DESENVOLVIMENTO URBANO E EXCLUSÃO SOCIAL EM UMA CIDADE DE MÉDIO PORTE: um estudo em Mossoró/RN Carla Yara Soares de Figueiredo Castro 1 Resumo: Este trabalho é fruto das reflexões no doutorado onde se pretende estudar a realidade de Mossoró-RN, com enfoque no desenvolvimento urbano, questão social e políticas públicas. Nas últimas décadas a cidade vem apresentando “desenvolvimento” substancial, chancelado pelo poder público, que tem procurado criar, adequar e aperfeiçoar as estruturas existentes, atendendo aos interesses do capital. A partir de dados iniciais, constatamos que a intervenção estatal não tem beneficiado os segmentos mais pobres, configurando-se um cenário de aguda desigualdade, contribuindo para um crescimento desordenado e fragmentado do espaço social urbano, formação dos cinturões de pobreza, favelização, e processos de exclusão social. Palavras-chave: Desenvolvimento urbano, políticas públicas, exclusão social. Abstract: This work is the result of studies conducted in the PhD classes. It aims to go deeper in studies about the reality the MossoróRN, focusing on urban development, public policies and social issues. In the last decades the city has shown a remarkable "development", leaded by the local government, which has focused on creation, adapting and improving existing structures, thus raising interests of the capital. Some initial information, noticing that the strategies used by local authorities have not benefited the poorest segments, entrepreneurial however, also sets up a scenario of acute inequality, contributing to a fragmented and disorderly growth of urban social spaces, creating areas where poverty is more developed, shantytowns, and social exclusion processes. Key words: Urban development, public policy, social exclusion; 1 Doutoranda. Universidade do Estado do RN. E-mail: [email protected] 1. APRESENTAÇÃO O processo de globalização atrelado a reestruturação produtiva em escala internacional tem se configurado cenário para o aprofundamento das problemáticas urbanas e da questão social. Isto tem se verificado nos grandes centros urbanos, notadamente, mas não exclusivamente, nas metrópoles do continente latino americano. Desafios e impasses se colocam nessa conjuntura quer seja para estudiosos quer seja governos. Estes têm se utilizado cada vez mais de estratégias e ações focadas no planejamento estratégico como caminho para o desenvolvimento urbano e para o enfrentamento dos problemas sociais via políticas sociais. Nesse sentido consideramos que problematizar o tema na cidade de Mossoró torna-se relevante e necessário no debate contemporâneo que envolve questões como a busca do desenvolvimento em bases sustentáveis, inclusão social, desenvolvimento urbano e planejamento de políticas públicas, bem como luta e conquista da cidadania. No Brasil, vem se agravando a exclusão de pessoas que vivem cotidianamente problemas de necessidades não satisfeitas como: trabalho, renda, moradia, saúde, educação e lazer; fruto de um modelo econômico concentrador e excludente e da inexistência dentre outros, de uma política agrária eficiente, impulsionando assim, a "expulsão" de grande contingente de pessoas do seu lugar de origem, obrigando-as a se aglomerarem nos grandes centros urbanos e nas cidades de médio porte, na busca de melhores condições de vida. Isto é observável em todo o país. É, entretanto, na região Nordeste onde por questões econômicas e políticas, que o fenômeno da pobreza agudiza a exclusão social, pois sua formação histórica é marcada por problemas estruturais de um modelo econômico excludente e injusto, bem como pela desigualdade regional (Norte/Sul). Mossoró, cidade localizada no semi-árido do Nordeste do Brasil, constitui-se o segundo núcleo urbano do estado do Rio Grande do Norte, apresenta-se como pólo de atração para as populações das localidades circunvizinhas. O apogeu da sua expansão urbana tem início em meados dos anos de 1980, estimulado pelo surto de crescimento econômico a partir da instalação da Empresa Petróleo Brasileiro SA (Petrobras) e prestadoras de serviços. O trabalho realizado por Rocha (2005), onde discute a respeito da expansão urbana da cidade de Mossoró, identifica que o estabelecimento das atividades da Petrobrás no início dos anos de 1980 na região e mais especificamente em terras Mossoroense, trás em seu bojo uma série de transformações ao cenário urbano e dinamismo aos diferentes setores, quer sejam econômicos, sociais ou culturais, com destaque para a construção/expansão da rede hoteleira, crescimento do número de estabelecimentos educacionais, comerciais, entre outros. Entretanto a aplicação de um planejamento urbano e rural, bem como de uma política econômica e social que privilegiou os aspectos econômicos, contribuiu para um crescimento desordenado no cenário urbano, formação dos cinturões de pobreza, favelização, desemprego, desnutrição, endemias, deteriorização dos recursos naturais, processos de desigualdades, entre outros aspectos que configuram a exclusão social na cidade, principalmente, mas não exclusivamente, a partir da década de 1980 com o acelerado processo de urbanização, alavancado pela instalação da Petrobrás e suas subsidiárias na região. Rodrigues (1996) nos chama a atenção quando afirma que o crescimento urbano nos países em desenvolvimento pode ser caracterizado como “inchação de cidades”, pois ele não revela o desenvolvimento urbano pleno, na perspectiva da instalação e ampliação da rede de serviços, ou do crescimento industrial. Ao contrário, expressa a pobreza e a desigualdade da população. A formação de favelas ou cidades informais no espaço urbano de Mossoró expressa uma face dessa exclusão e pobreza da população. Conforme Nascimento, exclusão diz respeito ao ato de excluir, de colocar à margem um determinado grupo social (1994, p.31). Dessa forma, o estudo desse fenômeno deve envolver uma compreensão mais ampla e mais genérica, não a vinculando a um problema puramente econômico, pois para o autor a exclusão é um fenômeno de múltiplas dimensões, portanto precisa ser analisado a partir de uma perspectiva histórica, relacionando-o com a economia, a política, a cultura, a desigualdade e a pobreza. A expressão exclusão tem sua origem na França e se expandiu pela Europa e Américas. Na França o termo emerge ligado a idéia da conquista do trabalho, enquanto no Brasil é associado à conquista de direitos de cidadania O desenvolvimento capitalista notadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, leva ao crescimento da pobreza, a miserabilidade da classe trabalhadora e a exacerbação da questão social. Porém até os anos de 1970 os países desenvolvidos entendiam e tratavam à exclusão como um fenômeno residual ou no caso dos países subdesenvolvidos, como algo temporário. É, entretanto a partir da década de 90 do século XX que a exclusão emerge como problema social, necessitando da ação do Estado através das políticas públicas, tendo em vista suas mais diversas faces constituírem-se expressão da crise do projeto de modernidade iniciado no século XVIII, projeto este ancorado nas idéias de emancipação humana, igualdade, liberdade e fraternidade. De acordo com Nascimento (1994), nos últimos anos a exclusão se constrói num processo simultaneamente econômico, com a expulsão dos trabalhadores do mundo do trabalho, cultural, configurado pelo não reconhecimento ou negação de direitos, social através da ruptura de vínculos societários e, por vezes, comunitários. O modelo de desenvolvimento com base industrial implantado no Brasil, mais expressivamente no período ditatorial pós-1964, reforçou a exclusão social, criando não só desigualdades sociais, mas também regionais, pois aumentou o fosso especialmente entre a região Sudeste e Nordeste. Assim sendo, o Nordeste e Norte do país apresentam-se como regiões que concentram os municípios com maiores problemas de exclusão social. Nestas, a situação de vulnerabilidade social da população, de origem antiga, se expressa através do acesso restrito à alimentação, à educação, à saúde, ao mercado de trabalho e à moradia entre outros aspectos fundamentais para o atendimento das necessidades humanas. 2. DESENVOLVIMENTO empreendedor URBANO DE MOSSORÓ: Incorporação do modelo A cidade de Mossoró, objeto do nosso estudo, é a segunda maior cidade do estado do Rio Grande do Norte, com uma população de 241.645 habitantes conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de Julho de 2008. Considerada a cidade do ouro negro em virtude da abundância de petróleo em suas terras, constituí-se como centro regional, agregando grande contingente populacional. A sua economia tem centrado nas atividades do comércio, destacando-se como empório comercial no início do século XIX; posteriormente na extração e exportação do sal marinho, chegando atualmente a assumir o patamar de maior produtora com a marca de 95% da produção nacional; o agronegócio com a produção e exportação de frutas tropicais com destaque entre outros produtos o melão e as atividades petrolíferas onde se situa como maior produtora de petróleo em terra do Brasil (campo Canto do Amaro). Nas últimas décadas a cidade vem passando por uma intensa urbanização, bem como de um crescimento econômico substancial, influenciando sobremaneira a reorganização/transformação do seu espaço-ambiente, nas condições de vida e nas formas de sociabilidade da população. A década de 1990 apresenta-se como o início de um período significativo para o crescimento da cidade de Mossoró, inclusive como já salientamos anteriormente, modificando a sua morfologia. De acordo com os dados da Secretaria de desenvolvimento Urbano, Mossoró possuía até meados de 1980, 14 bairros. Atualmente (2006) conta com 27, salientando que dentre esses, oito bairros apresentam expressiva concentração populacional, correspondendo a 60% da população. Registra-se também no seu espaço urbano a existência de 11 favelas e 57 loteamentos clandestinos. Constata-se, portanto, que o processo de urbanização de Mossoró se fez acompanhar pelo surgimento dos cinturões de pobreza e miséria, imprimindo à paisagem da cidade a segregação dos pobres e o agravamento das condições de vida de parcela da população urbana. A política ou projeto de desenvolvimento capitaneado pelo governo municipal nos últimos anos, tem firmado o município como líder regional para municípios do Oeste Potiguar, Médio e Baixo Jaguaribe no estado do Ceará, bem como para municípios da Paraíba. Essas ações do poder local projetaram nacionalmente à cidade a categoria de importante mercado para investimentos da iniciativa privada, pois de acordo com as revistas de circulação nacional Exame e Você S/A - 2008, Mossoró apresenta um vigor econômico intenso, emergindo com uma das cidades brasileiras que mais se desenvolve. A dinâmica econômica promovida notadamente pelo crescimento do Setor Terciário, tem se evidenciado pelo estabelecimento de escolas e universidades privadas, construção de rede hoteleira voltada para o segmento do turismo de negócios e de lazer, centros empresariais de alto padrão que atenda ao perfil de modernidade, expansão imobiliária impulsionada pelo surgimento de edifícios residenciais e condomínios fechados. Dessa forma a cidade passa a assumir nova configuração arquitetônica e paisagística, no qual o projeto de desenvolvimento urbano ancora-se na construção da imagem de uma nova cidade, moderna, eficiente, atrativa e promissora. Isto nos reporta a tematização iniciada pelo estudioso Gui Debord, quando trata da sociedade do espetáculo. Para o mesmo, a cidade é projetada na busca de signos e imagens reproduzidos como elementos que direcionam o olhar e pedem pela admiração e encantamento. Exemplos dessa cidade espetáculo é Berlim na Alemanha, Gurggeheim de Bilbao e Barcelona na Espanha. Assumindo, portanto, esse modelo de planejamento urbano que ancora-se nos moldes do planejamento estratégico utilizados pelas empresas e organizações, o governo municipal passa a investir fortemente na imagem da cidade, bem como promovendo grandes eventos culturais de abrangência não só regional, mas também nacional. É dessa forma o “urbanismo espetáculo”, projeto iniciado nos Estados Unidos da América e consumido além fronteiras num mundo cada vez mais globalizado. Nessa perspectiva de acordo com Maricato (2001), as ações empreendidas pelo poder local assumem uma abordagem fragmentada que tomou, para alguns, a denominação de “planejamento estratégico”... A mercadoria vendida é a imagem ou o cenário. Essa atitude do governo local, compreendido como um conjunto complexo de forças sociais nos remete às idéias de Harvey (2005) quando reconhece que o capitalismo necessita conquistar novos mercados através da acumulação expandida como forma de superar suas crises. Dessa maneira, constrói, destrói e reconstrói os espaços geográficos para atender às suas demandas. Um parceiro ou executor das ambições do capital é o Estado, que, a partir de investimentos diretos e da criação de infra-estruturas, serve de fundamento à acumulação de capital. Essa ação empreendedora materializa-se em Mossoró, através de incentivos do governo local ao capital privado local, regional e a grupos estrangeiros, com a doação de terrenos, pavimentação e duplicação de avenidas, redução de impostos, entre outros atrativos. A recente construção do primeiro shopping center via grupo italiano Cinco Vacis, é exemplo dessa parceria público-privada. A intervenção estatal traz em seu bojo uma série de transformações ao cenário urbano, como a valorização de áreas e a verticalização, construção de condomínios fechados. Assim sendo, propicia maior dinamismo aos diferentes setores, quer sejam econômicos, sociais ou culturais, com destaque para a construção/expansão da rede hoteleira e o crescimento do número de estabelecimentos educacionais, comerciais e de serviços, entretanto, configura-se também um cenário de aguda desigualdade e processos de exclusão. A modernização econômica e a aplicação de um planejamento urbano que privilegiou os aspectos econômicos contribuíram para um crescimento desordenado e fragmentado do espaço social urbano, para a formação dos cinturões de pobreza, a favelização e o desemprego, entre outros aspectos que configuram a segregação socioespacial e a exclusão social na cidade. A formação de favelas em Mossoró expressa uma face dessa exclusão e pobreza da população. Registros de 2005 da prefeitura apontam para a existência de onze localidades desse tipo. Aí, encontram-se famílias que vivenciam problemas de necessidades não satisfeitas e de direitos de cidadania não efetivados como trabalho, moradia, educação, água, energia, saúde, transporte e acesso a determinadas áreas da cidade. Faz-se necessário, portanto, refletir a respeito dessas ações empreendedoras, visto que as estratégias utilizadas não têm beneficiado os segmentos mais pobres. A política de desenvolvimento urbano focada na gestão de resultados capitaneada pelo governo local não tem viabilizado a cidade como espaço de todos os indivíduos cidadãos, agravando o histórico quadro de exclusão intrínseco à sociedade do capital. 3. OS DADOS EMPÍRICOS: Aproximações iniciais Buscando compreender e aprofundar os conhecimentos sobre a realidade de Mossoró, bem como dos problemas urbanos vivenciados pela população, apresentamos neste trabalho alguns “levantamentos” empíricos do objeto de estudo. Para tanto sistematizamos procedimentos lógicos capazes de proporcionar a concretização dos objetivos entre estes: Fontes bibliográficas; Fontes documentais; Observação sistemática e Registro fotográfico da cidade de Mossoró. A utilização dessas técnicas e instrumentos possibilitou identificarmos: Existência de 11 (onze) favelas em Mossoró e 57 loteamentos clandestinos; concentradas nos bairros Presidente Costa e Silva, Santa Delmira, Belo Horizonte, Dom Jaime Câmara e São Manoel; a população rural do município de Mossoró representa apenas 6,9%; aproximadamente 34% das pessoas têm renda proveniente de transferências governamentais, notadamente do governo federal; foram construídas mais de 1.000 unidades de apartamentos (entre 2006-2008); A ocupação do espaço urbano de Mossoró é, ao mesmo tempo, fragmentada e articulada, pois o encontramos dividido em áreas segregadas. 4. CONCLUSÃO Compreendendo que a temática aqui trabalhada é de enorme complexidade, não poderíamos ensejar sua conclusão, mas sim, referendar contribuições importantes que permeiam a discussão, possibilitando a partir disso, aprofundar as reflexões. Acreditamos que em meio às conseqüências (fome, desemprego, destruição da natureza, entre outros) provocadas pelo domínio do capital existem “espaços de esperança”, permitindo vislumbrar no espaço urbano perspectivas de construção de enfrentamento aos processos gerados pela globalização, bem como ao próprio processo de mundialização do capital, visto que, a cidade é por excelência o território de disputas de projetos de classe e diversidade de interesses, sendo dessa forma construído e reconstruído conforme a correlação de forças estabelecida. 6. REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti. Questão urbana e serviço social. SERVIÇO SOCIAL E SOCIEDADE, n. 79, ano XXV, Especial Serviço Social; formação e projeto político. São Paulo: Cortez, 2004. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 2 ed. Petrópolis,RJ: Vozes, 2001. NASCIMENTO, Elimar. Hipóteses sobre a nova exclusão social. 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