O ESTÁGIO E A FORMAÇÃO LEITORA NO ENSINO FUNDAMENTAL

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O ESTÁGIO E A FORMAÇÃO LEITORA NO ENSINO
FUNDAMENTAL
ARAUJO, Cristina Nalon de1 - UEL
NASCIMENTO, Mari Clair Moro2 - UEL
Grupo de Trabalho - Práticas e Estágio nas Licenciaturas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho trata de uma pesquisa empírica concluída acerca da formação leitora de alunos
dos Anos Inicias do Ensino Fundamental de uma escola municipal da cidade de Londrina, no
norte do estado do Paraná, onde foi realizado estágio curricular obrigatório do curso de
Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina, ao longo do ano de 2012. Objetivando
compreender as estratégias empreendidas por professores, atuantes nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, para a formação de alunos leitores, as pesquisadoras utilizaram, para a
obtenção dos dados da pesquisa: as observações e o questionário respondido por quatro
professoras da escola, das quais duas foram regentes das turmas observadas. Os dados foram
analisados por meio dos autores que tratam de educação, leitura e linguagem, como Freire
(1999), Bakhtin (1995), Silva (1986), Rezende (2009), numa abordagem qualitativa. Os
resultados apontam para diferenciadas ações que envolvem leituras realizadas tanto no âmbito
da sala de aula, quanto no âmbito escolar como um todo, tendo em vista, por parte das
professoras, a formação leitora dos alunos como algo essencial para a vida deles. As
estratégias utilizadas demonstraram um retorno positivo junto aos alunos, que tiverem um
desempenho melhor, segundo a perspectiva das professoras. Ressalta-se com isso, que as
práticas que aproximam o aluno do universo da leitura, em sentido amplo, são contributivas
em vários aspectos da formação do sujeito, e por isso, podem ser inseridas cotidianamente nas
mais diversas atividades escolares, sendo requisito para isso, professores inseridos numa
ambiência de leitura (REZENDE, 2009) que possibilite aliar o prazer de ler não a algumas
leituras específicas, mas a todas as leituras utilizadas.
Palavras-chave: Estágio. Leitura. Ensino Fundamental.
1
Mestranda em Educação na Universidade Estadual de Londrina, bolsista pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. [email protected].
2
Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Londrina – Docente na Universidade Estadual de Londrina
22855
Introdução
O presente trabalho trata da formação leitora de alunos dos Anos Inicias do Ensino
Fundamental de uma escola municipal de Londrina (PR), na qual se realizou estágio
curricular obrigatório do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Londrina no ano de
2012.
Entende-se por Estágio Curricular Obrigatório o conjunto de atividades elaboradas
com o objetivo de promover oportunidades de aprendizagem profissional, social e cultural,
por meio da participação em situações reais de trabalho, envolvendo docentes supervisores,
estudantes e campos de estágio.
No curso de Pedagogia da UEL o objetivo do Estágio Curricular Obrigatório é
“oportunizar ao estudante o início da experiência profissional nas suas diferentes áreas de
atuação” (UEL, 2011, p. 02). As áreas de atuação, de acordo com a Deliberação 030/2011 que
regulamenta o estágio curricular da Pedagogia, são: docência na Educação Infantil, nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental e na Gestão Pedagógica em espaços escolares, não-escolares
e em outras instâncias de organização social (UEL, 2011).
Por meio do estágio realizado se percebeu a necessidade de compreender melhor
algumas práticas de leitura observadas na escola. Considera-se que a temática abordada tem
tido papel de destaque no século XXI3, pois as fontes de leitura parecem nunca ter sido tão
amplas e acessíveis como atualmente, principalmente quando se entende a leitura como não
restrita à palavra escrita/impressa.
As múltiplas leituras contidas no mundo dos sujeitos também podem ser inseridas no
universo escolar, dependendo da concepção de leitura do professor, que tem estreita relação
com sua formação pessoal e profissional. Tem-se como pressuposto, que o professor
necessariamente precisa estar inserido em ambiência de leitura (REZENDE, 2009) para
propiciar a formação leitora de seus alunos, já que, “como pode um não-leitor produzir novos
leitores?” (GARCIA, 1996, p. 34).
Tendo em vista as situações de leitura presentes no ambiente escolar, por meio das
observações no campo de estágio, buscou-se compreender a seguinte questão: Como um
3
Nesse início de século se percebe um avanço das tecnologias de comunicação visto pelos lançamentos de
aparelhos como tablets, smartphones, televisores de alta definição (Full HD), inovação em sites de
relacionamento e pesquisa, entre outros. Tecnologia essa que, além de aproximar pessoas, possibilitam-lhes
acesso amplo de informação, serviço e entretenimento.
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grupo de professores atuantes nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental promovem a
formação de alunos leitores?
Nesta perspectiva, delimitou-se como objetivo a ser atingido no estudo: compreender
as estratégias empreendidas por professores, atuantes nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, para a formação de alunos leitores e dar indicadores com vistas a contribuir
com a Àrea da Educação. Para tanto, os dados apresentados são oriundos do cumprimento das
80 horas4 de observação participante e do questionário respondido por 4 (quatro) professoras
atuantes nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, na escola onde ocorreu o estágio, das
quais duas foram regentes das turmas observadas. Os dados obtidos com o questionário estão
destacados em itálico no item "Resultados e discussão". Esses instrumentos de coleta de
dados contribuíram na elaboração de um cenário que possibilita melhor entendimento das
estratégias por elas efetivadas.
Considerações acerca da leitura
O termo “leitura” é considerado aqui como algo não limitado à decodificação de
signos gráficos, apesar de seu papel imprescindível nesse processo. Alguns autores como
Vianna e Teixeira (2002), Foucambert (1994) e Freire (1999) auxiliam a sustentar essa
posição:
Poderemos aceitar que a decodificação é uma condição fundamental que, se não for
satisfeita, não permitirá o desenvolvimento da leitura a níveis ulteriores. No entanto,
reduzir a leitura à técnica da decifração seria muito limitado. Todos os signos
gráficos traduzem uma mensagem, e a posse de uma técnica de leitura resultaria
inútil se não permitisse atingir o pensamento (VIANNA; TEIXEIRA, 2002, p. 11).
Foucambert (1994) afirma que a decodificação segue uma rigorosa progressão,
enquanto que o aprendizado da leitura só pode se dar por meio da imersão na escrita, com a
troca, comunicação e multiplicidade das relações dos escritores sociais e mundo real. Essa
ampla visão de leitura, no sentido de não restrita à decodificação da linguagem escrita, torna
possível dar sentido à expressão corporal de um indivíduo, ou descrever a percepção do sabor
de uma fruta, ou até mesmo compreender-se a ideia de um autor não explícita em seu texto
escrito.
4
O total de horas do estágio foi de 136 horas, entre teóricas e práticas.
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Freire (1999) considera que a compreensão crítica do ato de ler não se esgota na
decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na
inteligência do mundo. Este autor afirma que a leitura do mundo precede a leitura da palavra,
reforçando a concepção de leitura ampla, em que o sujeito se utiliza dos conhecimentos
anteriores para trazer significado ao que lê.
Assim como Freire, Manguel traz para o ato de ler a leitura que se faz do mundo o
tempo todo, perpassando os sentidos humanos. “Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta
para vislumbrar o que somos e onde estamos. [...] Não podemos deixar de ler. Ler, quase
como respirar, é nossa função essencial” (MANGUEL, 1997, p. 20).
O sujeito se utiliza dos sentidos possibilitados pelo corpo humano para ler as mais
variadas formas de leitura.
O ato de ler estabelece uma relação intima, física, da qual todos os sentidos
participam: os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons
que estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta,
papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a encadernação macia
ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos do leitor são umedecidos na
língua (que é como o assassino envenena suas vítimas em O nome da rosa de
Umberto Eco) (MANGUEL, 1997, p. 277).
A utilização dos sentidos vai além da leitura de um livro, como descrito acima, mas
também na leitura dos sons, da imagem, das expressões, da textura, etc. Utilizar-se dos
sentidos para compreender melhor o mundo tem implicações no prazer de ler, pois permite
uma leitura mais profunda e significativa.
Mesmo levando em conta a subjetividade do ser humano e a subjetividade do prazer
em ler, é possível pensar que o prazer é um excelente contributo para a formação do leitor e
que o prazer de ler pode contar com algumas ações para ser desenvolvido no sujeito.
De acordo com o dicionário Aurélio, "prazer" tem seu significado relacionado a
contentamento, alegria, jovialidade, satisfação, deleite, delícia, boa vontade, agrado, distração
e divertimento (PRAZER, 2013). Sentimentos ou sensações essas que aparecem por meio de
um encontro interativo. Esse encontro envolve um signo – com uma multiplicidade de
representações, como uma imagem, som, gestos, linguagens – e os conhecimentos anteriores
de quem interage com ele. Esse encontro proporciona um significado.
O signo, para Bakhtin (1995), possui um significado fora de si, daí parte a
compreensão de que o significado não está contido no signo, mas no que o sujeito traz para
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ele por meio de seus conhecimentos prévios, ou seja, pressupõe uma interação entre o sujeito
e o objeto do conhecimento, que pode ser mediado por outro sujeito.
Em relação ao prazer, para Barthes (1973, p. 83-84), “[...] simplesmente, chega um dia
em que se sente alguma urgência em desparafusar um pouco a teoria, em deslocar o discurso,
o idioleto que se repete, toma consistência, em lhe dar a sacudida de uma questão. O prazer é
essa questão”. O prazer pode, assim, ser compreendido como o que move o sujeito, ou seja, a
indagação, a curiosidade.
Vendo desta maneira, o exercício da leitura prazerosa é muitas vezes impulsionado
pelas instituições presentes na vida do sujeito, como a família e a escola, uma vez que o
nascimento de um leitor pode, necessariamente, passar pela motivação advinda do outro. O
prazer pela leitura, além de estar relacionado com o significado ou compreensão obtida por
meio da interação com o objeto a ser lido, também exige amplitude de possibilidades, pois o
ato de ler não se esgota na palavra escrita.
Neste século XXI, com a presença ampla dos múltiplos textos, é mais que
imprescindível o domínio da leitura, pois ela tem implicações diretas no estar no mundo, na
formação de sujeitos autônomos e leitores da palavra e do mundo.
Metodologia
A partir do levantamento teórico, seguiu-se com a obtenção dos dados de pesquisa,
obtidos por meio das 80 horas de observações participantes e do questionário.
A observação se deu de maneira participativa, sendo reconhecida como o
procedimento metodológico mais apropriado para desenvolver uma investigação na
convivência com o outro (COUTINHO, 2002, apud SOUTHIER; MAESTRI, 2005), por
permitir ao observado chegar mais perto da perspectiva dos sujeitos pesquisados (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986).
Olhar para a sala de aula no intuito de captar o fazer docente e principalmente as ações
que os professores e a escola, como um todo, realizam para a formação leitora dos alunos dos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental é o momento denominado de observação participante,
por competir ao estagiário captar o que acontece na sala de aula estando no instante em que
está inserido nas atividades, a partir das orientações da professora regente. Nesta configuração
o futuro professor está ativo neste processo, ultrapassando o estar na sala de aula para apenas
“observar” as ações da professora em exercício.
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Utilizou-se também o questionário, respondido por 45 (quatro) professoras atuantes
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, na escola onde ocorreu o estágio, das quais duas
são regentes das turmas observadas.
As questões contidas no questionário são:
1. Professor (a) o que você considera sobre a formação de alunos leitores?
2. De que forma você colabora com a formação leitora de seus alunos em sala de
aula? Utiliza-se de estratégias de leitura? Se sim, elas estão inseridas na rotina da
turma?
3. A respeito das ações para a formação leitora de seus alunos, qual o reflexo ou
avanço observado junto a eles?
As professoras respondentes têm suas identidades preservadas, identificadas por (P.1),
(P.2), (P.3) e (P.4), onde "P" significa "Professora". Considera-se o termo no feminino por
não haver representantes do gênero masculino entre os participantes.
Quanto à abordagem do problema, esta se deu embasada na pesquisa qualitativa por
considerar a importância de apresentar a realidade conforme ela se apresenta, além de
evidenciar os dados de maneira descritiva, uma vez que o questionário foi composto por
questões abertas.
Os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o
objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos. Estes dados não
são padronizáveis como os dados quantitativos, obrigando o pesquisador a ter
flexibilidade e criatividade no momento de coletá-los e analisá-los. Não existindo
regras precisas e passos a serem seguidos, o bom resultado da pesquisa depende da
sensibilidade, intuição e experiência do pesquisador (GOLDENBERG, 2003, p. 53).
O questionário foi utilizado por ser um instrumento muito útil na obtenção dos dados.
De acordo com Marconi e Lakatos (1996), ele possui diversas vantagens como: economia de
tempo; obtém grande número de dados; atinge maior número de pessoas simultaneamente;
obtém respostas mais rápidas e precisas; há maior liberdade e segurança nas respostas; há
menos risco de influência do pesquisador e há mais tempo para responder, entre outros.
Utilizar mais de um método para se desenvolver uma pesquisa é entendido como
somatório para melhor compreensão de um problema, "[...] cada vez mais os pesquisadores
estão descobrindo que o bom pesquisador deve lançar mão de todos os recursos disponíveis
para que possam auxiliar à compreensão do problema estudado" (GOLDENBERG, 2003,
p.67).
5
Ressalta-se que este foi o número de professoras que se dispuseram a colaborar com a pesquisa, pois o
questionário foi disponibilizado a todos os professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da escola em
estudo.
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Resultados e discussão
O estágio foi desenvolvido durante o quarto ano do curso de Pedagogia da
Universidade Estadual de Londrina, no ano de 2012, sendo cumpridas 136 horas em uma
escola da rede municipal da cidade de Londrina/PR que atende os níveis: Educação Infantil e
Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
O estágio foi efetivado uma vez na semana e em duplas, as quais vivenciaram a rotina
de 3 turmas, sendo uma turma de 1º ano e duas de 2º ano, onde aconteceram as observações e
as intervenções participativas, registradas em um diário de campo.
As observações participantes foram refletidas com base nos conhecimentos teóricos
adquiridos ao longo da formação acadêmica e nos encontros com a supervisora do campo do
estágio, a fim de analisar e compreender as práticas presenciadas na escola. Nesta
configuração, o estágio
[...] não se resume à aplicação imediata, mecânica e instrumental de técnicas, rituais,
princípios e normas aprendidas na teoria. A prática não se restringe ao fazer, ela se
constitui numa atividade de reflexão que enriquece a teoria que lhe deu suporte. O
estágio é um processo criador, de investigação, explicação, interpretação e
intervenção na realidade (PIMENTA, 1995, p. 74).
As intervenções foram realizadas com base nos temas indicados pela professora
regente, sendo orientadas e acompanhadas pela supervisora de campo do estágio curricular.
Assim, a partir de idas e vindas, ou seja, de muitas reflexões, a construção do plano de aula
buscava focar atividades diferenciadas.
A supervisora do estágio, estando presente nos momentos de intervenção, tendo em
vista auxiliar no que fosse necessário e com o olhar de quem precisa contribuir na formação
de novos profissionais, após cada intervenção, atribuía o feedback para ajudar a dupla de
estagiárias a refletir sobre os objetivos alcançados, as dificuldades encontradas e demais
aspectos que poderiam ser contemplados ou melhorados. A estratégia de atribuir o feedbabck
é uma forma de favorecer ao estudante a reflexão sobre a sua ação, tendo em vista a revisão e
aprimoramento da própria prática. Para Gasparin (2007, p. 113), “[...] ao assumir o papel de
mediador pedagógico, o professor torna-se provocador, contraditor, facilitador, orientador”,
papel assumido pela professora supervisora de campo do estágio curricular.
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O contato com o campo do estágio, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
possibilitou uma visão mais ampla de certos elementos que perpassam o fazer pedagógico,
sendo destaque neste trabalho as atividades de leitura presentes na rotina de sala de aula.
A rotina, assim como os conteúdos escolares, tem seu papel no dia a dia, por contribuir
na organização do andamento das atividades e na tentativa de minimizar a ansiedade das
crianças com as atividades diárias. Nesta perspectiva, “A rotina representa, também, a
estrutura sobre a qual será organizado o tempo didático, ou seja, o tempo de trabalho
educativo realizado com as crianças” (BRASIL, 1998, p.54).
Essas atividades rotineiras, realizadas diariamente num tempo determinado, são, por
exemplo, conforme observado durante o estágio: a entrada na sala após dizer algo solicitado
pela professora regente, como uma palavra iniciada com determinada letra; a prece; o
cabeçalho escrito no quadro com o nome da cidade, data e nome da escola; e a marcação no
calendário do dia correspondente; além das disciplinas que cumprem uma ordem na semana.
Outras ações, inseridas na rotina das turmas, referem-se às atividades que visam a
formação leitora dos alunos. Tendo em vista compreender melhor essas ações, questionou-se
às professoras: Professor (a) o que você considera sobre a formação de alunos leitores?
Obtendo as seguintes respostas:
A formação é necessária para que o indivíduo seja bem informado através da
leitura, utilizando-a para melhorar sua qualidade de vida (P.1).
Algo essencial e vital para o (a) aluno (a) em si, para o resto da sua vida (P.2).
Estímulo tanto em casa, quanto na escola; O aluno precisa de referência onde o
professor deve ler diariamente para despertar o gosto; É importante que o aluno
compreenda a função social da leitura (P.3).
Acredito que o aluno tendo acesso aos diferentes tipos de leitura, tendo acesso à
biblioteca escolar, o aluno desenvolverá o gosto pela leitura e levará este hábito
para toda a vida (P.4).
Observa-se, na fala das professoras pesquisadas, que formação de leitores está
relacionada com a vida do aluno, sendo essencial e para melhorá-la. São considerados
necessários os estímulos e exemplos por parte da família e do professor que devem ler
cotidianamente para seus alunos. A família certamente cumpre um papel relevante na
formação leitora de seus filhos, compartilhada com a escola, cada uma a seu modo. Para
Baltazar, Moretti e Balthazar (2006, p. 45) “não há melhor escola de formação cultural, social
e psicológica que o próprio lar”.
Nessa mesma perspectiva, além da família, a ação do professor também tem
implicação na formação de seu aluno, como expresso por (P.3), essa ação é desenvolvida a
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partir de sua formação humana e profissional, nas quais o hábito prazeroso de ler precisa se
fazer presente. Assim, “o primeiro requisito, portanto, para que o contato aluno/texto seja o
menos doloroso possível é que o mestre não seja um mau leitor. Que goste de ler e pratique
leitura” (ZILBERMAM, 1993, p.54). Formar leitores exige antes a formação leitora do
professor.
Outro aspecto presente na fala de uma das professoras se refere ao acesso aos
diferentes tipos de leitura e à biblioteca. A questão do acesso é algo há muito tempo posto em
discussão, devido à precariedade de bibliotecas e ao alto custo de livros. Mesmo havendo
encaminhamentos que contribuem para a democratização da leitura, ainda há muitas
dificuldades de acesso a ela no Brasil.
Mas para além do acesso, há outro requisito tão importante quanto: a mediação entre o
sujeito e a leitura. Nesse sentido, Silva (1986, p.13-14) exemplifica melhor: “a existência de
livros disponíveis e de fácil acesso não garante, por si só e necessariamente, o surgimento da
leitura enquanto uma experiência de prazer”. O papel do professor e da família se cumpre
nessa mediação. Lahire (1997) também diz que a questão do incentivo à leitura não se limita à
presença ou ausência de atos de leitura em casa: quando existe a experiência, é preciso sempre
se perguntar se é vivida positivamente ou negativamente.
Nas observações, notou-se em uma das salas um avental com literatura infantil, usado
pelas crianças que terminam a atividade proposta pela professora, ou seja, enquanto aguardam
os colegas terminarem a tarefa, lêem algum livro escolhido espontaneamente. Além desta
prática, a professora de outra turma relata no questionário uma experiência parecida com a
descrita acima, quando responde sobre as estratégias6 de leitura que utiliza em sala de aula:
"Na sala, procuro pedir aos alunos, que leiam em voz alta, os diferentes textos estudados.
Além disso, tenho na sala um baú de livros e gibis, que são utilizados quando os alunos vão
terminando as atividades" (P.4). Como o aluno pode escolher livremente o livro
disponibilizado no avental ou no baú, ele exerce certa autonomia que pode ser ainda mais
estimulada com o auxílio dele na renovação dos livros que compõe o avental e o baú.
Outra professora partilhou suas experiências de ações que visam à formação leitora de
seus alunos: "Leitura prazer diariamente tanto pelo aluno quanto ao professor. Trabalho com
6
Ver mais em: Mary Rangel. Dinâmicas de leitura para sala de aula. Vozes; Isabel Solé. Estratégias de
leitura. Porto Alegre: ArtMed; Paulo Freire. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
Autores Associados: Cortez.
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ênfase na função da leitura em receitas, remédios, gibis, placas, texto informativo, literário e
busca de informação" (P.3).
Além da leitura cotidiana, considerada prazerosa, a professora cita alguns gêneros
utilizados, dos quais se destacam o texto escrito e o imagético (gibis e placas). Essas são
algumas possibilidades de leitura presentes no mundo, há, porém, outras:
Nosso estar no mundo como indivíduos sociais é mediado por uma rede intrincada e
plural de linguagem, [...] também nos comunicamos e nos orientamos através de
imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons musicais,
gestos, expressões, cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do apalpar. Somos uma
espécie animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos
constituem como seres simbólicos, isto é, seres de linguagem (SANTAELLA, 1983,
p.10).
Como seres simbólicos e de linguagem temos a possibilidade de ler as múltiplas
linguagens que permeiam nosso estar no mundo. O estímulo às múltiplas leituras é essencial
para a formação de leitores da palavra e do mundo. Ao encontro dessa visão, Rezende (2009)
diz que em um mundo de múltiplos textos, não há razão para não explorarmos na escola, na
academia, essa diversidade textual, quando se trata do processo de ensino e aprendizagem e,
quando se tem o propósito de formar leitores.
Foi observada na rotina de outra turma, a contação de histórias em dois momentos: no
início da aula, após a marcação do calendário, e na volta do recreio. Essas histórias são
contadas pela professora com o auxílio de um livro com algumas imagens que são mostradas
aos alunos. Por serem longas, as histórias, normalmente, têm continuidade no dia seguinte.
Tal estratégia pode ser percebida na resposta de uma professora quando ela diz sobre suas
estratégias de leitura: "Eu lia para eles todos os dias textos variados mas principalmente
histórias. [...] utilizei estratégias de 'Antes da leitura', 'Durante a leitura', e 'Pós-Leitura',
mas eu também lia para eles sem cobrar nada, apenas pelo prazer da leitura" (P.2).
Para além do relato das leituras feitas para a turma diariamente, considerada um ato
importante na formação de leitores, destaca-se na fala a relação da leitura desvinculada de
cobranças. Percebe-se uma concepção de leitura prazerosa, desvinculada de cobranças de
alguma atividade após sua realização. Isso permite levantar a seguinte questão: Por que as
leituras que exigem alguma cobrança a partir dela, comumente utilizadas na escola, não
podem ser prazerosas, já que a interação e exploração do texto após a leitura pode contribuir
mais ainda na compreensão e significação?
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Um grande desafio dos professores atualmente tem sido este: vincular o prazer de ler
às leituras utilizadas em sala de aula, com ou sem cobranças. Para isso primeiramente é
necessário ter um conceito de "leitura" e de "prazer pela leitura" em sentido amplo, também
por meio de estratégias rotineiras que permitam aos alunos não diferenciarem os textos
escolares de leitura prazerosa. Ler cotidianamente para os alunos é, certamente, um caminho.
As práticas cotidianas de leitura contribuem para uma ambiência de leitura
(REZENDE, 2009), ou seja, estar inserido num contínuo de leitura significativa para o aluno
favorecendo sua formação leitora. Para Freire (1999, p. 16): “[...] a compreensão crítica da
importância do ato de ler se veio em mim constituindo através de sua prática”. O contato com
a leitura, portanto, tem que ser amplo, envolvendo família, escola e mundo.
Na escola, onde o estágio se desenvolveu, há o momento da hora do conto, realizado
na biblioteca por uma professora responsável por este espaço. No entanto, por restrição desta
docente, a atividade não pôde ser observada. A hora do conto tem o intuito de formar alunos
leitores, podendo contribuir na aproximação da criança com o ato de ler. Cabe destacar a
relevância da leitura, por propiciar o desenvolvimento da criança, pois segundo Silva (1986),
ler é possuir elementos de combate à alienação e ignorância que leva à emancipação humana.
Outra professora descreve, no questionário, como faz para promover a formação de
alunos leitores: "Realizo o projeto de leitura para os alunos de 1º ao 3º ano. Os textos são
escolhidos de acordo com as necessidades da turma, diversificando os tipos e com enfoque na
sua finalidade" (P.1). Na condição de mediador, esta professora relata escolher o material a
ser utilizado, ficando evidente que o aprendiz precisa contar com pessoas mais experientes
para lhe ajudar a se aprofundar no universo da leitura.
De acordo com Bakhtin (1995, p.108) “[...] os indivíduos não recebem a língua pronta
para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando
mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar”. Esse processo
de construção da língua pressupõe a relação com o outro, seja seu par ou um terceiro mais
experiente.
No âmbito da escola ainda, outro projeto é descrito pela professora (P.4): "A escola
desenvolve um projeto de leitura, onde o aluno recebe um texto por semana para ler. Depois
é tomada a leitura oral e feita a interpretação, também oral".
Os projetos desenvolvidos pela escola certamente visam contribuir com a aproximação
dos alunos em geral com a leitura, porém se observa que esse projeto propõe uma leitura e
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posteriormente atividades sobre ela, visto ser "tomada a leitura oral e feita a
interpretação"(P.4), tranquilamente possível caso o conceito de leitura prazerosa estiver
presente nesse fazer, ou seja, se houver o entendimento de que a leitura pode ser prazerosa,
apesar de haver alguma cobrança sobre ela.
Por fim, foi observada em sala de aula uma atividade em que os alunos levam livros
para casa, a fim de ler com a família, também os livros levados de casa para a escola, tendo
em vista mostrá-los à turma e à professora, que se apresentava incentivadora a esta ação.
Nestes momentos, escola e família oportunizam que a criança construa a importância do ato
de ler por meio da prática cotidiana.
Ao responderem o questionamento: A respeito das ações para a formação leitora de
seus alunos, qual o reflexo ou avanço observado junto a eles? Obteve-se as seguintes
respostas:
Observo que meus alunos têm melhorado o ritmo, a dicção e até mesmo a
interpretação da leitura tendo em vista que os alunos são atendidos individualmente
(P.1).
O avanço observado é o prazer deles em ler e descobrir novas coisas através da
leitura (P.2).
Gosto pela leitura, rodas de conversas sobre o que leu e gostou;
O projeto literário que levam para ler em casa junto com a família motiva bastante,
pois dá a oportunidade da família motivar e ler também. Tenho um 2º ano que todos
leem, isso é o resultado do trabalho motivador com ênfase em leitura (P.3).
A cada ano, é evidente avanços na qualidade da leitura, interpretação e escrita.
Eles demonstram mais segurança quando são solicitados para fazer uma leitura
oral, uma interpretação de texto ou uma produção textual (P.4).
Essas respostas apontam para os avanços ocorridos, por parte dos alunos, a partir das
estratégias de leitura utilizadas pelas professoras, segundo suas percepções. Os avanços são
percebidos: na melhora na interpretação da leitura, na escrita, na leitura oral, no ritmo e na
dicção; também na descoberta e gosto/prazer em ler; além da motivação ocorrida pela
interação com a família no projeto literário.
As ações que os professores/escola realizam, tendo como intenção formar alunos
leitores, resultam muitas vezes no desenvolvimento dele não apenas como leitor da palavra
escrita, mas como um “sujeito que lê o mundo à sua volta, que compreende melhor a leitura
em sua função social” (P.3), e os significados apreendidos por seus sentidos.
Essas ações não necessariamente precisam ter um momento específico para ocorrer,
mas podem perpassar todas as atividades realizadas pelo professor/escola. Sendo
significativas para o aluno, as leituras utilizadas contribuirão com o prazer de ler:
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Que não sejam disciplinas para ensinar ‘sobre/acerca’ da leitura tão somente, mas
lugares/momentos em que os seres humanos envolvidos a exercitem conjuntamente
e de maneira prazerosa, entendendo esta última palavra, neste contexto, como aquilo
que faz sentido para o leitor e lhe propicia o envolvimento com o texto, ocorrendo,
portanto, o desejo de ler. O mesmo é valido para a produção de texto (REZENDE,
2009, p. 115).
Propiciar o envolvimento do aluno com a leitura de maneira prazerosa é um desafio e
uma responsabilidade dos atores envolvidos na formação de um sujeito - família, professores,
escola, comunidade - que exige primeiramente o compromisso com o hábito de ler e ações
que aproximem o sujeito do universo das múltiplas leituras.
Considerações finais
O estágio, na formação inicial do professor, tem seu papel colaborador na práxis
educativa, como integrador de uma formação mais ampla que atende às necessidades de
compreender, a partir de âmbitos diversos, as possibilidades do trabalho educativo.
Vivenciar o ambiente escolar, suas rotinas, dificuldades, avanços, coletividade,
individualidade, diversidade das atividades pedagógicas e demais elementos, que perpassam o
fazer na escola, se torna possível com a participação ativa do estagiário no campo que será,
em um futuro próximo, seu local de trabalho.
Nesta configuração, o estágio se torna uma ponte entre o conhecimento teórico,
filosófico e metódico com a realidade cotidiana do ambiente escolar, uma vez que a ida ao
campo proporciona um olhar mais amplo e aprofundado das técnicas e teorias aprendidas na
Universidade. Os momentos de vivência em sala de aula possibilitaram diversificados
conhecimentos, entre eles agregar experiência e refletir sobre a relevância da formação de
alunos leitores, por meio de observações das ações das professoras que favorecem a leitura e
decodificação do mundo.
Os dados obtidos possibilitaram compreender melhor as estratégias utilizadas pelas
professoras pesquisadas para a formação leitora dos alunos, considerada por elas como
essencial para a vida deles. Ressalta-se ainda entre as respostas que o acesso aos diferentes
tipos de leitura e a ida à biblioteca desenvolverá o gosto pela leitura, além de apontar o papel
da família e do professor nessa empreitada.
Em relação às estratégias utilizadas, os professores relatam escolher os textos de modo
variado, de acordo com as necessidades da turma. Além disso, propõem leituras diárias e sem
cobranças, com diferentes gêneros, tomando leitura em voz alta, também utilizam de baú e
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avental de livros e gibis para os alunos que vão terminando as atividades, além dos projetos
que a escola realiza.
Os avanços que essas práticas proporcionaram aos alunos foram na perspectiva dos
professores: melhora na interpretação, na escrita e na leitura oral, também no prazer em ler, e
a motivação ocorrida pela interação com a família.
Dessa forma, com o objetivo de compreender as estratégias para a formação de alunos
leitores empreendidas por professoras, atuantes nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
considera-se que há diversidade de ações promovidas por elas e pela escola, tendo em vista
melhorar a vida dos alunos e que as estratégias trouxeram retornos positivos no desempenho
de leitura deles.
Ressalta-se que aproximar os alunos das práticas de leitura pode acontecer em
momentos próprios, como em momentos espontâneos, ou seja, nas diversas atividades
cotidianas propostas pelo professor, de modo prazeroso para ambos. Para isso, um requisito
primeiro é a imersão do professor no mundo das múltiplas leituras para que ele se aproprie do
sentido delas, do prazer em ler e da função mediadora no contato aluno-texto.
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