A Perfil nutricional de participantes da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso em Centro de Saúde Escola de São Paulo Artigo Original Perfil nutricional de participantes da campanha nacional de vacinação do idoso em um centro de saúde escola do município de São Paulo Nutritional profile of Elderly National Vaccination Campaign participants in a Health Unit in São Paulo Municipality Viviane Laudelino Vieira1 Danielle Bonfim das Chagas Fava2 Tiemy Rosana Komatsu2 Samantha Caesar de Andrade1 Ana Maria Cervato-Mancuso3 Ana Cristina d’Andretta Tanaka 4 Unitermos: Saúde do idoso. Vacinas contra influenza. Consumo de alimentos. Nutrição em saúde pública. Atenção primária à saúde. Key words Health of the elderly. Influenza vaccines. Food consumption. Nutrition, public health. Primary health care. Endereço para correspondência: Viviane Laudelino Vieira - Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza - Faculdade de Saúde Pública da USP Av. Dr. Arnaldo, 925 - Cerqueira César – São Paulo, SP - CEP: 01246-904 E-mail: [email protected] Submissão 5 de junho de 2009 Aceito para publicação 16 de janeiro de 2010 1. 2. 3. 4. Mestre em Saúde Pública – Nutricionista do Centro de Referência para a Prevenção e controle de Doenças Associadas à Nutrição – Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza - Faculdade de Saúde Pública da USP. Nutricionista graduada pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Professora Doutora - Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP. Diretora do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza e Professora. Titular do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da USP RESUMO Objetivo: Caracterizar os idosos participantes da Campanha Nacional de Vacinação quanto aos aspectos relacionados à nutrição. Método: Estudo transversal realizado com 367 indivíduos durante a 10ª Campanha Nacional de Vacinação do Idoso no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, no Município de São Paulo. O estudo conteve variáveis sociodemográficas, relativas a percepção do estado nutricional, consumo de grupos de alimentos, número de refeições, consumo de bebidas alcoólicas e prática de atividade física. Realizou-se o teste qui-quadrado, com nível de significância indicado por p<0,05. Resultados: O consumo dos grupos de alimentos analisados foi considerado adequado para pelo menos 85,0% dos idosos. Com relação aos líquidos, 34,8% consomem mais do que 1000 mL. A maioria não apresentou diminuição não intencional do peso ou do volume da alimentação. Com relação ao consumo de bebidas alcoólicas, observa-se que 38,2% dos entrevistados consumiram-na nos últimos três meses, sendo que destes 7,1% consumiram mais de 3 vezes por semana. Houve associação positiva entre consumo de bebidas alcoólicas e o sexo masculino (p< 0,01). Conclusões: Esta população apresentou, em sua maioria, consumo alimentar adequado ao mínimo que foi proposto neste estudo e ausência de problemas de perda de peso ou diminuição da alimentação. Pode-se observar que, em relação ao consumo de álcool e de líquidos, os resultados estão aquém aos recomendados, sendo que estes temas podem ser abordados em atividades educativas na atenção básica. ABSTRACT Objective: To describe nutrition-related characteristics of the elderly who were vaccinated during the National Vaccination Campaign. Methods: A cross-sectional study was conducted including 367 elderly who attended the Geraldo de Paula Souza University Health Center during the 10th National Vaccination Campaign for the Elderly in the city of São Paulo, southeastern Brazil. Data collection included sociodemographic variables related to the elderly’s perception of their nutritional status, consumption of food groups, number of meals, alcohol intake, and level of physical activity. Data analysis was performed using the chi-square test at a 5% significance level. Results: The consumption of food groups was adequate in at least 85.0% of the elderly respondents and 34.8% of them had a fluid intake of over 1000 mL. Most of the elderly interviewed did not report either unintentional weight loss or reduction of food intake. As for alcohol intake, 38.2% of the respondents reported its consumption in the last three months, of which 7.1% consumed it more than 3 times a week. There was found a positive association between alcohol intake and male (p<0.01). Conclusions: Most of the sample studied had adequate food consumption based on the minimum recommendations proposed in the study and no issues of weight loss or reduction of food intake. Alcohol and fluid intake was found to be inadequate, and this issue should be approached through education activities at the primary care level. Rev Bras Nutr Clin 2010; 25 (2): 171-6 171 Vieira VL et al. Introdução O crescimento da população de idosos superior aos outros grupos etários é uma tendência mundial. Segundo a Organização das Nações Unidas, a população acima dos 60 anos cresceu quatro vezes mais que a população jovem e adulta, sendo este aumento mais expressivo entre as pessoas com mais de 80 anos1. Com o aumento do número de idosos no Brasil, principalmente a partir da década de 80 do século passado, houve necessidade de rediscussão sobre a questão do envelhecimento da população, iniciando-se reflexões acerca de questões fundamentais para formulação de políticas públicas, no sentido de ajudar as pessoas a permanecerem independentes e ativas à medida que envelhecem, encorajando a promoção da saúde e a prevenção de doenças para melhoria da qualidade de vida2. Os múltiplos aspectos que caracterizam o processo de envelhecimento convocam para a necessidade de se propiciar atenção abrangente à saúde, de forma que não seja realizado somente controle de doenças, mas que se proporcione bem-estar físico, psíquico e social. Dessa forma, a atenção à saúde do idoso deve ser multidimensional, contando com a participação conjunta de múltiplos profissionais da saúde3. Esta necessidade de ver o idoso em todos seus aspectos multidimensionais leva obrigatoriamente a um trabalho multidisciplinar, no qual a nutrição tem um papel de destaque. No que concerne à nutrição, é evidente a importância da alimentação no processo de envelhecimento, indicando que programas de saúde direcionados a esta população devem ter a nutrição como uma das áreas prioritárias, devido a peculiaridades que interferem no estado nutricional. Dentre elas, podem-se destacar as alterações fisiológicas do envelhecimento, enfermidades presentes e fatores relacionados com a situação socioeconômica e familiar4. Dentre as estratégias de prevenção elaboradas pelo Ministério da Saúde, a Campanha Nacional de Vacinação do Idoso foi criada e é realizada por intermédio do Programa Nacional de Imunizações, com objetivo de contribuir para a redução da morbimortalidade por influenza e suas complicações. Atualmente, atende indivíduos com 60 anos ou mais e, em 2008, a cobertura foi de 87% da população5,6. Assim, a Campanha de Vacinação consiste em possibilidade para se desenvolver tanto atividades de promoção da alimentação saudável como de diagnóstico nutricional. Nesse sentido, o propósito deste estudo foi caracterizar os idosos participantes de campanha de vacinação quanto aos aspectos relacionados à nutrição. Método Foram estudados idosos, de ambos os sexos, vacinados durante a 10ª edição da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso, no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza. Este Centro é uma Unidade de Referência à Saúde do Idoso (URSI) e conta com equipe interprofissional, sendo que um de seus objetivos específicos é desenvolver ações de promoção e proteção à saúde. O período de coleta foi de 26 de abril a 9 de maio de 2008. O estudo apresenta delineamento transversal; utilizou-se amostragem não probabilística por voluntários, dado que os idosos foram convidados a participar da atividade. Este procedimento de seleção tem por objetivo produzir um fac-símile de uma amostra probabilística7. Foram entrevistados 367 dos 4.787 idosos vacinados, correspondendo a 7,6%. Os participantes foram abordados durante a espera na fila de cadastro da vacinação ou após serem vacinados. A abordagem teve como objetivo promover o consumo de frutas, verduras e legumes, por meio de explicação de material relativo à importância da ingestão adequada destes alimentos. Aliado à orientação, foi aplicado parte do questionário utilizado na pesquisa Saúde, bem-estar e envelhecimento (SABE)8, referente a questões relacionadas a aspectos nutricionais. A coleta de dados foi realizada por estagiárias curriculares da Graduação em Nutrição e nutricionistas do Programa de Aprimoramento Profissional de Nutrição em Saúde Pública. Para caracterização demográfica dos idosos atendidos pela campanha de vacinação, utilizaram-se as variáveis “sexo”, classificado em masculino e feminino, e “origem paciente”, que indica se o idoso é usuário cadastrado no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza. Coletou-se também a “idade”, uma variável quantitativa. Para se obter o perfil nutricional, questionou-se o “número de refeições completas diárias”, categorizado em uma, duas ou três refeições. Também foram coletadas variáveis referentes à adequação do consumo de grupos de alimentos, categorizadas de acordo com a padronização proposta por Lebrão & Duarte8. Para “leite, queijo e outros produtos lácteos”, o consumo foi considerado adequado caso o idoso consumisse pelo menos uma vez ao dia; para “ovos e leguminosas”, pelo menos uma vez por semana; para ”carnes, peixes e aves”, deveria se consumir ao menos três vezes por semana e, para “frutas, verduras e legumes”, pelo menos duas vezes ao dia. O ”consumo de líquidos” (água, chá, café, sucos e leite) foi categorizado em menos de 600 mL, de 600 a 1000 mL e mais de 1000 mL ao dia. A fim de se obter informações generalistas do estado nutricional, questionou-se sobre “perda de peso não intencional nos últimos 12 meses”, segundo as seguintes categorias: não perdeu, até 3 quilos e acima de 3 quilos. Verificou-se também a “diminuição não intencional do volume da alimentação”, sendo uma variável dicotômica (sim ou não), a “auto-percepção do estado nutricional”, classificado em bem nutrido ou mal nutrido, a “presença de problemas digestivos no último ano” e “perda de peso no último ano”, sendo estas últimas dicotômicas (sim ou não). Aliado a isso, coletou-se dados sobre ”consumo de álcool nos últimos três meses” classificado em nenhum ou menos de 1 dia por semana, 1 a 3 dias por semana ou acima de 4 dias por semana e “prática de atividade física rigorosa pelo menos três vezes na semana durante o último ano”, variável dicotômica (sim ou não). Calcularam-se média e desvio padrão (dp) da variável quantitativa (idade) e frequência das qualitativas. Para verificação de associação das variáveis com sexo, utilizou-se o teste qui-quadrado, com nível de significância indicado por p<0,05. Os dados foram tabulados e processados por meio dos softwares Epi-Info 2000, Microsoft Excel e Access 2003. Os procedimentos relacionados à ética em pesquisa com seres humanos foram respeitados, uma vez que os participantes tiveram liberdade para não responder ao questionário, sem nenhum prejuízo em relação à Campanha de Vacinação. Além disso, dados que identificam e/ou prejudiquem de alguma maneira os participantes não serão divulgados. Resultados Os entrevistados apresentaram idade variando de 60 a 95 anos (Média= 71,8; dp= 7,77), dos quais 75,7% do sexo Rev Bras Nutr Clin 2010; 25 (2): 171-6 172 Perfil nutricional de participantes da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso em Centro de Saúde Escola de São Paulo Tabela 1 - Características nutricionais dos idosos atendidos na 10ª Campanha Nacional de Vacinação do Idoso pelo Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza. São Paulo, 2008. Sexo Variável Masculino Total Feminino p* N % N % N % Número de refeições principais 1 2 3 NS/NR 2 25 62 0 2,3 28,1 69,7 0,0 14 69 194 1 5,0 24,8 69,8 0,4 16 94 256 1 4,3 25,6 69,8 0,3 0,48 Consumo de leite, queijo e outros produtos lácteos Adequado Inadequado NS/NR 80 9 0 89,9 10,1 0,0 253 25 0 91,0 9,0 0,0 333 34 0 90,7 9,3 0,0 0,75 Consumo de ovos e leguminosas Adequado Inadequado NS/NR 83 5 1 93,3 5,6 1,1 248 27 3 89,2 9,7 1,1 331 32 4 90,2 8,7 1,1 0,23 Consumo de carnes, peixes e aves Adequado Inadequado NS/NR 83 6 0 93,3 6,7 0,0 257 20 1 92,4 7,2 0,4 340 26 1 92,6 7,1 0,3 0,88 Consumo de frutas, verduras e legumes Adequado Inadequado NS/NR 74 14 1 83,2 15,7 1,1 239 39 0 86,0 14,0 0,0 313 53 1 85,3 14,4 0,3 0,66 Consumo de líquidos (em xícaras) Menos do que 3 De 3 a 5 Acima de 5 NS/NR 14 37 36 2 15,6 41,6 40,5 2,3 41 139 92 6 14,7 50,0 33,1 2,2 55 176 128 8 14,9 48,0 34,9 2,2 0,35 Perda de peso não intencional nos últimos 12 meses (em kg) Não perdeu Até 3 Acima de 3 NS/NR 72 5 9 3 80,9 5,6 10,1 3,4 237 18 20 3 85,3 6,5 7,2 1,1 309 23 29 6 84,2 6,3 7,9 1,6 0,63 Diminuição não-intencional do volume da alimentação Não Sim NS/NR 8 79 2 8,9 88,8 2,3 46 231 1 16,6 83,1 0,4 54 310 3 14,7 84,5 0,8 0,09 Auto-percepção do estado nutricional Bem-nutrido Mal-nutrido NS/NR 82 3 4 92,1 3,4 4,5 249 24 5 89,6 8,6 1,8 331 27 9 90,1 7,4 2,5 0,11 Consumo de bebidas alcoólicas Nenhum De 1 a 3 dias por semana Acima de 3 dias por semana NS/NR 39 35 14 1 43,9 39,3 15,7 1,1 187 79 12 0 67,3 28,4 4,3 0,0 226 114 26 1 61,5 31,1 7,1 0,3 0,00 Realização de atividade física rigorosa pelo menos três vezes/semana Não Sim NS/NR 45 43 1 50,6 48,3 1,1 120 158 0 43,2 56,8 0,0 165 201 1 44,9 54,8 0,3 0,19 *usando o qui-quadrado. Rev Bras Nutr Clin 2010; 25 (2): 171-6 173 Vieira VL et al. feminino. Da amostra investigada, 18,5% são matriculados no Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza. Os dados referentes às características nutricionais encontram-se na Tabela 1. Com relação ao número de refeições principais realizadas, verificou-se que 69,8% realizam três, enquanto que 4,4% realizavam apenas uma destas refeições por dia. Não houve diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres. Dos entrevistados, 90,7% consomem leite, queijos e outros produtos lácteos pelo menos uma vez ao dia. A maioria dos idosos (90,2%) informou consumir ovos, feijões e lentilhas (leguminosas) pelo menos uma vez por semana. O consumo de carnes, peixes e aves é realizado pelo menos três vezes por semana por 92,6% dos entrevistados. Já o consumo de frutas, verduras e legumes, pelo menos duas vezes ao dia, foi relatado por 85,3% dos idosos. Para nenhum dos grupos, houve diferença de consumo entre os sexos. Quanto ao consumo de líquidos, 34,9% referiram ingerir mais de 1000 mL de água, chá, suco, café ou leite diariamente, sem diferenças entre os sexos. Dos entrevistados, 84,2% não apresentaram perda de peso nos últimos 12 meses, sem fazer nenhum tipo de dieta, não existindo diferença estatisticamente significativa entre os sexos. Do total dos investigados, 84,5% relataram ausência/diminuição não intencional do volume da alimentação nos últimos 12 meses. É possível verificar que não houve associação entre esta variável e sexo. Quando os idosos foram solicitados a auto-avaliar o estado nutricional, observa-se que 90,2% dos entrevistados consideram-se bem nutridos. Dentre as mulheres, 89,6% consideram ter um bom estado nutricional e, dentre os homens, 92,1%, embora não haja diferença significativa entre os sexos. Com relação ao consumo de bebidas alcoólicas, observa-se que 38,2% dos entrevistados consumiram-na nos últimos três meses, sendo que destes 7,1% consumiram mais de três vezes por semana, com maior destaque para os homens (15,7%) Pode-se afirmar que houve associação entre consumo de bebidas alcoólicas e sexo (p< 0,01). Dos participantes dessa pesquisa, 54,8% não praticaram atividades físicas vigorosas no último ano. Destes, 78,6% eram mulheres e 21,4% eram homens (p>0,05). DISCUSSÃO Os resultados deste estudo revelaram que os idosos entrevistados eram em sua maioria do sexo feminino. As porcentagens entre sexo foram superiores aos valores obtidos pelo Censo 20009 e por Lebrão & Laurenti10. Os trabalhos citados tiveram 59,5% e 58,6% de mulheres, respectivamente, enquanto que o presente estudo apresentou 75,5%. Esta diferença pode estar relacionada com a técnica de seleção da amostra (voluntária), dado que as mulheres mostraram-se mais dispostas a responder o questionário. Além disso, o predomínio da população feminina pode estar associado à maior sensibilização das mulheres às necessidades demandadas para a promoção da saúde11, como o comparecimento às campanhas para a prevenção de doenças. A maioria dos entrevistados (81,5%) não apresentava matrícula na unidade básica na qual se vacinaram. Isso pode representar que estes indivíduos não utilizam a rede pública de saúde ou, então, não realizam acompanhamento médico periódico. Mesmo sendo a maioria feminina, não se verificou diferenças segundo o sexo em relação às características nutricionais, exceto para o consumo de bebidas alcoólicas, o que será discutido posteriormente. Ao avaliar a frequência de consumo alimentar dos grupos de alimentos, verifica-se que a maioria dos idosos teve consumo adequado ao padrão indicado no questionário, embora seja diferente das recomendações propostas para a população brasileira no guia alimentar desenvolvidas pelo Ministério da Saúde12, que preconiza, no Guia Alimentar para a População Brasileira três porções de leite e derivados; uma porção do grupo dos feijões; de uma a duas porções de carnes, peixes ou ovos; três porções de frutas e três porções de legumes e verduras. Um estudo conduzido por Najas et al.13, desenvolvido no Município de São Paulo, mostrou consumo inferior ao obtido no presente artigo para os diversos grupos de alimentos. Estes autores discutem que as regiões com condições socioeconômicas mais favoráveis apresentaram consumo maior em relação às demais, o que possivelmente ocorreu com a população vacinada no Centro de Saúde. Já Bion et al.14 investigaram, por meio de recordatório alimentar de 24h, o consumo alimentar de 126 idosos de Pernambuco e os resultados foram semelhantes aos encontrados no presente trabalho para frutas, hortaliças, leite e derivados. Só vale destacar o baixo consumo diário de carnes, aves e peixes (41,3%) neste Estado do Nordeste, revelando dieta com baixo aporte protéico e de ferro. Embora as metodologias dos estudos acima sejam diferentes deste, é possível discutir a relação do consumo alimentar com fatores socioeconômicos. A diminuição de recursos financeiros que acomete a população idosa, como consequência de aposentadoria ou pensão insuficientes e comprometidas pela aquisição de medicamentos, tende a favorecer a monotonia alimentar e a aquisição de alimentos de menor custo, ficando em segundo plano o valor nutricional14,15. A população estudada trata-se de uma parcela privilegiada em termos socioeconômicos, devido às características sócio-demográficas da região na qual se localiza o Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza. Além disso, há a questão da temporalidade. O estudo de Najas et al.13 antecede a introdução do Plano Real. A partir desse Plano, houve melhora econômica para o país, fazendo com que as pessoas tivessem maior acesso à compra de diversos gêneros, inclusive alimentos, além de melhora no valor da aposentadoria. É importante destacar que poucos estudos avaliam o consumo alimentar dos idosos por grupos de alimentos, sendo ainda comum a análise por nutrientes15,16. A verificação do consumo por meio dos grupos evita o viés referente às tabelas de consumo de alimentos, que podem não representar adequadamente o alimento consumido. Por outro lado, pode desconsiderar modo de preparo ou diferentes tipos de alimentos dentro de um mesmo grupo, generalizando o padrão alimentar. Porém, quando o objetivo é se ter informações básicas do padrão, é um método mais rápido, mantendo-se confiável. Quanto ao consumo de líquidos, é fato que idosos apresentam diminuição da sensibilidade à sede e, por isso, a desidratação Rev Bras Nutr Clin 2010; 25 (2): 171-6 174 Perfil nutricional de participantes da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso em Centro de Saúde Escola de São Paulo é frequente neste grupo, podendo desencadear outras doenças como enfermidades infecciosas e cerebrovasculares17. Ainda, a hipodipsia pode ser consequência do uso de medicamentos como diuréticos, muito frequentes no tratamento da hipertensão arterial, doença comum em geriatria. Alguns autores sugerem que a recomendação mínima de água para idosos é de 1.500 mL/dia18. Caso se considere que um copo de referência de 200 mL, a quantidade citada pela maioria deste estudo, ainda assim, não atinge essa recomendação. As questões relacionadas ao estado nutricional mostraram que a maioria dos participantes (84,2%) não apresentou perda de peso nos últimos três meses, sendo fator importante para a manutenção do estado nutricional. Sabe-se que a perda ponderal é uma tendência natural no processo de envelhecimento, mas o emagrecimento também pode indicar algum tipo de doença ou ser decorrente do isolamento social ou problemas familiares. Sugere-se que, para avaliação mais completa do estado nutricional, sejam considerados outros métodos de avaliação, como antropometria. Essa investigação não fez parte dos objetivos deste estudo. A auto-avaliação do estado nutricional indicou resultados semelhantes aos encontrados no estudo de Lebrão e Laurenti10, que mostrou que 91,6% dos idosos consideram-se bem nutridos. No presente estudo, mesmo tendo elevada porcentagem de indivíduos considerando-se bem nutridos, cerca de 30% deixam de realizar pelo menos uma das refeições principais. Esta condição pode representar que, mesmo sentindo-se sadios, parte da população não deve receber aporte adequado de nutrientes. O abuso na ingestão de álcool dentre a população idosa geralmente é considerado um problema subestimado, sendo muitas as causas para este fato, tais como isolamento social, problemas familiares e econômicos e diminuição da independência para atividades rotineiras19. Esta informação pode ser subestimada, dado que muitas pessoas não referem o hábito de ingerir bebidas alcoólicas, por sentirem-se inibidas, ou então subestimam a quantidade real de ingestão. Por outro lado, constitui-se em importante problema, tendo em vista que as consequências decorrentes da ingestão de álcool excessiva são comuns ao processo de envelhecimento, bem como confusão, depressão, insônia, dentre outros20. Concernente ao consumo de álcool, pesquisas mostram que a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre homens é superior à prevalência de consumo de mulheres19,21. No presente estudo, a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre os homens foi 56,2% e entre mulheres 32,7%. Quando comparadas, a prevalência de consumo de bebidas alcoólicas entre homens é 72% maior do que a prevalência do consumo entre mulheres. Isso pode ser justificado por questões culturais, dado que a aceitação da ingestão alcoólica é maior para homens e, possivelmente, devido ao fato dos sexos tenderem a apresentar formas de escape diferentes aos problemas, sugerindo-se que homens recorrem ao vício. Referente à prática de atividade física, dados da Pesquisa SABE8 mostraram que 78,7% das mulheres e 75,1% dos homens não praticaram atividades físicas vigorosas nos últimos 12 meses, porcentagens diferentes das encontradas neste estudo. A prática de atividade física regular em idosos tem repercussão positiva na saúde física, cognitiva e psicológica e, dessa forma, é considerada um fator positivo na redução dos riscos de morbimortalidade e doenças crônicas22,23. Na literatura, são poucas as pesquisas referentes à atividade física em idosos, principalmente quando se trata de estudos epidemiológicos. Zaitune et al.24 observaram que a prevalência de sedentarismo é de 65,8% entre homens e 74,7% entre mulheres no município de São Paulo. É preciso salientar que devido ao tipo de amostragem utilizada, os dados obtidos com este estudo devem ser utilizados com cautela, mas servem de base para a elaboração de propostas objetivando a melhoria das condições de saúde desta população, principalmente em relação às questões que envolvem a nutrição. CONCLUSÃO A população do presente estudo foi predominantemente do sexo feminino, para a qual não foram encontradas diferenças entre as questões estudadas em relação ao sexo masculino, exceto para o consumo de bebidas alcoólicas. Embora esta população apresente, em sua maioria, consumo alimentar adequado ao mínimo que foi proposto neste estudo e ausência de problemas de perda de peso ou diminuição da alimentação, faz-se importante o desenvolvimento de ações educativas que promovam a melhoria dos hábitos alimentares. Pode-se observar, ainda, que, em relação ao consumo de álcool, ingestão de líquidos e a prática de atividade física, os resultados estão aquém aos recomendados, sendo que estes temas podem ser abordados em atividades educativas na atenção básica. Embora o instrumento utilizado para a pesquisa não permita análise aprofundada da avaliação nutricional dos idosos, este favoreceu para a obtenção de caracterização básica de parte da população vacinada de uma região do Município de São Paulo. Além disso, por ser um instrumento rápido, possibilita a aplicação em número ampliado de pessoas e poder-se-á, se aplicado periodicamente, acompanhar mudanças nutricionais deste público. 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