O SERVIÇO SOCIAL EM USINAS DE ALAGOAS: os desafios da sociedade ao fazer profissional Maria Virginia Borges Amaral 1 A escravidão valorizou as colônias; as colônias criaram o comércio mundial; e o comércio mundial é a condição da criação da grande indústria mecanizada. [...]. Os povos modernos apenas souberam disfarçar a escravidão dentro de seus próprios países e introduzi-la abertamente no novo mundo (MARX,, s/d, p.250). Resumo: Encontram-se neste estudo alguns questionamentos acerca da história da sociedade do capital e os desafios atuais postos ao Serviço Social em usinas e destilarias de Alagoas. Introduz-se uma reflexão sobre a atuação do assistente social, as condições em que respondem a demandas que põem à prova o seu fazer profissional e o projeto ético-político da profissão. Palavras chave: Serviço social, fazer profissional, projeto éticopolítico, trabalho, usinas e destilarias. Abstract: In this study are placed some analysis concerning the capital society history and the current challenges put to the Social Service in sugar plants and distilleries of Alagoas. A reflection is introduced about the performance of the social assistant, the conditions where they answer the demands that test its professional work and the project ethical-political of the profession. Key words: Social service, professional work, Project ethical-political, work, sugar plants and distilleries 1 Docente. Universidade Federal de Alagoas. E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO Um estudo sobre o Serviço Social no setor sucroalcooleiro de Alagoas poderá acrescentar-se ao debate acerca da atuação do assistente social no campo do trabalho. As iniciativas de investigação nesse espaço ocupacional do Serviço Social se devem ao acirramento de algumas expressões das relações de trabalho no processo de reprodução da força de trabalho, especificamente ao fato de as empresas hoje, como as fábricas de sempre, se constituírem em cenários de conflitos de interesse do capital e do trabalho. Aparentemente, contrariando essa natureza conflituosa que é peculiar ao processo de produção capitalista, as empresas se empenham em formular e fazer circular discursos focados no estímulo à criatividade dos seus funcionários, não apenas no que se refere aos meios diretos para o aumento da produtividade, mas, sobretudo, para encontrar formas de "benefícios" que gerem efeitos de "felicidade" e "bem-estar", criando-se a ilusão de que o mundo da exploração do trabalho acabou. Procura-se, neste estudo, conhecer a atuação do assistente social em usina e destilarias de Alagoas, as condições em que desenvolvem suas atividad es diante de certos desafios que põem à prova o seu fazer profissional e o projeto ético-político da profissão. Evidentemente, para este ensaio, em virtude da finalidade que o motivou 2, optou-se pela introdução de uma reflexão acerca das mudanças pelas quais o mundo está passando, para que se entendam os desafios postos ao Serviço Social. Outra razão da delimitação do tema para essa apresentação foram alguns depoimentos dos assistentes sociais entrevistados na primeira etapa da pesquisa. Embora não sejam analisados neste momento, o que será feito posteriormente, durante o processo desta investigação, cabe antecipar algumas "falas" que inquietaram esta pesquisadora. Acredita-se que uma mostra de tais depoimentos, por si só, justificaria o conteúdo deste artigo para esta apresentação. 1. O SERVIÇO SOCIAL EM USINAS DE ALAGOAS. Alagoas possui hoje 25 usinas e destilarias em funcionamento. Dessas agroindústrias, 14 têm o setor de Serviço Social com assistente social atuando; 5 não têm o setor, nem assistente social, mas possuem um setor denominado de "social" coordenado por outros profissionais, e 4 têm o setor de serviço social desativado, sendo o "trabalho social" realizado por outro profissional. Essas informações foram adquiridas 2 Procura-se, aqui, apresentar parte dos estudos da pesquisa em desenvolvimento na IV Jornada de Políticas Publicas - diretamente com as usinas, por telefone. Realizou-se, a partir de então, o primeiro contato com os assistentes sociais, que foram muito solícitos, dispostos a falar sobre o seu trabalho e a receber, brevemente, a visita in loco dos pesquisadores. Foi nessa primeira abordagem por telefone com os assistentes sociais que se identificaram os depoimentos selecionados para este estudo, abaixo relacionados sob a classificação de dois blocos: 1 - o que o assistente social diz da profissão, 2 - qual a novidade do "campo" (campo aqui no sentido amplo, abrangendo a usina e o serviço social): O que diz o assistente social das usinas? AS1 - Faz até medo dizer que é assistente social de usina. Há um mito contra o usineiro [...]; pensam que ele só explora o trabalhador, mas trabalho de usina é igual a qualquer outra fábrica. AS2 - Nosso trabalho não é reconhecido [...]. Existe um preconceito na própria categoria. Há um estigma com relação às usinas, acham que é só exploração. AS3 - As teorias que ensinam na Universidade são maravilhosas, mas muito amplas, fora da realidade. O profissional em Serviço Social tem uma visão mais ampla do que os outros e pode trocar conhecimento com outras áreas. AS4 - O Serviço Social é muito bem visto pelas empresas. O assistente social é compreendido, mas é preciso ampliar o debate sobre a profissão nesse espaço. AS5 - A crise do Grupo X põe em risco o trabalho do assistente social [...]; quando a empresa entra em crise o primeiro que sofre é o Serviço Social. AS6 - O Serviço Social não se apropria da área de gestão de Pessoas [...]. Fazemos Serviço Social sim! É preciso conhecer o nosso trabalho, mas a conotação que a gente dá é diferente da Universidade [...]; é como se a gente não fizesse parte do contexto Há novidades no "campo"? AS7 - A usina tradicional está sendo modificada. Hoje a usina é vista com uma indústria, apoia o trabalhador quando ele precisa, mas não tem mais aquela proteção de dar até a moradia. A usina faz parceria com as prefeituras e atende o trabalhador através do PSF Programa de Saúde da Família. AS8 - No Grupo Y tem um novo Serviço Social. Trabalhamos com gestão de pessoas; no setor de recursos humanos, com recrutamento de pessoas; com saúde, no posto médico, lazer, educação de crianças na creche [...]. O Serviço Social atuando n a Gestão de Pessoas [...] é muito melhor. No primeiro bloco percebe-se certo "desabafo" do assistente social. O lugar em que desenvolve suas funções profissionais é um nicho de conflitos entre o capital e o trabalho. Justamente hoje, quando o Serviço Social debate intensamente acerca dos UFMA - 2009. direitos dos trabalhadores e dos impedimentos de sua garantia, o assistente social nas usinas vive sob tensão, em vista das demandas que lhe são colocadas pelos trabalhadores, das exigências das empresas e das recomendações do projeto éticopol ít ico da pr of issão, expr essam ent e p ost o no Códig o de Ét ica, na Lei de Regulamentação do exercício profissional e nas Diretrizes Curriculares para a formação acadêmica. Aparentemente, a questão central que explicaria essa postura do assistente social seria o temor em contrariar o projeto da profissão, que aponta para uma intenção de ruptura com o capital, um debate profícuo das décadas de 1980 e 1990 que tem colocado o profissional à prova desde então, sobretudo na atual conjuntura brasileira, marcada por grandes obstáculos para os trabalhadores e, particularmente, para o Serviço Social3. Já o segundo bloco de depoimentos revela as influências das mudanças que vêm ocorrendo na sociedade contemporânea: "a usina tradicional está sendo modificada"; "a usina faz parceria com as prefeituras"; "no grupo tem um novo Serviço Social"; "trabalhamos com gestão de pessoas". Vê-se a necessidade do assistente social em definir o seu campo de atuação na usina, apontando para um Serviço Social que julga ser diferente daquele que ensinam na Universidade (AS6 - bloco 1). Cabe aqui apontar a proposta do Projeto Pedagógico recomendado pela ABEPSS e reforçada em encontros e oficinas da categoria. Para este século XXI, devido às acirradas dificuldades da população e das profissões que se posicionam contra os processos de exploração da sociedade capitalista, a ABEPESS reafirmou suas convicções ético-políticas, demonstrando que o maior desafio no processo de formação profissional é avançar na consolidação e im plementação do projeto profissional, compreendendo que é essa mesma adversidade da sociedade contemporânea que "mantém vivas as forças sociais portadoras da esperança e da capacidade de lutas na arena social e profissional" (ABEPSS, 2004, p. 79). O processo formativo do assistente social não se limita às universidades, tendo no espaço do trabalho do profissional a sua base material e, por isso, não existe um Serviço Social do campo e um da Universidade. Algo precisa ser revisto nesse processo, tanto no entendimento do assistente social como no dizer da academia. Evidentemente as 3 Netto (2004, p. 20 - 21) pontua dois grandes obstáculos: "O primeiro está representado pela disseminação, na última década, de uma cultura associativista inteiramente despolitizadora, que retira a centralidade do Estado no enfrentamento da 'questão social' e credita sua solução à 'sociedade' civil, à 'autonomia' das suas organizações e às suas intenções 'solidárias'[...]." "O segundo obstáculo, mais relevante, é a transitória redução da vitalidade dos movimentos das classes e camadas subalternas, que se expressa na perda de ponderação de movimentos sociais capazes de colocar em pauta algo mais que reivindicações pontuais e interferências das mudanças da sociedade, as novas exigências no cotidiano do profissional são aspectos a ser permanentemente revistos nesse debate4. O próximo item deste artigo ocupa-se do exame, mesmo que introdutório, de algumas questões enraizadas no movimento da sociedade capitalista que se apresentam com aparência de novidades, produzindo evidências de "nova sociedade", o que, supõe-se, estaria inquietando os assistentes sociais das usinas. 2. O QUE HÁ DE NOVO NA VELHA SOCIEDADE? As palavras testemunham a história, e em cada momento da vida do homem são criadas novas palavras ou as já existentes ganham novos significados. Quando Hobsbawm trata sobre a era das revoluções, de 1789 a 1848, chama a atenção para a força das palavras na existência do mundo moderno. Para ele não se pode imaginar o mundo moderno sem certas palavras como: [...] "industrial", "fábrica", "classe média", "classe trabalhadora", "capitalismo" e "socialismo". Ou ainda "aristocracia" e "ferrovia", "liberal" e "conservador" como termos políticos, "nacionalidade", "cientista" e "engenheiro", "proletário" e "crise" (econômica). "Utilitarismo" e "estatística", "sociologia" e vários outros nomes das ciências modernas, "jornalismo" e "ideologia", todas elas cunhagens ou adaptações deste período [1789 a 1848 - período da dupla revolução, a inglesa e a francesa]. Como também "greve" e "pauperismo". (HOBSBAWM, 1996, p. 17). Tais palavras são constitutivas do cenário das práticas discursivas que orientavam o movimento revolucionário dos séculos XVIII e XIX. Segundo esse autor a referida "dupla revolução" constitui a maior transformação da história da humanidade desde os tempos em que se inventou a agricultura e a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado. Os resultados dessas revoluções são vistos a olho nu: o triunfo da indústria como indústria capitalista, o da classe media como burguesia liberal, a expansão da economia em determinadas regiões do mundo, destituindo o princípio do Estado moderno, minando a velha sociedade e fortalecendo a conquista burguesa. As Revoluções extrapolaram o continente europeu e espalharam suas ideias no resto do mundo. Notável consequência das revoluções inglesa e francesa foi estabelecer o domínio do globo por regimes ocidentais: Ante os negociantes, as máquinas a vapor, os navios e os canhões do Ocidente - e ante suas idéias -, as velhas civilizações e impérios do mundo capitularam e ruíram. A Índia tornou-se 4 particularistas" - o que ele denomina de "era Lula". Firmem-se esses argumentos com os pontos que desafiam o Serviço Social, marcados e destacados por Netto (2004, p. 21): "1) a resistência à orientação governamental não terá futuro se não jogar forte na organização política dos trabalhadores e da massa da população, rompendo com particularismos e corporativismos e com a ideologia da solidariedade abstrata; 2) os frutos dessa resistência não serão colhidos no curto prazo: a sua implementação e seus primeiros resultados demandarão um longo, paciente e pertinaz trabalho. Mas esta resistência necessária é possível. Existem, na massa da população brasileira, condições objetivas que a viabilizam - não há por que começar do zero". uma província administrada pelos precônsules britânicos, os Estados islâmicos entraram em crise, a África ficou exposta a uma conquista direta. Até mesmo o grande império chinês foi forçado a abrir suas fronteiras à exploração ocidental em 1839 -42. (HOBSBAWM, 1996, p.19) Na segunda metade do século XIX, nada impedia o avanço do "burguês conquistador" (idem) sobre qualquer território em que achasse vantagem, a não ser o tempo. E o tempo favoreceu novas conquistas mercadológicas, novos avanços tecnológicos, novas descobertas científicas, embora seja reconhecido que a história das conquistas burguesas não é, simplesmente, a história de triunfos, mas sobretudo a história de divisão de povos, de exploração, dominação e privação no atendimento as necessidades de grupos, de pessoas. Contraditoriamente, a sociedade burguesa tem a capacidade de unir e ao mesmo tempo separar indivíduos; é uma sociedade dividida/divisora que simula unificação entre os povos. Segundo Friedman (2005), a viagem de Cristóvão Colombo teria sido o acontecimento inaugural do comércio entre o Velho e o Novo Mundo; tal fato histórico teria resultado no processo hoje conhecido como globalização, que já se encontraria em sua terceira fase. A primeira fase, na análise do referido autor, deu-se de 1492 a 1800, marcada pela "potência muscular (quantidade de força, quantidade de cavalos-vapor, a quantidade de vento ou, mais tarde, a quantidade de vapor) que o país possuía e a criatividade com que a empregava" (Idem, p. 18). A segunda vai de 1800 a 2000, cujo principal agente de mudança foram as empresas multinacionais, que se expandiram em busca de mercados e mão de obra, sendo interrompida, mas não aniquilada, pela Grande Depressão, a Primeira e a Segunda Grande Guerra 5. A terceira fase da globalização, para Friedman, é a que se vive hoje, "que está não só encolhendo o tamanho do mundo de pequeno para minúsculo, como também, ao mesmo tempo, aplainando o terreno." (Idem, p. 19). A 1ª fase foi marcada pela globalização dos países, a 2ª pela globalização das empresas, a 3ª é marcada pela dinâmica dos indivíduos, pela capacidade que teriam descoberto de concorrer no âmbito mundial. Por fim, para esse autor, os indivíduos e grupos, hoje, se globalizam tão fácil e uniformemente não devido ao cavalo-vapor nem ao hardware, mas ao software (novos aplicativos de todos os gêneros), "conjugado à criação de uma rede de fibra óptica em escala planetária que nos converteu, a todos, em vizinhos de porta." (Idem, p. 19). A diferença da terceira globalização para as anteriores está no poder del egado ao 5 Esses acontecimentos, sabe-se, redefiniram as estratégias política e econômica para a manutenção da ordem estabelecida pelas grandes Revoluções. indivíduo, não apenas aos habitantes dos continentes europeus e americanos, mas, também, aos grupos diversificados não ocidentais, pessoas de todos os cantos do mundo que estão conectadas, com possibilidades de agir no âmbito global, o que leva, n o entendimento do referido autor, a uma transformação de um mundo global para um Mundo Plano. Essa análise de Friedman é pujante, multifacetada; tanto pode ser vista como uma descrição cuidadosa de fatos reais, uma apresentação convincente do mundo capitalista, expondo-se planos de ações possíveis para o mundo em mudança e, evidentemente, agradando aos mais sofisticados investigadores das estratégias capitalistas, como pode ser lida como um relato investigativo dos perigos cada vez maiores aos quais os homens estão submetidos. Vê-se que a exposição da pesquisa de Friedman revela, na verdade, o quanto o capitalismo é astucioso; a globalização dos países, a globalização das empresas e a globalização dos indivíduos são um mesmo processo requisitado pela expansão desse modo de produção. Recorda-se aqui o que Marx questionou em 1846: "Toda organização interna dos povos, todas as suas relações internacionais, não constituem apenas a expressão de determinada divisão do trabalho? Não devem modificar-se com as modificações da divisão do trabalho?" (s/d, p. 247). Isso significa reconhecer que toda mudança observada no mundo atual é resultado do investimento da energia posta em prática pelos homens. Se bem recordarmos Marx (Idem, p. 245), neste cenário social tem-se uma "Conclusão obrigatória: a história dos homens nada mais é que a história de seu desenvolvimento individual, tenham ou não consciência disso. Suas relações materiais constituem a base de todas as demais relações" (Idem, ibidem). Na história da sociedade do capital, vê-se hoje o avanço do processo de exploração nos países dos continentes africanos e asiáticos, cujos povos sempre estiveram à mercê da vontade dos "conquistadores". No caso da Índia, por exemplo, o povo indiano trabalhou incessantemente preservando suas tradições, mas ao abrir suas fronteiras para o conhecimento e para a tecnologia, tornou-se um país constituído de uma força de trabalho capacitada tecnologicamente e mais barata do que a força de europeus e americanos 6. O desenvolvimento e a utilização da tecnologia informacional, as 6 "Cerca de 70 mil contadores [...] se formam na Índia a cada ano; muitos são contratados pelas empresas locais por um salário de 100 dólares por mês. A comunicação em alta velocidade, o treinamento rigoroso e os formulários padronizados permitem converter esses jovens indianos, num prazo relativamente breve e a um custo pífio, em contadores ocidentais rudimentares. [...]. 'A profissão de contador está atravessando um momento de transição. Aqueles que se aferrarem ao passado e resistirem às mudanças vão se afundar na massificação. Por outro, os que se mostrarem aptos a agregar valor - máquinas da sociedade moderna, os computadores, os celulares, o i-pod são expressões das relações no atual regime econômico. O que está em jogo na relação dos homens com essas "máquinas" é a finalidade e o modo de utilizá-las, seja para ferir e matar, ou para curar e beneficiar a vida. Nem a mais alta tecnologia, nem as novas relações estabelecidas entre os homens beneficiados pelo "achatamento" do mundo com o fim das distâncias entre o tempo e o espaço que a comunicação moderna propicia, eliminam a concorrência entre os países ou a desproporção entre a população e suas necessidades reais. Marx (s/d) recomendava aos apologistas do seu tempo que contemplassem a vida real, um minuto que fosse. 3. UMA PASSAGEM PELO SERVIÇO SOCIAL PARA FUTURAS ANÁLISES Neste traçado do mundo moderno, o Brasil expressa seu comprometimento político e econômico com a agenda neoliberal no final da década de 1980. Na primeira década do século XXI explicitam-se os anseios brasileiros para responder às exigências do "grande capital". Não diferentemente do resto do mundo, este país espera o "espetáculo do crescimento"7. Dada a análise sobre a profissão no processo de produção e reprodução das relações sociais feita por Iamamoto e Carvalho (1982), quando resultou a tese de que "a profissão afirma-se como uma especialização do trabalho coletivo no quadro do desenvolvimento industrial e da expansão urbana"7, o que se põe hoje é a necessidade de se observar as mudanças ocorridas nos processos de ressignificação da lógica do capital, o que permitirá identificar os desafios postos para o Serviço Social. O Serviço Social brasileiro testemunha a expansão de grupos transnacionais e o capital financeiro que fortalece a indústria de base taylorista e fordista no período pós-Segunda Guerra. Presencia a ação do Estado no financiamento das políticas públicas para dividir com a mediante a sua liderança, os seus relacionamentos e sua criatividade - não só transformarão o setor como vão fortalecer seus relacionamentos com os clientes'." - "Então, o que você está me dizendo - perguntei a Rao - é que, seja qual for a sua profissão médico, advogado, arquiteto ou contador - se você for americano é melhor tratar de se dedicar à coisa da prestação de serviços 'com amor', porque tudo o que puder ser digitalizado também pode ser terceirizado para alguém mais esperto ou mais barato, ou as duas coisas?". (Trecho do livro o Mundo é Plano, de Thomas Friedman, 2005, p 23 - 24.) 7 Expressamente aguardado pelo atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, como o diz Netto (2004, p. 15): "Afirmar, pois, como o faz a retórica do governo petista, que um 'espetáculo de crescimento' abrirá a via para novas condições de vida para a massa da população é fugir à questão central: como serão distribuídos os frutos deste (eventual) crescimento." 7Iamamoto predica a referida análise que elaborou sobre o Serviço Social na década de 1980 como "seminal" (2007, p. 167). Reconhecidamente essa análise disseminou na profissão uma visão revolucionária acerca do significado do Serviço Social na sociedade capitalista. O estudo de Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho é um divisor na história do Serviço Social, donde há de se convir que o trabalho de pesquisa dos referidos autores fez aflorar o sentido da profissão nesta sociedade, a sua função social. indústria os custos com a reprodução da força de trabalho na década de 1950. Assiste a trabalhadores e familiares vivendo os bons dias das ondas longas expansionistas. Acompanha a euforia do emprego formal e da proteção dos direitos trabalhistas. Vê como os trabalhadores puderam consumir e dinamizar a economia, fazendo funcionar, a todo vapor, o modelo de produção de massa, durante quatro décadas (a partir de 1950), conforme o movimento capitalista do mundo instalado naquele "breve século XX (1914 1991)". (HOBSBAWMN, 1995). É evidente que nesse cenário o assistente social não é um mero espectador, ele participa do plano de expansão e produção industrial contribuindo para a reprodução da força de trabalho naquilo que é específico da sua profissão: efetivar as políticas sociais voltadas para os trabalhadores e seus familiares ou atuar junto a outros segmentos da sociedade que vivem à margem da produção, sem os benefícios dos trabalhadores formais, acolhidos pela Igreja ou iniciativas voluntárias da sociedade. Mesmo com todas as mudanças, o avanço da ciência e da tecnologia não alterou a essência do cenário de atuação do Serviço Social; pode-se até dizer, como as palavras novas indicam, que as luzes, as cores, os gestos são diferentes; pode-se até aceitar que se vive hoje uma 3ª globalização, elevando o indivíduo ao mais alto patamar de competitividade. Tudo pode parecer diferente, mas o enredo, o conjunto de incidentes que constituem a ação da sociedade capitalista continua expondo o homem às ilusões e ao fetiche do capital. REFERÊNCIAS FRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano: uma breve historia de século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: 1789 - 1849. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. ____. Era dos extremos: breve século XX: 1914 - 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. IAMAMOTTO, M V.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasi l. São Paulo:Cortez, 1982. IAMAMOTTO, Marilda Vilela. Serviço Social em tempo de capital de fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007. ____. Trabalho e indivíduo social: um estudo sobre a condição operária na agroindústria canavieira paulista. São Paulo: Cortez, 2008. MARX, K, ENGELS, F. Cartas - Marx a P.V. Annenkov. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfaomega, s/d, p.244 - 253. NETTO, José Paulo. A conjuntura brasileira: o Serviço Social posto à prova. In: Serviço Social e Sociedade. Nº 79. São Paulo:Cortez, 2004.