parcela privilegiada em termos socioeconômicos, devido às
características sócio-demográficas da região na qual se localiza o
Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza. Além disso, há
a questão da temporalidade. O estudo de Najas et al.13 antecede
a introdução do Plano Real. A partir desse Plano, houve melhora
econômica para o país, fazendo com que as pessoas tivessem
maior acesso à compra de diversos gêneros, inclusive alimentos,
além de melhora no valor da aposentadoria.
É importante destacar que poucos estudos avaliam o
consumo alimentar dos idosos por grupos de alimentos, sendo
ainda comum a análise por nutrientes15,16. A verificação do
consumo por meio dos grupos evita o viés referente às tabelas
de consumo de alimentos, que podem não representar adequadamente o alimento consumido. Por outro lado, pode desconsiderar
modo de preparo ou diferentes tipos de alimentos dentro de um
mesmo grupo, generalizando o padrão alimentar. Porém, quando
o objetivo é se ter informações básicas do padrão, é um método
mais rápido, mantendo-se confiável.
Quanto ao consumo de líquidos, é fato que idosos apresentam
diminuição da sensibilidade à sede e, por isso, a desidratação
Rev Bras Nutr Clin 2010; 25 (2): 171-6
174
Perfil nutricional de participantes da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso em Centro de Saúde Escola de São Paulo
é frequente neste grupo, podendo desencadear outras doenças
como enfermidades infecciosas e cerebrovasculares17. Ainda,
a hipodipsia pode ser consequência do uso de medicamentos
como diuréticos, muito frequentes no tratamento da hipertensão
arterial, doença comum em geriatria. Alguns autores sugerem
que a recomendação mínima de água para idosos é de 1.500
mL/dia18. Caso se considere que um copo de referência de 200
mL, a quantidade citada pela maioria deste estudo, ainda assim,
não atinge essa recomendação.
As questões relacionadas ao estado nutricional mostraram
que a maioria dos participantes (84,2%) não apresentou perda
de peso nos últimos três meses, sendo fator importante para a
manutenção do estado nutricional. Sabe-se que a perda ponderal
é uma tendência natural no processo de envelhecimento, mas o
emagrecimento também pode indicar algum tipo de doença ou
ser decorrente do isolamento social ou problemas familiares.
Sugere-se que, para avaliação mais completa do estado nutricional, sejam considerados outros métodos de avaliação, como
antropometria. Essa investigação não fez parte dos objetivos
deste estudo.
A auto-avaliação do estado nutricional indicou resultados
semelhantes aos encontrados no estudo de Lebrão e Laurenti10,
que mostrou que 91,6% dos idosos consideram-se bem nutridos.
No presente estudo, mesmo tendo elevada porcentagem de indivíduos considerando-se bem nutridos, cerca de 30% deixam de
realizar pelo menos uma das refeições principais. Esta condição
pode representar que, mesmo sentindo-se sadios, parte da população não deve receber aporte adequado de nutrientes.
O abuso na ingestão de álcool dentre a população idosa
geralmente é considerado um problema subestimado, sendo
muitas as causas para este fato, tais como isolamento social,
problemas familiares e econômicos e diminuição da independência para atividades rotineiras19. Esta informação pode ser
subestimada, dado que muitas pessoas não referem o hábito de
ingerir bebidas alcoólicas, por sentirem-se inibidas, ou então
subestimam a quantidade real de ingestão. Por outro lado,
constitui-se em importante problema, tendo em vista que as
consequências decorrentes da ingestão de álcool excessiva são
comuns ao processo de envelhecimento, bem como confusão,
depressão, insônia, dentre outros20.
Concernente ao consumo de álcool, pesquisas mostram que
a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre homens é
superior à prevalência de consumo de mulheres19,21. No presente
estudo, a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre
os homens foi 56,2% e entre mulheres 32,7%. Quando comparadas, a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre
homens é 72% maior do que a prevalência do consumo entre
mulheres. Isso pode ser justificado por questões culturais, dado
que a aceitação da ingestão alcoólica é maior para homens e,
possivelmente, devido ao fato dos sexos tenderem a apresentar
formas de escape diferentes aos problemas, sugerindo-se que
homens recorrem ao vício.
Referente à prática de atividade física, dados da Pesquisa
SABE8 mostraram que 78,7% das mulheres e 75,1% dos homens
não praticaram atividades físicas vigorosas nos últimos 12
meses, porcentagens diferentes das encontradas neste estudo.
A prática de atividade física regular em idosos tem repercussão
positiva na saúde física, cognitiva e psicológica e, dessa forma,
é considerada um fator positivo na redução dos riscos de morbimortalidade e doenças crônicas22,23. Na literatura, são poucas as
pesquisas referentes à atividade física em idosos, principalmente
quando se trata de estudos epidemiológicos. Zaitune et al.24
observaram que a prevalência de sedentarismo é de 65,8% entre
homens e 74,7% entre mulheres no município de São Paulo.
É preciso salientar que devido ao tipo de amostragem utilizada, os dados obtidos com este estudo devem ser utilizados
com cautela, mas servem de base para a elaboração de propostas
objetivando a melhoria das condições de saúde desta população,
principalmente em relação às questões que envolvem a nutrição.
CONCLUSÃO
A população do presente estudo foi predominantemente do
sexo feminino, para a qual não foram encontradas diferenças
entre as questões estudadas em relação ao sexo masculino,
exceto para o consumo de bebidas alcoólicas.
Embora esta população apresente, em sua maioria, consumo
alimentar adequado ao mínimo que foi proposto neste estudo
e ausência de problemas de perda de peso ou diminuição da
alimentação, faz-se importante o desenvolvimento de ações
educativas que promovam a melhoria dos hábitos alimentares.
Pode-se observar, ainda, que, em relação ao consumo de álcool,
ingestão de líquidos e a prática de atividade física, os resultados
estão aquém aos recomendados, sendo que estes temas podem
ser abordados em atividades educativas na atenção básica.
Embora o instrumento utilizado para a pesquisa não permita
análise aprofundada da avaliação nutricional dos idosos, este
favoreceu para a obtenção de caracterização básica de parte
da população vacinada de uma região do Município de São
Paulo. Além disso, por ser um instrumento rápido, possibilita
a aplicação em número ampliado de pessoas e poder-se-á, se
aplicado periodicamente, acompanhar mudanças nutricionais
deste público. Por fim, pode favorecer o desenvolvimento de
estratégias na atenção básica em saúde coerentes ao perfil da
população frequentadora do Centro de Saúde.
Referências
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revision highlights. New York: United Nations; 2005.
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de gerontologia. São Paulo:Atheneu;2007. p.625-36.
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Local de realização do trabalho: Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza - Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, SP.
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