Ente querido em quimioterapia O ESTAR-SÓ E O ESTAR-COM UM ENTE QUERIDO DURANTE A QUIMIOTERAPIA BEING ALONE AND HAVING A DEAR RELATIVE BY DURING THE CHEMOTHERAPY Vanessa Cristhiane Corrêa de Andrade* Patrícia Keiko Mikuni* Paula Sundin de Melo* Catarina Aparecida Sales** RESUMO: A proposta deste estudo foi desvelar os sentimentos de doentes com neoplasia em tratamento quimioterápico. A estratégia metodológica que o conduziu está fundamentada na abordagem fenomenológica, método que procura desvelar o fenômeno, ou seja, aquilo que se mostra a si mesmo, a partir da linguagem de quem o vivencia. O estudo foi realizado com seis clientes atendidos em uma clínica de radioterapia, situada no noroeste do Paraná, em 2004. Ao serem interrogados sobre sua experiência com o tratamento, os depoentes expressaram o seu ver, sentir em estarem sós ou com um familiar durante o tratamento. Dos discursos analisados, emergiram dois momentos distintos: sentimentos avivados ao estar com um ente querido; sentimentos suscitados ao estar só durante o tratamento. O estudo nos fez perceber que, em sua existencialidade, cada pessoa reage de forma diferente perante suas vicissitudes, desvelando quanto são dolorosos ou prazerosos os acontecimentos da vida. Palavras-chave: Enfermagem oncológica; quimioterapia; relacionamento familiar; sentimento. ABSTRACT ABSTRACT:: The subject of this study was to unveil the feelings of patients with cancer receiving chemotherapy treatment. The methodology is based on the phenomenological approach, which aims to unveil the phenomenon, that is, something that is self shown, starting from the language of the one that lives it. The study was accomplished with six customers assisted in a radiotherapy clinic, located in the northwest of Paraná, in 2004. As they were interrogated about their experience with the treatment, the patients expressed their views and feelings related to being alone or having a relative by during the treatment. From the analyzed speeches, two different moments have emerged: feelings made more vivid when having a dear relative by; and feelings aroused when being alone during the treatment. The study showed that, along the existence, each person reacts in a different way to their vicissitudes, unveiling how painful or pleasant are the events of their lives. Keywords: Oncology nursing; chemotherapy; family relationships; feelings. INTRODUÇÃO O câncer traz consigo, ao longo do tempo, o estigma social de doença incurável. Apesar dos avanços tecnológicos, atualmente, curar muitos tipos de neoplasias malignas, de acordo com seu tipo e grau de instalação, prevalece, ainda, a idéia relacionada à dor, à mutilação, à deformidade e à morte. Um dos tratamentos aplicados ao paciente portador de câncer é a quimioterapia antineoplásica que: É o uso de substâncias citotóxicas no tratamento do câncer. É uma das quatro modalidades – cirurgia, p.226 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 abr/jun; 14(2):226-31. radioterapia, quimioterapia e bioterapia – que produzem cura, controle ou paliação1:332. Nossa inquietação, a respeito da temática, surgiu ao ingressarmos em um projeto relacionado à Oncologia. Nesse projeto, durante as visitas domiciliares, quando nos aproximamos de pessoas com doença neoplásica maligna, presenciamos o sofrimento vivenciado por esses seres ao serem submetidos à quimioterapia. Essa modalidade terapêutica mostra-se imbuída de padecimento, não apenas na esfera física, mas, também, abrange toda a dimensão humana do ser doente, que Andrade VCC, Mikuni PK, Melo PS, Sales CA em virtude de sua situação encontra-se emocionalmente abalado. Diante do exposto e entendendo ser a quimioterapia um tratamento que gera um grande desconforto físico e psicológico ao doente e sua família, ocorreu-nos o desejo de compreender as percepções do doente com câncer ao estar com algum familiar ou sozinho durante a realização da quimioterapia. MARCO REFERENCIAL Os quimioterápicos antineoplásicos não são capazes de agir seletivamente, apenas nas células cancerosas, pois destroem também células normais, principalmente as que possuem rápida reprodução, como as do trato digestivo e as da medula óssea. Além da destruição de células normais, especialmente sanguíneas (plaquetas), essas drogas desencadeiam reações adversas, como: náuseas, vômitos, diarréias, alopécia, distúrbios cardíacos, pulmonares e renais, cansaço, desânimo e fraqueza, entre outras2. Essas reações fisiológicas, provocadas pelos quimioterápicos, conduzem à degradação de aspectos psicológicos, assim como à diminuição da auto-estima e à desconfiguração de sua imagem frente à sociedade, tornando-o emocionalmente abalado ante sua situação e, algumas vezes, ainda precisa aceitar que poderá depender de outras pessoas para realizar algumas tarefas cotidianas. A nosso ver, nesses momentos, o apoio da família pode tornar-se indispensável para que o processo de recuperação seja menos doloroso, pois a unidade familiar tende a propiciar proteção, segurança e cuidados essenciais para a melhora desse paciente. É ela que deve ajudar a superar este obstáculo, visando um futuro mais estável. A família, nesse momento, atua como suporte psicológico para fazer com que o seu ente querido sofra menos com os efeitos característicos da quimioterapia. Elsen3 reforça a importância da família, para o cliente, por ela representar um sistema de saúde para seus membros, sistema esse do qual faz parte um modelo explicativo de saúde-doença; ou seja, um conjunto de valores, crenças, conhecimentos e práticas que guiam as ações da família na promoção da saúde de seus membros, na prevenção e no tratamento da doença. Coloca ainda que esse sistema inclui um processo de cuidar, no qual a família supervisiona o estado de saúde de seus membros, toma decisões quanto aos caminhos que deve seguir, nos casos de queixas e/ou sinais de mal-estar, acompanham e avaliam constantemente a saúde e a doença de seus integrantes. METODOLOGIA T rata-se de um estudo qualitativo, embasado na fenomenologia existencial, que busca compreender o ser em sua essência, já que a enfermagem deve prestar sua assistência não só em relação ao estado físico, mas também ao emocional, isto é, deve interpretar o ser em seu caráter de mutabilidade e relatividade, enfim, na fluidez do seu existir. Na percepção de Merighi4:154, a fenomenologia existencial e ontológica “é um modo de ser e de ver que assume uma tarefa de reinterpretar todos os conhecimentos como expressões de nossa experiência”. É preciso enfatizar ainda que na fenomenologia, a doença é compreendida, como a manifestação do horizonte vivido e experienciado pelo homem na coexistência e na pluralidade de vivências com os outros, no seu mundo5:167. Nesse pensar, para a realização das entrevistas, comparecemos a uma clínica de radioterapia, situada no noroeste do Paraná, no período de julho a setembro de 2004, com o consentimento dos responsáveis pela instituição. As entrevistas foram realizadas com seis doentes conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), que estavam submetendo-se à radioterapia. Os sujeitos foram escolhidos por residirem na área de abrangência do projeto de extensão Cuidados paliativos ao doente com câncer e suas famílias, e serem os únicos a estarem realizando radioterapia e quimioterapia simultaneamente. Durante nossos encontros, na clínica, explicamos a finalidade do estudo e solicitamos sua colaboração. A partir da permissão de alguns pacientes, realizamos visitas domiciliares com o intuito de captar os sentimentos na linguagem e expressão corporal dos mesmos. Para isso, fizemos uso de um gravador. As entrevistas ocorreram em um tempo não cronometrado pelo relógio, assim, buscamos apreender o tempo existencial, como horizonte que possibilitasse o emergir de respostas às nossas inquietações. Assim, inquirimos os depoentes com a seguinte questão: O que você sentiu ao realizar a quimioterapia na presença ou ausência de um familiar? R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 2006 abr/jun; 14(2):226-31. • p.227 Ente querido em quimioterapia Esclarecemos que o referido estudo seguiu os preceitos éticos e foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa que Envolve Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, como determina a Resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do Ministério da Saúde. Ao findar as entrevistas, transcrevemos cada discurso e iniciamos o processo de leituras atentivas de cada depoimento, pois, no pensar heideggeriano, o pesquisador deve adentrar pela linguagem e buscar, através de suas percepções, compreender suas vivências com o fenômeno interrogado. Nesse caminhar, após várias leituras, visualizamos o emergir das unidades de significados, isto é, trechos do texto pertinentes à nossa questão norteadora, dos quais vislumbramos o surgir de duas categorias, as quais passaremos a interpretar à luz de algumas concepções heideggerianas. RESULTADOS E DISCUSSÃO Sentimentos Avivados ao Estar com um Ente Querido Ao se descobrir como ser-no-mundo, o homem sempre se descobre como ser-com (Mit Sein), sendo o outro (Mit Dasein) também um ser-nomundo, ou seja, um ser para os outros, um companheiro. E é nesse ser-com-outro que o homem visualiza a possibilidade de situar-se com alguém, não apenas como objeto de cuidado, mas de uma forma envolvente e significante 6. Nesse sentido, apreendemos na linguagem dos cinco sujeitos(S1,S2...) que o estar-com um familiar durante o processo de administração do quimioterápico suscita-lhes, no âmago do seu ser, sentimentos que o fortalecem para enfrentar sua fatalidade existencial. [...] a presença da minha mulher neste momento foi muito importante para mim, pois só com ela ao meu lado pude reunir forças para superar esse tratamento.[...] Enquanto ficava deitado recebendo os quimioterápicos, não conseguia pensar em outra coisa além dos sintomas e reações que estas substâncias iriam provocar. E nessa situação, o tempo não passava. Durante essas horas, eu era acometido de pensamentos ruins e pessimistas, pois só quem já passou por isso sabe como é difícil. Mas era só eu olhar para a minha esposa para voltar a sentir segurança e vontade de vencer [...]. A minha família foi essencial no meu processo de cura, pois sem o apoio, carinho e atenção, provavelmente, essa estória não teria o mesmo desfecho [...]. (S1) p.228 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 abr/jun; 14(2):226-31. Conforme o pensamento heideggeriano, esse relacionamento afetuoso com alguém é considerado como solicitude, que engloba as características básicas de ter consideração e paciência para com o outro7. Assim, depreendemos de alguns depoimentos a importância da palavra solicitude em seu existir-no-mundo com câncer. [...] Depois dessa experiência, pude perceber que a maior motivação que recebi durante esse tratamento foi o sorriso expresso pelas pessoas que amo, pois é sincero e equivale tanto quanto palavras de carinho. Quando as palavras parecem sumir, o sorriso é a forma mais fácil de expressar o apoio e compreensão tão necessários durante a quimioterapia [...]. (S1) [...] Tive muito apoio da minha mulher, que também é forte, e dos meus amigos, isso foi importante para mim, pois me animou mais a lutar para que eu não morresse e deixasse as pessoas que amo para trás [...]. (S4) Já fiz quimioterapia na companhia de familiares, como também já fiz sozinha [...] ao lado de minha irmã e de uma amiga, o sentimento que me acometia era de esperança e medo, pois não sabia quais os efeitos que a mesma faria com o meu organismo [...]. Em uma das sessões, meu sobrinho me acompanhou, e como eu sou alérgica, nas duas primeiras horas eu dormia, mas era muito bom ao acordar vê-lo ali ao meu lado, me dando todo o apoio e carinho. Na nona sessão, duas primas de Curitiba vieram ficar comigo, se revezaram e eu fiquei muito feliz por isso, pois as mesmas só vieram com o intuito de me acompanhar. (S5) [...] das seis sessões, em quatro que fiz no quarto tive a companhia de amigas. [...] Foi muito bom, pela companhia, pela oportunidade de atualizar o papo e por ter alguém que procurava a enfermagem quando a medicação estava acabando. Mas o melhor mesmo foi sentir a preocupação, amizade e presença das pessoas para comigo. [...] quando tinha alguém junto o tempo parecia que passava mais rápido. (S6) Da linguagem dos doentes, apreendemos que a família em suas percepções revela-se como cuidador autêntico, assumindo e compartilhando com seu ente querido a facticidade do tratamento e buscando formas de amenizar seu sofrimento. Em seu estudo, Franco e Jorge 8:174 pontuam que a preocupação da família em estar–com o doente ante sua internação suscita “das limitações físicas decorrentes do estado de saúde ou tratamento a que o paciente é submetido”. Sendo o tratamento quimioterápico uma terapêutica que traz temor ao doente, observamos nas falas que os mesmos se sentem aliviados em estar com a família. Andrade VCC, Mikuni PK, Melo PS, Sales CA Para Heidegger5,7, por meio da afetividade, o homem se abre e deixa que os outros seres venham ao seu encontro, emergindo, nesse situarse com o outro, a possibilidade de poder tocar e ser tocado. A afetividade compreende uma abertura para o mundo, que, a partir dela, algo que toca pode vir ao encontro, pois o Ser-ai não se encontra no mundo apenas envolvido pelos entes de que dispõe, mas também por outros seres-aí. Sobre essa percepção, vale destacar: O ser humano constrói-se na relação com o outro e com o mundo, desvelando os significados da dimensão existencial, ao longo do processo evolutivo, do nascimento à morte. No viver cotidiano, são revelados os sentimentos, percepções, ações, possibilidade e vulnerabilidades do ser-no-mundo, que reflete sobre si, sobre o outro e sobre a existência, compreendendo-se a si e ao mundo, enfrentando a vida de forma autêntica, crescendo e ajudando o outro a crescer9:153. Sentimentos Avivados ao Estar Só Durante a Quimioterapia. Em sua analítica existencial elaborada em Ser e Tempo, Heidegger6 propõe uma profunda reflexão do ser humano, analisando o seu modo constitutivo de ser, ou seja, a fluidez de seu existir. E ao existir, o homem assume o fato que foi lançado no mundo, numa situação sem oportunidades de escolha. Dessa forma, o Ser-aí experiencia situações não planejadas, não esperadas. Assim, ao estar-no-mundo com câncer e ter que enfrentar sozinho um tratamento enredado em dor e padecimento, o ser sente-se derrotado perante o mundo. Nos discursos a seguir, podemos notar o sentimento de tristeza expressada pelos doentes ante a ausência de um ente querido que lhe pudesse prestar apoio e carinho em momento tão difícil de sua vida. É difícil passar por isso sozinho, porque a gente sofre muito depois que eles põem todos aqueles remédios na veia e, nas horas que eu tinha que ficar preso pelas agulhas, ficava pensando o que ia acontecer depois. Muitas vezes me senti sozinho e angustiado, mas começava a rezar e aí o tempo corria mais rápido [...]. A minha mulher me dá muita força e meus filhos também, mas se eles pudessem ficar junto comigo...mas como é ordem do hospital a gente obedece [...] Às vezes dá vontade de não ir, mas a minha mulher sempre me convence falando que ela não pode ficar lá dentro, mas que ela vai me esperar do lado de fora quando acabar. (S2) [...] Quando comecei o tratamento me sentia muito sozinho, com medo e um pouco triste, talvez por não poder ter alguém junto comigo, me acompanhando durante a quimioterapia, alguém que se importasse e me distraísse, afastando pensamentos ruins da minha cabeça. Senti muito a falta do apoio de um familiar ou mesmo um amigo, alguém que me desse força nessa hora. [...] (S3) Na concepção heideggeriana, a expressão estar-só não significa, obrigatoriamente, que o homem esteja isolado do mundo, pois o mundo do Ser-aí é sempre um mundo compartilhado, e a co-presença vem ao seu encontro de vários modos. Nesse sentido, entendemos que o estar-só na linguagem de alguns sujeitos pode significar a ausência de um ente querido, isto é, alguém presente em seu mundo próximo, uma vez que percebemos que estar-com-outros entes durante a quimioterapia ajuda na aceitação do tratamento. Nos depoimentos a seguir, os depoentes exprimem a importância em compartilhar sua facticidade com outros doentes. [...] passei a olhar ao redor e ver o sofrimento de outras pessoas em tratamento, muitas vezes jovens e crianças e, até comecei a aceitar minha situação. Comecei a conversar com pessoas que também fazem quimioterapia sozinhas e foi nessas pessoas que encontrei o apoio e a força que precisava, a gente se apóia um ao outro, buscando conversar de coisas que não seja a doença. Como isso está me ajudando. (S3) Da décima sessão em diante pedi ao médico que eu gostaria de fazer as sessões em uma sala coletiva, onde todos ficam juntos, o tempo passa mais rápido, as amizades surgem, as enfermeiras ficam o tempo todo ao lado do paciente, sendo as mesmas de uma delicadeza incrível, tornando assim o tratamento mais humanizado. Somente o portador de CA é capaz de entender o sentimento de outro paciente com o mesmo diagnóstico, é um tratamento difícil e desgastante, muito difícil, mas a esperança nos conduz às próximas sessões. (S4) O sentimento de abandono também acomete o ser-doente com câncer que não pode contar com a presença de uma companhia familiar durante o tratamento quimioterápico. Assim, percebemos, na fala seguinte, o pesar da doente ao relatar que, apesar de compreender que não poderia contar com a presença de sua irmã em todas as sessões, não pôde deixar de sentir-se solitária. Nas primeiras quimios minha irmã me acompanhou, porém com o passar dos meses creio que isso a cansou e por várias vezes fiquei sozinha, a mesma só vinha me buscar quando já tinha terminado a quimioterapia, eu procurei entender a atitude dela, porém confesso que me senti abandonada. (S5) O estar com câncer, por si só representa para o indivíduo uma experiência enredada em intensa ansiedade e insegurança, gerando, algumas R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 2006 abr/jun; 14(2):226-31. • p.229 Ente querido em quimioterapia vezes, alterações comportamentais significativas. E quando ocorre a hospitalização, os sentimentos suscitados no doente podem ser potencializados pelo afastamento de seu ambiente natural e, principalmente, pela ausência da família durante seu tratamento. Nesse sentido, depreendemos do último relato que a depoente buscou compreender a atitude da irmã, pois o seu comportamento suscitou-lhe um sentimento de obrigação familiar, ou seja, o não estar próxima, o não se envolver na temporalidade do existir-no-mundo com câncer vivenciado pela doente. Segundo Heidegger6, esse modo de estarcom-o-outro desvela uma forma deficiente de solicitude. Ser contra o outro, ou seja, não se sentir compreendido pelo outro, é uma maneira possível de deficiência e indiferença no cuidado. Assim, da mesma forma que o encontro autêntico traz em si a alegria do cuidado, a inautenticidade afeta de forma significativa o domínio do encontro10. Contudo, entendemos também que ao vivenciar o câncer de um ente querido, a família expressa seus sentimentos de várias formas9,11,12, como é ressaltado a seguir: Conviver com a possibilidade da morte e da ruptura da família produz sentimentos de dor e insegurança. A raiva e o ressentimento são reações muito comuns, provocando comportamentos distintos: controle ou afastamento do ser doente, por ser difícil aceitar a perda9:157. CONCLUSÃO E ste trabalho abordou não somente a pessoa doente, mas também o ser-no-mundo com neoplasia e sua facticidade de estar com câncer e estar se submetendo à quimioterapia. Buscamos compreender a existencialidade do ser humano e não apenas do paciente portador dessa enfermidade. Quando analisarmos a linguagem dos sujeitos, apreendemos que o indivíduo se descobre no mundo com câncer, passa a viver em um mundo diferente, onde a morte se torna algo mais presente em seu viver. Nessa situação, o doente anseia receber cuidados com o seu corpo, sua doença e também com o seu existir doente. Nos relatos, observamos que os efeitos do tratamento quimioterápico são um fardo difícil de ser abarcado de imediato pelos doentes, pois os mesmos sentem-se angustiados ante o sofrimento a ser vivenciado em cada sessão. Nesse entender, percebemos o quanto é importante para esses sep.230 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 abr/jun; 14(2):226-31. res estar acompanhado por um ente querido durante esse processo, fato esse mencionado com alegria por alguns depoentes. Sobre isso falaram de perto para nós as palavras que seguem: A família saudável é a que se constitui a partir de laços afetivos, expressos por gestos de carinho e de amor, sendo capaz de manifestar sentimentos de dúvidas, dividir conhecimento, crenças e valores10:67. Por outro lado, vivenciamos com esses seres a tristeza de estar só durante a administração da quimioterapia, pois verificamos pelas falas que a falta de um ente querido nesses momentos causa sentimentos de insegurança e abandono. Não obstante, apreendemos nos discursos que o estarsó pode ser compartilhado com outros seres que vivenciam a mesma situação. Esta pesquisa permitiu perceber e vivenciar o sentimento do paciente em tratamento quimioterápico e que se encontra acompanhado da família e dos que não recebem os mesmos cuidados. Foi possível para nós, por meio do diálogo, vislumbrar e refletir sobre suas angústias, medos e inseguranças. Nesse pensar, o pessoal de enfermagem, como um conjunto de seres, vivendo um estar lançado no mundo dos doentes, traz em si as características básicas do existir cuidando. Em vista disso, a afetividade pode ser apreendida como um modo da equipe de enfermagem captar e compreender não apenas o seu existir-no-mundo, mas desvelar seu poder ser próprio às pessoas ao seu redor. Ao finalizarmos este estudo, deixamos esta reflexão para a equipe de saúde: Nem tudo no universo oncológico é tristeza e dor. Há momentos de alegria e de prazer que o cotidiano nos traz. Dependendo do que acreditamos sobre saúde, doença, ser humano, cuidado, enfermagem e família, a nossa prática ganhará conotações diferentes. Compreender que nem tudo é dor e sofrimento e que os seres humanos envolvidos são pessoas com potencialidades a serem desenvolvidas, necessitando de apoio e compreensão11:323. REFERÊNCIAS 1. Guimarães DT, organizador. Dicionário de termos médicos e de enfermagem. São Paulo: Rideel; 2002. 2. Mayol R. Câncer: corpo e alma. São Paulo: Os magos; 1992. 3. Elsen I. Cuidado familial: uma proposta inicial de sistematização conceitual. In: Elsen I, Marcon SS, Silva MRS, organizadores. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. 2a ed. Maringá (PR): Eduem; 2004. p.19-28. 4. Merighi MAB. Cuidado: enfermagem e fenomenologia. Andrade VCC, Mikuni PK, Melo PS, Sales CA In: Castro DSP, Pokladek DD, Àzar FP, Piccino JD, Josgrilberg RS, organizadores. Existência e saúde. São Bernardo do Campo (SP): UNESP; 2002; p. 153-61. 5. Santos DL, Pokladek DD. Fenomenologia e ciência da saúde. In: Castro DSP, Pokladek DD, Ázar FP, Piccino JD, Josgrilberg RS, organizadores. Existência e saúde. 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Cuidando de famílias: identificando ações de cuidado e não cuidado nos familiares. In: Elsen I, Marcon SS, Silva MRS, organizadores. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. 2a ed. Maringá (PR): Eduem; 2004. p.313-25. EL ESTAR-SOLO Y ESTAR-CON UN SER QUERIDO DURANTE LA QUIMIOTERAPIA RESUMEN: La propuesta de este estudio fue desvendar los sentimientos de enfermos con neoplasia en tratamiento quimioterápico. La estrategia metodológica que lo condujo tiene base en el abordaje fenomenológico, método que busca desvendar el fenómeno, o sea, aquello que se muestra a si mismo, a partir del lenguaje de quien lo vive. El estudio fue cumplido con seis clientes atendidos en una clínica de radioterapia, localizada en el noroeste del Paraná-Brasil, en 2004. Al ser interrogados sobre su experiencia con el tratamiento, los deponentes expresaron su punto de vista, sentir que están solos o con un familiar durante el tratamiento. De los discursos analizados, surgieron dos momentos distintos: sentimientos cada vez más vivos al estar con un ser querido; sentimientos suscitados al sentirse solos durante el tratamiento. El estudio nos hizo percibir que cada persona en su existencialidad reacciona de forma diferente delante de sus vicisitudes, revelando cuanto son dolorosos o placerosos los sucesos de la vida. Palabras Clave: Enfermería oncológica; quimioterapia; relacionamiento familiar; sentimiento. Recebido em: 30.11.2005 Aprovado em: 20.04.2006 Notas Acadêmica do 4º ano de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá. Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora Adjunta da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected]. * ** R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 2006 abr/jun; 14(2):226-31. • p.231